Resumo: no artigo são tratadas algumas questões filosóficas em torno da vaidade, pensando-se, inclusive, em sua problematização ética, particularmente conjuntamente a questões da vida jurídica.
Palavras-chave: ética; vaidade; desejo de status.
Dentre os muitos conceitos éticos e da psicologia com os quais o direito se correlaciona diretamente, o tema da vaidade é um ponto sensível, no geral muito comentado no plano cotidiano — quase sempre no aspecto negativo, ou seja, este ou aquele profissional ou pessoa é mais, ou menos, vaidoso — mas pouco problematizado na reflexão escrita.
Tal situação se condensa até mesmo porque as teorias do direito, além de possuírem outros objetos e objetivos, centram-se em questões da conduta cuja gravidade (no sentido de relevância jurídica própria) ultrapassa o tema, poder-se-ia dizer, provisoriamente, das “virtudes e vaidades”.
Assim, embora a vaidade esteja presente no âmbito do direito próxima à condição de bem jurídico (por exemplo, basta pensar no que o tema implica junto aos crimes contra a honra), posto que característica da expressão humana no convívio, ela não é propriamente — mas sim potencialmente, afinal, todo fenômeno tem implicação jurídica — um objeto da ciência do direito.
Não obstante, pode-se apreciá-la por meio da filosofia jurídica e mesmo da ética profissional, que veda o pedantismo e a vaidade exacerbada, no mínimo, quando prescreve urbanidade na vida pública.
Talvez um dos vieses interessantes para começar um debate curto sobre o assunto da vaidade e suas implicações no direito, principalmente no desdobrar cotidiano das relações entre os operadores e acadêmicos jurídicos, seja o da via do “desejo de status” preconizado pelo filósofo contemporâneo inglês Alain de Botton (2004).
Em seu livro o autor investiga a ansiedade advinda do desejo de status, vendo neste desejo um “mal-estar do século XXI”. Neste sentido, mais do que uma busca pela fortuna e sucesso, uma espécie de ambição, o desejo de status firmaria um verdadeiro, severo e indulgente, modo de ver e de julgar as pessoas que afeta toda sorte de relações sociais, produzindo insatisfação e comportamentos, no mínimo, distorcidos e empobrecedores em termos axiológicos.
Para Botton, como causas deste desejo — que, ao final, redunda em infelicidade, tirania e mesquinhez — tem-se a falta de amor, o esnobismo, a expectativa, a meritocracia (destemperada) e a dependência.
Como práticas possíveis de superação deste desejo deletério, cuja vaidade é uma expressão, o autor nomina a filosofia, a arte, a política, o cristianismo e a boemia, sempre ponderando com bom senso tais orbes.
No fundo destas investigações, o objetivo do autor é tido como um dos objetivos da filosofia moral: ajudar-nos a viver no curso de nossas vidas, reduzindo sofrimentos, e este seria o papel de tais reflexões, mais do que fechar as questões que, em verdade, não têm uma solução definitiva.
Em sentido análogo, pode-se considerar o pensamento do psicanalista José Paulo da Silva (2009), para quem a vaidade é um estado anímico cheio de ideais que determinam entendimentos de felicidade e de realização pessoal, fundamentando uma “paixão da contemporaneidade” que afeta “desde gente supostamente séria como os acadêmicos até aquelas supostas inocentes como as crianças”.
O autor enfoca as relações desta paixão com o sofrimento psíquico, assim como seu papel na determinação de condutas (via desejo) que, conforme o pensador paulista setecentista Matias Aires, referenciado por Silva, “dá existência às coisas que não existem, dá corpo à ilusão, induz a buscar esse mesmo nada.”.
O engano essencial que a premissa da vaidade traz leva à busca de uma sensação de felicidade enquanto fortuna, abundância, poder, respeito, que redunda em outra ilusão de superioridade (negando o princípio de vida e morte, e suscetibilidade à dor e à tristeza, que a todos rege).
Ao compasso, não apenas deletéria, também seria a vaidade motor para ações de generosidade, sendo possível produzir efeitos positivos na vida coletiva, pois ao vaidoso importa o impacto das suas ações e não tanto os motivos. Desta sorte, o problema da vaidade estaria em seu excesso — o que imediatamente reporta à ética aristotélica e à áurea medida do meio.
Destas ideias do psicanalista, pode-se vislumbrar quão bem abordado é o princípio da vida e morte é pelos artistas ao se referirem à vaidade (e, lembre-se, para Botton, a arte é uma das vias de escape do desejo de status).
As pinturas holandesas dos séculos XVI e XVII, por exemplo, agrupadas em torno do epíteto “vanitas”, representam ensinamentos do livro de Eclesiastes, segundo preceito de que “vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (“vanitas vanitatum omnia vanitas”), condensadas em representações de crânios, relógios, flores, livros, velas, em um conjunto simbólico que sempre evoca a finitude e a passagem das coisas.
Outro exemplo, contemporâneo, que avulta a questão, é a escultura “For the love of God”, de Damien Hirst. Neste inusitado e milionário trabalho trazido ao público em 2007, o artista craveja um crânio (apenas os dentes foram substituídos e o crânio é uma relíquia do século XVII) com mais de 8 mil diamantes.
A imagem, por si, revela uma série de incômodos ao espectador, ao compasso de expressar relações entre a vaidade e o vazio de vida (ou aquele “nada” de Matias Aires há pouco referido), permitindo uma série de leituras e emissão de opiniões e compreensões acerca dos significados, beleza e quase obscenidade do conjunto.
O debate sobre a vaidade parece criticar um erro essencial acerca da condição e convivência humanas, na medida em que o excesso de vaidade elide a alteridade que se busca pelo diálogo e compreensão mútuos, verdadeiro espírito do respeito e mesmo fundamentação democrática da convivência.
Assim, o que se tem por abjeto no excesso de vaidade é a arbitrariedade e talante que estimula, o que influencia diretamente o senso de distinção do indivíduo que, ao se colocar um degrau acima dos demais, seja com base em cargo, posses ou quaisquer outros atributos físicos ou intelectuais, se olvida daquele preceito básico bem humoradamente composto por Moacir Franco e consagrado na voz de Rita Lee, e que ao final recomenda: “um dia depois, não me vire as costas, salvemos nós dois”.
Informações Sobre o Autor
Eliseu Raphael Venturi
advogado em Curitiba, especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal no Paraná e mestrando em Direitos Humanos e Democracia pela UFPR