O sistema PJE poderia resolver um problema que sempre causou prejuízo ao direito de ampla defesa dos empregados, qual seja, não ter acesso às contestações antes das audiências únicas.
Em princípio, a concentração dos atos processuais tinha o nobre propósito de dar celeridade às ações trabalhistas, por envolverem, evidentemente, verbas alimentares. Assim, afrouxou-se um princípio elementar do direito processual, o da ampla defesa, para dar lugar à outro de igual relevância, o da celeridade.
Na teoria, tudo ocorreria em um único momento: a tentativa de conciliação, a apresentação da defesa, a réplica, a instrução do processo, as razões finais e a sentença. O jurisdicionado teria a tutela pretendida em um breve espaço de tempo, conforme preveem os artigos 846 a 850 da CLT.
Mas a celeridade não aconteceu e o direito a ampla defesa continua sendo preterido.
Além das audiências demorarem semanas ou meses para ocorrer, a parte não tem acesso à defesa, tendo que se manifestar sobre um calhamaço de papéis e documentos em poucos minutos durante a audiência. O advogado do autor tem que ser altamente perspicaz, estabelecendo rapidamente os pontos controvertidos para elaborar as perguntas certas na instrução, caso tenha trazido as testemunhas adequadas. As sentenças, por sua vez, são proferidas após semanas ou meses da audiência.
Mas a meu ver, um dos problemas mais críticos é a cultura que se criou de “esconder a defesa” do autor até a realização da audiência. Alguns defensores de tal cultura dizem que esse artifício é saudável para incentivar a conciliação. Outros alegam que o elemento “surpresa” evita que o autor instrua suas testemunhas.
Ora, o primeiro argumento parte do pressuposto de que, quanto menos o autor da ação conhecer da defesa ficará mais propenso em abrir mão dos seus direitos, pois estará menos preparado que a parte adversa.
O segundo argumento pode ser facilmente aplicado também ao réu, que ao deter a tese e antítese da ação, também poderá construir fatos artificiais que amparem as suas próprias alegações, orientando suas testemunhas – empregados subordinados e dependentes de seus empregos.
Com a criação do Processo Judicial Eletrônico (PJE) essa idiossincrasia do processo do trabalho poderia ter sido sanada. Contudo, optou-se por criar uma ferramenta denominada “sigilo” nas petições incidentais da ação, com destaque para a defesa.
O artigo 29 da Resolução nº 136/2014 do CSJT menciona que “a parte reclamada poderá, justificadamente, atribuir sigilo à contestação, reconvenção ou exceção e aos respectivos documentos juntados”, sendo facultada a defesa oral por 20 minutos, conforme disposto no artigo 847 da CLT – o que nunca acontece.
O curioso é observar que a Resolução ressalva que o sigilo deve ser justificado, o que também não vem ocorrendo, certamente por entenderem que “esconder” a defesa do autor justifica-se por si mesma.
A propósito, o sigilo de determinados atos processuais está previsto na Constituição Federal, mas com a orientação de que este se aplica aos terceiros e não às partes. O dispositivo é claro: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” (art.93, IX).
A opção “sigilo” vem sendo utilizada desnecessariamente, causando vários transtornos. Recentemente o Tribunal Superior do Trabalho decidiu que o erro na opção sigilo no PJE não implicaria em não conhecimento de recursos. Isso ocorreu em razão da petição do recurso ter sido marcada na opção sigilo, não obstante inexistir qualquer justificativa apresentada pela parte para tal restrição (Processo nº TST-RR-2058-26.2012.5.23.0022).
Aliás, o sigilo ou segredo de justiça somente é necessário se houver relevante interesse social, exigência trazida não apenas pela CF, como também pela CLT (art. 770) e CPC (art.155). Além disso, antes do processo eletrônico, as partes poderiam consultar com ampla liberdade os autos do processo nas secretarias (art. 779, CLT).
Assim, o sigilo nas contestações imposto à uma das partes somente reforça uma anomalia processual que fere o princípio basilar da ampla defesa no processo, sendo uma ferramenta totalmente desnecessária e carecedora de qualquer fundamento jurídico.
Informações Sobre o Autor
Maria da Consolação Vegi da Conceição
Professora de Direito da Fundação Santo André e advogada trabalhista do Sindicato dos Bancários do ABC. Mestranda em Direitos Difusos e Coletivos da UNIMES.