O ensino jurídico


Nos últimos anos, muito se discute acerca da qualidade do ensino jurídico no Brasil. Várias são as conjecturas sobre a falta de qualidade e estrutura das Faculdades de Direito, excesso de cursos, falta de preparo de professores, entre outras questões. As conseqüências são, por exemplo, uma reprovação em massa nos exames de admissão da Ordem dos Advogados do Brasil.


Além de todos os argumentos usados pelos experts, é de suma importância observar os métodos de ensino dos cursos jurídicos hodiernamente, cuja concentração no direito positivo é privilegiada em detrimento de matérias filosóficas, políticas e principiológicas.


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Seria interessante voltar um pouco no tempo, e relembrar as antigas características do Curso de Direito, dos alunos e dos docentes. Importa passar pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, USP, onde sob suas arcadas surgiram vários nomes de expressão no cenário nacional, seja político, literário, artístico e jurídico propriamente dito. Ali se formaram Presidentes da República, Governadores, Ministros de Estado, Deputados e Senadores, sem esquecer dos grandes poetas, escritores, artistas e doutrinadores. Impossível citar alguns nomes sem cometer injustiças.


Assim como é importante ressaltar a características dos cursos no nordeste, que formaram grandes escritores, poetas e profissionais que valorizam o trato perfeito da língua portuguesa.


Esses expoentes da sociedade, formados no Curso de Direito, passaram os anos aprendendo não só o conteúdo das disciplinas, mas enriquecendo com as experiências de vida dos grandes mestres, que, na época, exploravam as potencialidades políticas, culturais e sociais dos discentes.


O Curso de Direito sempre foi o berço dos movimentos sociais, dos grandes acontecimentos políticos, das agitações estudantis, da suavidade romântica dos grandes poetas, notívagos e sonhadores. Mas não é só, até as “brincadeiras” se transformaram em tradição, como no caso da “pendura” e da “peruada”.


Na “pendura”, os alunos serviam-se nos restaurantes das redondezas, deixando o local sem pagar a conta, não sem antes discursar com brilhantismo, às vezes sobre as mesas, agradecendo em verso e prosa o bom atendimento e com a promessa de retorno no ano seguinte, sempre no dia onze de agosto. O curioso é que os proprietários disputavam a presença dos alunos, posto que era uma honra receber os futuros bacharéis em seus estabelecimentos.


Revolucionários para alguns, subversivos e agitadores para outros, mas também molas mestras da evolução social e jurídica, precursores das grandes conquistas constitucionais que ora desfrutamos, fruto de muita persistência, criatividade, defesa ferrenha de suas idéias e ideais e luta diuturna com vistas à tão sonhada sociedade mais justa e fraterna, através da distribuição de justiça.


Período romântico diriam, e que obviamente não volta mais, conseqüência da sociedade moderna e competitiva. Porém, é possível utilizá-lo como fonte de inspiração, para não cairmos na armadilha de formar cada vez mais profissionais duros, sem sensibilidade social e nenhuma preocupação com a sociedade que buscamos proteger.


Chega a ser cansativo hoje em dia, observar que a maioria dos alunos se recusa a apresentar oralmente os trabalhos em classe, não se interessam e não são incentivados a conhecer um pouco de literatura e história e pior, desejam ser massacrados em sala de aula com o conteúdo positivo do direito, pois na maioria das vezes estão interessados na rápida conclusão do curso, para a conquista de cargos públicos, através de concursos. A tal estabilidade!


Parece que se criou a imagem de que a graduação em direito é apenas um degrau para que se conquiste a estabilidade e o status dos cargos públicos. Os próprios bacharelandos imaginam que, alimentados pela letra seca da lei e estudando repetitivamente dez horas ao dia, o verdadeiro conhecimento jurídico será absorvido como por osmose.


Registre-se que não há critica aos cargos públicos ou aos concursos, o que se espera é que cada posto jurídico seja preenchido por profissionais vocacionados, bem formados e preparados. Com a ajuda do curso, devem adquirir não só conhecimento jurídico, mas experiência de vida, conhecimento da realidade social, formando assim o necessário bom senso para a pratica do direito.


O que se pretende é provocar alunos e professores a discutir o tema. Todos são formadores do pensamento jurídico, é preciso aprender e ensinar mais os valores éticos e morais, entender e pensar os grandes princípios de direito, ter profundo conhecimento da sociedade em que vivemos, seus anseios e necessidades para conseguir respostas com a eficiência necessária.


Não se pode abandonar a tradição de vanguarda do pensamento, não só técnico, mas também de realidade social, para que se atinja a necessária efetividade na aplicação do direito.


Enfim, valorizar as fontes primárias de direito e entendê-las com profundidade, para que a ciência avance na velocidade que a sociedade exige e espera.


A título de ilustração, não é possível entender verdadeiramente os princípios protetivos do trabalhador e os direitos sociais, sem o aprofundamento nas agruras da época da revolução industrial, tempo de exploração absurda do operário, obrigado a suportar condições subumanas de trabalho apenas para conseguir sobreviver.


Como não pensar nos regimes totalitários, nas ditaduras militares com suas restrições aos direitos individuais, para lastrear os direitos fundamentais do cidadão hoje garantidos pela Constituição.


Um grande mestre, na disciplina processo penal, ministrando aulas na antiga Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru). Além de determinar a análise de casos, inclusive com contato direto com os presidiários, repetia inúmeras vezes que é improvável conhecer a disciplina sem sentir o “cheiro da cadeia”.


Por fim, um aluno em primeiro dia de aula, tempos atrás, depois de assistir a uma palestra ministrada pelo sempre atuante diretório acadêmico do curso, para mostrar qual seria o “espírito” de sua futura atuação, iniciou-se a aula de Introdução ao Estudo do Direito com um professor de cabelos brancos, que gastou quase duas horas para ensinar apenas que a partir daquela data, os alunos adentraram à “casa onde se pensa”.


Precisamos pensar mais.



Informações Sobre o Autor

Eduardo Cintra Mattar

Graduado em direito pela Universidade Mackenzie, Advogado especialista em Direito do Trabalho, Professor de Direito do Trabalho nos cursos de Direito, Administração de Empresas e Ciências Contábeis das FIO (Faculdades Integradas de Ourinhos), Professor na pós graduação em Gestão de Recursos Humanos nas FIO


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