Abstract: The self-styled Islamic State began to attract the attention of the international society for its cruel and practices of terrorism and the exercised dominion over territories in Iraq and Syria. Although it has similarities with the movements of belligerency and insurgency, the characterization of the Islamic State as an unconventional subject of international law may prove mistaken. The designation as a state, self assigned by jihadists, is home to severe criticism. This study aimed to analyze the characteristics of the Islamic State from the perspective of public international law theories and State General Theory, to demonstrate that it lacks constituent elements of the state figure and legal personality in the international arena.
Sumário: Considerações iniciais. Objetivos e metodologia. Breve histórico acerca do Estado Islâmico. Terrorismo. Terrorismo e Estado Islâmico. O Estado Islâmico sob a ótica da Teoria Geral do Estado. Conclusões. Referências.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Direito Internacional Público é a dimensão normativa das relações internacionais entre entes distintos. No entanto, existe certa dificuldade em determinar quem são estes entes, ou seja, quem são os sujeitos destinatários de direitos e obrigações vinculados pelas normas desta grande estrutura internacional, visto que vários órgãos e entidades, bem como pessoas físicas participam deste processo.
De antemão, faz-se necessário destacar que sujeito de direito é aquele que tem personalidade, ou seja, que tem a aptidão para ser titular de direitos e obrigações. Quando se fala de Sujeito de Direito Internacional, entende-se que é aquele que tem a faculdade de atuar na sociedade internacional de maneira direta, que pode criar normas, ser titular de direitos e obrigações.
Associada a esta ideia tem-se a capacidade, que diz respeito à possibilidade de uma pessoa, natural ou jurídica, exercer efetivamente tais direitos e obrigações. Uma vez que a doutrina internacionalista reconhece a personalidade como condição necessária, em regra geral, para atuar diretamente na sociedade/comunidade internacional, dotada do poder de criação das normas internacionais, aquisição e exercício de direitos e obrigações fundamentados nas referidas normas, além da faculdade de recorrer aos mecanismos internacionais de solução de controvérsias e conflitos, a exemplo da Corte Internacional de Justiça (CIJ), determina-se como sujeito do Direito Internacional aqueles que possuem estas prerrogativas, somadas à responsabilidade por seus atos perante a sociedade internacional, bem como imunidades em relação a certas questões.
Entretanto, se aparentemente existe um consenso em relação às características qualificadoras do sujeito, a exemplo da atribuição de personalidade, imprescindível para apontar quem eles são, há divergência doutrinária no que tange aos sujeitos do Direito Internacional. É latente a existência de 3 correntes (SOARES, 2007): a corrente Clássica ou Estadualista; a tese individualista e, por fim, as Teorias Ecléticas ou Heteropersonalistas.
No que se refere à primeira, denominada Clássica, Estadualista ou Restritiva, defende-se o entendimento do Direito Internacional Clássico, de caráter interestatal, que compreende apenas os Estados e as Organizações Internacionais como detentores de personalidade e capazes de atuar na sociedade internacional, em função de sua ampla influência no cenário jurídico externo, com poderes para elaborar normas, acompanhada da condição de serem seus destinatários imediatos. Um fato importante a ser destacado, é que o responsável por determinar quem é sujeito ou não é o próprio Estado, que se autoproclama sujeito originário, enquanto as organizações seriam sujeitos derivados.
A pessoa jurídica internacional é uma ideia que se identifica com o Estado, pois tem como precípuo atributo a soberania. Tal corrente, contudo, segundo Soares (2007), mostra-se ultrapassada, visto que diversos atores apareceram e atuam ativamente no cenário internacional como a Santa Sé, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a Human Rights Watch International (HRW), os beligerantes, os insurgentes, empresas, bem como os blocos continentais como o Mercosul, União Europeia.
Ressalta-se que “A personalidade jurídica do Estado não surge com o reconhecimento, mas antes quando se reúnem todos os elementos constitutivos. O reconhecimento apenas consigna um facto preexistente.” (SOARES, 2007). Além disso, temos a existência de movimentos de libertação nacional e outras minorias, tais como os Fedayin Palestinos e o Hamas.
Outra corrente, a tese individualista, tem posicionamento diverso, e como o próprio nome já diz, defende o indivíduo como sujeito do Direito Internacional, pois entende que o indivíduo é o sujeito em qualquer sociedade, seja ela internacional ou não. No caso do Direito Internacional os sujeitos serão aqueles que detenham cargos de direção, ou que intervenham de forma ativa.
A corrente que mais tem adeptos atualmente, e que mais se aproxima da realidade é a que versa sobre as Teorias Ecléticas ou Heteropersonalistas, segundo a qual há um conjunto de sujeitos que podem ser considerados. Esta teoria admite uma evolução da definição tradicional, reconhecendo novos entes que já possuem papel relevante na sociedade internacional, fazendo-se necessária a regulação pela ordem jurídica internacional nas diversas situações que os envolvem. Neste sentido, incluem-se as coletividades não estatais, as empresas, as organizações não governamentais (ONGs) e o indivíduo, que também podem invocar as normas internacionais e têm a obrigação de cumpri-las, além de dispor de alguns foros internacionais importantes.
Todavia, estes novos atores, candidatos ao posto de sujeitos de Direito Internacional, ainda não contam com a mesma totalidade de direitos e obrigações dos Estados e das Organizações Internacionais, a exemplo da celebração de tratados, o que os sujeita a buscar outros meios internacionais de resolução de conflitos. Em virtude desta limitação, recorrentemente observa-se a expressão “sujeitos fragmentários” do Direito das Gentes, tendo em vista a menor extensão de direitos e obrigações pertencentes a eles. Porém, o conceito de personalidade não se resume a aspectos meramente quantitativos, caso contrário, os próprios Estados não poderiam ser qualificados como sujeitos, já que possuem suas competências limitadas nas relações internacionais.
Os Estados e as organizações internacionais são sujeitos convencionais e tem uma capacidade de ação bem extensa dentro da sociedade internacional, podem celebrar tratados e dirimir as controvérsias com ferramentas diversas. A Santa Sé é uma coletividade não estatal, mas, em virtude de influência secular, alguns autores entendem como sendo um sujeito convencional (PORTELA, 2015).
Os sujeitos não convencionais podem ser, segundo Portela (2015), o indivíduo, as organizações não-governamentais (ONG’s), as empresas multinacionais. Estes sujeitos não podem celebrar tratados, contudo eles têm um relativo acesso aos mecanismos de direito internacional no que tange à solução de controvérsias, podendo inclusive participar de julgamentos, mas os direitos e obrigações são bem mais restritos do que os sujeitos convencionais. As normas internacionais que lhes conferem tanto direitos, como estabelecem obrigações, são diretas.
Não obstante, há as coletividades não estatais que ainda não obtêm todas as qualidades inerentes aos sujeitos e que, portanto, ainda não são uniformemente reconhecidas como tais, tentam alcançar o reconhecimento da sociedade internacional e expor suas questões ao mundo. Para tanto, cada grupo apresenta-se de maneiras diferentes. (GIFFONI, 2011)
Entre eles, elencamos as principais: movimentos beligerantes, comunidades insurgentes e movimentos de libertação.
Os movimentos beligerantes são de ordem interna, contrários ao governo de um país, caracterizados pela violência (geralmente lutas armadas), politicamente organizados pela população que deseja alterar o governo e conquistar o poder efetivo sobre o território, desencadeando muitas vezes, guerras civis. Quando os grupos adquirem força a ponto de se equipararem ao Estado contra o qual se rebelam e passam a controlar efetivamente uma parte do seu território, e importante, a sociedade internacional os reconhecer como beligerantes, de modo que eles passam a ter certas responsabilidades, como a de assinar tratados de guerra. (GIFFONI, 2011).
Tal reconhecimento é ato discricionário e se dá através de declaração de neutralidade, normalmente realizada primeiramente pelo próprio Estado onde o beligerante atua, ficando a critério dos outros Estados aderirem ou não. Este, no entanto, não se responsabiliza por qualquer ato do beligerante que atua em seu território, que a partir de então, fica submetido às normas aplicáveis aos conflitos armados e podem firmar tratados com outros Estados neutros. Aos últimos, cabe a obrigação de observar os deveres decorrentes da neutralidade. O princípio básico a ser observado é o da autodeterminação dos povos, assegurada inclusive na Constituição Brasileira de 1988. Um exemplo histórico de movimento beligerante foram os Confederados da Guerra de Secessão dos Estados Unidos (1861-1865), enquanto como exemplo atual pode-se citar o Exército Nacional Sírio (ENS). (PORTELA, 2015)
Em relação às comunidades insurgentes, podemos defini-las como movimentos internos, que podem ou não ter violência, não detêm o poder efetivo sobre o território e almejam acima de tudo, alterar o governo, entretanto sem formar guerra civil. Geralmente são ações localizadas e revoltas de guarnições militares, assumindo proporções bem menores do que a beligerância. Nas palavras de Alfred VERDROSS, 2011, os insurgentes são “beligerantes com direitos limitados”.
A semelhança com os beligerantes, para PORTELA, (2015), é que os Estados reconhecem o caráter de insurgência por meio de ato discricionário, atribuindo ao insurgente direitos e deveres ao seu critério, se eximindo de qualquer responsabilidade internacional diante dos atos dos revoltosos e sujeitando os grupos à observância das normas de direito internacional de caráter humanitário.
A título de ilustração, aponta-se as Diretas Já (1983-1984) ocorridas aqui nas terras brasileiras e o pensamento de vários opinadores políticos e do Direito Internacional que enquadram o terrorismo nesta categoria, mas enfrentam críticas em relação ao fato da violência não ser necessária, o que impossibilitaria designar o terrorismo como insurgente, visto que ele tem como marca central o terror e o pânico utilizados para transformar as ordens dos governos.
Segundo PORTELA, (2015), os movimentos de libertação consistem naqueles praticados por uma minoria da população que reivindica determinado território, valendo-se ou não do uso da violência para alcançar seu objetivo maior: independência. Estes movimentos em questão ocorrem com bastante frequência em diferentes partes do globo, como na Angola através da Frente Nacional de Libertação da Angola (FNLA) ou o Movimento Popular de Libertação da Angola (MPLA), na Guiné Portuguesa por meio do Movimento de Independência da Guiné (MIG), União dos Povos da Guiné (UPG) ou Movimento de Libertação da Guiné (MLG), em Moçambique com a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO).
Ainda existem outras coletividades não estatais menos comentadas pela mídia e que não criam tantas polêmicas, como a Santa Sé e a Ordem de Malta, ambos soberanos. Todavia, a polêmica mais recente diz respeito ao Estado Islâmico, que divide opiniões acerca de sua definição e pode ser vinculado a estas três coletividades não estatais explicadas anteriormente, contendo características comuns entre os três grupos, porém com peculiaridades que tornam difícil a tarefa de selecioná-lo em um movimento específico.
OBJETIVOS E METODOLOGIA
Considerando a importância dada o Estado Islâmico pela imprensa mundial e a necessidade de se tentar compreendê-lo à luz do Direito Internacional, o presente trabalho buscou analisar as características do movimento jihadista e, através de suas similaridades e divergências com outros atores, posicioná-lo dentro da dinâmica da sociedade internacional. Foi realizado minucioso levantamento bibliográfico sobre a forma de organização e a ideologia do Estado Islâmico, muito embora sejam escassas, ainda, informações confiáveis acerca do movimento. Buscou-se, através da definição de Estado e dos aspectos necessários para a configuração do que se entende por coletividade não estatal, analisar a possibilidade de se conferir ao Estado Islâmico a posição de sujeito de Direito Internacional.
BREVE HISTÓRICO ACERCA DO ESTADO ISLÂMICO
O caminho histórico até se chegar ao jihad violento foi trilhado por Tammya, um filósofo do século XIII, e por Muhammad ibn Abd AL-Wahhab, sunita ortodoxo, que propôs, ainda no século XVIII, um retorno às origens do Islã, combatendo tudo que pudesse ser considerado uma inovação, principalmente o que se relacionasse a comportamentos ocidentais. Ficou conhecida como Wahhabismo tal forma radical de perceber o mundo. No século XX, Hasan Al Banna, fundador da Irmandade Muçulmana no Egito, acreditava na reunião de todos os muçulmanos em uma única nação, tendo conseguido reunir grande número de fiéis e formar filiais da Irmandade, a qual passou a atuar como grupo político, que visava derrubar a monarquia egípcia. Porém, Al Banna foi assassinado, fato do qual se sucedeu a internacionalização da Irmandade Muçulmana (PINTO,2015). Acredita-se que os grupos terroristas islâmicos se originaram deste primórdio.
Segundo Tomé (2015), o Estado Islâmico baseia-se na ideologia Salafista-jihadista, um ramo puritano do Islã Sunita Wahabita, o qual tem como objetivo o regresso da Comunidade Islâmica (Umma) às práticas ancestrais consideradas puras, propondo nítida segregação entre os verdadeiros crentes e os descrentes, considerados, portanto, infiéis.
Cabe aqui, esclarecer o que significa o termo jihadista. Jihad pode ser entendido como um conceito jurídico e religioso que significa, desde os primórdios do islamismo, uma guerra espiritual. Entende-se como a eterna luta interna do adepto islã pela coerência com os princípios da fé como também a luta externa de propagação e preservação dos valores islâmicos, para os quais é autorizado o uso da violência, a depender dos valores em jogo (CHEREM, 2013).
O Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), também conhecido como Estado Islâmico do Iraque e da Síria (EIIS) é uma organização que busca a fé perfeita do Islamismo, e que surgiu como um grupo sunita radical, contrário ao governo sírio de Bashar-al-Assad, e que se encontrava envolvido na guerra civil Síria, bem como no conflito entre sunitas e xiitas, tendo como referências, entre outras organizações, a Al-Qaeda (FERNANDES, 2014). Entretanto, no plano ideológico, o Estado Islâmico difere-se da Al-Qaeda na medida em que ele adota uma postura bem menos tolerante para com os, por eles considerados, “ramos islâmicos desviantes”, como os xiitas (Tomé, 2015).
Nas palavras de Calfat (2015),
“A ascensão do Estado Islâmico do Iraque e do Levante está intimamente ligada ao desmantelamento do Estado iraquiano após a queda de Saddam Hussein e a fomentação de divisões sectárias através do apoio ao governo xiita empossado no país, além de discriminação política e econômica da população sunita. Adicionalmente, o Estado Islâmico cresceu significativamente com o apoio estrangeiro a sua participação na guerra civil síria contra o presidente Bashar al-Assad.”
Atualmente, o grupo jihadista ocupa uma área significativa, localizada desde o oeste do Iraque até o nordeste sírio. Para se ter uma ideia da dimensão territorial, a área ocupada pelo Estado Islâmico, hoje, é do tamanho do Reino Unido Inteiro, com cerca de 210 mil quilômetros quadrados (Jornal Público, 2015), controlando cerca de 10 milhões de pessoas residentes no território, segundo o presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
Houve a proclamação de um califado, que é a forma monárquica islâmica de governo, que, de acordo com Withnall (2014), foi imposta no dia 29 de junho de 2014, sendo Abu Bakr al-Baghdadi nomeado soberano pelo Estado Islâmico. Entretanto, segundo Calfat (2015), é escasso o que se conhece sobre as bases sociais do Estado Islâmico, bem como de que forma obtêm seus ganhos militares.
Ainda segundo Calfat (2015),
“Tampouco se sabe detalhadamente como o ISIS administra a vida 6,5 milhões de pessoas que residem nos territórios sob seu controle, ou sobre os militantes que lutam em suas fileiras, para além das auto representações divulgadas pelo grupo. Desconhece-se, por exemplo, se e como a liderança do grupo mantem uma consistência ideológica entre os novos recrutas.”
O Estado Islâmico e o califado não foram reconhecidos pela comunidade internacional. Eles apresentam-se como herdeiros de um regime que existiu desde a época do profeta Maomé são designados como uma organização terrorista estrangeira. Países como os Estados Unidos, Reino unido, Austrália, e França, principalmente após os recentes ataques terroristas em Paris, em novembro de 2015, além da ONU e da União Europeia, classificam-no como um grupo terrorista.
Na busca pelo reconhecimento internacional, o Estado Islâmico requisitou que os outros grupos islâmicos jihadistas, do mundo todo, deveriam divulgar a autoridade única e suprema dele. Vários já reconheceram, inclusive alguns setores da Al-Qaeda.
As aspirações do Estado Islâmico são bem ousadas, já que almejam ter autoridade religiosa sobre todos os muçulmanos e controlar regiões como o norte da África, Espanha, Ásia menor, Oriente Médio, entre outros. O domínio começaria sobre a região do Iraque e Síria, e se expandiria até a região do Levante, que abarca Jordânia, Israel, Palestina, Líbano, Chipre e Hatay (Wall Street Journal, 2014).
Segundo Calfat (2015), o Estado Islâmico aproveitou-se da guerra civil síria para, desde 2011, conquistar território, recursos e dinheiro. Considerando que a Síria se encontra em colapso, foi aberto espaço para o estabelecimento das bases de poder do Estado Islâmico nas áreas que eram fracamente controladas pelo governo sírio. Consideradas como “vácuos de poder”, tais áreas foram alvo de confisco por parte dos jihadistas, os quais viram no contrabando de petróleo um método de fácil obtenção de moeda estrangeira dos países vizinhos, o que tem facilitado sua expansão territorial e de poderio.
TERRORISMO
O terrorismo e as causas dele são questões ainda difícil de se classificar, tanto político como academicamente, já que se trata de um fenômeno complexo e em constante mutação. No âmbito acadêmico, se criou alguns pressupostos do terrorismo. [1]
Para BAKKER, (2015) os pressupostos são:
“O terrorismo é causado pela pobreza;
Os terroristas são loucos;
O terrorismo é cada vez mais letal;
O terrorismo é predominantemente anti- ocidental;
E o terrorismo é bem-sucedido.”
No primeiro pressuposto, a afirmação de que uma das causas do terrorismo é a pobreza, mostra-se tanto quanto limitada. No entanto, o próprio ex-Secretário de Estado dos Estados Unidos da América, General Colin Powell, coaduna com esta ideia, visto que em 2002, disse: “eu acredito plenamente que a causa do terrorismo vem de situações onde há pobreza, onde há ignorância, onde as pessoas não veem esperança em sua vida”[2]. Que uma parte dos terroristas vem das camadas menos abastadas da sociedade isto é, à primeira vista, verdade, e principalmente, que estas pessoas vêm de lugares onde a desigualdade social é presente de uma forma sistemática, como o Oriente Médio, é outro dado que nos parece verdadeiro.
Porém, se tomarmos a título de análise o caso de um dos terroristas mais conhecidos mundialmente, principalmente após os atentados às torres gêmeas, nos Estados Unidos da América, datado de 11 de setembro de 2001, Osama Bin Laden, percebemos que este era oriundo de uma família saudita que detinha importantes recursos. Este não é, entretanto, um caso isolado, podemos citar outros terroristas que vieram de família rica, como o terrorista Anders Breivik, que matou cerca de 80 pessoas em atentados na Noruega. Porém não vamos aprofundar muito este aspecto visto que ele pode ensejar outro trabalho acadêmico.
No que tange à loucura dos terroristas, tal pressuposto se dá pela falta de “humanidade” aparente que os atos demonstram, verificada não apenas nas imagens apresentadas pela mídia, mas também pela própria exposição promovida pelos autores em diversos meios de comunicação, como os vídeos de decapitação de cristãos recentemente divulgados por radicais do Estado Islâmico. Ademais, não parece imaginável que alguém, em sã consciência, venha a tirar a própria vida para matar inocentes. Em contraposição, SILVA JR (2014), entende que não, os terroristas não são loucos, mas pelo contrário, tem um comportamento baseado em decisões racionais, já que matam para atingir determinados objetivos políticos, SILVA JR, (2014), ainda considera os terroristas como fanáticos, porém racionais.
Relativo ao terceiro pressuposto, de que o terrorismo é cada vez mais letal, SILVA JR, (2014), entende que também é falso, ele cita as “ondas de terrorismo”:
“Onda dos movimentos anarquistas (1880/1920);
Onda de esquerda, ou anti-colonialista (1920/1960);
Nova onda de esquerda, ou do terrorismo vermelho (1960/1979);
Onda religiosa (1979 até hoje).
Onda cibernética (2005 até hoje)”
Ainda citando SILVA JR, ele afirma que o gerenciamento de informações transmitido via internet causará muito mais medo e pânico no seio da sociedade, o alvo lógico, portanto, daqui pra frente, serão os banco de dados da rede mundial de computadores, bem como das redes, em virtude da dependência moderna desta tecnologia.
Um estudo interessante acerca do Terrorismo pós 11 de setembro, nos EUA é o da The National Consortium for the Study of Terrorism and Responses to Terrorism (START), ele analisa várias questões do terrorismo no país em um período de 20 anos e coaduna com esta ideia de que o terrorismo está tendente a se tornar um terrorismo cibernético.[3]
A premissa de que o terrorismo é predominantemente anti-ocidental também se parece parcialmente verdadeira, mas criada pelos Estados Unidos da América, para assegurar a “guerra contra o terror”, segundo SILVA JR, (2014), porém, é de imensa importância que esta briga não vire um conflito religioso de Cristianismo x Islamismo e que não se crie o sentimento de que os muçulmanos são potenciais inimigos, pois não o são.
Com uma análise mais detalhada, verifica-se que os alvos não ocidentais são maioria, em relação aos ocidentais, o que refuta, em partes essa ideia de anti-ocidentalidade do terrorismo, conforme se verifica na figura a seguir, de 2005.
Sobre a última premissa analisada, de que o terrorismo é bem-sucedido, temos que analisar taticamente e politicamente, no que diz respeito aos objetivos políticos, SILVA JR, (2014) entende, e há de se concordar com ele que eles estão fracassando, pois não conseguem se impor em um território e perante a sociedade internacional, além de não conseguir vencer a guerra declarada contra os judeus, americanos e infiéis, do ponto de vista tático, contudo, conseguiram um quê de sucesso, pois chamaram a atenção do mundo através do medo, bem como conseguiram que o terrorismo fosse discutido no mundo todo, os nome Al Quaeda e Estado Islâmico já não são novidade para a maior parte da população mundial, como um ataque de grande repercussão nesta premissa, temos o atentado de Paris, que fez com que o mundo todo debatesse quem era o Estado Islâmico.
TERRORISMO E ESTADO ISLÂMICO
“Terror”, é algo terrível, que apavora, aterroriza, segundo o Dicionário Houaiss (2001). Enquanto “Terrorismo” é o modo de impor a vontade pelo uso sistemático do terror pelo mesmo dicionário.
O terrorismo é, portanto, uma ferramenta que se sobrepõe às nuances dos Direitos Humanos. Se compararmos com os movimentos de libertação nacional, ou regional, estes últimos são diferentes dos terroristas, pois buscam um Estado novo, ou mudar o Estado existente, mas com um programa de governo, uma filosofia, independente dela ser de direita ou de esquerda e criam um corpo de combatentes regulares e, por este motivo, o Estatuto no Direito da Guerra os alcança. Já para os grupos terroristas, não há o que se falar em normas do direito da Guerra, tendo em vista que suas ações não são estatais, e inexiste vínculo de nacionalidade, não havendo como responsabilizar tais grupos juridicamente em institutos de Direito Internacional (SALLES, 2015).
Fato claro é que o povo do Oriente Médio sofre com injustiças e opressões milenares, mas seria possível abrir um canal de comunicação, iniciar um diálogo franco e aberto com os grupos terroristas que lá vivem? Seria possível dialogar com quem mata mulheres e crianças, atira em pilotos abatidos, explodem vilas inteiras com caminhões bomba, criam as penas de morte mais surpreendentes como explosão de inúmeras pessoas juntas, sem qualquer julgamento, será que estas pessoas realmente têm alguma abertura para o diálogo, algum senso de humanidade presente ainda?
Na lei do Estado Islâmico, não há permissividade para tratados de paz permanentes e as fronteiras não são algo lógico, o califa deve estar em constante expansão territoral, em constante jihad (WOOD, 2015). Segundo WOOD, o Estado Islâmico pode ser comparado com os khmer vermelhos, que mataram cerca de um terço da população do Cambodja. Porém, o Khmer Vermelho ocupou o assento do Cambodja na ONU coisa que o Estado Islâmico, em virtude da sua filosofia, não pode e não irá fazer, pois “Enviar um embaixador para a ONU é reconhecer uma outra autoridade que não Deus.” (WOOD, 2015). E para o Estado Islâmico toda a autoridade vem de Deus. Tais excertos só reafirmam que o Estado Islâmico é altamente radicalista, e não é aberto a negociações, o que dificulta o reconhecimento como um grupo de direito internacional, pois fere pilares como o consentimento e a abertura dos sujeitos para o diálogo.
O ESTADO ISLÂMICO SOB A ÓTICA DA TEORIA GERAL DO ESTADO
A denominação Estado Islâmico, embora recorrentemente utilizada, merece uma análise à luz da Teoria Geral do Estado, pois o movimento jihadista, que se autoproclama Estado, não possui os elementos constitutivos da figura estatal de maneira sólida e determinada. Segundo Silva Junior (2009) o Estado é uma figura abstrata criada pelo homem, que se originou da vontade de preservar o interesse público e que deve possuir, bem definidos, povo, território, governo, finalidade e soberania.
Segundo bem define Aquino (2010), Estado é “uma organização política destinada a manter a ordem social, política e jurídica, zelando pelo equilíbrio, paz, harmonia, num sentido maior, pelo bem-estar social dos administrados, devendo ser levada em conta a existência dos elementos constitutivos”. Entretanto, não basta reunir tais elementos, uma vez que não se deve esquecer que um Estado é sujeito de direito internacional, sendo necessário, portanto, que seja reconhecido por boa parte da sociedade internacional. Dessa maneira, a existência de um Estado possui duas vertentes dentro da realidade jurídica: no âmbito interno deve existir reconhecimento do governo pelo povo; e no âmbito externo pelos membros da sociedade internacional (PINTO, 2015).
O reconhecimento de que o elemento humano que compõe o Estado Islâmico possui homogeneidade torna-se prejudicado se admitirmos que o grupo é composto por jihadistas sunitas que combatem outros grupos islâmicos e os povos dos territórios que vem sendo conquistados. Não se pode falar em unidade, em um povo que se identifica cultural e religiosamente, e, por isso, segundo Pinto (2015), seria mais condizente falar-se em Estado Sunita, que possui vínculos que extrapolam o islamismo.
Da mesma forma, o que se conhece como território do Estado Islâmico, embora venha ganhando dimensões consideráveis, não pode ser considerado delimitado. Apesar de exercer controle sobre grande parte da Síria e do Iraque, desde Aleppo até Diyala, passando por Homs, Damasco, Mossul e Bagdá (CALFAT, 2015 apud BATTLE, 2015), as conquistas jihadistas não possuem caráter definitivo, sendo que as fronteiras podem ser consideradas vivas, ou seja, ainda em processo de consolidação.
Quanto à presença de um governo, os líderes do movimento exercem poder sobre a população através da retomada das duras regras do tradicional islamismo e atuam através de práticas consideradas cruéis, como das degolas e execuções, as quais são uma forte arma de divulgação midiática da empreitada jihadista, inclusive para o mundo ocidental, que se espanta com a crueldade empregada. Possuem a intenção de criar um novo califado, sendo que a cidade de Raqqa já foi eleita como o que seria a capital do Estado Islâmico, o que denota a existência, ainda que precípua, de um governo centralizado.
Por outro lado, a questão da soberania do autoproclamado Estado é mais controversa. Embora exerça controle sobre a população e sobre um território ainda em construção, não se pode considerar que esteja presente um elemento essencial à configuração da soberania: o reconhecimento pelos outros atores da sociedade internacional.
Muito embora seja possível admitir a existência de soberania interna, o modo violento de atuação do Estado Islâmico gera aversão, o que impede o seu reconhecimento internacional como Estado. Não há o que se falar em Estado, pois há um poder do Estado Islâmico, mas este poder nada tem de soberano. Além disso, as agressões causadas pelos terroristas não advêm de um Estado, a vítima não é outro Estado, é a população civil. (SALLES, 2015).
Indiscutível é, porém, a finalidade a que se propõe: o resgate dos preceitos do islamismo, aos quais a população se submeteria para alcançar a felicidade (PINTO, 2015).
CONCLUSÕES
O que se entende por Estado Islâmico, é uma organização armada e violenta, que possui como objetivo a criação de um império que não possui identidade cultural e religiosa, e tampouco território definido e que, embora tenha definida sua finalidade, não detém soberania externa, que lhe permita ser reconhecido pela sociedade internacional.
Desta maneira, mesmo possuindo alguns elementos constitutivos de Estado, faltam-lhe elementos essenciais pertencentes ao último, tal como a personalidade jurídica internacional, que o impede, segundo a doutrina internacionalista supracitada, de atuar diretamente na sociedade internacional e dispor de suas prerrogativas, tais como a elaboração de normas e aquisição de direitos e obrigações decorrentes destas. Por conseguinte, não se pode considerá-lo como um, motivo pelo qual, pelo menos para a Teoria Clássica, estaria já descartada a possibilidade de conferir ao “Estado Islâmico” o título de sujeito de direito internacional.
Há quem admita que o movimento jihadista possa receber o reconhecimento de beligerância ou insurgência, casos nos quais lhe seriam conferidos certos direitos e obrigações de direito internacional. Assim como os movimentos beligerantes, o “Estado Islâmico” visa criar um novo ente estatal, através da utilização da violência, sobre um território por ele ocupado.
A questão encontra entrave, porém, na necessidade de reconhecimento pela sociedade internacional, haja vista que os sujeitos não convencionais, como a beligerância, cumprem tal requisito, enquanto os jihadistas não.
As práticas adotadas pelo “Estado Islâmico” são contrárias a normas internacionais, como as de Direitos Humanos, e quem é que pretenda se tornar um ente internacional não pode se recusar a respeitá-las. Desta forma, dificilmente os Estados e Organizações Internacionais, mesmo diante de um quadro hipotético de um Estado Islâmico com território definido, reconheceriam sua soberania.
A questão do terrorismo e da impossibilidade real de diálogo, fazem com que a comunidade internacional não reconheça o Estado Islâmico como um grupo insurgente ou beligerante, pois a função precípua de se considerar um movimento beligerante é a proteção dos direitos internacionais humanitários, direitos estes que começaram a se consolidar pós segunda guerra mundial, cuja premissa é proteger a população civil, o que nada tem a ver com os conflitos armados. De maneira adversa, os atos terroristas praticados provocam o efeito oposto, invocando o medo e a consequente rejeição dos estados, bem como de seus habitantes, a todos aqueles que se utilizam deste meio, desvalorizando o discurso e as questões de ordem política, religiosa ou ideológica que, hipoteticamente, estão por trás dos ataques terroristas.
Portanto, muito embora reúna características de coletividades não estatais, acreditamos não ser possível caracterizar o Estado Islâmico como tal e muito menos como um Estado, da forma como se autoproclama, pois lhe faltam atributos básicos da figura estatal.
CHEREM, Youssef Alvarenga. Jihad: Interpretações de um conceito polissêmico. Ciências da Religião – História e Sociedade. v.11. n. 2. p. 154-184. 2013.
Informações Sobre os Autores
Antonio Moreno Boregas e Rêgo
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; Graduado no Curso Superior de Tecnologia em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar; Pós Graduando em Docência em Ensino Superior pela SENAC; Policial Militar do GATE com curso de Aperfeiçoamento Profissional em Operações Especiais e em Contraterrorismo
Juliana Amaral Portugal Barbosa
Acadêmica de Direito na UFMG
Igor Augusto de Oliveira Soares Pereira
Acadêmico de direito na UFMG