O controle de constitucionalidade de normas municipais

Resumo: O Estado brasileiro apresenta uma forma federativa complexa ao reconhecer como entes da federação a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal, tendo em vista que, todas estas entidades federais dentro de sua autonomia política poderão elaborar normas fundamentais de organização, como as Constituições Estaduais, a Lei Orgânica Distrital e as Leis Orgânicas Municipais, além da produção de leis e atos normativos estaduais, distritais e municipais. Este extenso sistema normativo determina a existência de um complexo modelo de controle de constitucionalidade. No presente trabalho iremos estabelecer a possibilidade e as hipóteses de se exercer controle de constitucionalidade sobre as Leis Orgânicas Municipais e os atos normativos municipais, tomando-se por base os paradigmas ou parâmetros de constitucionalidade a Constituição Federal e a Constituição Estadual, além da possibilidade do controle de constitucionalidade dos atos normativos municipais em face da Lei Orgânica Municipal.


Palavras Chave: Inconstitucionalidade; Controle de Constitucionalidade; Normas Municipais.


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Abstract: The Brazilian State presents a complex federative form when recognizing as beings of the federacy the Union, the State-members, the Cities and the Federal District, in view of that, all these federal entities inside of its autonomy politics will be able to elaborate basic norms of organization, as the State Constitutions, the District Organic Law and the Municipal Organic Laws, beyond the production of laws and state, district and municipal acts normative. This extensive normative system determines the existence of a complex model of constitutionality control. In the present work we will go to establish the possibility and the hypotheses of if exerting constitutionality control on the Municipal Organic Laws and the municipal normative acts, being overcome for base the paradigms or parameters of constitutionality the Federal Constitution and the State Constitution, beyond the possibility of the control of constitutionality of the municipal normative acts in face of the Municipal Organic Law.


Key words: Unconstitutionality; Control of Constitutionality; Municipal Norms.


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS


O Estado contemporâneo é sem a menor sombra de dúvida um Estado Constitucional.


Hodiernamente a noção de Constituição encontra-se umbilicalmente ligada ao conceito de Estado, tendo em vista que é impossível conceber um Estado sem Constituição e uma Constituição sem Estado. Desta forma, assume o texto constitucional a posição de delimitador do horizonte de possibilidades para elaboração de todo o arcabouço legislativo de uma nação e de condição de validade de todos os atos jurídicos.


Assume relevo, assim, a tarefa de conformar os atos normativos com a Constituição, através do chamado Controle de Constitucionalidade.


Aliado à tudo isso, destacamos ainda, o fato que nosso país assume a forma de Estado federativa, sendo nossa federação composta pela União, Estados- membros, Distrito Federal e Municípios , todos dotados de autonomia conforme se depreende da lítera do caput do art. 1º da e do caput do art. 18, ambos da Constituição Federal de 1988, senão vejamos:


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…)


Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”


Como é sabido os entes federativos não possuem soberania, mas são todos dotados de autonomia política, ou seja, possuem poder de agir dentro dos limites fixados pela Constituição Federal. Essa autonomia importa na existência e possibilidade destes entes exercerem quatro prerrogativas, quais sejam: auto-organização, autolegislação, autogovernabilidade e auto-administração.


A auto-organização implica na possibilidade dos entes da federação, estabelecerem suas normas fundamentais de organização, como as Constituições Estaduais, a Lei Orgânica Distrital e as Leis Orgânicas Municipais. E a autolegislação determina a produção de leis e atos normativos estaduais, distritais e municipais dentro da competência de cada um dos respectivos membros da federação.


No presente estudo, buscaremos então estabelecer a possibilidade e as hipóteses de se exercer controle de constitucionalidade sobre as Leis Orgânicas Municipais e os atos normativos municipais, tomando-se por base os paradigmas ou parâmetros de constitucionalidade a Constituição Federal e a Constituição Estadual, além da possibilidade do controle de constitucionalidade dos atos normativos municipais em face da Lei Orgânica Municipal.


2. PRESSUPOSTOS ESSENCIAIS AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE


Antes de ingressarmos, no estudo do controle de constitucionalidade, devemos estabelecer qual é o terreno fértil e propício para que ele nasça e se desenvolva, ou seja, quais os pressupostos necessários para sua existência.


Na lição de Michel Temer, o Controle de Constitucionalidade pressupõe, necessariamente o reconhecimento da supremacia da Constituição, ou seja, a existência de um escalonamento normativo, onde o texto constitucional ocupa o ponto mais alto do sistema normativo e também  a existência de uma Constituição rígida, onde o poder constituinte originário estabelece um processo mais árduo de modificação constitucional (ou nenhum processo modificativo) que o processo de elaboração normativa inferior (TEMER, 2006, p. 44-45).


Para Pedro Lenza, é essencial ao controle de constitucionalidade a existência de uma Constituição Rígida (que conduz ao reconhecimento do princípio da supremacia constitucional) e a atribuição de competência a um órgão para resolver os problemas de constitucionalidade (LENZA, 2007, p. 149-150).


Já Alexandre de Moraes defende que a idéia de controle de constitucionalidade está ligada à supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, à idéia de rigidez constitucional e a proteção dos direitos fundamentais, sendo este ultimo pressuposto apontado pelo autor como a primordial finalidade do controle de constitucionalidade (MORAES, 2005, p. 625).


Evidente que todos estes elementos são essenciais à existência do controle de constitucionalidade, contudo parece-nos que o mais essencial é o princípio da supremacia da constituição.


José Afonso da Silva explica tal principio da seguinte forma:


O principio da supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, ‘é reputado como pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político’. Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça  e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas”. (SILVA, 2001, p. 45)


Neste mesmo sentido destacamos a doutrina de Clèmerson Merlim Clève:


“(…) a compreensão da Constituição como Lei Fundamental implica não apenas o reconhecimento de sua supremacia na ordem jurídica, mas, igualmente, a existência de mecanismos suficientes para garantir juridicamente (eis um ponto importante) apontada qualidade. A supremacia diga-se logo, não exige apenas a compatibilidade formal do direito infraconstitucional com os comandos maiores definidos do modo de produção das normas jurídicas, mas também a observância de sua dimensão material. A Constituição, afinal, como quer Hesse, é uma ‘ordem fundamental, material e aberta de uma comunidade’. É uma ordem, eis que reside sua posição de supremacia. É ademais, ordem material porque além de normas, contém uma ordem de valores: o conteúdo do direito, que não pode ser desatendido pela regulação infraconstitucional.” (CLÈVE, 2000, p. 27)


Assim podemos verificar, que sem o reconhecimento da supremacia da Constituição sobre toda a ordem jurídica de determinado Estado é impossível falar na existência de controle de constitucionalidade.


3. BREVES PONDERAÇÕES À CERCA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE


O vocábulo controle significa a verificação, por parte de um sujeito controlador, da adequação de um objeto controlado a um objeto que serve de paradigma. Dessa forma percebe-se que o controle não é a adequação de um objeto a outro, que lhe é posto como paradigma; mas é a verificação dessa adequação. Assim, controle não é binômio entre dois objetos, mas é uma verificação feita por um sujeito sobre esse binômio. Seria, portanto então, um trinômio, implicando sempre na presença de três elementos: o sujeito controlador, que realiza o controle, tendo diante de si dois objetos, que são por ele comparados: o objeto controlado propriamente dito e o objeto-paradigma do controle, os quais não raro são chamados, simplesmente, objeto e paradigma do controle.


Seguindo esta linha de raciocínio, o controle de constitucionalidade terá como sujeito controlador um órgão público jurisdicional ou não, existirá um objeto controlado, que será sempre um ato normativo, e ainda um objeto-paradigma, que será sempre uma norma fundamental.


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Dessa forma, controle de constitucionalidade de normas então, seria verificação por um órgão competente da consonância ou compatibilidade de uma determinada espécie normativa, levando-se em consideração uma Constituição, que fundamenta a validade daquela norma e, portanto, não podendo ser contrariada pela aquela norma inferior.


Para Alexandre de Moraes, “controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais.” (MORAES, 2005, p. 627)


Michel Temer salienta que:


“Controlar a constitucionalidade de ato normativo significa impedir a subsistência da eficácia de norma contraria à Constituição. Também significa a conferência da eficácia plena de todos os preceitos constitucionais em face da previsão do controle de inconstitucionalidade por omissão”. (TEMER, 2006, p. 44).


É cediço que, sempre uma lei ou ato normativo não estiver conformado, ou seja, afrontar uma Constituição ou norma fundamental ele será considerado inconstitucional.  Segundo a maioria da doutrina, essa incompatibilidade poderá ser de duas formas: a) do ponto de vista formal e b) do ponto de vista material . 


O vício formal determina que as leis ou atos normativos devem observar as normas constitucionais de processo legislativo (devido processo legislativo, previsto nos artigos. 59 a 69 da Carta Magna de 1988), sob pena de padecerem de inconstitucionalidade formal. Essa hipótese de inconstitucionalidade poderá ser classificada em dois critérios: a.1) subjetivo, que refere-se à fase introdutória do processo legislativo, ou seja, à questão de iniciativa, posto que qualquer espécie normativa editada em desrespeito ao processo legislativo, em especial às regras de iniciativa do projeto de lei, padecerá de flagrante vício de inconstitucionalidade; e a.2) objetivo, que está ligados às duas outras fases do processo legislativo (constitutiva e complementar), que não à iniciativa, uma vez que toda e qualquer espécie normativa deverá respeitar o trâmite do processo legislativo previstos na constituição (Ex: lei complementar aprovada por maioria simples) .


O vício material, trata-se da verificação material (em relação à matéria) da compatibilidade do objeto da lei ou do ato normativo com a Constituição.


Já controle de constitucionalidade é classificado em relação ao momento de sua realização, levando em consideração o ingresso da lei ou ato normativo no ordenamento jurídico, assim, enquanto o a) controle preventivo pretende impedir que alguma norma inconstitucional ingresse no ordenamento jurídico, o b) controle repressivo busca expulsar do ordenamento jurídico a norma editada em desrespeito à Constituição.


O controle prévio é realizado durante o processo legislativo de formação do ato normativo e antes do projeto de lei ingressar no ordenamento jurídico. Este controle será realizado em regra pelos poderes Legislativo e Executivo e excepcionalmente pelo Judiciário. O Legislativo fará o controle preventivo através das comissões de constituição e justiça, na forma que determinar o regimento interno da respectiva casa legislativa. O chefe do poder executivo (enquanto partícipe do processo legislativo) após aprovada a proposição legal na respectiva casa legislativa competente, poderá sanciona-lo ou veta-lo, total ou parcialmente. Ocorrendo o veto este poderá se dar por duas razões considerar a proposição legal inconstitucional (veto jurídico) ou considera-la contrária ao interesse público (veto político). Quanto ao controle do Judiciário é possível o controle de constitucionalidade durante o processo de feitura das espécies normativas, especialmente em relação à fiel observância das normas constitucionais do devido processo legislativo (CF, arts. 59 a 69). Segundo entendimento do Supremo tribunal Federal, compete ao Poder Judiciário analisar, em sede de mandado de segurança ajuizado por parlamentar, a regularidade na observância (por parte da respectiva casa legislativa) de normas constitucionais referentes ao processo legislativo, uma vez que os parlamentares tem direito líquido e certo a não participarem de processo legislativo contrário à Constituição Federal.


Já o controle de constitucionalidade repressivo será realizado sobre a lei e não mais sobre o projeto de lei, após o término de seu processo legislativo e seu ingresso no ordenamento jurídico. Existem dois sistemas ou métodos de controle judiciário de constitucionalidade repressivo: b.1) controle concentrado, abstrato ou reservado ou de via de ação e b.2) controle difuso, concreto ou aberto ou de via de exceção.


Quanto ao controle difuso ou concreto que é exercido por qualquer juiz ou tribunal, todas as esferas normativas (leis ou atos normativos federais, estaduais, distritais e municipais) estão sujeitas a este controle respeitada a competência do órgão jurisdicional, evidentemente.  Também conhecido como controle por via de exceção, caracteriza-se pela permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição. Na via de exceção, a pronúncia do Judiciário, sobre a inconstitucionalidade, não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito. Nesta via, o que é outorgado ao interessado é obter a declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou ato normativo, produzidos em desacordo com a Lei maior. Entretanto, este ato normativo ou lei permanece válido no que se refere à sua força obrigatória com relação à terceiros.


Assim, o controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. A declaração de inconstitucionalidade, nesse caso, é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo pois objeto principal da ação.


Em contrapartida à esta espécie de controle difuso, temos o controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade, onde procura-se obter a declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo em tese, independentemente da existência de um caso concreto, visando-se à obtenção da invalidação da lei, a fim de garantir-se a segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais. A declaração de inconstitucionalidade é, pois, o objeto principal da ação.


No Brasil temos as seguintes as espécies de controle concentrado de constitucionalidade contempladas pela Carta Política de 1988:


a) Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica – ADI ou ADIn (art. 102, I, “a”, CF/88);


b) Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva – ADIn Interventiva (art. 36, III, CF/88);


c) Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADIN por Omissão (art. 103, § 2°);


d) Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADECON ou ADC (art. 102, I, a, in fine, CF/88);


e) Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF (art. 102, § 1º, CF/88).


4. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS MUNICIPAIS


Após estas breves e pontuais considerações sobre o controle de constitucionalidade podemos responder os questionamentos que cercam nosso assunto.


Como já foi dito o controle de constitucionalidade divide-se em preventivo ou repressivo. A nós caberá a analise somente do controle repressivo, tendo em vista que o controle preventivo não traz grandes indagações no âmbito municipal, já que o controle preventivo que existe em nível federal é seguido pela respectiva Casa Legislativa em âmbito estadual (Assembléia Legislativa), distrital (Câmara Legislativa) e municipal (Câmara de Vereadores), pois o processo legislativo previsto na Constituição Federal, constitui-se norma de repetição obrigatória, e deve ser compatíveis e constar necessariamente nas normas fundamentais de cada um dos entes da Federação.


Então assume importância o estudo do controle repressivo de normas municipais. Esta espécie de controle ainda se subdivide em controle abstrato e difuso.


O controle difuso dos atos normativos municipais não será por nós explorado, haja vista que, já afirmamos anteriormente que ele poderá ser exercido de forma ampla, tendo como objeto de controle uma lei ou um ato normativo municipal e parâmetro ou paradigma de constitucionalidade tanto a Constituição Federal, quanto a Constituição Estadual do respectivo Estado-membro onde está situado o Município e até mesmo a própria Lei Orgânica do Município, que será exercida por qualquer juiz ou tribunal. Evidentemente que levada em consideração a respectiva competência processual.


Resta, portanto o chamado controle de constitucionalidade abstrato, que é o que traz maiores dúvidas e é pouco explorado doutrinariamente em nosso país. Este sim é o nosso objeto de estudo.


Nossos questionamentos então seriam:


1º) É possível controle abstrato de constitucionalidade da Lei Orgânica Municipal e leis ou atos normativos em face da Constituição Federal? Em sendo possível, em qual ou quais modalidades?


2º) É possível controle abstrato de constitucionalidade da Lei Orgânica Municipal e leis ou atos normativos em face da Constituição Estadual? Em sendo possível, em qual ou quais modalidades?


3º) É possível controle abstrato de constitucionalidade leis ou atos normativos municipais em face da Lei Orgânica Municipal? Em sendo possível, em qual ou quais modalidades?


Passaremos então a responder cada um destes questionamentos individualmente.


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5. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL E DE LEIS OU ATOS NORMATIVOS MUNICIPAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL


Para respondermos este primeiro questionamento basta a leitura do art. 102, inc. I, “a” da Constituição Federal de 1988, que contém a disciplina do controle de constitucionalidade abstrato como parâmetro de constitucionalidade a própria Constituição, que é exercido pelo Supremo Tribunal Federal vejamos:


Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:


I – processar e julgar, originariamente:


a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;” (…)


Desta forma é possível perceber claramente que as Leis Orgânicas Municipais, não podem ter dispositivos normativos declarados inconstitucionais em controle abstrato, por ausência de previsão constitucional e interpretação neste sentido, restando, portanto apenas a via difusa de controle de constitucionalidade, que ocorrerá no STF somente através do Recurso Extraordinário, conforme dispõe o art. 102, inc. III da CF/88 e desde que presente o requisito de admissibilidade da repercussão geral (art. 103, § 3º da CF/88).


Nesse sentido destacamos a jurisprudência do colendo Supremo Tribunal Federal:


“Recurso extraordinário. Argüição de inconstitucionalidade de dispositivo da Lei Orgânica do Município de Boa Vista, Estado de Roraima, julgada improcedente. 2. Assentado o entendimento de que a fixação do número de vereadores da Câmara Municipal de Boa Vista, pelo art. 13 da Lei Orgânica em foco, então impugnado, está dentro dos limites da regra constitucional Federal. 3. Juízo de validade de norma municipal, pelo Tribunal de Justiça do Estado, em face de regra da Constituição Federal. O art. 125, § 2º, da Lei Magna, prevê a hipótese de controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, tão-só, diante da Constituição estadual. 4. A norma da Carta de Roraima apontada como ofendida – o art. 15 – não constitui regra de repetição do art. 29, IV, a, da Lei Magna Federal, à vista do qual se proferiu a decisão. 5. Não dispunha a Corte local de competência para processar e julgar a constitucionalidade de dispositivo da Lei Orgânica do Município de Boa Vista, perante a Constituição Federal (art. 29, IV, a). 6. Extinção do processo sem julgamento do mérito por impossibilidade jurídica do pedido, eis que a Constituição não prevê a hipótese de ação direta em que se argüa a inconstitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Federal. 7. Recurso extraordinário conhecido e provido para anular o acórdão, por incompetência do Tribunal local.” (STF – Recurso Extraordinário – RE n. 171819/RR – Relator(a):  Min. Néri da Silveira – Julgamento em  08/04/2002 – Órgão Julgador:  Segunda Turma – DJ 24-05-2002 PP-00069) (destacamos)


“CONSTITUCIONAL. PENAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS OU ATOS NORMATIVOS MUNICIPAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO. VALIDADE DA NORMA EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. HIPÓTESE DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. I – Os Tribunais de Justiça dos Estados, ao realizarem o controle abstrato de constitucionalidade, somente podem utilizar, como parâmetro, a Constituição do Estado. II – Em ação direta de inconstitucionalidade, aos Tribunais de Justiça, e até mesmo ao Supremo Tribunal Federal, é defeso analisar leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal. III – Os arts. 74, I, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo não constituem regra de repetição do art. 22 da Constituição Federal. Não há, portanto, que se admitir o controle de constitucionalidade por parte do Tribunal de Justiça local, com base nas referidas normas, sob a alegação de se constituírem normas de reprodução obrigatória da Constituição Federal. IV – Recurso extraordinário conhecido e provido, para anular o acórdão, devendo outro ser proferido, se for o caso, limitando-se a aferir a constitucionalidade das leis e atos normativos municipais em face da Constituição Estadual.” (STF – Recurso Extraordinário – RE n. 421256/SP – Relator(a):  Min. Ricardo Lewandowski – Julgamento em  26/09/2006 – Órgão Julgador:  Primeira Turma – DJ 24-11-2006 PP-00076) (destaques nossos)


Não obstante a isso, é importante ressaltar que relativamente à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, qualquer ato municipal, seja ele normativo ou não, que viole um preceito fundamental da Constituição Federal, poderá ser controlado abstratamente, levando se em consideração o parâmetro de constitucionalidade da Constituição Federal, nos termos do art. 102, § 1º da CF/88. Porém quanto às demais espécies de ações de controle abstrato não há possibilidade.


6. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL E LEIS OU ATOS NORMATIVOS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL


Em uma Federação o controle de constitucionalidade em face da Constituição Federal é obra do poder constituinte originário e decorre do princípio da supremacia da Constituição.


Para se criar uma jurisdição constitucional nos demais entes da federação é preciso autorização expressa da Constituição Federal, para a criação das Constituições dos Estados-membros e ainda o poder para regular, especificamente, a defesa judicial de suas Constituições.


No Brasil a auto-organização dos Estados-membros está descrita no caput do art. 25 da CF/88. Já o poder de criar sua jurisdição constitucional está prevista no art. 125, § 2º da Carta Política, senão vejamos:


Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.


Art. 125 – Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. (…)


§ 2º – Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.”


Portanto, nota-se que os Estados-membros poderão instituir a Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica contra atos normativos municipais em face da Constituição Estadual. No Brasil, todas as Constituições estaduais, sem exceção, disciplinaram o instituto, com maior ou menor legitimação.


Quanto à possibilidade de instituição da Ação Declaratória de Constitucionalidade no âmbito estadual a CF/88 foi silente, porém segundo o Gilmar Ferreira Mendes é perfeitamente possível a criação de Ação Direta de Constitucionalidade no âmbito Estadual, para se declarar a constitucionalidade de atos normativos municipais, como parâmetro na Constituição Estadual, vejamos:


“Ora, tendo a Constituição de 1988 autorizado o constituinte estadual a criar a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Carta Magna estadual (CF, art. 125, § 2º) e restando evidente que tanto a representação de inconstitucionalidade, (…) quanto a ação declaratória de constitucionalidade, (…) possuem caráter dúplice ou ambivalente, parece legítimo concluir que, independentemente de qualquer autorização expressa do legislador constituinte federal, estão os Estados-membros legitimados a instituir a ação declaratória de constitucionalidade.” (MENDES, 2004, p. 367)


Outra questão interessante é a possibilidade ou não da instituição da Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão no âmbito estadual, já que o § 2º do art. 125 da CF/88 fala em “representação de inconstitucionalidade”. Sobre o tema selecionamos o magistério de Gilmar Ferreira Mendes, que considera que tanto na ADI Genérica quanto na ADI Por Omissão o pedido é o mesmo, ou seja, a declaração de uma inconstitucionalidade, portanto, seria permitido a criação de ADI por omissão no âmbito estadual, para se declarar a inconstitucionalidade por omissão de ato normativo municipal em face da Constituição Estadual:


“(…) as ações diretas por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão têm, em grande parte, um objeto comum – a omissão parcial –, então parece correto admitir que a autorização contida na Constituição Federal para a instituição da representação de inconstitucionalidade no plano estadual é abrangente tanto da ação direta de inconstitucionalidade em razão da ação, como da ação direta por omissão”. (MENDES, 2004, p. 377)


Assim sendo, as Constituições estaduais que optaram por disciplinar diretamente o controle abstrato da omissão acabaram por consagrar formula plenamente compatível com a ordem constitucional vigente.


Relativamente à Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva, prevista no art. 35, inc. IV da CF/88, somente será decretada intervenção estadual em municípios, quando ato normativo municipal violar algum principio constitucional sensível, previsto na Constituição Estadual.


Com relação à possibilidade de existir Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, decorrente de violação de preceito fundamental da Constituição Estadual, através de atos normativos municipais, salientamos o entendimento de André Ramos Tavaresque esclarece que este instituto deveria sim ser criado em âmbito estadual, dada a sua importância, informando que alguns Estados-membros assim o fizeram, como é o exemplo de São Paulo, Alagoas, Rio Grande do Norte. Vejamos seu posicionamento:


‘Decorrência imediata da desatenção para com o instituto revela-se na sua escassa previsão pelos entes estaduais, em suas respectivas constituições, o que se impõe em atenção ao principio da simetria”. (TAVARES, 2001, p. 85)


Ante ao exposto, podemos afirmar que o controle abstrato de constitucionalidade da Lei Orgânica Municipal e de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Estadual é perfeitamente possível, e ainda que estas normas municipais podem ser controladas através de todas as espécies de ações de ações de controle abstrato de constitucionalidade, seja por ADI Genérica, ADI Por Omissão, ADC, ADI Interventiva, ou ADPF.


7. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE LEIS OU ATOS NORMATIVOS MUNICIPAIS EM FACE DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL


O controle de constitucionalidade em abstrato de normas municipais tendo como parâmetro de constitucionalidade a Lei Orgânica de um determinado município é impossível, já que não existe previsão constitucional.


Ademais vale lembrar que alguns autores sequer consideram o poder dos municípios de auto-organizar através de Leis Orgânicas uma manifestação do Poder Constituinte Derivado Decorrente, como Luiz Alberto David Araújo & Vidal Serrano Nunes Junior, que consideram as leis orgânicas como produtos “da mera elaboração legislativa da Câmara de Vereadores” (ARAUJO; NUNES JUNIOR, 2006, p. 299.).


Destacamos o posicionamento do STF sobre o tema:


Recurso Extraordinário. 2. Controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal em face da Lei Orgânica do Município. Inexistência de previsão constitucional. 3. Recurso não conhecido. (STF – Recurso Extraordinário – RE n. 175.087/SP – Relator(a):  Min. Néri da Silveira – Julgamento em  19/03/2002 – Órgão Julgador:  Segunda Turma – DJ 17-05-2002 PP-00073)


Em resumo, tendo como parâmetro de constitucionalidade a Lei Orgânica Municipal não existe possibilidade de controle de concentrado de constitucionalidade, até porque não existe um órgão para exercer este controle.


 


Referência bibliográfica

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DIMOULIS, Dimitri. Dicionário brasileiro de direito constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2007.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 21 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Método, 2007.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.

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MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5 ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2002.

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MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2007.

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SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 19 ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Malheiros, 2001.

TAVARES, André Ramos. Tratado da argüição de preceito fundamental. São Paulo: Saraiva, 2001.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006.


Informações Sobre o Autor

Alberto de Magalhães Franco Filho

Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM, Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM, Mestre em Direito Coletivo, Cidadania e Função Social pela Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP, Professor efetivo Assistente I da Universidade Federal de Viçosa Campus de Rio Paranaíba.


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