Sumário: 1. Definição de Documento Eletrônico. 2. Validade Jurídica como Meio de Prova. 3 O Documento Eletrônico no Brasil
1. Definição de Documento Eletrônico
O documento eletrônico é denominado como documento informático ou digital, sendo produzido por meio do uso do computador.
Por estar vinculado a fatores técnicos e em constantes aperfeiçoamentos e mudanças, torna-se complexo defini-lo com precisão.
Contudo pode-se conceituar o documento eletrônico como sendo o que se encontra memorizado em forma digital, não perceptível para os seres humanos senão mediante intermedição de um computador. Nada mais é do que uma seqüência de bits, que por meio de um programa computacional, mostrar-nos-á um fato.
Para melhor entendimento desta definição, Marcacini explica de forma elucidativa:
“A assimilação desse conceito de documento eletrônico exige um certo grau de abstração. Trilhando na mesma linha de raciocínio de um dos gurus da informática moderna, Nicholas Negroponte, pode-se dizer que experimentamos hoje um mundo virtual onde, no lugar de átomos, agora temos que nos acostumar com uma realidade de coisas formadas tanto por átomos como por bits. O documento tradicional, em nível microscópico, não é outra coisa senão uma infinidade de átomos que, juntos, formam uma coisa que, captada pelos nossos sentidos, nos transmite uma informação. O documento eletrônico, então, é uma das seqüências de bits que, captada pelos nossos sentidos com o uso de um computador e um software específico, nos transmite uma informação.”[1]
Para o Juiz de Direito João Agnaldo Donizeti Gandini:
“Documento digital é uma representação da realidade, podendo apresentar-se em forma textual, gráfica, sonora ou outra admitida pela técnica, tendo como base qualquer suporte que possa garantir sua certeza e imutabilidade, e que possa ser atribuído a um sujeito determinado.”[2]
Para Maurício Matte:
“(…) documento eletrônico é toda junção de informações que seja gerada por um programa aplicativo, como editor de texto, planilha de cálculo, gerenciador de mensagens eletrônicas (e-mail), de captura e digitalização de imagens por meio de scanner, entre outros, em que mesmo que guardados em dispositivo de armazenamento, ficando em formato inteligível pelo homem, através, então, de processamento eletrônico de dados, seja possível acessar sua informação posteriormente por aplicativos específicos, quer como meio de prova, quer simplesmente para consulta.”[3]
2. Validade Jurídica como Meio de Prova
Alguns autores por causa da elevada volatilidade do meio magnético, recusam-se a atribuir qualquer validade jurídica aos documentos eletrônicos.
Em que pese já tenha sido abordado a questão da prova do contrato eletrônico no direito brasileiro, é válido outrossim apenas acrescer a explicação de Augusto Marcacini[4] sobre as lacunas que o uso dos documentos eletrônicos ainda permite:
“Conforme vimos anteriormente, o documento eletrônico consiste numa seqüência de bits e não está preso a qualquer meio físico, diferentemente do que ocorre com o documento tradicional. (…)
Não estando presos aos meios em que foram gravados, os documentos eletrônicos são prontamente alteráveis, sem deixar qualquer vestígio físico. Textos, imagens ou sons, são facilmente modificados pelos próprios programas de computador que os produziram, ou, senão, por outros programas que permitam editá-los, byte por byte. A data e a hora de salvamento do arquivo é também editável, mediante o uso de programas próprios. Isto é fato notório e relativamente fácil de realizar, mesmo pelo usuário de computador menos experiente. E nenhum vestígio físico é deixado para permitir apurar que o documento eletrônico tenha sido adulterado. (…O meio em que estão gravados os documentos eletrônicos é essencialmente alterável sem deixar vestígios. E, principalmente, esta característica que têm os documentos eletrônicos, de não estarem presos ao meio em que são gravados, é justamente o que lhes dá a necessária flexibilidade a permitir sua transmissão por meio da rede mundial. Esta é uma das grandes vantagens do documento eletrônico, e que foi maximizada com a expansão da Internet: a possibilidade de envio instantâneo, seja para outra cidade, para outro Estado, ou para o outro lado do mundo, se preciso for.
Assim, ainda que alguma técnica venha a permitir gravá-lo em um meio não adulterável, atrelar o documento eletrônico a um meio físico, a meu ver, seria desnaturá-lo ou despi-lo de sua maior utilidade. A sua flexibilidade seria anulada, pois o envio do documento demandaria a remessa da coisa em que está gravado, sendo de se duvidar, no caso, da vantagem de se utilizar o documento eletrônico ao invés dos meios cartulares tradicionais. (…)
Não se pode tratar o documento eletrônico como coisa, mas reconhecê-lo abstratamente como uma seqüência de bits desvinculada de qualquer meio físico.
É evidente que um documento eletrônico, para ter força probante, não pode ser passível de adulteração. Porém, o que se deve buscar preservar é a manutenção da seqüência de bits, tal qual originalmente criada, não importando em que meio o documento está gravado, ou se o meio é ou não alterável.”
Entretanto, esclarece-se que hodiernamente há recursos que solucionam com segurança as intempéries originadas pela volatilidade do meio magnético, atribuindo, portanto, aos documentos eletrônicos, autenticidade e probidade até maiores que as obtidas com os documentos tradicionais. Neste bojo, surge a assinatura digital.
Acerca do tema Renato Blum, leciona:
“Entendemos, como ponto fundamental para a confiabilidade dos documentos eletrônicos, que se concentrem os esforços jurídicos em dois pontos para validá-los: primeiro, o de sua assinatura, ou seja, autoria. Nesse contexto já ressaltava Carnelutti sobre a importância de meios comprobatórios da correspondência trocada entre o autor aparente e o autor real de um documento. Assim, a assinatura que hoje firmamos em documentos materializados em meios físicos e através da qual nos identificamos, devem ter sua equivalência eletrônica, permitindo que documentos virtuais também possam guardar uma identificação positiva de autoria. Porém, não se pode dizer que apenas a identificação da autoria baste, pois mesmo que determinado documento seja apresentado e não se discuta sua autoria, é preciso que este seja seguro, isto é, capaz de ser protegido contra modificações posteriores, a não ser que assim deseje seu autor.”[5]
3 O Documento Eletrônico no Brasil
Em que pese o avanço tecnológico há tempos tenha sido deflagrado no bojo das nações, acompanha-se, segundo outrora mencionado que no Brasil tardiamente houve manifestação legislativa. Não obstante, não quer dizer que o Poder Legislativo brasileiro esteve inativo quanto à elaboração de normas acerca de documentos eletrônicos, assinaturas digitais e as respectivas autoridades certificadoras.
Constata-se a existência de vários projetos de lei, em trâmite no Congresso Nacional, que se referem, direta ou indiretamente, ao assunto ora discutido. [6]
Entretanto, por se tratar de leis esparsas, Davi Monteiro Diniz alertou:
“Hoje, no Brasil, é grande a necessidade de novas leis regulamentadoras das relações humanas que ocorrem em meio virtual. Como já tivemos a oportunidade de ver, não só na área da privacidade on-line, como em outros aspectos do comércio eletrônico, o Brasil ainda carece de uma legislação específica.”[7]
Ponderou também Ângela Bittencourt Brasil:
“Tomando-se a Internet como uma realidade e compreendendo-se as facilidades que ela traz a todos que a utilizam como instrumento de trabalho e negocial, vimos que está reservado ao Direito uma importante parcela dos seus resultados, pois incumbe a ele a tarefa de estabelecer regras para essa relação, reprimir o abuso prejudicial dos contratos e, acima de tudo, encarar a rede como um meio eficaz e rápido para o crescimento econômico. E é entre os atos jurídicos que podem ser efetuados pela Web e que já estão sendo feitos, é que surge a necessária segurança para o estabelecimento completo dessas relações. Se o Brasil ainda não tem as chaves necessárias para a concepção da Assinatura Digital, essa é a hora de faze-la através dos seus técnicos. Se ainda não possui uma Autoridade Certificante para dar credibilidade aos documentos, que reúna os nossos matemáticos para que possam se transformar em Ciber Notários. E finalmente, que os nossos legisladores entendam a premência do estabelecimento das normas reguladoras do espaço virtual e ponham as mãos à obra.”[8]
Deste modo, conquanto em lapso temporal anterior ao ano de 2001 tenham sido propostos projetos de lei sobre o tema, apura-se um grande avanço legislativo a partir de 24 de agosto de 2001, que buscando adequar o ordenamento jurídico brasileiro às necessidades do comércio internacional, o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 2.200-2 que regula sobre a Infra-Estrutra de Chaves Públicas Brasileira, o ICP-Brasil:[9]
“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1º Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.
Art. 2º A ICP-Brasil, cuja organização será definida em regulamento, será composta por uma autoridade gestora de políticas e pela cadeia de autoridades certificadoras composta pela Autoridade Certificadora Raiz – AC Raiz, pelas Autoridades Certificadoras – AC e pelas Autoridades de Registro – AR.”
Gradualmente outras regras foram adicionadas no ordenamento jurídico brasileiro sobre a legitimidade dos documentos eletrônicos, porém ainda nenhuma em grau suficientemente satisfatório.
Salienta-se no que se refere à validade dos documentos eletrônico, a Medida Provisória supracitada determinou que a princípio este devesse ser assinado com os devidos cumprimentos técnicos, ou seja, com chaves certificadas por uma Autoridade Certificadora credenciada pelo Comitê.
A Lei Modelo expedida pela UNCITRAL[10], da ONU, que visa à promoção da uniformidade das regras acerca do tema entre todas as nações, proporciona vários pontos interessantes a respeito da validade dos documentos digitais.
Neste ínterim cabe apenas observar que a medida provisória diverge da Lei Modelo em alguns pontos, uma vez que, por exemplo, esta atribui valor jurídico e probatório aos documentos eletrônicos ainda que a assinatura eletrônica não se fundamente em um certificado reconhecido ou expedido por um certificador credenciado.
De encontro à Lei Modelo da UNCITRAL, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São Paulo, propôs em agosto de 1999 o Projeto de Lei nº. 1589, 1999 que dispõe sobre o comércio eletrônico, a validade jurídica do documento eletrônico e a assinatura digital, outrora apensado ao Projeto de Lei nº 1.483/99 que também dispõe acerca da assinatura digital. Mostra-se um dos Projetos de Lei melhor elaborados e merece destaque por estar baseado nas orientações internacionais proposta pela Lei Modelo.
Assim sendo, a Medida Provisória que frontalmente violou em alguns pontos o Projeto de Lei proposto pela OAB além da Lei Modelo de padrão internacional, foi reeditada em 29 de julho de 2001, com o intuito de adequar-se aos padrões, bem como estipular que ninguém será obrigado a obter certificados, já que “a validade jurídica é um atributo ligado a qualquer meio de prova, seja eletrônico ou não, desde que obtido por meio lícito”
Dentre outras modificações, ressalta-se que a reedição também determinou haverá presunção de veracidade nos documentos digitais, viabilizando a utilização de diversos meios comprobatórios para se comprovar a sua autoria e probidade.
Almejando a integralidade de entendimento, imperiosa é a necessidade de demonstração, ainda que tangencial, das justificativas tomadas pela a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São Paulo, quando da entrega do Projeto de Lei 1.589/99 à Câmara dos Deputados:
“1. Os avanços tecnológicos têm causado forte impacto sobre as mais diversas áreas do conhecimento e das relações humanas. O comércio eletrônico representa um dos exemplos mais significativos dessa verdadeira revolução social.
2. O direito, por sua vez, tem por uma de suas principais características o hiato temporal existente entre o conhecimento das mudanças sociais, sua compreensão, as tentativas iniciais de tratá-las à luz de conceitos tradicionais e, finalmente, a adoção de princípios próprios para regular as relações que delas resultam. Essa característica, que tem o grande mérito de assegurar a segurança jurídica mesmo nas grandes revoluções sociais, encontra, porém, na velocidade com que a tecnologia as têm causado, também seu impacto, requerendo seja menor o tempo necessário para adoção de disciplina para as novas relações sociais.
3. Diversos países já adotaram leis especiais tratando das transações eletrônicas, especialmente no que se refere à questão do documento eletrônico e da assinatura digital. (…)
10. Não há, no Brasil, lei tratando do documento eletrônico ou da assinatura digital. Nem há projetos dispondo sobre essas matérias As normas tradicionais sobre documentos restringem-se hoje àqueles apostos em suportes físicos – em geral, papel -, e poderiam sofrer debate intenso até que se estabelecesse servirem ou não ao documento eletrônico. Mais grave ainda é a situação da assinatura digital, já que, neste caso, a falta de regulamentação própria que considerasse inclusive os aspectos de segurança poderia levar a graves distorções em seu emprego.
11. Por outro lado, também não temos leis dispondo sobre o comércio eletrônico, o que parece fundamental, para criar a segurança jurídica imprescindível aos empresários e aos consumidores, para seu melhor desenvolvimento.
12. Diante disso, e considerando que o hiato temporal do direito, inicialmente referido, poderia representar embaraço ao rápido desenvolvimento do comércio eletrônico, bem como para evitar distorções no uso desse importante instrumento, é que a Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo, por sua Comissão Especial de Informática Jurídica, desenvolveu o presente anteprojeto de lei, dispondo não apenas sobre o comércio eletrônico, mas também sobre seus principais instrumentos – o documento eletrônico e a assinatura digital.”
Após diversas audiências acerca deste Projeto apresentado pela OAB nº 1.589/1999, surge um Projeto de Lei substituto com nº 4.906/2001. Por sua vez modificou determinados termos técnicos e apontou algumas diretrizes principiológicas trazidas pela Lei Modelo da UNCITRAL.
Posto isso, além dos textos normativos supra destacados, ressalta-se que compõem o mundo fático jurídico brasileiro outros Projetos de Lei e textos normativos com o fito único de uniformizar-se junto aos ditames internacionais para a promoção de validade jurídica de documentos eletrônicos com segurança e probidade.
Em contínuas análises tanto pelo Senado Federal, como pela Câmara de Deputados, apura-se que, no que se refere ao tema estudado, o Brasil não se está numa conjuntura legislativa inerte. Denota-se que há diligências do Poder Legislativo para regulamentar o assunto e, diante disso, introduzir a nação brasileira no rol daquelas cujas posições jurídicas desencadeadas das transações eletrônicas encontram-se amparadas e fidedignamente regradas pelo ordenamento jurídico pátrio, proporcionando ao Judiciário alcançar seu maior desígnio que é a perfeita prestação jurisdicional a todos os casos concretos levados à sua apreciação.
Informações Sobre o Autor
Alvaro dos Santos Maciel
Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Estadual do Norte do Paraná, possui especialização em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estadual de Londrina e graduação pela Universidade Norte do Paraná. Advogado e Docente.