O déficit da Previdência Social: o impacto da aposentadoria por invalidez e sua abordagem na Reforma da Previdência

Resumo: O sistema previdenciário brasileiro encontra-se inserido na estrutura da seguridade social, não obstante caracterizar-se, sobretudo, pelo seu caráter contributivo. A saúde financeira deste sistema encontra-se fundamentada na manutenção do custeio através de repasses oriundos da classe trabalhadora, empresarial e do governo. Dentre as disposições integrantes na Proposta de Emenda Constitucional 287/2016 – Reforma da Previdência, tem-se a imposição de requisito referente à idade mínima do segurado, sob o fundamento de que contribui significativamente para a suposta situação deficitária o aumento da expectativa de vida do trabalhador brasileiro, e por consequência, o tempo de recebimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. A partir da análise de dados estatísticos extraídos de órgãos do governo federal, constatou-se um elevado índice de concessão do benefício de Aposentadoria por Invalidez pagos pelo Regime de Próprio de Previdência social. Tal informação deve ser utilizada como parâmetro para fundamentar alterações na atual sistemática previdenciária brasileira, já que à aposentadoria por tempo de contribuição não poderá ser direcionada a pecha de grande causadora de deficiência de orçamentária.[1]

Palavras-Chave: Reforma da Previdência. Aposentadoria. Expectativa de Vida. Invalidez. Ineficácia.

Abstract: The Brazilian social security system is part of the structure of social security, although it is mainly characterized by its contributory nature. The financial health of this system is based on the maintenance of the cost through transfers from the working class, business and government. Among the provisions included in Proposal for Constitutional Amendment 287/2016 – Pension Reform, there is the imposition of a requirement regarding the minimum age of the insured, on the grounds that significantly contributes to the supposed deficit situation the increase in life expectancy of the insured. Brazilian worker, and, consequently, the time of receipt of the benefit of retirement by time of contribution. Based on the analysis of statistical data extracted from federal government agencies, a high rate of concession of the Invalidity Retirement benefit paid by the Social Security Pension Scheme was verified. Such information should be used as a parameter to justify changes in the current Brazilian social security system, since to retirement for time of contribution can not be directed to pecha of great cause of budgetary deficiency.

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Keywords: Reform of Social Security. Retirement. Life expectancy. Invalidity. Ineffectiveness.

Sumário: Introdução. 1. O funcionamento da Seguridade Social. 2. Princípios da Previdência Social. 3. O Sistema Previdenciário Brasileiro e sua participação no orçamento da seguridade. 4. A PEC 287/16 e as possíveis alterações na aposentadoria por invalidez 5. Levamento de dados da aposentadoria por invalidez. Considerações finais. Referências

INTRODUÇÃO

A previdência social no Brasil, em qualquer dos regimes, possui a sua estrutura financeira/orçamentária questionada. Para tanto, tradicionalmente tem-se utilizado os mesmos argumentos, e em quase todos o aumento da expectativa de vida e a má-gestão se encontram inseridos.

Os dois fatores são incontestes, pois se baseiam em dados estatísticos e fatos apurados pelos órgãos fiscalizadores. Por esta razão, deixa-se de abordar outros objetos, que por influenciarem no controle orçamentário deste complexo sistema, também são aptos a produzirem consequências prejudiciais à sua manutenção.

Este trabalho buscará inserir outros fatores potencialmente influenciares para o suposto déficit orçamentário do sistema previdenciário brasileiro, levando- se em consideração o que está sendo proposto pelo Executivo Federal através da PEC 287/2016.

A aposentadoria por invalidez, como um dos benefícios concedidos pela previdência social, prevista para os trabalhadores segurados pelo Regime Geral e pelos Regimes Próprios de previdência, representa uma importante despesa orçamentária, e que por isso deverá ter sua respectiva fonte de custeio.

Sendo assim, é de extrema importância o estudo da reforma da previdência, questionando os reais fatores que estão sendo considerados como justificativa para se alterar o sistema constitucional de previdência social. Está evidenciado que não foi realizado um estudo a fundo quanto a aposentadoria por invalidez, não levando em conta o valor gasto atualmente com este tipo de aposentadoria, e que com o que está sendo proposto.

1. O FUNCIONAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL

A seguridade social visa o amparo e a proteção dos cidadãos, nela contendo um conjunto de direitos fundamentais que visam assegurar os direitos referentes à saúde, assistência social e previdência social. O art. 6º da CRFB/88 dispõe acerca da competência dos entes federativos, prevendo o envolvimento de todos direcionados ao atingimento dos seus objetivos.

Para Martins, a seguridade social é:

“Um conjunto de princípios, de normas e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingência que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (2009 apud André Luiz; SETTE, 2007, p.63).

Convém ressaltar que a seguridade social é um conjunto de medidas que proporciona à sociedade e aos seus integrantes estabilidade, a fim de que se possam evitar desequilíbrios econômicos e sociais que, não sendo resolvidos, significariam a redução ou perda de renda. Ensina Martins (2009, p. 21): “A Convenção da OIT considera como contingências: idade avançada, invalidez, morte, enfermidade, maternidade, acidente de trabalho, prestações familiares, desemprego e tratamento médico”.

A seguridade social não se limita à incumbência estatal, mas a sociedade assume importância significativa no custeio e fiscalização. Por esta razão, o interesse público deverá ser pautado através de todas as ações de seguridade, visando atuar em situações de vulnerabilidade social.

As receitas necessárias para custear os programas da seguridade social são denominadas verbas carimbadas, pois o orçamento é destinado ao custeio de despesas ligadas diretamente à Seguridade Social, não se misturando com o orçamento da União.

Segundo Sergio Pinto Martins:

“São fontes de custeio da Seguridade Social:

dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro. Sobre o faturamento incide a Confins (Lei Complementar nº 7/70) e o PIS (Lei Complementar nº 7/70). Sobre o lucro incide a contribuição social criada pela Lei nº 7.689/88;;

Dos trabalhadores;

Sobre a receita de concursos de prognósticos;

Do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar (Lei nº 10.865/04)”. (2009, p.65)

A Seguridade Social é gênero, tendo como espécies a Saúde, Assistência Social e a Previdência Social. A saúde pública brasileira é garantida pelo Sistema Único de Saúde- SUS, com o objetivo de acesso integral e gratuito para todos que dela precisam.

A gestão financeira dos orçamentos das receitas orçamentárias da saúde é administrada pelo Ministério da Saúde, quanto à área federal, e as secretárias estaduais e municipais da saúde cabem a sua administração o orçamento.

O financiamento da saúde pública requer receitas que advém da seguridade social. Sendo gratuita, por óbvio, não há retorno contributivo. Para Setter (2007, p.65) “O direito a saúde é uma extensão do direito a uma vida digna, do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, pois, destinado a todos, independentemente de contribuição”.

A assistência social, regulamentada Lei nº 8.742/93 ( Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), tem sua administração através do Conselho Nacional da Assistência Social. Seu principal objetivo é amparar os hipossuficientes. Possui um rol de benefícios e serviços com a finalidade de garantir o mínimo substancial para sobrevivência. Na sua esfera protetiva encontra-se a família, a maternidade, as crianças, idosos e os portadores de necessidades especiais.

Assim como a saúde, as prestações oriundas da assistência social são prestadas gratuitamente aos beneficiários, não pressupondo contrapartida pecuniária para o seu gozo.

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A este respeito, Sette (2009) declara que as pessoas destituídas de condição de se manter com sua própria renda, não tendo acesso a direitos básicos advindos da condição humana, mesmo que nunca tenham contribuído para estrutura estatal com recursos financeiros, terá direito à prestação assistencial. Trata-se de um preenchimento de lacunas inseridas no sistema previdenciário.

A previdência social possui estrutura diferente da saúde e assistência social, justamente em face do seu caráter contributivo, bem como de filiação obrigatória. Trata-se de um seguro que ampara somente os que ali contribuem, visando garantir o sustento do trabalhador e de seus dependentes em situações de idade avançada, desemprego, maternidade, doença, reclusão, morte ou invalidez.

Sobre o assunto, Martins:

“A contribuição previdenciária seria uma obrigação tributária, uma prestação pecuniária compulsória paga ao ente público, com a finalidade de constituir um fundo para ser utilizado em contingências previstas em lei. Trata-se de uma contribuição social caracterizada pela sua finalidade, isto é, constituir um fundo para o trabalhador utiliza-lo quando ocorrerem certas contingencias previstas em lei” (2007, p. 74).

É possível afirmar que a Previdência Social busca transmitir a disposição do item um do artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“1.Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”. (1948, p.1)

1 PRINCÍPIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

O princípio da contributividade atinge tanto o Regime Geral de Previdência Social quanto ao Regime Próprio, pois sua previsão se encontra no próprio texto constitucional, artigos 40 e 201 (BRASIL).

“Pelo Princípio da Contributividade, a previdência social apenas concederá os seus benefícios e serviços aos segurados (e seus dependentes) que se filiarem previamente ao regime previdenciário, sendo exigido o pagamento de tributos classificados como contribuições previdenciárias, haja vista se tratar do único subsistema da seguridade social com natureza contributiva direta”. (AMADO, 2012, pág. 93).

“A qualidade de segurado é mantida, em regra, pela continuidade no pagamento das contribuições, uma vez que o subsistema previdenciário fulcra-se na contributividade. Essa foi a opção do constituinte buscando manter o equilíbrio financeiro-atuarial. Com isso, para ter acesso as prestações, faz-se necessário verter contribuições para o Sistema”. (HOVART, 2011, p.49).

Somente gozarão dos benefícios os trabalhadores que se filiarem à Previdência Social, e como consequência deste ato, terão que contribuir e cooperar financeiramente, de forma obrigatória, para a manutenção da mesma, com exceção aos dependentes dos segurados, mas que só receberão em virtude da filiação do segurado.

O princípio da solidariedade é considerado o pilar da previdência social, pois todos os trabalhadores transferem parte da sua renda, para propiciar sobrevivência quando o trabalhador passa por alguma contingência. Há uma união por meio da qual se atinge o equilíbrio financeiro e o reestabelecimento de uma situação de mínimo existencial.

Reforça esse entendimento Sette:

“O princípio em comento estabelece que toda a sociedade tem o dever de financiamento da seguridade social, quer diretamente, quer indiretamente, ou seja, o dever de financiamento não decorre especificamente do exercício de determinada atividade ou da realização de determinado fato relacionado com a atividade empresa, mas, sobretudo, do dever de solidariedade existente, justificando-se, por conseguinte, a cobrança de contribuições daqueles que possuem maior capacidade contributiva, em favor dos mais miseráveis.” (2007, p. 121)

Por meio deste princípio, a previdência social transmite uma segurança maior para o trabalhador, pois caso ocorra qualquer evento inesperado, como um desemprego, doença ou até mesmo uma aposentadoria por invalidez, e entre outros, por meio dele é garantido a proteção.

A Previdência Social, para promover um equilíbrio, arrecada dos trabalhadores de maneira proporcional, conforme o valor do ganho remuneratório, fazendo com que há um financiamento de maior parcela daquele que aufere maior renda, também como reflexo da solidariedade na distribuição do ônus contributivo.

O princípio da universalidade de cobertura e de atendimento traz como desígnio, a obrigatoriedade de adesão ao sistema, fazendo com que o benefício seja estendido para todos que dela contribuem. Como contrapartida, o trabalhador terá proteção em situações imprevisíveis e que gerem um estado de necessidade, ou seja, toda e qualquer eventualidade deve ser atendida pela Seguridade Social.

Deve-se deixar claro que não são todas as pessoas que tem o amparo da Seguridade Social, mas somente as pessoas seguradas pela previdência. Os riscos que podem vir acontecer e que são amparados, referem-se à invalidez, morte, idade avançada, como dispõe a lei 8.213/91 (BRASIL).

No que diz respeito às contingências, deve-se reconhecer que há uma limitação orçamentária do governo, bem como os compromissos já assumidos pela sociedade, exigindo do sistema o equilíbrio entre o que se arrecada e o dispêndio com o pagamento de benefícios.

Mais uma vez, ensina Sette (2007):

“É possível a participação de toda a população brasileira, sendo ela composta de brasileiros natos, naturalizados ou até mesmo estrangeiros residentes no país, mas para isto, faz se necessário o pagamento da contribuição prevista em lei” (2007, p. 113)

2. O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO E SUA PARTICIPAÇÃO NO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE

A previdência Social não possui orçamento único, pois ela integra o orçamento destinado à assistência social. O governo anuncia à população que a justificativa da PEC 287/16 é o déficit da previdência social, e que está comprometendo o recurso da saúde e assistência social e a própria previdência dos trabalhadores.

O governo aponta que a previdência social é financiada pelas contribuições previdenciárias (urbana e rural), alegando sob esse montante o déficit previdenciário, deixando de considerar outras fontes de arrecadatórias como o COFINS, CSLL, PIS-PASEP.

Sobre o uso da palavra “financiada”, Martins declara:

“Na verdade, a Seguridade Social não será financiada, mas haverá seu custeio. Não se trata de financiamento, como se fosse um empréstimo bancário, em que haveria necessidade de devolver o valor com juros e correção monetária. Trata-se de custeio, o que é feito por meio de contribuição social” (2009, p. 65)

A Professora doutora, Denise Gentil, em entrevista para a UFRJ em sua tese de doutorado, diz que:

“As receitas que faltam, como a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), são receitas de grande porte e, mesmo assim, não aparecem no cálculo do saldo previdenciário. Se calculadas todas as fontes de financiamento, percebe-se que há um superávit operacional de R$ 8,2 bilhões na Previdência, no ano de 2004”.

Segundo cálculo divulgado referente ao ano de 2014, a receita bruta da previdência social teria sido de 349 bilhões de reais, e as despesas no valor de

394 bilhões. Ocorre que para a realização deste cálculo, não foram considerados como receita os valores arrecadados com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, Contribuição sobre o fim social – COFINS, PIS- PASEP.

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Segundo dados fornecidos pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal – ANFIP, gastou-se com seguridade social no Brasil no ano de 2015 o valor de 683,1 bilhões, gerando um superávit de 11,2 bilhões. (Análise da Seguridade Social, 2015)

Segundo avalia a Professora Denise Gentil, "a União não cobra das empresas sonegadoras e ainda entrega a elas a possibilidade de pagarem menos tributos legalmente. Então, é próprio governo que provoca o déficit". (Gentil, 2017).

A CRFB/88 prevê para alguns tributos destinações fixas, inalteradas, pré- fixadas para determinadas áreas. Porém, com a criação do Plano Real no ano de 1994, o governo federal adotou a política de desvinculação de receitas da União-DRU.

A DRU, por meio de Emenda Constitucional, proporcionou flexibilidade para a utilização dos tributos arrecadados, possibilitando a utilização destas receitas para outros custeios, escolhidos de forma discricionária. Para tanto, no início de vigência desta medida, possibilitou-se a utilização de 20% das receitas, e a partir do ano de 2015, passou para 30%. (Gonçalves e Neto, 2017)

Ainda segundo apurou a ANFIP, com a implantação da DRU, no ano de 2015 houve o desvio de 61 bilhões de reais, que deveriam ser utilizados para custeio do sistema de seguridade social, já que cerca de 90% deste valor foi arrecadado das contribuições sociais.

O diretor do Núcleo Atuarial da Previdência, Benedito Passos, também discorda da utilização da DRU nas receitas da Previdência Social. “ A seguridade social poderia ter mais de R$ 1 trilhão de recursos hoje se nos últimos 12 anos não estivéssemos fazendo as transferências — avalia.” (O globo, 2017)

Assim, ratificando o exposto, Ribeiro expõe:

“O problema aqui não reside apenas no fato de que a Seguridade Social não recebe outros recursos do Tesouro Nacional, como preconizado pela Constituição. O mais grave é que ela também acaba por não receber todos os recursos que lhes são constitucionalmente afetados, o que acabou por ser institucionalizado pelas emendas constitucionais que promoveram a desvinculação das receitas da União (DRU)” (2013,p. 51-53)

Além da gestão tributária, a política de desoneração às contribuições direcionadas às empresas também devem ser elencadas no rol de condutas administrativas que devem ser consideradas na análise orçamentária da seguridade social, e por consequência no sistema previdenciário brasileiro.

No ano de 2015 retirou-se da arrecadação da seguridade o montante de 40,124 bilhões fruto de desoneração, ou seja, quantia que se estivesse agregado como receita, confirmaria ainda mais o fato de que a realidade orçamentária da previdência pode não ser deficitária.

Deste modo, o descompasso entre receitas e despesas não se deve por um desequilíbrio próprio da previdência social, mas decorre principalmente da destinação de seus recursos.

Sobre essa ideia, CHERULLI (2016) explicou que a origem jurídica do argumento do déficit da Previdência é o “desprezo na interpretação constitucional”.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH emitiu a Recomendação de nº. 3, de 10 de março de 2017, ao Presidente da República, dispondo:

“Que retire a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, tendo em vista a falta de transparência dos dados integrais relativos à Seguridade Social, sem estudos econômicos, atuariais e demográficos completos, e o amplo e legítimo clamor da sociedade contra a proposta legislativa, percebido em manifestações, especialmente, nos atos protagonizados pelas mulheres de todo o Brasil.” (2017, p.2)

O deputado Givaldo Vieira, em discurso na Câmara dos Deputados, também posiciona-se contra à determinados pontos da PEC.

“Ocorre que estamos lidando diretamente com o direito à vida do brasileiro e da brasileira: vão contribuir a vida toda para morrer sem direito à aposentadoria. Enquanto isso, empresas como JBS e bancos como Bradesco somam R$ 426 bilhões de repasses atrasados ao INSS. O valor da dívida equivale a três vezes o chamado déficit da Previdência em 2016. Esses números foram levantados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.” (VIEIRA,2017)

O resultado do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, referente à previdência afirmou que não há o déficit informado pelo governo federal. (ISTOÉ, 2017).

Ainda segundo o senador Hélio José, após a CPI foi possível concluir que “está havendo manipulação de dados por parte do governo para que seja aprovada a reforma da Previdência. […] quando o assunto é Previdência, há uma série de cálculos forçados e irreais”. (ISTOÉ, 2017.)

3. A PEC 287/16 E AS POSSÍVEIS ALTERAÇÕES NA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

O benefício da aposentadoria por invalidez está amparado no Regime Geral de Previdência Social (INSS) no Regime Próprio da Previdência Social (Servidores Públicos). A iniciativa de se propor a alteração do sistema previdenciário através da modificação do texto constitucional, se por um lado expõe o governo federal, autor da proposta, a um rito legislativo mais exigente, com possibilidade de alteração no texto base sem a possibilidade de submissão ao crivo da sanção ou veto, na hipótese de aprovação, acaba por atingir de uma só vez todo o sistema previdenciário do país, independente do regime e da competência legislativa dos entes federativos. Por esta razão, a PEC 287/16, em caso de aprovação, independente do texto final, terá incidência em ambos os regimes previdenciários, podendo prevê regras específicas e diferenciadas.

Considerando o texto base da proposta de alteração constitucional, haverá duas grandes alterações no que se refere à aposentadoria por invalidez: a primeira alteração se refere à restrição das possibilidades de sua aplicação, e a segunda quanto ao cálculo do benefício.

A aposentadoria por invalidez passará a ser denominada aposentadoria por incapacidade. Atualmente, se o servidor for acometido por um acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável não será possível à concessão direta de aposentadoria, sendo aplicável primeiramente a prévia análise de readaptação do servidor.

Antes da vigência da Emenda Constitucional (EC) nº 41, de dezembro de 2003, na hipótese do servidor acometido por doença invalidante lhe era assegurado a aposentadoria por invalidez com integralidade e paridade sob o valor do salário. Com a posterior alteração constitucional, houve perdas quanto

ao benefício, deixando de ser integral o benefício, passando à proporcionalidade das médias dos anos contributivos da vida do servidor.

A deputada federal Carmen Zanotto (PPS/SC) umas das primeiras deputadas apresentar emenda à PEC 287/2016, se posicionou na seção 028.3.55.0 da seguinte forma:

“Vamos lutar para que o vínculo deste benefício, tão necessário à sobrevida destes segmentos sociais, não seja derrubado. Esta é uma das conquistas da sociedade na Constituição Federal. […] da forma que está não vai passar.” (ZANOTTO,2017)

Nota-se que a tese do sistema deficitário advogado por setores do governo federal, independente da corrente política/partidária que esteja gerindo o país, na tentativa de justificar o aumento do gasto público, é utilizada como argumento para se propor alterações no sistema previdenciário, implementando alterações direcionadas aos direitos já consagrados nas legislações anteriores, retirando benefícios, reduzindo valores ou dificultando o acesso.

Na aposentadoria por invalidez, mais do que em outros benefícios previdenciários, encontra-se estampada a vulnerabilidade do trabalhador, pois em razão de uma incapacidade permanente se vê excluído de um mercado de trabalho, obrigado a modificar sua rotina de vida, afastado de convívio social do ambiente de trabalho, obrigado a readaptar-se a um ritmo de vida completamente diferente do que era habituado.

Nos termos da PEC da previdência, quando ocorrer a concessão da aposentadoria por invalidez, que passará a ser denominada, aposentadoria por incapacidade permanente para o trabalho, os cálculos do benefício será 51% acrescido de 1 % para cada ano de contribuição.

Portanto, com mais esta proposta de alteração dos benefícios previdenciários, sustentados em uma argumentação destituída de elementos convincentes, como se não bastasse todos os transtornos que a incapacidade laboral causa ao trabalhador, ainda terá que suportar prejuízo financeiro e dificuldade em evidenciar os requisitos para concessão de seu benefício.

À título de exemplo, na hipótese de um trabalhador que possui como última remuneração R$ 5.000,00, e que contribuiu para a previdência por 25 anos, e a soma da sua média aritmética até o momento tenha dado R$ 3.000,00, deverá ser calculado os 51% + 25% (que equivale a quantidade de anos trabalhados), tendo como proventos o valor de R$ 2.280,00.

Portanto, fica evidente que a proposta de alteração constitucional representa medida que causará sérias repercussões não só ao trabalhador, mas para sua família.

4. LEVANTAMENTO DE DADOS APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

Foi realizada uma consulta pelo Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão – ESIC, solicitando informações de alguns órgãos sobre o quantitativo de concessões de aposentadoria por invalidez entre os anos de 2015 à março de 2017. O resultado obtido foi significativo, pois evidenciou a importância do benefício da aposentadoria por invalidez para o trabalhador, em face da grande quantidade proporcional deste benefício quando comparada a outras modalidades de aposentadoria.

Com a urgência de aprovar a Reforma da Previdência, não se teve tempo suficiente para ir a fundo sobre a matéria, pois ao que parece não houve um levantamento de quantitativo de pessoas que se aposentam por invalidez, tendo em vista o aumento da idade mínima para concessão de aposentadoria que traz a PEC 287/2016.

Considerando o recorte temporal da pesquisa, como já informado, o Ministério do Meio ambiente informou que ocorreram 23 Aposentadorias voluntárias e 8 por invalidez, o que equivale a 30% das aposentadorias deste ministério.

Na Fundação Universidade Federal do Tocantins, de 17 aposentadorias concedidas, 10 foram por invalidez.

Na Companhia das Docas do Estado da Bahia, constatou-se 6 aposentadorias voluntárias e 2 por invalidez.

Na Eletrobrás, observou-se a efetivação de 65 voluntárias e 40 por

invalidez.

A partir destes dados, a comparação de aposentadorias voluntárias, diretamente influenciadas pelo fator idade/expectativa de vida, e a aposentadoria por invalidez, produziu a seguinte tabela:

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Sendo o valor gasto com a Previdência o principal motivo apontado pelo governo para que haja reforma, apresenta-se como coerente que o mote da reforma seja a busca de medidas de economia.

A PEC 287/2016, dentre outras alterações, terá como principal medida de economia a fixação de idade mínima para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, bem como a aplicação de teto previdenciário para todos os servidores públicos do país.

De fato, dentre os requisitos atuais para aposentadoria por tempo de contribuição junto aos regimes geral e próprio de previdência social, não se faz presente a idade mínima, e por esta razão, em tese, é possível um trabalhador ou trabalhadora começarem a receber benefício de aposentadoria com 53 e 48 anos de idade, respectivamente. Ocorre que a incidência do fator previdenciário faz com que, na prática, um grande número de segurados optem por permanecer trabalhando o momento em que a soma da idade e o tempo de contribuição alcance 85 e 95, se tratando de mulheres e homens respectivamente, o que diminui o valor despendido com cada aposentado, já que a expectativa de sobrevida fica reduzida.

Quanto aos servidores públicos passarem a ter a incidência de um teto previdenciário, há que destacar que a própria PEC faz referência à sua aplicação condicionada à existência prévia de instituto de previdência complementar pública no próprio ente federativa, de forma a garantir ao servidor a possibilidade de arcar com uma contribuição extra caso pretenda aumentar o valor do seu benefício futuro. Ocorre que atualmente quase que a totalidade dos regimes próprios de previdência social, incluindo Estados e Municípios da federação, não possuem previdência complementar pública, o que implicaria, na prática, a não incidência desta nova regra para significativa parcela de entes federativos.

Portanto, fica evidente que estas duas medidas que figuram na PEC como protagonistas da reforma, apesar de representarem retrocesso social, possivelmente não viabilizarão a economia que o governo federal pretende auferir quanto ao gasto público.

Mesmo com a aposentadoria voluntária, é notável que a proposta da PEC 287/16 apresenta quase a extinção total da aposentadoria por tempo de contribuição, o que consequentemente, fará com que as pessoas no meio do caminho alcançam a aposentadoria por invalidez.

Como pôde ser analisado a partir dos dados apresentados na tabela anterior, há um elevado índice de aposentadorias por invalidez, mesmo sendo esta considerado um benefício que deveria ser exceção, pois pressupõe um infortúnio (acidente, doença) que gera uma incapacidade.

Deve ser destacado que os dados coletados foram colhidos em uma realidade de trabalho pautada nas regras atuais de aposentadoria, ou seja, quando a incapacidade surgiu em uma fase da vida do trabalhador que pode ser considerada altamente produtiva. Porém, na hipótese de se prolongar o período laboral do trabalhador brasileiro, fazendo com que se torne comum um segurado ou segurada continuar trabalhando, sem direito de se aposentar por idade ou tempo de contribuição, com 60 anos ou mais, o mais provável seja que o índice de concessão de aposentadorias por invalidez cresça significativamente.

Portanto, fica evidente que deixou de ser considerado o impacto que a proposta de alteração do sistema previdenciário, especificamente quanto à fixação de idade mínima para concessão do benefício de aposentadoria por invalidez e o aumento da idade mínima para concessão do benefício de aposentadoria por idade, possa gerar na incidência de incapacidade para o trabalho, sobretudo em face dos acidentes ou doenças acometidas, pois estarão muito mais suscetíveis a estas ocorrências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A viabilidade da reforma do sistema previdenciário brasileiro, a partir da alteração do texto constitucional – PEC 287/2016, objetivando a obtenção do equilíbrio orçamentário, e por consequencia, das contas públicas, afigura-se distante do seu desiderato, sobretudo quando se identifica as incidências eleitas pelo autor da proposta.

Segundo queixa-se o governo federal, a impossibilidade de se equiparar o que se arrecada com o que se gasta para manutenção dos serviços públicos, sem falar em investimento, seria o dispêndio com a manutenção do sistema previdenciário, e por isso, há a necessidade premente de aprovar uma ampla reforma para que a arrecadação previdenciária seja maior, e o gasto seja inferior.

Ocorre que ficou evidente neste trabalho, a partir dos argumentos teóricos, previdenciários e constitucionais, somados aos dados colhidos a partir de estudos realizados por diferentes setores interessados, que não só o discurso utilizado pelo governo federal para convencer a população e os seus representantes acerca da necessidade da reforma não condiz com a realidade, mas que também várias das alterações propostas não se mostram aptas a viabilizar a tão desejada economia.

O déficit alegado deixa de existir a partir do momento que se exija do governo federal a correta aplicação dos valores arrecadados com as contribuições sociais, ou seja, a alocação destes recursos exclusivamente no orçamento da seguridade social, onde se inclui a previdência.

A prorrogação do tempo em que trabalhador permanecerá trabalhando, visando exclusivamente a redução do lapso temporal que permaneceria recebendo benefício previdenciário (aposentadoria por idade e por tempo de contribuição), em face da diminuição da expectativa de sobrevida, também se mostra insuficiente por desconsiderar o impacto que tais medidas irão gerar quanto à concessão do benefício da aposentadoria por invalidez, que proporciona o pagamento de benefício permanentemente.

 

Referências
AGENCIA BRASIL, Relatório de CPI do Senado diz que Previdência Social não tem déficit. Disponível em: < https://istoe.com.br/relatorio-de-cpi-do-senado-diz- que-previdencia-social-nao-tem-deficit/> Acesso em: 24/10/2017.
ANFIP, Estudo da ANFIP confirma superávit da Seguridade em 2015. Disponível em: <https://www.anfip.org.br/noticia.php?id_noticia=20901> Acesso em: 01/08/2017.
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Notas
[1] Artigo orientado pelo Prof. Fábio Barbosa Chaves, Professor Universitário. Advogado e Consultor Jurídico. Possui graduação em direito pela Unievangélica de Anápolis (2000) e Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2012). Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Atualmente é Professor de Graduação e Pós- graduação da Faculdade Católica do Tocantins.


Informações Sobre o Autor

Roosyvania Gonçalves Sales

Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins


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