O Direito Tributário e a Proteção Ambiental

Vânya Senegalia Morete – Mestre em Direito pela Universidade de Marília. Docente dos Cursos de Pós-graduação em Direito da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Pós-graduação em Direito Empresarial da Pontifícia Universidade Católica – Londrina (PUC), e Pós-graduação em Direito da Escola da Magistratura do Paraná (EMAP).

Resumo: A utilização das figuras tributárias como forma de efetivação da proteção ambiental é a ideia que fundamenta o conceito da tributação ambiental. A extrafiscalidade e fiscalidade tributária atuam como ferramenta eficiente, respectivamente, para direcionar a conduta dos agentes econômicos à preservação, bem como gerar receitas que permitam financiar medidas de políticas públicas ambientais. O presente artigo aborda a compatibilização dos princípios do Direito Tributário com a preservação do meio ambiente, ora analisando-os como pontos de partida para a construção e direcionamento das espécies tributárias, ora abordando-os como limitações impostas pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional. Outro ponto de destaque é o caráter não sancionatório da tributação ambientalmente orientada, em respeito ao artigo 3º do Código Tributário Nacional.

Palavras-chave: Direito Tributário. Meio Ambiente. Tributação Ambiental.

 

Abstract: The use of the types of taxes as a way to enforce environmental protection is the idea that underlies the concept of environmental taxation. Extrafiscal and fiscal taxation act as an efficient tool, respectively, to direct the conduct of economic agents towards preservation, as well as to generate revenue to finance environmental public policy measures. This article deals with the compatibility of the principles of tax law with environmental preservation, both analyzing them as starting points for the definition and regulation of tax species, and approaching them as limitations imposed by the Federal Constitution and the ordinary legislation. Another highlight is the non-sanctioning character of environmentally oriented taxation, according to the article 3 of the National Tax Code.

Keywords: Tax Law. Environment. Environmental Taxation.

 

Sumário: Introdução. 1 Tributação Ambiental: conceito e objetivos. 1.1 Tributação Ambiental no Mercosul. 2 Princípios Constitucionais do Direito Tributário Ambiental. 2.1 Princípio da Legalidade. 2.2 Princípio da Igualdade. 2.3 Princípio da Capacidade Contributiva. 3 Tributação Ambiental e seu Caráter não Sancionatório. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

Como instrumento para a arrecadação de recursos e de orientação de conduta, o Direito Tributário pode e deve, principalmente através da extrafiscalidade, influir no comportamento dos particulares e dos agentes econômicos incentivando condutas positivas e rechaçando as que são nocivas ao bem comum. São estes parâmetros que justificam a sua utilização enquanto elemento apto a promover a proteção ambiental em todos os seus níveis.

Conforme será abordado no presente artigo, os tributos atuam como instrumentos da intervenção estatal na economia, assumindo uma postura ambiental quando manipulados para incitar os poluidores a procurar meios de reduzir a degradação e promover a adequação de sua conduta a padrões ambientalmente corretos, além de gerar receitas que permitam financiar medidas de política ambiental.

 

1 Tributação Ambiental: Conceito e Objetivos

Entre os meios de prevenção e combate aos prejuízos causados aos recursos naturais, os tributos surgem como instrumentos eficientes para a promoção da defesa do meio ambiente: oneram-se as atividades poluentes, através do aumento da carga tributária; concedem-se benefícios fiscais a título de premiação e incentivo àquelas que assumam posturas de preservação e proteção ambiental.

É neste contexto que surge a ideia de tributação ambiental no ordenamento brasileiro, conceituada como o emprego dos instrumentos tributários existentes para gerar recursos necessários à prestação de serviços públicos ambientais, bem como para direcionar a postura dos contribuintes à preservação do ambiente que se mostra essencial à qualidade de vida.           Tributar ambientalmente consiste em desestimular condutas que causem danos ao meio ambiente e em encorajar atitudes que promovam a postura preservacionista através da concessão de benefícios fiscais, fixação de alíquotas progressivas e seletivas e ainda da redução das bases de cálculo de determinado tributo. Neste sentido, esclarece José Marcos Domingues de Oliveira:

 

“Sem dúvida, entre os meios de prevenção e combate à poluição, o tributo surge como instrumento eficiente tanto para proporcionar ao Estado recursos para agir (tributação fiscal), como fundamentalmente para estimular condutas não poluidoras e desestimular as poluidoras (tributação extrafiscal) […] assim, o Estado reconhece o esforço do cidadão em cumprir a lei, e não apenas castiga o recalcitrante; tributa-se menos – a título de prêmio – quem não polui ou polui relativamente pouco.” (OLIVEIRA, 2007, p. 38-39)

 

 

Entretanto, a conceituação de tributação ambiental não se apresenta na doutrina como assunto tão pacífico. Existem muitas divergências acerca de sua definição, já que alguns entendem que é a hipótese de incidência que atribui o caráter ambiental do tributo, outros acreditam que é a finalidade da espécie tributária, e outros ainda defendem que esta seria apenas uma definição terminológica.

Aqueles que definem os tributos ambientais em razão de sua hipótese de incidência acreditam que seu fato gerador está relacionado com a proteção do meio ambiente.[2] Com todo respeito a esta parcela da doutrina, deve-se mencionar que vários tributos que não tenham essencialmente como mola propulsora para sua cobrança a utilização do meio ambiente, podem, de maneira indireta e muitas vezes até mais eficaz, proteger o meio ambiente.

Existe ainda a teoria de que é a finalidade do tributo que determina seu conteúdo ambiental. Neste sentido, quando o objetivo da espécie tributária é a proteção do meio ambiente, pode ela ser classificada como ambiental. Também se fazem críticas a este entendimento, uma vez que muitos tributos são criados para determinados fins que não são efetivamente perseguidos e nem de longe alcançados. Muitas vezes, atribui-se a um tributo uma roupagem que lhe dê maior aceitação social, mas que em seu conteúdo busca por interesses diversos do que aquele que foi declarado.

Logo, permite-se afirmar que não é a hipótese de incidência ou a finalidade que identifica a natureza ambiental de um tributo, mas sim a destinação de sua receita para a proteção do meio ambiente ou a estruturação de seus elementos que contribui de alguma forma para esta tutela, como por exemplo, o emprego dos recursos obtidos para prevenir ou reparar danos; estímulo a serviços e produtos não prejudiciais; alíquotas seletivas e progressivas em razão do seu viés ambiental (AMARAL, 2007, p. 204).

A tributação ambiental significa o direcionamento das espécies tributárias existentes para a proteção do meio ambiente. Através dos estímulos e benefícios fiscais, pode-se tornar a conduta ambientalmente correta mais vantajosa ao contribuinte, estimulando-o a adotar meios de produção que não sejam prejudiciais, ou que prejudiquem menos os recursos ambientais. Além do mais, pode-se orientar a receita obtida, utilizando a arrecadação como forma de patrocínio à prestação de serviços públicos ambientais.

Esta preocupação com a questão da implementação de uma política de tributação ambiental, no contexto mundial, restou demonstrada durante a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – ECO–92, momento em que, ao término dos trabalhos, elaborou-se uma declaração segundo a qual um eficiente tributo ambiental deve obedecer a quatro critérios:

 

  1. eficiência ambiental: a imposição tributária deve conduzir a resultados positivos do ponto de vista ambiental, seja através da instituição de tributo assim orientado ou imprimindo-se a tributo já existente este caráter;
  2. eficiência econômica: o tributo deve possuir baixo impacto econômico, embora promova a geração de recursos ambientais e/ou a orientação do comportamento do contribuinte para a adoção de uma conduta ecologicamente correta;
  3. administração barata e simples: a exigência do tributo não deve onerar a máquina administrativa, sob pena de se criar mais gastos para o poder público ao invés da captação de recursos e maiores dificuldades na fiscalização destes;
  4. ausência de efeitos nocivos ao comércio e à competitividade internacionais: os tributos não podem repercutir negativamente sobre a economia, prejudicando a livre iniciativa e a livre concorrência, tanto no âmbito nacional, quanto internacional. (COSTA, 2005, p. 315-316)

 

Também a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, cujo objetivo primordial é ajudar o desenvolvimento econômico e social no mundo estimulando investimentos nos países em desenvolvimento, tem se manifestado positivamente acerca da implementação da tributação ambiental, a qual já é largamente aplicada nos Estados que a compõe.

Considera a OCDE que direcionar o Sistema Tributário para a preservação ambiental é perfeitamente possível e adequado. Pode-se assim induzir mais vigorosamente a inovação tecnológica antipoluição, porque incita-se os poluidores a procurar meios para reduzir a degradação além do que exige a legislação em vigor; e, por outro lado, os tributos podem gerar receitas que permitam o financiamento das medidas de política ambiental ou de outras despesas públicas.

Ainda segundo a OCDE, a tributação ambiental deve estar assentada em dois fundamentos: primeiramente, os tributos devem ser empregados como forma de correção das externalidades negativas já abordadas no presente trabalho, agregando ao custo da atividade econômica os danos gerados no processo produtivo; em segundo lugar, devem induzir comportamentos no sujeito passivo que sejam menos prejudiciais ao meio ambiente, de forma que este busque formas ecologicamente adequadas para o desenvolvimento de suas atividades.

Sem sombra de dúvida, os fundamentos citados vão ao encontro com o que tem sido abordado até o presente momento, de forma que a tributação ambiental deve pautar-se pelo restabelecimento dos efeitos negativos ao meio ambiente gerados pelo exercício das atividades econômicas e injustamente imputados a todos, além de tornar as ações ambientalmente sadias mais atrativas aos empreendedores.

Várias são, portanto, as vantagens que podem ser listadas e que são a seguir analisadas quando se utiliza a tributação ambiental. Entre elas pode-se citar a flexibilidade, o incentivo permanente, a aplicação dos princípios ambientais e a socialização da responsabilidade sobre a preservação do meio ambiente a um menor custo para a sociedade (MODÉ, 2004, p. 96).

Trata-se a flexibilidade como uma vantagem já que os agentes poluidores permanecem livres para se adaptarem da maneira que melhor lhes convier ao padrão definido pelo poder público, podendo diminuir os impactos causados pelas suas atividades através do comportamento que lhe parecer mais conveniente. O caminho para que a poluição seja minimizada é escolhido pelo agente econômico, sempre incentivado pela política tributária.

Sendo assim, alcançando o empreendimento o resultado considerado adequado pela política estatal, tem o agente acesso aos benefícios fiscais previstos, seja porque este reduziu a produção de resíduos, seja porque incrementou tecnologicamente sua produção, adotando substâncias menos contaminadoras, seja porque aplica a sustentabilidade na transformação de sua matéria prima, entre outros comportamentos capazes de promover a tutela ambiental.

Além da flexibilidade, tais estímulos fiscais funcionam como incentivos permanentes para a redução da degradação aos níveis aceitados pela legislação. Isto porque permitem um planejamento do empreendedor na conquista de novas técnicas e métodos de produção que lhe permitam uma redução na carga tributária suportada.

Esta tributação também efetiva princípios ambientais já estudados anteriormente, principalmente o da prevenção, uma vez que orienta os contribuintes a manterem comportamentos que sejam compatíveis com o equilíbrio do meio ambiente. Se os sujeitos passivos se abstiverem da prática de atos danosos conduzidos por uma política tributária incentivadora, estar-se-á evitando a ocorrência de prejuízos ambientais e/ou minimizando suas consequências.

Outro princípio que ganha aplicabilidade em face da tributação ambiental é o do poluidor pagador. Adota-se aqui a ideia de internalização dos custos ambientais, já que se estipula uma maior carga tributária sobre os agentes econômicos que mais contribuem para o desequilíbrio ambiental. Permite-se uma distribuição mais justa dos encargos ambientais decorrentes do exercício da atividade, atenuando ou até eliminando o impacto das externalidades negativas produzidas e gerando receita ao Estado. Nesta toada, assevera Fernando Magalhães Modé:

 

“O poluidor deverá suportar integralmente os custos de sua atuação ambientalmente indesejada. Ao Estado é dada a função de garantir que tal processo seja realizado. O Estado, para dar cumprimento a tal tarefa, vale-se de um instrumento de intervenção na economia denominado tributo […] A tributação ambiental, por intermédio da internalização dos custos ambientais, busca a correção das distorções de mercado, que, pela dinâmica exposta pelas externalidades negativas, proporciona ao agente econômico poluidor uma subvenção de toda sociedade aos custos por ele gerados.” (MODÉ, 2004, p. 115)

 

Ao lado das vantagens geradas pela tributação ambiental e frente a tudo que foi exposto, pode-se ainda determinar claramente seus objetivos: minimizar os danos ambientais; influenciar a conduta dos sujeitos passivos, de modo a reduzir suas atividades poluidoras através da criação de incentivos; financiar o custo ambiental gerado através da arrecadação procedida.

Por fim, vale ressaltar que não necessariamente esta tributação ambiental implica a criação de tributos novos. Pode-se simplesmente adaptar os tributos já existentes à finalidade preservacionista, em que o poluidor é levado a não poluir, ou poluir menos, para não ser tributado ou ter sua carga tributária majorada (progressividade e diferenciação de alíquotas), e o não poluidor é beneficiado com incentivos fiscais (isenções e deduções). Trata-se do poder dissuasório da tributação em face das atividades indesejáveis e do poder de estímulo às condutas que contemplem o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

            Como já foi mencionado, os tributos atualmente vigentes no ordenamento podem funcionar como meio de orientação da conduta dos contribuintes, de modo que suas ações se realizem sempre de maneira menos custosa ao meio ambiente. Não prevê aos agentes uma alternativa entre a atitude legal e ilegal, mas a escolha entre o que lhe parece mais ou menos vantajoso. Resta ao sujeito passivo, entre as possibilidades que se lhe apresentam, optar por aquela que seja a economicamente menos onerosa.

Dessa forma, considera-se a tributação ambiental como um dos instrumentos mais adequados ao objetivo da proteção ambiental, induzindo os agentes econômicos à adoção de comportamentos ecologicamente mais benéficos. Passa-se a analisar o tratamento dispensado nos países do MERCOSUL à questão, e, após, os limites dentro dos quais esta tributação poderá ser implementada no Brasil, sempre em respeito aos princípios previstos na Constituição Federal como pontos de partida para a validade das políticas tributárias.

 

1.1 TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL NO MERCOSUL

            Após analisar a tributação ambiental e seus objetivos no ordenamento jurídico pátrio, cumpre averiguar como esta questão é tratada nos países integrantes do MERCOSUL, já que o Brasil atua como Estado componente deste. Em 26 de março de 1991, a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai assinaram o Tratado de Assunção, criando o Mercado Comum do Sul.

Os quatro países que fazem parte do MERCOSUL compartilham uma comunhão de valores que encontra expressão nas sociedades democráticas, pluralistas, defensoras das liberdades fundamentais, dos direitos humanos, da proteção do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, incluindo seu compromisso com a democracia, a segurança jurídica, o combate à pobreza e a geração do desenvolvimento econômico e social.

O objetivo primordial do referido Tratado é a integração dos quatro países, por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, do estabelecimento de uma tarifa externa e da adoção de uma política comercial comum, da coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais e da harmonização de legislações nas áreas pertinentes, sempre visando fortalecer o processo de integração.

Procurando um maior alcance da proteção ambiental, inseriu-se no Preâmbulo do Tratado de Assunção a busca pelo aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis e a preservação do meio ambiente. A intenção é coordenar as políticas macroeconômicas nos diversos setores da economia com a observância de princípios como a sustentabilidade e o equilíbrio na exploração dos recursos naturais.

A evidente preocupação dos países integrantes com o meio ambiente fez surgir, no final de 1992, as Reuniões Especiais do Meio Ambiente. Entre os encontros realizados e as recomendações produzidas, a mais importante foi aquela que se tornou a Resolução 10/94 e que indica as Diretrizes Básicas em Matéria de Política Ambiental.

Reconhecidos os avanços obtidos pelas Reuniões Especiais do Meio Ambiente, recomendou-se a transformação desta em um Subgrupo de Trabalho do Grupo Mercado Comum, o qual deveria tratar a temática ambiental em mais alto nível de discussão. Estabeleceu-se, então, o Subgrupo nº 6 do Meio Ambiente, com o objetivo de buscar a harmonização das legislações ambientais dos Estados integrantes do MERCOSUL.

As metas iniciais deste Subgrupo englobam a elaboração de um selo verde do MERCOSUL e a formalização de um sistema de certificação comum, a criação de um documento único que otimize a gestão e os níveis de qualidade ambiental, a implementação de um sistema de informação ambiental capaz de induzir os cidadãos à consciência ecológica, e a avaliação dos processos produtivos para assegurar condições de proteção ambiental e de competitividade entre os Estados partes.

Além das já citadas, entre as tarefas prioritárias do referido Subgrupo está a de criar um Instrumento Jurídico de Meio Ambiente no MERCOSUL. Como resultado da união das propostas apresentadas pela Argentina e pelo Brasil para a formação desse instrumento jurídico, estabeleceu-se o Acordo Quadro sobre o Meio Ambiente do MERCOSUL, assinado em março de 2001.

O documento, composto por dez artigos, quatro capítulos e um anexo, é fruto do reconhecimento dos países membros da necessidade de as políticas comerciais conterem o intuito de preservar o meio ambiente com adoção de políticas públicas comuns e participação da sociedade. O principal objetivo é a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável mediante a articulação entre as dimensões econômica, social e ambiental, contribuindo para uma melhor qualidade de vida da população e do meio em que se vive.

Este foi um grande passo dado em direção à defesa ambiental: tentar padronizar uma proteção indispensável para os Estados partes atrelada à ideia de sustentabilidade, atingindo o bem-estar da sociedade através da melhoria das condições do meio ambiente, sem que isso represente abandono da busca pelo desenvolvimento econômico.

Em vários momentos pode-se visualizar a tributação ambiental nos parâmetros e princípios previstos pelo referido Acordo Quadro, já que esse prevê a promoção da proteção do meio ambiente mediante a coordenação de políticas públicas setoriais, a efetiva participação da sociedade civil no tratamento das questões ambientais, o fomento à internalização dos custos ambientais por meio do uso de instrumentos econômicos e regulatórios, a adoção de políticas e processos produtivos não degradantes, além de incentivos à pesquisa e ao uso de tecnologias limpas.

Na Argentina, assim como no Brasil, a tributação ambiental parece desenvolver de forma consistente, levando-se em consideração as várias destinações ambientais propiciadas ao sistema interno de tributos. São exigidas taxas para a outorga de certificados que habilitem a instalação de indústrias e para fiscalização anual de atividades que gerem, transportem ou armazenem resíduos especiais que possuam determinado grau de periculosidade (NUNES, 2000, p.150).

O Código de Águas prevê também a cobrança para custear a conservação, exploração e administração de obras hidráulicas ou a prestação do correspondente serviço de fornecimento. Também existe um regime que incentiva investimentos em empreendimentos florestais novos e na ampliação de bosques existentes, desde que haja utilização racional dos recursos naturais e sejam adotadas medidas assecuratórias de proteção máxima e desenvolvimento sustentável (SEBASTIÃO, 2007, p. 313).

O Uruguai apresenta em seu ordenamento jurídico incentivos fiscais voltados aos interesses ecológicos, fixando isenções e reduções de tributos para os que se comportarem em defesa da causa ambientalista. Também são previstos instrumentos econômicos, como financiamentos mais benéficos para fins de investimentos em florestamento, regeneração de matas, manejo e proteção florestal.

No Paraguai, embora a degradação ambiental ocorra de forma crescente, ainda não existe uma conscientização ecológica, seja por parte dos governantes, seja por parte da população. Em que pese a existência de uma legislação ambiental, esta não é respeitada. Conforme conclusão de Jane Elizabeth Cesca Nunes:

 

“Parece faltar um conjunto de soluções que envolvam incentivos, deduções e isenções tributárias, educação, informação e amplo e eficaz monitoramento, este, relativo às atividades nocivas ao meio ambiente, para que as posturas atuais, sejam modificadas rumo a um desenvolvimento sustentável.” (NUNES, 2000, p. 163-164)

 

            Ao ser evidenciado o tratamento diferenciado que cada país integrante do MERCOSUL dispensa à questão da tributação ambiental, uns de forma mais incisiva e outros nem tanto, fica clara a inexistência de uma harmonização nas leis ambientais, frustrando-se o principal objetivo do Acordo Quadro. Cada Estado componente tem disposições específicas adaptadas às suas necessidades, não proporcionando uma política ambiental comum como base da aliança firmada e busca por um desenvolvimento sustentável.

Esses diplomas legais heterogêneos e a ausência de uma política pública que resulte em ampla ação preventiva e repressiva aos danos causados ao meio ambiente demonstram a fragilidade de um sistema que, embora busque estabelecer uma zona de livre comércio, ainda não consegue fixar padrões mínimos de qualidade de vida para sua população e conceitos de eficiência econômica fundados na ideia de desenvolvimento sem degradação ambiental.

Unificar a disciplina de uma tributação que seja capaz de orientar a conduta da sociedade para a preservação do meio ambiente, incentivando condutas ambientalmente corretas e desestimulando as que não o sejam, seria um dos primeiros passos em direção à melhora das condições de vida das sociedades integrantes do MERCOSUL e do estabelecimento de meio ambiente ecologicamente equilibrado, imprescindível ao desenvolvimento econômico da região segundo os parâmetros da sustentabilidade.

 

2 Princípios Constitucionais do Direito Tributário Ambiental

Os princípios constitucionais são as vigas mestras, as bases que sustentam o ordenamento jurídico brasileiro. Todas as regras de direito fundamentam-se em princípios, os quais fazem uma referência direta a valores que devem ser observados e respeitados em sua plenitude.

O que se pretende no presente tópico é compatibilizar os princípios do Direito Tributário com a preservação do meio ambiente, ora analisando-os como pontos de partida para a construção e direcionamento das espécies tributárias, ora abordando-os como limitações impostas pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional. Carlos André Souza Birnfeld classifica esta junção de princípios:

 

“Isso ocorre quando princípios que não são nem exclusivos, nem originários, da ordem ambiental, são por ela apropriados, sem alteração de sentido, e especializados para responder aos desafios do universo da proteção ambiental, transformando-se em princípios ambientais por adaptação.” (SEBASTIÃO, 2007, p. 80)

 

Constituindo os princípios o fundamento sobre o qual se constrói qualquer política tributária, não se pode imaginar que a criação de novos tributos ou que o encaminhamento dos já existentes à proteção ambiental seja feito de forma indiscriminada e desprovida de qualquer tipo de restrição, em real ofensa ao conteúdo valorativo priorizado. Existem parâmetros a ser respeitados, em sua maioria fixados pela principiologia, para que a tributação ambiental seja válida e compatível com as previsões legais.

Sendo assim, colacionam-se a seguir alguns princípios próprios do Direito Tributário previstos na Constituição Federal que deverão direcionar o trabalho dos operadores do direito diante do fenômeno da tributação ambiental, sempre no sentido de conduzir a sociedade à proteção do meio ambiente, mas sem ultrapassar os limites legalmente estabelecidos, sob pena de flagrante ilegitimidade da instituição, cobrança e fiscalização dos referidos tributos. Entre todos os princípios constitucionais, são abordados o da legalidade, igualdade e capacidade contributiva, por serem estes os que mais caracterizam o objetivo da presente pesquisa.

 

2.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade orienta e domina toda a atividade estatal. Somente um ato emanado do poder legislativo pode obrigar cidadãos a cumprirem determinadas prestações que possam representar restrições à sua liberdade, à sua segurança e ao seu patrimônio, por ser esta medida que contempla a segurança necessária a um Estado Democrático de Direito.

Aliás, o próprio Estado Democrático de Direito se fundamenta na submissão ao império da lei, na divisão das esferas do poder, harmônicas e independentes entre si, e na garantia dos direitos individuais. Logo, a Constituição Federal, ao dispor sobre o princípio da legalidade, está afirmando um dos aspectos sobre os quais se estrutura o Estado Brasileiro.

O referido princípio na esfera tributária, elencado pelo artigo 150, inciso I da Lei Maior, é conhecido pelas expressões nullum tributum sine lege ou no taxation without representation, excluindo-se a arbitrariedade e limitando-se o poder da instituição de tributos, sempre com o objetivo de assegurar a plenitude dos direitos do cidadão-contribuinte. Portanto, permite-se afirmar que não há que se falar em pagamento de tributos que não tenham sido validamente e expressamente criados por lei (FIORILLO; FERREIRA, 2005, p. 136).

Sobre considerar a legalidade como fundamento de um Estado Democrático de Direito e como princípio do sistema tributário, Sacha Calmon Navarro Coelho ensina que

 

“Nas sociedades livres se exigem regras perenes que assegurem, em matéria tributária, a prevalências dos dois pilares que sustentam o direito como ordem normativa: os princípios da justiça e da segurança. Assim, da mesma que hoje se consagrou à máxima da nullum poena sine lege no direito penal, também a que se fazer referência à máxima nullum tributum sine lege no direito tributário. Portanto, onde houver Estado de Direito haverá respeito ao princípio da reserva de lei em matéria tributária. Onde prevalecer o arbítrio tributário, certamente inexistirá Estado de Direito.” (AMARAL, 2007, p. 72)

 

Dessa forma, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça, imposição que pode ser classificada como oriunda do próprio direito administrativo, que determina que ao poder público é permitido fazer somente o que a lei admite e prevê expressamente.

A aplicação deste princípio leva a algumas conclusões fundamentais. A primeira é a de que se excluem do campo do Direito Tributário o que é admitido como fonte nos demais ramos. Os usos e costumes, os acordos e as decisões jurisprudenciais atuam como importante mecanismo de orientação do intérprete, mas não são capazes de criar ou de modificar qualquer imposição tributária.

A segunda conclusão está ligada aos aspectos formais que o princípio da legalidade envolve. Deve a lei tributária ser emanada do órgão competente e conter todos os elementos estruturais que compõe qualquer tributo, de acordo com o que está definido na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional (CARRAZA, 2006, p. 214).

Este princípio ainda leva à certeza de que, ao submeter o Sistema Tributário Nacional à legalidade, o legislador reconheceu às espécies tributárias a tipicidade fechada ou cerrada, sendo admitidos e aptos a produzir efeitos no mundo jurídico somente tributos que estiverem adequadamente e expressamente descritos na legislação.

No entanto, insta salientar que esta tipicidade fechada não exclui a interpretação e a adequação da lei tributária às mudanças sociais e econômicas pelas quais a sociedade passa constantemente. Cabe ao intérprete moldar a legislação às demandas hodiernamente exigidas sob pena de se aceitar a aplicação de um ordenamento ultrapassado e em total descompasso com a realidade.

Sendo assim, sempre atenta ao âmbito das competências tributárias estabelecidas na Constituição Federal, a instituição de um tributo ambiental, como qualquer outro, ou o direcionamento das espécies já existentes para a questão ambiental devem ser frutos de uma disposição legal que permita essa criação ou adequação.

Para que esta tributação seja válida e eficaz na sua totalidade, deve respeitar o princípio da legalidade, de modo que todo incentivo fiscal a atitudes preservacionistas ou tributo com caráter de reprovação de condutas degradadoras sejam oriundos de leis devidamente elaboradas, sem quaisquer vícios que as tornem ineficientes e desprovidas de consequências no mundo jurídico.

 

2.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE

O princípio da igualdade, elevado à categoria de direito humano em 1948, quando foi consubstanciado no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aparece encartado no preâmbulo da Constituição Federal como um dos valores essenciais do Estado Democrático Brasileiro e em seu artigo 5º, como direito e garantia fundamental dos indivíduos.

No que se refere ao Sistema Tributário Nacional, a igualdade atua como uma das limitações ao poder de tributar. Está preconizada no artigo 150, inciso II da Lei Maior, o qual prescreve que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, sendo proibida qualquer distinção em razão de profissão ou ocupação por eles exercida, independente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

O princípio da igualdade tributária determina que os contribuintes sejam individualizados em sua situação e que recebam tratamento adequado a esta e idêntico aos demais que se encontram sob os mesmos parâmetros. Não basta determinar que todos sejam tributados de forma idêntica, sob pena de se cometer ofensas aos valores tutelados, já que não se pode exigir que contribuintes em situações diversas arquem com a mesma carga tributária.

Ressalte-se que, quando se fala em igualdade, não se afirma a existência de uma igualdade absoluta. O princípio em análise permite que haja distinção entre as pessoas e as situações em que vivem, devendo existir tratamento igual aos iguais e tratamento diferenciado aos desiguais. Cada indivíduo deve submeter-se ao ordenamento jurídico na mesma proporção e forma que seus iguais forem submetidos.

Neste sentido, importante lição de Roque Antonio Carraza:

 

“O princípio da igualdade exige que a lei, tanto ao ser editada quanto ao ser aplicada, a) não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação jurídica equivalente; b) discrimine, na medida de suas desigualdades, os contribuintes que não se encontrem em situação jurídica equivalente.” (CARRAZA, 2006, p. 169)

 

O objetivo do princípio da igualdade é, portanto, vedar o tratamento jurídico diferenciado a indivíduos que estejam submetidos aos mesmos pressupostos de fato e de direito, em flagrantes condições de igualdade, assim como rechaçar o tratamento igual para aqueles que estejam em posições e situações distintas, impedindo quaisquer discriminações tributárias que possam privilegiar ou prejudicar determinadas pessoas, físicas ou jurídicas.

Vale aqui citar Rui Barbosa, quando afirma que:

 

“A regra da igualdade consiste em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Tratar com desigualdade aos iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” (BARBOSA, 1956, p.32)

 

Em relação à tributação ambiental, permite-se afirmar que os poluidores devem ser tributados sempre de acordo com a degradação que causarem aos recursos naturais. Assim também deverá ocorrer com as isenções e benefícios, sendo estas concedidas nas mesmas proporções para aqueles que adotam a mesma postura preservacionista. Aplicar majorações ou estímulos diferenciando destinatários que estão em igualdade é caminhar contra todas as determinações constitucionais até o momento colacionadas.

Assim, o princípio da igualdade serve como baliza para conter os excessos e o arbítrio na tributação ambiental. Deve-se impor a mesma tributação para aqueles que realizam o pressuposto de exercer suas atividades de forma menos nociva ao meio ambiente, e uma diferente tributação para quem desenvolve sua atividade às custas de degradação ambiental. Sendo estas situações, obviamente, diversas entre si, não se permite que o tratamento tributário dispensado a elas seja o mesmo.

Caso se proporcione ao agente que age em flagrante desacordo com as normas de proteção ambiental a mesma tributação despendida àquele que adota a preservação como primordial no desenvolver de seu empreendimento, além de se ofender a igualdade já mencionada, abandonar-se-á a essência da tributação ecológica de estimular condutas socialmente adequadas e de internalizar os custos ambientais gerados pela atividade e indevidamente suportados por todos.

Paulo Henrique do Amaral enfatiza:

 

“Assim, consequentemente, acredita-se que deverá haver tratamento tributário isonômico para contribuintes que produzem o mesmo nível de poluição ambiental e, por fim, tratamento desigual para contribuintes que ocasionem níveis de poluição diferentes, pois só assim estar-se-á incentivando a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável e, em contrapartida, desestimulando a degradação ambiental.” (AMARAL, 2007, p. 84)

 

Na tributação, o impacto ambiental provocado pelas atividades econômicas desenvolvidas pelos contribuintes é o que define sua obrigação tributária. Dessa forma, devem os tributos ser aplicados de igual forma, seja por intermédio da fiscalidade ou da extrafiscalidade, em relação a todos os sujeitos lesantes do ambiente a quem seja imputável a mesma consequência de danosidade.

 

2.3 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O princípio da capacidade contributiva decorre do princípio da igualdade, já abordado, e do ideal republicano, segundo o qual há de se buscar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. A res publica pertence a todos e reclama a participação de toda a sociedade para sua manutenção. Cada indivíduo, assim, deve contribuir para as despesas públicas de acordo com suas condições econômicas.

A Constituição Federal, em seu artigo 145, prescreve que, sempre que possível, os impostos serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte, o que permite afirmar que é justo que quem tem mais, ou seja, muito em termos econômicos, pague proporcionalmente mais tributos do que quem tem menos. Aquele que tem maior riqueza deve arcar com uma carga tributária superior àquele que tem menos riqueza.

O princípio da capacidade contributiva tem por finalidade o resguardo da justiça fiscal, de modo a repartir os encargos do Estado na proporção das possibilidades aparentes de cada contribuinte em suportar o respectivo ônus tributário.

Luciano Amaro, sobre a relevância do tema ora abordado, leciona:

 

“O princípio da capacidade contributiva inspira-se na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir imposto, do mesmo modo que em terra seca não adiante abrir poço em busca de água. Porém, na formulação jurídica do princípio, não se quer apenas prescrever a eficácia da lei de incidência; em vez disso, quer-se preservar o contribuinte, buscando evitar que uma tributação excessiva comprometa os seus meios de subsistência, ou o livre exercício de sua profissão, ou a livre exploração de sua empresa, ou o exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo isso relativiza sua capacidade econômica.” (AMARO, 2007, p. 134)

 

Afirma-se que a capacidade contributiva, além de implicar a justiça fiscal na medida em que busca que cada um contribua conforme suas possibilidades, deve preocupar-se com a manutenção do piso vital mínimo, com o não atingimento do confisco e com a garantia de não cerceamento de direitos fundamentais. Resta óbvio que o cidadão que tem apenas o mínimo para sua existência não tem condições de arcar com a tributação, já que possui renda suficiente apenas para sua sobrevivência.

A relação entre o não-confisco e a capacidade contributiva percebe-se no fato de que a tributação deve ser graduada conforme a situação econômica do sujeito passivo para que não implique confisco de seus bens. A vedação do confisco, prevista no inciso IV do artigo 150 da Lei Maior, proíbe que a tributação seja utilizada de forma a ocasionar a perda da propriedade ou da renda do contribuinte sem que exista qualquer tipo de indenização.

Vale ainda ressaltar que, embora a Constituição Federal, ao prever o princípio em análise, o tenha relacionado apenas com os impostos, seu conteúdo estende-se a todas as espécies tributárias, atuando como verdadeiro limite à atividade de tributar do Estado e como forma de se garantir os direitos mínimos dos cidadãos.

Ao se indagar sobre a aproximação da capacidade contributiva e da tributação ambiental averigua-se se o princípio ora estudado se aplica aos tributos extrafiscais, sendo estes entendidos como aqueles instituídos com o intuito de pressionar a sociedade a assumir determinadas condutas ou a abster-se de realizá-las. Conforme se abordou anteriormente, a extrafiscalidade é a essência do direcionamento das espécies tributárias para a proteção do meio ambiente.

No sentido de afastar a extrafiscalidade da capacidade contributiva, Sacha Calmon Navarro Coelho, Mizabel Derzi, entre outros autores citados por Paulo Henrique do Amaral, consideram que, quando os tributos são utilizados para atingir fins diversos da arrecadação de dinheiro, o princípio que alberga a ideia de que cada um deve pagar conforme sua condição econômica é posto de lado (AMARAL, 2007, p. 93).

Em contrapartida, autores como Fernando Magalhães Modé afirmam que pouco importa se o tributo é fiscal ou extrafiscal, pois o sujeito passivo da obrigação tributária criada deve ter condições econômicas de suportar o ônus que lhe foi imposto. Neste contexto, a tributação ambiental deve ater-se à capacidade contributiva e dela não pode desviar-se, sob pena de inconstitucionalidade (MODÉ, 2004, p. 88).

No entanto, com todo respeito à parte da doutrina que ressalta a referida incompatibilidade, e à parte que preleciona ser a capacidade contributiva e a extrafiscalidade indissociáveis, acredita-se que o referido princípio deve atuar como limite imposto à tributação extrafiscal no sentido do respeito ao mínimo vital, aos direitos e garantias fundamentais e à não utilização do tributo com caráter confiscatório.

Dessa forma, o princípio da capacidade contributiva não atua como fundamento da tributação ambiental, mas sim como limitação máxima além da qual ninguém poderá ser compelido a contribuir. Ressalta Jorge Jiménes Hernández:

 

“O legislador ao estabelecer um tributo ambiental deve ser cauteloso ao tributar uma atividade danosa ao meio ambiente, que respeite os limites mínimos (mínimo vital e proibição de confisco), que todo tributo deve observar, coincidência nem sempre fácil de encontrar e que apresenta uma íntima relação com a degradação ambiental.” (AMARAL, 2007, p. 97)

 

Como se depreende, a capacidade contributiva surge para limitar o ônus tributário, respeitando o piso vital mínimo, o não confisco e os direitos assegurados constitucionalmente. Vale dizer que o poluidor-contribuinte deve pagar o encargo tributário de acordo com a degradação causada ou com o uso dos bens ambientais; entretanto, jamais se podem utilizar estes tributos com efeito confiscatório ou de forma a comprometer o montante mínimo de que o cidadão precisa para sobreviver.

Logo, identifica-se que a proteção ambiental objetivada através da utilização das espécies tributárias, imbuídas do caráter de extrafiscalidade, não caminha separadamente da capacidade contributiva. Ao contrário, deve este princípio figurar como verdadeira limitação à tributação ambiental para que esta seja praticada de forma legítima, sem representar ofensa aos direitos e garantias individuais do contribuinte.

 

3 TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL E O SEU CARÁTER NÃO SANCIONATÓRIO

Uma das maiores críticas apresentadas em relação à utilização dos tributos com a finalidade de promover a defesa do meio ambiente consiste na suposta relação estabelecida entre a imposição tributária e o caráter sancionatório que esta poderia representar, já que a postura poluidora é algo repelido pelas normas ambientais.

Em um primeiro momento, a aplicação de um tributo sobre uma conduta poluidora ou sobre um processo produtivo que gera a degradação ambiental pode remeter à ideia de sanção, o que levaria à descaracterização completa do Sistema Tributário Nacional enquanto instrumento de implementação dos valores ambientais previstos na Constituição Federal.

Isto porque o artigo 3º do Código Tributário Nacional menciona que o tributo não pode constituir sanção pela prática de atos ilícitos. Paulo de Barros Carvalho traduz este caráter não sancionatório dos tributos ao explicar que o diploma legal,

 

“Ao explicitar que a prestação pecuniária não pode constituir sanção de ato ilícito, deixa transparecer, com hialina clareza, que haverá de surgir de um evento lícito e, por via oblíqua, faz alusão ao fato concreto, acontecido segundo o modelo da hipótese.” (CARVALHO, 2007, p. 24)

 

Todavia, em que pese as críticas tecidas por aqueles que não veem na tributação ambiental um processo legítimo, o pretenso sentido sancionatório, na realidade, não ocorre. Efetivamente, uma prestação pecuniária compulsória que se constitua como punição pela prática de um ato contrário ao ordenamento é multa, e não tributo. E, vale dizer, na tributação ambiental não ocorre a aplicação de multas, e sim o direcionamento das espécies tributárias já existentes para a defesa do meio ambiente, seja por meio da fiscalidade ou da extrafiscalidade.

Para a proteção do meio ambiente, o Poder Público tem à sua disposição uma série de elementos que permitem a repressão de ações ilícitas e a orientação da sociedade em busca de comportamentos que não venham a causar impacto ambiental, ou o reduzam ao menor nível possível. Entre os primeiros instrumentos usualmente empregados encontram-se as regras de comando e o poder de polícia.

No entanto, somente as leis impositivas não têm sido suficientes para promover a conscientização da sociedade no sentido de defender o meio em que se vive.  Por esta razão, paralelamente a este sistema cogente de determinações permissivas e proibitivas, o Direito Tributário apresenta-se como elemento de intervenção do Estado no domínio econômico, possibilitando, mediante políticas de incentivo e de desestímulo, induzir os agentes a comportarem-se de maneira ambientalmente desejável.

Diante disso, verifica-se que a tributação ambiental não se estrutura como mecanismo de comando, estabelecendo condutas permitidas e proibidas acompanhadas das consequentes penalidades àquele que agir em desacordo com os ditames da referida disposição cogente. A tributação ambiental, ao contrário, parte do pressuposto de que todas as atividades econômicas aptas a comporem a hipótese de incidência de um tributo ecológico são lícitas e necessárias ao desenvolvimento da sociedade.

Daí a afirmação de que se tributa a poluição permitida pelo ordenamento jurídico e decorrente de empreendimentos indispensáveis à população, incidindo sobre aquilo que realmente é apresentado à sociedade como imprescindível ao seu bem-estar e à sua qualidade de vida. As ações poluidoras ilícitas, diferentemente, são disciplinadas pelas normas de conteúdo proibitivo, estas sim acompanhadas das competentes sanções. Neste sentido, salienta Fernando Magalhães Modé:

 

“Demonstra-se com isso que a razão motivadora da tributação ambiental não é a mesma sobre as quais se fundam as sanções. A aplicação da tributação ambiental não tem por objetivo punir o descumprimento de um comando normativo (proibitivo); ao contrário, a partir do reconhecimento de que uma atividade econômica é necessária à sociedade (seja por fornecer produtos indispensáveis à vida social, seja por garantir empregos e renda a determinada comunidade, ou por outra razão qualquer) busca ajustá-la a uma de realização mais adequada do ponto de vista ambiental, desincentivando (pelo reflexo econômico negativo que impõe) que o comportamento de um determinado agente econômico ou conjunto de agentes, se modifique para o que se tenha por ambientalmente correto.” (MODÉ, 2004, p. 83)

 

Portanto, o ponto fundamental da tributação ambientalmente orientada é que ela ocorre, necessariamente, no campo dos empreendimentos econômicos lícitos: aqueles que, embora causem danos ao meio ambiente, são admitidos pela legislação em virtude dos outros pontos positivos que deles derivam e que os tornam essenciais à sociedade. Este argumento, por si só, elimina qualquer hipótese de atribuir à tributação ambiental o caráter de sancionatória.

Corroborando com o entendimento exposto, Roberto Ferraz também afirma que a tributação ambiental não representa punição, uma vez que incide somente sobre atividades lícitas. Confira-se:

 

“Portanto, o tributo, característico da democracia, sinal de cidadania e exercício de liberdade, somente se aplica ao âmbito das atividades lícitas, não podendo em nenhum momento ser concebido como sanção de atividade ilícita, como encargo a ser lançado contra atividades econômicas como punição. […] Seria, portanto, totalmente impróprio e errado pretender sancionar atividades poluidoras com tributos mais pesados. Quando o objetivo seja sancionar, o instrumento próprio será a proibição sancionada com multa ou outra pena que o sistema jurídico possa indicar, mas nunca o tributo. Isto não significa que não se possa tributar diferenciada e mais pesadamente uma atividade nociva ao meio ambiente, mas não como sanção. […] uma primeira característica fundamental da tributação ambientalmente orientada é que ela deverá ocorrer, necessariamente, no âmbito das atividades lícitas, como orientadora destas atividades […].” (FERRAZ, 2005, p. 340-341)

 

O autor citado ainda fundamenta sua posição exemplificando que, se uma fábrica de fertilizantes polui um rio, a tributação ambiental deve acrescentar um custo ao produto, correspondente ao custo que o Estado terá para promover a correção do dano causado, tornando interno um custo que antes era externo. A tendência é incentivar a substituição da atividade poluente por outra economicamente mais interessante, isto é, por outra que não tenha o respectivo custo embutido (TORRES, 2005, p. 342).

Não se trata, portanto, de punir a empresa cuja atividade é amparada pelo ordenamento jurídico, mas de, admitindo-se sua necessidade ao desenvolvimento socioeconômico, buscar compor o custo ambiental gerado pela atividade com a obtenção de receita destinada a corrigir a agressão ocasionada, ao mesmo tempo em que se induz uma mudança de comportamento em razão do aspecto econômico mais favorável.

Tanto o poder público, através da tributação ambiental, não tem a intenção de estabelecer proibições ou comandos impositivos acompanhados de sanções, que a flexibilidade se apresenta como uma de suas mais expressivas vantagens, como se observou no presente capítulo ao se analisar os conceitos desta modalidade de tributação, seus aspectos positivos e seus principais objetivos.

Tal flexibilidade consiste no fato de que o empreendedor é livre para optar por exercer sua atividade da forma que melhor lhe convém, não sendo ele obrigado a se submeter ao conteúdo ambiental das espécies tributárias. O que a tributação ambiental tenciona é estimulá-lo, e não o coagir a assumir a postura ambientalmente correta, fazendo com que esta lhe pareça mais vantajosa em decorrência dos benefícios que lhe são concedidos. Assim, estar-se-á estimulando a redução da poluição esperada do exercício daquela determinada atividade.

Por assim dizer, enquanto a tributação ambiental garante ao agente econômico uma margem de manobra para a adequação de seu empreendimento às normas de proteção do meio ambiente, quando então estará apto a receber os incentivos decorrentes de sua postura, a regra de comando proibitiva lhe impossibilita qualquer ajuste, revelando seu aspecto de inflexibilidade e rigidez. Quanto às normas impositivas, ou o empreendedor as cumpre, ou estará sujeito às penalizações previstas em seu bojo.

Outro traço distintivo que se impõe entre a tributação ambiental e as sanções de atos ilícitos é que aquela ocorre em decorrência das finalidades elencadas pelos princípios do poluidor pagador, da prevenção e da precaução. Isto significa dizer que a tributação ambiental ocorre antes da realização do ato danoso ao meio ambiente, ou de forma a permitir a redução dos prejuízos esperados pela prática de tais ações, mediante o caráter extrafiscal incentivador que lhe é atribuído. Já as sanções ocorrem sempre posteriormente à prática do ato ilícito, tendo pouca ou nenhuma atuação preventiva (MODÉ, 2004, p. 84).

Cumpre ainda destacar que a tributação ambiental também se diferencia da sanção por não constituir, sob pena de invalidade absoluta, no confisco de resultado econômico auferido pelo agente através da conduta que causou a degradação ambiental. Como já foi abordado quando da análise do princípio da capacidade contributiva, jamais o tributo pode representar confisco dos bens do contribuinte, ao contrário, deve respeitar o mínimo vital, a capacidade econômica do cidadão, além de outros direitos e garantias fundamentais.

Na aplicação da sanção, diferentemente, o conjunto das penas deve eliminar o resultado positivo almejado e conquistado pelo infrator, pouco importando se isso implica confisco dos bens obtidos com a conduta ilícita. Permitir que o resultado da conduta criminosa permaneça em poder do agente é transmitir a falsa ideia de que o crime compensa.

 

CONCLUSÃO

Analisado o conteúdo da tributação ambiental, seus objetivos e vantagens, além das limitações principiológicas que deverão ser observadas quando da sua implementação, conclui-se pela possibilidade e pertinência do direcionamento das espécies tributárias existentes para a proteção ambiental. Importante frisar ainda que o conteúdo da tributação ambiental, por todos os motivos expostos, não configura sanção de atos ilícitos praticados pelo contribuinte, mas sim forma de orientação da sociedade para que esta assuma posturas que contemplem os valores ambientais previstos na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional, ou ainda a captação de recursos que financiem programas de reabilitação e prevenção de danos causados ao meio ambiente.

 

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