Resumo: Este artigo tem como proposta apresentar aos seus leitores, embasado em pesquisas para o devido aprofundamento teórico, a questão do direito nas missões jesuíticas da América do Sul, tema muito pertinente, tendo em vista que, as conseqüências de cunho econômico, social, político e jurídico são inúmeras.Tem-se conhecimento de que os efeitos de um passado histórico são capazes de moldar toda uma nação, que ao mesmo tempo em que estava intimamente ligada a questões culturais, se mostrava tendenciosa a uma modificação, onde, os próprios responsáveis foram os sujeitos que deram origem a ela, no caso, os portugueses e espanhóis ao trazerem os jesuítas para catequizar os índios. A influencia da cultura eclesiástica apresenta-se sob duas premissas, a primeira pode ser elucidada como algo positivo, ao passo que da proteção aos índios que eram fortemente perseguidos para se tornarem escravos, entretanto, a segunda premissa, a negativa, se mostra mais evidente e forte, tendo em vista que a exploração indígena foi tamanha e a ruptura da sua cultura algo inestimável.
Palavras-chave: O surgimento do interesse. Missões jesuíticas no Brasil. Missões jesuíticas na América do Sul. O direito nas missões jesuíticas.
Abstract: This article aims at presenting its readers, based on researches for the theoretical deepening, the issue of law in the Jesuitical Missions in South America, which is a very pertinent matter, since the consequences of economical, social, political and juridical importance are of a large extension. It’s known that the effects of a historical past are able to mold a whole nation, which at the same time when it was closely related to cultural matters, showed itself tendentious to a change of which the responsible ones were those who gave it its origin, in this case, the Portuguese and the Spanish people by bringing the Jesuits to catechize the native people of Brazil. The influence of ecclesiastic culture makes itself present under two premises, the first can be explained as a positive thing, as the protection offered to the native people, who were severely pursued to be enslaved. However, the second premise, the negative one, is presented as more evident and stronger, due to the fact that the native exploitation was of great proportions and the rupture of their culture were inestimable.
Key words: Rising of interest. Jesuitical Missions in Brazil. Jesuitical Missions in South America. Law in the Jesuitical Missions.
Sumário: Introdução. 1. Importância do aspecto socioantropológico e seus reflexos. Considerações finais. Referências Bibliográficas.
Introdução
Este artigo é resultado de uma pesquisa bibliográfica, feita a partir da análise de dados coletados através do refinamento teórico, e que pretende expor e contrapor a questão das missões jesuíticas na América do Sul dando enfoque para a questão jurídica, ou seja, as contribuições efetivas que foram dadas a partir desta importante fase histórica.
Sendo assim, tem-se por objetivo demonstrar aos leitores a importância do tema proposto: O direito nas missões jesuíticas na América do Sul. Apresentando-se como premissas à análise das questões históricas dos paises da respectiva área geográfica, e extraindo-se delas o fundamento primordial da nossa discussão, o direito nessas missões, elucidando as conseqüências desse processo e evidenciando as possíveis conseqüências no contexto histórico atual.
No desenvolvimento pode-se notar a presença de pontos marcantes, como o período antecedente a vinda dos jesuítas, a chegada dos mesmos e suas contribuições, e, de significante valia, a ênfase dada ao direito nesta época, que de certa forma, repercutiu no modo de pensar e produzir conhecimento jurídico por um período longo de tempo.
1. A importância do aspecto socioantropológico e seus reflexos
O trabalho proposto, devido ao seu caráter anacrônico, carece de uma prévia abordagem histórica elucidativa, que antecede aos fatos que a posteriori serão enfatizados nesse trabalho. É necessário, portanto regressarmos ao período pré-colonial, onde após a descoberta das colônias americanas, pelas potencias recém centralizadas, Portugal e Espanha, essas ainda encontravam-se em abandono quase que total. O abandono de suas colônias pelas potencias Ibéricas, se deu por que até então as metrópoles achavam que não seria economicamente viável a exploração das colônias já que esta atividade demandava investimentos, que no momento eram prioritariamente revertidos para o comércio em expansão no oriente.
Com o advento das centralizações, ocorridas na Europa após o feudalismo, as colônias agora passaram a ser concorridas por novas nações absolutistas recém surgidas. Essas concorrências fizeram com que as metrópoles luso-espanholas se preocupassem com a colonização, pois, até mesmo os tratados feitos por essas metrópoles já começavam a ser questionados. A concorrência não foi o único incentivo da aceleração na pratica colonizadora, com a descoberta de metais como prata e ouro no México e no Peru, surgi um novo e mais forte motivo para as metrópoles.
Portugal, apesar de ainda não ter descoberto no Brasil metais preciosos, deu inicio a colonização motivada pela queda do comércio no oriente e pela defesa da colônia começava assim a era das Capitanias Hereditárias. O regime anteriormente citado de capitanias consistia na divisão da costa brasileira em quinze setores lineares, respeitando os limites do tratado de Tordesilhas, cada capitania tinha sua posse oferecida a um donatário, que era responsável por sua exploração e pagava taxas a Coroa portuguesa, inicialmente foram doze donatários que se encaixavam perfeitamente nas pretensões da metrópole, pois, esta não tinha custos de investimento, no entanto obtinha lucros com tudo que fosse produzido e ainda mantinha sua colônia protegida de invasões.
O sistema de capitanias fracassou devido a uma serie de empecilhos para a perpetuação bem sucedida dessa forma de colonização como desinteresse dos donatários e ataques indígenas. Apesar do insucesso, as capitanias foram o pontapé inicial da colonização, pois, deu inicio a uma fase de produção na colônia com o cultivo da cana de açúcar, principalmente na capitania de Pernambuco uma as únicas que conseguiram progredir. Por conta desse processo inicial de produção que, apesar de não ter sido viável aos donatários, foi o que motivou a Coroa em continuar com a colonização, criando agora, com a função de superar os obstáculos que causaram o fracasso das capitanias, o Governo Geral.
O Governo Geral, criado em 1548 mediante um regimento como ensina o professor Luiz Koshiba, foi implantado no ano de 1549 e trazia agora a figura central do governador geral e os cargos auxiliares de provedor-mor, capitão-mor e ouvidor-mor. O regimento supra citado definia em seus artigos as atribuições do governador geral, representante da Coroa na colônia, destas vale ressaltar uma em especial por ter dado causa a vinda dos jesuítas para o Brasil, era esta a obrigação do governador geral de fazer alianças com os índios e iniciar sua catequese, evitando sua escravidão e concedendo-lhes terras para facilitar sua integração produtiva na economia colonial.
A partir desse momento, a influência da Igreja católica no processo de colonização foi bastante significativa. Existia uma intima relação entre a Igreja e o Estado, particularmente Portugal, e isso era um elemento de peso no Antigo Regime, tendo em vista que o absolutismo pressupunha unidade de fé e consciência. Nessa época a Igreja possuía o papel de instrumento para a unidade política do país, essencial para o fortalecimento do mesmo. Devemos analisar esse fato pela questão da temeridade a Deus, a Igreja se utilizava disto com o intuito de coagir as pessoas a seguir o modelo político existente sem direito a questionamento, uma vez que os interesses da Igreja estavam intimamente ligados aos do Estado. Dentro desse contexto, inseria-se a forma de atuação da Igreja, em particular a dos jesuítas, que no processo de colonização tiveram dois objetivos especiais: ser missionários, viabilizando a fundação de aldeamentos conhecidas como missões, nos quais os indígenas eram reunidos e catequizados, isto é, instruídos na fé católica; e o outro que era o educacional, com a organização dos colégios, que acabaram se transformando em grandes centros educacionais de referencia na cultura colonial.
Em 1534, Inácio de Loyola fundou a Companhia de Jesus, em meio às lutas religiosas provocadas pela Reforma Protestante, esse movimento fez com que a igreja ficasse mais rigorosa e tomasse posição em sua defesa, surgindo assim a Contra-reforma tentando reafirmar o poder da Igreja Católica, e, nessa fase, a Companhia de Jesus assume relevante papel. Assim, no Concilio de Trento, os jesuítas tornaram-se fundamentais hasteando a bandeira dos soldados de Cristo, lutando pela Igreja e pela difusão da fé católica.
A atuação dos jesuítas foi mais forte nos locais não atingidos pela Reforma Protestante, e a principal preocupação era a preservação desses locais, daí a importante atuação desses padres no Brasil colonial. Mas, por outro lado, nos territórios onde a Contra Reforma já exercia poder significante, a atuação da Companhia de Jesus fez-se no sentido de catequese, com o objetivo de recuperar fieis para a Igreja Católica.
As missões jesuíticas se expandiram para além da Europa, passando pela Ásia, África e América, tendo como finalidade ampliar a zona de influencia católica.
A organização da Companhia de Jesus era regida por um Conselho Geral sediado na Espanha e com representantes nas províncias, o Brasil foi à sexta província, em 1553.
Assim, podemos entender que a chegada dos jesuítas em terreno brasileiro na época colonial, vinculava-se aos conflitos religiosos europeus. As atividades pedagógicas e evangelizadoras facilitaram a dominação metropolitana.
Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil com Tomé de Souza, em 1549, chefiados por Manoel de Nóbrega. Com o passar do tempo, a vinda dos jesuítas aumentou, e, com a vinda de Jose de Anchieta, jesuíta de notória importância pela defesa à causa indígena e respeito que o mesmo obteve entre os índios, se tornando um verdadeiro representante político dos mesmos, homem de imensurável capacidade retórica e literária, juntamente com Nóbrega e outros, iniciou o processo de aldeamento dos índios.
Em 1551, foi criado o bispado, coordenando as atividades de forma mais organizada, facilitando o êxito dos institutos da Companhia de Jesus, que eram: restaurar o poder político da Igreja de Roma, impedir a penetração de seitas consideradas heréticas e manter idéias católicas entre os colonos.
A maior contribuição dos jesuítas pode ser enunciada como o poder social, as missões, seriam as ações de catequese junto aos índios. Entretanto, não se pode deixar de mencionar a influencia no plano moral e dos costumes, que também foi notável, mexendo na vida cotidiana dos índios para preservar as bases cristas até então desconhecidas pelos silvícolas.
O indígena era algo que perturbava Portugal, pois, os objetivos lusitanos se chocavam com os indígenas, tendo em vista que a metrópole queria fazer do índio um elemento participante da colonização. Já os colonos viam no índio um trabalhador, um escravo. E os jesuítas visavam propagar a fé, converter o gentio e utiliza-lo economicamente.
A finalidade que os jesuítas tinham para os índios se mostrava, teoricamente, mais humana para a efetivação dos interesses coloniais. Os jesuítas colocavam-se contra os colonos, que viam na escravidão dos índios a solução mais adequada para a política mercantil, e, esta pode ser entendida como a principal causa dos conflitos posteriores entre os colonos e jesuítas, caracterizando desgaste para o modelo clerical e por conseguinte a ruína do modelo pré-estabelecido.
Os jesuítas se fixaram mais no sertão, onde o perigo de ataques dos colonos era menor, justamente pela questão do acesso, muito mais complicado. Os principais redutos jesuíticos ficavam no norte do México, na orla da floresta amazônica e no interior da América do Sul. Esses representantes do poder da Igreja foram responsáveis pela perda de grande parte da cultura indígena, tendo em vista o seu caráter heterogêneo, uma vez que cada tribo possuía as suas próprias peculiaridades, como a língua, organização social e etc. os jesuítas criaram uma língua geral com o intuito de favorecer a comunicação, e com isso, isolados nas redenções os índios tornaram-se alvos fáceis para os colonos ávidos por mão de obra, pois, os índios colonizados e devidamente instruídos na fé crista perderam a selvageria natural dos indígenas, tornando-se mais fácil à captura. Muitas vezes os colonos capturavam tribos inteiras, e, após a captura, os índios eram obrigados a trabalhar de forma compulsória e violenta, o que levou ao extermínio de grande parte da população indígena.
O poder da igreja atingia a toda a sociedade colonial, a figura do “ser cristão”, e esta era inclusive uma das alegações dos colonos para escravizar os índios, alegando não serem cristãos, mas, dessa questão surge uma distinção bastante interessante a respeito do por que catequizar os índios e não os escravos, a alegação apresentada era a de que os negros não tinham alma, enquanto os índios a possuíam e desta forma necessitavam ser catequizados e conhecer a fé crista, este era o principal argumento utilizado pelos jesuítas para proteger os índios da escravização dos colonos. Entretanto, é cabível mencionar que essa proteção oferecida pela Igreja não era tão isenta de interesse e visando a salvação do índio como parece. De modo geral, podemos dizer que isso na verdade não passa de “uma troca de mãos” justificada, colocando os índios para serem escravos da Igreja, mas de forma mascarada, pois apresentam toda uma justificativa abstrata para isso, tendo em vista que a Igreja disciplinava as maneiras de pensar e sentir da colônia.
Outra grande contribuição jesuítica foi no campo da educação, os jesuítas a utilizavam como agente colonizador. No Brasil, a formação intelectual estava nas mãos da Igreja, os primeiros colégios foram fundados pelos jesuítas de São Vicente e Salvador, e, logo depois, uma serie deles se espalhou pelo litoral.
“A atividade pedagógica tinha como base o Ratio Studiorum: um estatuto e um sistema de ensino que estabelecia o currículo, a orientação e a administração.
O ensino dividia-se em duas fases: inferior, com seis anos de duração, durante os quais se ensinavam retórica, humanidades e gramática; Superior, com três anos, que incluía lógica, moral, física, matemática e metafísica. Todas essas matérias eram dadas em grego, latim e vernáculo.” (KOSHIBA, Luiz. Historia do Brasil.1987. pág. 53)
O poder econômico dos jesuítas pode ser entendido como ponto forte da sua soberania e também da sua conseqüente ruína, pois, em virtude do padroado, ou seja, a Igreja subordinada a Coroa, dava ensejo a concluir que o Estado deveria custear os jesuítas, entretanto isso não ocorria, e, para sustentar-se a Companhia de Jesus precisava encontrar fontes de recursos que pudessem assegurar a sua manutenção, e, um dos meios foram as reduções, que além de cristianizar o gentio, visavam os sustento dos padres. Daí a desculpa necessária para o acúmulo de propriedades, escravos e tudo que significasse base estável em termos econômicos. Percebe-se, que aos poucos a finalidade da Companhia vai se desvirtuando, mostrando que, desde os primórdios a Igreja Católica é revestida de falsidade. Com isso, usura e acúmulo de poder econômico era inevitável o confronto com os colonos, e, com a sucessividade de choques, o poder dos jesuítas decai, no Sul, as missões foram arrasadas pelos paulistas, e no extremo Norte e a extração da floresta e dos rios tornou-se o meio de sobrevivência dos índios e, principalmente, dos padres.
Com o passar do tempo, a coroa começou a ver nos jesuítas uma forma de ameaça, principalmente pela influencia que exerciam nos índios e o poder econômico que detinham, então, os conflitos aumentaram, atingindo o auge em 1759, com a expulsão dos jesuítas pelo Marquês do Pombal.
Partindo para um contexto mais abrangente, encontramos nas missões jesuíticas da América do Sul, outro foco, como já mencionado, de importante atuação dos jesuítas, essas missões tiveram inicio no século XVI. As reduções ocuparam por muitos anos algumas áreas do Brasil, mas principalmente áreas do Paraguai, Argentina e Uruguai.
“As reduções, como ficaram conhecidas, ocuparam por 200 anos áreas dos atuais estados do Paraná e Rio Grande do Sul, e ainda do Paraguai, Argentina e Uruguai. Das 30 reduções identificadas nessa grande área, sete estão localizadas no Leste do Paraguai e 14 no norte da Argentina, bem próximas à fronteira brasileira com Foz do Iguaçu, num raio de aproximadamente 300 quilômetros.” (Disponível em: <http://www.h2foz.com.br/outros/casadeche/index.php> acesso em: 05/05/2014, às 20:38).
Os padres Jesuítas comandaram no séc. XVI e XVII, nesses paises já citados, construções de reduções que mais pareciam verdadeiras cidades nas selvas. Dentre as inúmeras construções estavam: Igrejas, hospitais, escolas, casas, observatório astronômico, oficinas e ate pequenas indústrias. Mas, deve-se aqui ressaltar a extrema importância que a Igreja tinha para os jesuítas, sendo ela a construção de maior importância. Foi também nessas reduções, que começou as primeiras criações de gado do continente, e também produções de tecidos.
As reduções eram ocupadas por cerca de cinco a dez mil índios, sendo eles em sua maioria guaranis, só nas regiões do Paraguai e da Argentina. Eles eram atraídos pelos jesuítas através da pregação do evangelho. Os Jesuítas conseguiram se aproximar dos índios também através da musica, cantos, comidas entre outros. Vale ressaltar, que a primeira tentativa de aproximação feita pelos jesuítas foi fracassada. Mas logo após esse fracasso, foi feito uma nova tentativa de converter os índios, no qual os jesuítas se utilizaram de artifícios, já citados acima, sendo essa tentativa realizada com êxito. Os guaranis estavam decididos em criar varias republicas teocráticas no continente, baseando-se no socialismo dos incas, no Peru.
As reduções criadas no território paraguaio foram: San Ignácio Guazú (1609), Santa Maria de Fé (1647), Santa Rosa (1698), Santiago (1669), San Cosme y Damián (1632), Santíssima Trindad del Paraná, Jesús de Tavarangue (1685). A redução de San Ignácio Guazú foi a primeira redução criada no Paraguai, mas não a mais importante, pois todas elas tem uma importância singular, ou seja, produziam forças quando eram analisadas em conjunto. Cada uma dessas reduções possuía uma característica particular, sendo uma que possuía, por exemplo, a igreja mais valorizada e a outra com maior riqueza rural.
Já no lado Argentino, as reduções criadas pelos índios no comando dos jesuítas entre algumas delas foram: San Ignácio (1610), Candelária, Santa Ana (1633), Nuestra Señora de Loreto (1632), Santa Maria (1626), San Carlos (1631). San Ignácio sem sombra de duvidas, foi a redução mais importante da Argentina, talvez a mais importante da América do Sul. Essa redução no inicio foi obrigada a se deslocar e passou por inúmeros problemas, mas mesmo assim foi a redução mais evoluída que existiu naquela época. Ela possuía Igreja no estilo romano, produção agrícola e de ferro, imprimiam livros e ainda desenvolveram uma indústria muito surpreendente, onde fabricavam instrumentos musicais que eram comercializados para Europa e outras reduções. Claro que todas essas que também foram citadas possuem a sua real significância particular que não os faz menos valiosas. (Disponível em: <http://www.h2foz.com.br/outros/casadeche/index.php> acesso em 05/05/2007 às 20:42).
No Uruguai é considerado Território dos Setes Povos das Missões, não havendo naquela época nenhum registro de reduções localizadas no Uruguai. Entretanto, hoje já se pode perceber que o território uruguaio foi muito utilizado pelos jesuítas e pelos índios que foram convertidos. É cabível notar que o Rio Uruguai teve uma extrema importância naquela época, pois os índios foram expulsos do território da redução de São Miguel e foram obrigados a se deslocaram para a outra margem do Rio Uruguai onde as embarcações atravessaram este rio.
No fim do século XVIII, os portugueses e espanhóis travaram grandes conflitos matando e expulsando grandes números de índios das reduções, deixando-os sem nenhum rumo. Muitos desses índios acabaram sendo escravizados ou viraram guerreiros sendo utilizados em outras guerras. Após algum tempo, ou melhor, após exatamente o fim do tratado de Madri os índios se organizam e voltam a ocupar as regiões das reduções. Porém, em um período curto, os índios deixam as reduções e foram trabalhar em estâncias portuguesas.
Voltando-se para a questão do Direito nas missões jesuíticas, deve-se necessariamente contextualizar a cultura vigente no país durante o período colonial, no qual identificamos claramente uma forte influência do poder clerical, além da deficiente estrutura educacional, principalmente no que se refere à formação de magistrados.
Neste último momento não existiam universidades. A grande maioria dos cargos que se oferecia no país, por falta de uma organização profissional e de distribuição de renda, era relacionada às áreas, consideradas então como cursos de formação técnica, de medicina, de economia e de engenharia. As profissões consideradas dignas de bacharelismo propriamente dito eram apenas as humanísticas, preferencialmente, a formação jurídica. Contudo, em ambos os casos, somente os mais abastados poderiam obter uma formação considerada decente na época, pois era necessário enviar os jovens estudantes a universidades no exterior. Obviamente, o país escolhido, pelo fator lingüístico, era Portugal, mais especificamente, a Universidade de Coimbra. Desnecessário dizer o quanto este elemento interfere na independência jurídica do país.
Trazendo estes fatos à questão do Direito no Brasil Colonial, uma vez que não havia ali uma estrutura organizada para desenvolver esta Ciência Humana, aliado ao fato de que não havia interesse nenhum por parte do Império de mudar esta realidade, nota-se que o controle imperial se manteve bastante consolidado durante todo o período compreendido entre os séc. XVI e XVIII.
Importante ressaltar que a Universidade de Coimbra, é também, domínio da Igreja Católica, tendo esta, influenciado não só sua fundação, como também, o seu desenvolvimento. Segundo Flávio Galdino, a Campanha de Jesus, ordem religiosa fundada em 1540 por Ignácio de Loyola, determinava os caminhos pedagógicos a serem trazidos às salas de aula, baseando sua metodologia preferencialmente nas ideologias de Tomas de Aquino e Aristóteles. Estes grandes nomes trazem consigo a desconsideração do trabalho produtivo como algo digno de atenção. A título de citação, ambos acreditavam que o trabalho intelectual deveria ser enobrecido, ao passo que o trabalho físico, não caberia à classe destinada a pensar. Ora, com esta filosofia, a Companhia de Jesus, consegue manter a elite dominante do país controlada quanto a ideais demasiadamente críticos através da formação da prole dominante, futura administradora.
Se compararmos a realidade brasileira com a realidade dos países sul-americanos de colonização espanhola, é possível constatar veementemente a disparidade do sistema educacional de ambas as partes. Na América Espanhola (maias, incas e astecas, por exemplo), as primeiras universidades surgiram em meados do séc. XVI, oferecendo uma gama considerável de cursos superiores, dando a esta população maiores condições para desenvolver-se com relativa independência. Contudo, durante quase trezentos anos, a Igreja Católica mantém a mentalidade dos seus alunos controlada, reforçando uma característica assaz inerente a Portugal, a desconsideração de movimentos que começam a correr por todo o resto da Europa. É dizer, a Europa, em meados dos séc. XVII a XVIII, entra no processo de Reforma Protestante, na Era das Luzes, enquanto que em Portugal, toda a produção intelectual continuava solidificada nos mesmos padrões impostos pela Campanha de Jesus, principal interessada em afastar tais inovações.
Uma personalidade cuja importância não se pode deixar de comentar, é o Marquês de Pombal, que imbuído de espírito iluminista, pretende renovar a formação imposta pela Campanha de Jesus nas salas tradicionais da Universidade de Coimbra, conseguindo por fim, expulsar a influência católica nesta instituição.
A única grande mudança no Brasil ocorre quando da chegada, em 1808, da família imperial fugida das batalhas decorrentes do domínio napoleônico. A partir deste momento, decorrem vários fatores de relativa importância, como por exemplo, a independência, e posteriormente a instauração de duas novas universidades (uma em Olinda e outra em São Paulo). Estas surgem, dada a necessidade do Estado Novo de formar seus líderes para ocupar os novos cargos políticos colocados à disposição.
Jornalistas desta época têm papel marcante à medida que jornais acadêmicos iniciam um processo de desenvolvimento das atividades culturais, consubstanciado pela densidade demográfica do Estado Novo e da decadente força jesuítica no país, estabelecendo um novo parâmetro para o ensino superior jurídico. A cultura jurídica do país começa a se formar a partir destas duas faculdades, formando as ideologias da elite dirigente, homogênea na medida do possível.
Entretanto, a formação oferecida por estas novas faculdades, que passam a consolidar uma identidade intelectual no país, foi na verdade, uma forma de manter o status necessário para a ocupação de cargos públicos de um quadro burocrático em ebulição. O que se tem de fato é o mérito da divulgação de idéias iluministas pelo processo natural de propagação de informação pelo mundo afora, uma vez que em muitos casos, dependia da capacidade autodidata de muitos dos formandos e da curiosidade individual destes mesmos em apreender novas maneiras de pensar e expandir o conhecimento.
A interferência da Igreja Católica, na figura dos jesuítas, e o absenteísmo dos colonizadores atrasaram em algo em torno de três séculos a evolução do Direito enquanto Ciência independente e produtiva no país, acarretando, em um passado não muito distante, uma necessidade de aceleração desenfreada do processo de desenvolvimento jurídico brasileiro, comprovado pela história dos Direitos Civil e Constitucional, merecedora de um capítulo a parte.
No tocante às relações entre os Jesuítas e aqueles que se submeteram de maneira imperativa a seu poder (entenda-se índios e negros trazidos da África), há que se comentar antes de qualquer outra consideração, o fato de que para esta instituição, de acordo com vontades colonizadoras, tais povos foram considerados meros res, ou seja, coisas.
Essa conceituação se deu pelo fato de ser o Brasil uma espécie de empresa da qual Portugal sugava riquezas, acumulando para si o capital, sem nenhum interesse em desenvolver a colônia enquanto nação.
O poder eclesiástico na época era outorgado pelo Estado Maior com plena capacidade, tendo interferências de ordem penal, civil, religiosa, educacional, dentre outras.
Falemos destes poderes e suas relações com os índios brasileiros e africanos escravizados aqui. Sob o ponto de vista religioso, os jesuítas foram mandados ao Brasil, bem como a outras novas nações, a fim de “catequizar” aqueles considerados selvagens, incultos e pagãos. Na verdade, o que ocorre é uma total desconsideração da fé indígena e africana, mesmo que para fins antropológicos, possam parecer fé primitiva. Primitiva porque atribuía, por exemplo, fenômenos naturais aos deuses, bem como suas determinações de um direito primitivo, baseado no mito e nos tabus.
Segundo o dogma da fé cristã, estes humanos, não tinham o direito de serem considerados como tal, primeiramente por este motivo. Em outro plano, existia obviamente uma necessidade de manter a ideologia destas novas populações em um foco de interesse da nação colonizadora. Coube ao clero esta função, pois estes eram praticamente assalariados de Portugal. Impunham sua doutrina, fazendo crer que os homens brancos europeus eram os verdadeiros humanos, e por direito, poderiam determinar o rumo de suas vidas. A fé africana, e os costumes indígenas não se perderam por completo, mas o que existe no presente representa nada mais que uma parte muito pequena do que já foi.
Cabia aos jesuítas também, a determinação do que era crime, notoriamente baseado nos desígnios da Bíblia e de sua própria convenção. O direito penal desta época, se é que se pode dizer isso, era também definido pelo poder clerical. A eles cabia a decisão das contendas, acusar, julgar e condenar. Vale ressaltar que qualquer afronta ao poder da Igreja representava imediatamente uma afronta ao poder real, puníveis com severidade como crime. Era da Igreja toda e qualquer reivindicação de cunho moral ou de consciência, ou referente à noção de pecado.
Era deles também a interferência nos casamentos, na cobrança dos dízimos, ou seja, um teor bastante recorrente no que hoje conhecemos por Direito Civil. Toda e qualquer ação considerada hoje de cunho “serviço social” supunha a intervenção da Igreja, sendo esta detentora do controle de hospitais, asilos, alimentavam os presos, orfanatos, etc., e inexistente o sistema previdenciário, o vínculo à Igreja das instituições leigas, era a única maneira de viabilizar tal processo.
Tomando por base a exposição dos fatos até agora mencionados, vê-se que o direito brasileiro nesta fase era o direito baseado única e exclusivamente na fé, sendo o interesse primordial, manter a tutela da Coroa sobre a nova colônia, obtendo o máximo de riquezas possíveis, além de manter os ânimos de índios e escravos africanos controlados contra a rebeldia, atribuindo à Igreja todo esse poder decisório, administrativo e ideológico. Este período pode ser considerado um período de trevas na cultura brasileira, primeiramente por ter eliminado ao máximo os vestígios de cultura nativa e escrava, além de obstruir a passagem de novas ideologias e crenças, pura e simplesmente pela hegemonia do poder real.
Considerações finais
Após a análise das questões levantadas nesse trabalho, fica de pronto o notável anseio humano pelo poder, principalmente daquelas nações cujo principal interesse sempre foi a hegemonia econômica. O modelo absolutista de governo, processo político imperante nos séculos XVI e XVII, assegurava uma distorcida garantia de total domínio e autoridade por parte da coroa mediante as classes do substrato social, sobretudo na região da Europa Ocidental, que com a expansão de seus territórios para o continente americano recém descoberto tiveram esses ideais de repressão alastrados atingindo os povos nativos.
A Igreja Católica, instituto religioso portador de um respeito amedrontado pelos países que seguiam sua doutrina, viram na exploração de novos territórios a oportuna chance de manter a sua supremacia e disseminar os seus preceitos a fim de agregar novos fiéis que gradativamente iam se afastando. O interesse de recuperar seguidores revelava a finalidade impugnativa ao surgimento fortalecido de novas religiões cristãs, uma ameaça a seu proveito mais aparente, o domínio.
A colonização de novos povos, atendo-se aos sul-americanos, não foi pacífica e a relação entre Estado e Igreja denuncia uma manobra política para conter as massas que não aceitavam a represália. Inicialmente a aliança firmada entre ambos transcorreu placidamente, a chegada dos Jesuítas representava uma forma de apaziguar a resistência dos nativos que incessantemente repeliam as investidas de exploração dos colonizadores.
A catequização dos índios favoreceu a Coroa até certo momento histórico, pois quando passaram a interferir em seus interesses econômicos por teoricamente defenderem a integridade dos silvícolas foi travado um embate entre Jesuítas e Colonizadores. A união se desfez, e essa desarticulação entre instancias que se mostraram aliadas e rivais devido aos seus interesses que se declararam verdadeiramente distintos, amplia a razão de que a forma de exercer dominação, no que tange ao Direito como representação do controle social, nunca exprimiu sua causa legítima.
Concluída está a questão de que a disputa pelo poder encenada pelos Estados e pela Igreja Católica propiciou ainda mais a tentativa de moldar o pensamento e a fé dos povos indígenas fato esse que nunca lhes trouxe benefícios, pois quando alguém se dispõe a burlar a liberdade de outro justificando essa prática apenas nas diferenças inerentes a cada povo, e por acreditar com veemência que a maior dimensão econômica faz de uns mais civilizados do que os demais abstem-se também do propósito da serventia do Direito.
O Direito, dotado de autoridade para conter os conflitos sociais, quando mal aplicado, como no caso proposto em nosso trabalho, dificulta o processo de evolução sócio-político de cada povo. Assim como nas sociedades próprias das regiões uruguaia, Argentina e mexicana, citadas em nosso texto, no Brasil a contenda por poder, domínio econômico e político impedem o crescimento da atuação jurídica disseminando uma das mazelas que mais massacram o nosso povo, a desigualdade.
Informações Sobre o Autor
Andreza de Queiroz Lustiago
Graduada em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências no Estado da Bahia. Advogada. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia – UFBA