O excesso de linguagem na decisão de pronúncia, e o prejuízo ao exercício da plenitude defensiva

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Resumo: Não comumente as sentenças de pronúncias trazem em seu conteúdo a certeza da existência do crime, e ainda a certeza da autoria delitiva e, mais ainda, rotulam o réu com termos pejorativos, o que traz um enorme prejuízo à defesa do acusado, vez que a sentença de pronúncia é uma das peças entregues aos jurados quando da realização do plenário portanto, o juiz ao pronunciar o acusado, deve se abster de excessos, sob pena de tornar sua decisão nula, vez que a influência do magistrado sobre o jurados é capaz de impossibilitar o exercício pleno da defesa nos moldes constitucionais.

Palavras-Chaves: Excesso de Linguagem, Plenitude defensiva.

Sumário: 1. Introdução; 2. O procedimento do júri; 3. O excesso de linguagem 4. Plenitude defensiva; 5. Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A sentença de pronúncia era regulada pelo artigo 408 do Código de Processo Penal, o qual determinava ao juiz a fundamentação da decisão. Ocorre que naquela época, após a sentença de pronúncia, existia o libelo acusatório pela acusação e após era apresentada a contrariedade do libelo pela defesa, de tal sorte que o excesso de linguagem contido na pronúncia não tinha o peso que possui nos dias de hoje.

Em 2008 a Lei nº 11.689, alterou o procedimento relativo aos processos de competência do júri, tendo expressa vedação ao excesso de linguagem, o qual encontra-se previsto no art. 413 § 1º, do qual se colhe:

“Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena” sem destaques no original”. (sem destaques no original)

E ainda a nova lei exclui o libelo acusatório passando a pronúncia a fazer parte do relatório entregue aos jurados, portanto com a entrega da sentença de pronúncia aos jurados há de se ter um maior cuidado com o conteúdo presente nesta.

Não se mostra incomum a presença de excessos de linguagem nas sentenças de pronúncias, sendo que por muitas vezes as sentenças não são cassadas.

 O acusado levado ao julgamento pelo Tribunal do Júri, com uma sentença de pronúncia grafada com excesso de linguagem na maioria das vezes se torna de impossível realização.

O presente trabalho tem o escopo de debater o excesso de linguagem e seu prejuízo a ampla defesa quando do julgamento pelo Tribunal do Júri.

2 PROCEDIMENTO DO JÚRI

O procedimento do júri possui previsão constitucional, estando contido no Titulo dos Direitos e Garantias Individuais, no art. 5º inciso XXXVIII, o qual assim dispõe:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVIII – e reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;”

O procedimento do júri tem a característica de garantia individual, a qual é definida pelo texto constitucional, determinando a participação da população nos julgamentos, ou seja, na administração de justiça do país e o que se extrai da lição de Guilherme de Souza Nucci do qual se colhe:

“Se e uma garantia, há um direito que tem for fim assegurar. Esse direito é, indiretamente, o da liberdade. Da mesma forma que somente se pode prender alguém em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária e que somente se pode impor uma pena privativa de liberdade respeitando-se o devido processo legal, o Estado só pode restringir a liberdade do indivíduo que cometa um crime doloso contra a vida, aplicando-lhe uma sanção restritiva de liberdade, se houver um julgamento pelo Tribunal do Júri. O júri é o devido processo legal do agente de delito doloso contra a vida, não havendo outro modo de formar sua culpa. E sem formação de culpa, ninguém será privado de sua liberdade (art. 5º, LIV). Logicamente, é também um direito. Em segundo plano, mas não menos importante, o júri pode ser visto com um direito do cidadão de participação na administração de justiça do país.” (NUCCI, 1999, p. 55)

Quanto à competência esta vem delimitada no mesmo artigo, qual seja, o julgamento dos crimes dolosos contra a vida,. Os crimes dolosos contra a vida são quatro, o homicídio, o infanticídio, o induzimento instigação ou auxilio ao suicídio e o aborto, estando previstos do art. 121 ao art. 128 do Código Penal, excluindo se deste o homicídio culposo previsto no art. 121 § 3º .

O procedimento para o julgamento dos crimes de competência do Júri é dividido em duas fases, uma que se inicia com o recebimento da denúncia, a qual tem por fim a sentença de pronúncia e, a segunda, que se inicia com o transito em julgado da sentença de pronúncia e termina com a realização do plenário do júri.

A primeira fase recebe o nome de Judicium Acusationes, ou juízo de formação da acusação, estando regulamentada pelos artigos. 406 a 421 do CPP, tendo por finalidade avaliar se existem provas produzidas sobre o crivo do contraditório que possibilitem o julgamento pelo Tribunal do Júri, para José Frederico Marques na obra o qual assim a define:

“Formação da culpa, um procedimento preliminar da instância penal em que se examina da admissibilidade da acusação. Desde que o crime fique provado, e que se conheça o provável autor da infração penal, prossegue a relação processual para que se instaure a fase procedimental em que vai realizar-se o judicium causae. O objetivo, portanto, da formação de culpa, como observa e ensina Eberhad Schmidt, é o de esclarecer se existe contra o acusado uma suspeita de fato que seja suficiente para coloca-lo perante o tribunal do julgamento.” (MARQUES, 1998, p 348)

A segunda fase é nominada Judicium Causae, juízo da causa, a qual ocorre com após o fim da primeira fase, tendo início com a fase processual prevista no art. 422 do Código penal se encerrando com a realização do plenário do júri onde será o réu julgado pelos jurados.

Sendo que a escolha dos jurados se dá em lista anual, e para a instauração de sessão de julgamento são sorteados 25 (vinte e cinco), podendo ser instaurada a sessão com o mínimo de 15(quinze) jurados, dentre os quais serão escolhidos 7(sete) para a composição do conselho de sentença, tendo as partes 3(três) dispensas injustificadas.

Os debates orais terão duração de uma hora e trinta minutos para fala da acusação e o mesmo tempo para defesa, podendo ocorrer a réplica onde o tempo será de uma hora, tendo a defesa o mesmo tempo para tréplica.

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Existindo dois acusados o tempo de acusação será de duas horas e meia para a acusação e o mesmo tempo para defesa, sendo o tempo de treplica o de duas horas para réplica e o mesmo tempo para tréplica.

E no caso de dois acusados as dispensas poderão ocorrer de forma separada ou conjunta, e cada réu terá direito a três recusas.

3 O EXCESSO DE LINGUAGEM

O processo relativo aos processos de competência do júri foi alterado em 2008 pela Lei número 11.689.

Ressalte-se que na sentença de pronúncia, já naquela época, não podia estar presente o excesso de linguagem. Deveria a mesma ser fundamentada, mas a fundamentação, por força do antigo art. 408 do CPP, a qual deveria se dar de forma que evitasse a contaminação dos jurados,

“Art. 408 Se o juiz convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á dando os motivos do seu convencimento.”

Naquele tempo após a sentença de pronúncia, por força do então art. 416, apresentava o Ministério Público, no prazo de cinco dias, o libelo acusatório, o qual era entregue ao defensor do acusado para oferecer contrariedade no mesmo prazo de cinco dias, sendo estas peças entregues aos jurados.

 O procedimento antigo possibilitava a presença do contraditório, vez que após o libelo abria-se prazo para sua contrariedade pela defesa. Ora, neste procedimento a pronúncia ficava um pouco mais distante, sendo o libelo o que se apresentava aos jurados.

A novel lei não permite referência nos debates à decisão de pronúncia, mas a mesma é parte do relatório que deverá ser entregue aos jurados, sendo um dos documentos obrigatórios. Desta forma, mais importante se torna seja a mesma grafada em linguagem isenta e desprovida de adjetivos, pena de influenciar o sentir do Corpo de Jurados.

De se destacar também que a mudança legislativa ocorrida em 2008 pela Lei nº 11.689, tratou o excesso de linguagem de uma forma mais aberta, explicitando os limites da pronúncia no parágrafo primeiro do art. 413 do CPP.

“Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena”.

A sentença de pronúncia grafada com excesso de linguagem inexoravelmente prejudica a defesa do réu, não podendo o Magistrado se aprofundar no exame de provas e expor sua convicção sobre as circunstâncias dos fatos que foram narrados na denúncia.

Dissertando sobre o tema com a maestria que lhe e peculiar Walfredo Cunha Campos, citando Adriano Marrey, Alberto Silva Franco e Rui Stocco. em sua obra Teoria e Prática do Júri nos ensina que:

“a sentença de pronúncia dever ser redigida em linguagem serena, sem as influências perturbadoras da isenção da justiça. A sentença de pronúncia dever ser sucinta, precisamente para evitar sugestiva influência ao Júri(…) Não pode o juiz antecipar-se ao julgamento do Tribunal do Júri com uma interpretação definitiva e concludente da prova em favor de umas das versões existentes nos autos. O juízo de comparação e escolha de uma das viabilidades decisórias case ser feito pelos jurados e não pelo juiz da pronúncia. Mesmo em relação aos julgados de instância têm cabimento as observações ora expendidas. Devem os juízes e tribunais, quando lhes cumpra praticar o ato culminante do judicium accusationis, que é a pronúncia, submeter-se à dupla exigência de sobriedade e de comedimento no uso da linguagem. Há mesmo quem entenda que, em casos teratológicos, deva ser desentranhada dos autos a decisão de pronúncia anulada.” (CAMPOS, 2008,p 84)

Tal atitude, isto é, fazer juízo de valor sobre o caso sub judice, já foi objeto de decisão do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, por exemplo, quando do exame do HC Nº 142.803 /SC, em processo de relatoria do ins. Ministro Jorge Mussi, publicado no DJe em 09/08/2010, de onde se extrai:

“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO SIMPLES. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. JUÍZO DE VALOR ACERCA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. EXCESSO DE LINGUAGEM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. Embora uma das alterações significantes no procedimento do julgamento dos crimes dolosos contra a vida, com o advento da Lei n.

11.689/2008, tenha sido a proibição das partes se referirem em Plenário à decisão de pronúncia (art. 478, I, do CPP), é certo que os jurados, caso solicitem, terão acesso aos autos e, consequentemente, à provisional objurgada (art. 480, § 3º, do CPP), razão pela qual vislumbra-se o risco de influência no ânimo do Tribunal Popular.

2. Para a pronúncia, que encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exige o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação de um édito condenatório, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu, ou pela sociedade. É o mandamento do antigo art. 408 e atual art. 413 do Código Processual Penal.

3. Na hipótese, o juízo singular teceu manifestações diretas acerca do mérito da acusação – que deveriam ser submetidas a julgamento pelo Tribunal do Júri -, ao expressar claramente que seria impossível o acolhimento das teses defensivas de legítima defesa e de inexigibilidade da conduta diversa, considerações estas capazes de exercer influência no ânimo dos integrantes do Conselho de Sentença, principalmente em razão da falta de cuidado no emprego dos termos, sendo constatado, assim, o alegado excesso de linguagem na decisão de pronúncia, caracterizando o aventado constrangimento ilegal.

4. Ordem concedida para anular a decisão de pronúncia, devendo outra ser proferida com observância dos limites legais.”

O atual artigo 472, em seu parágrafo único, dispõe que depois de prestado o compromisso receberá o jurado cópia da sentença de pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissíveis a acusação.

“Art. 472. Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação:

Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça.

Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão:

Assim o prometo.

Parágrafo único. O jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo.”

Portanto, com a entrega da sentença de pronúncia aos jurados, mais ainda deve-se preocupar com o seu conteúdo, de tal forma que este documento não contamine a decisão dos jurados.

Guilherme Souza Nucci, escreve sobre o que deve o magistrado se abster de colocar em sua decisão, sobre pena de influenciar os jurados, senão vejamos:

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“Como vimos a natureza jurídica da sentença de pronúncia é de decisão interlocutória mista, que julga apenas a admissibilidade da acusação, sem qualquer avaliação de mérito. Assim, é indispensável que seja prolatada em termos sóbrios, sem colocações incisivas, evitando-se considerações pessoais no tocante ao réu e constituindo a síntese da racionalidade e do equilíbrio prudente do juiz.

Caso contenha termos injuriosos ao acusado (ex:. marginal perigoso, facínora cruel, despudorado, mentiroso, entre outros) frases de efeito contra a defesa ou acusação (ex:. ‘é evidente” que o réu o matou, ‘parece-nos que é inocente’, mas cabe ao juiz decidir), ingressos importunos no contexto probatório (ex:. a prova indica ‘com clareza’ ter havido um crime bárbaro) ou qualquer outro ponto que seja contundente na inserção do mérito, deve provocar como consequência, a sua anulação.

Não se pode conceber que a decisão, nesses termos proferida, seja lida pelos jurados, de modo a influir na formação do seu convencimento. É preciso destacar que os membros do Conselho de Sentença levam em grande conta as palavras proferidas pelo juiz presidente, a pessoa que lhes parece mais imparcial no Tribunal do Júri, razão pela qual a moderação na pronúncia é inafastável, sob pena de se colocar em risco a própria soberania dos veredictos. Soberano não pode ser o jurado influenciado pelo juiz togado”. (NUCCI, 2014 P 688/689)

Não é diverso o pensamento de Aury Lopes Junior o qual impõe ao magistrado uma sobriedade ao prolatar sua sentença de pronúncia.

“Mais do que em qualquer outra decisão, a linguagem empregada pelo juiz na pronúncia reveste-se da maior importância. Deve ela ser sóbria, comedida, sem excessos de adjetivação, sob pena de nulidade do ato decisório”. (LOPES, 2015, P 790)

E continua o renomado autor:

“Ainda, nessa linha de preocupação, a Lei 11.689/2008 alterou completamente o rito do Tribunal do Júri, inserindo no art. 478 do CPP a proibição sob pena de nulidade, de que as partes façam referência ‘a decisão de pronúncia’ e ‘as decisões posteriores que julgaram admissível a acusação’.

Com isso, pretende-se essencialmente, evitar os excessos do juiz na pronúncia e, principalmente, o uso abusivo dessa decisão, no plenário, por parte do acusador. Essa prática, tão disseminada até então, gerava gravíssimos prejuízos para a defesa, pois a decisão de pronúncia e principalmente, o acórdão confirmatório dela, eram utilizados pelos acusadores como ‘argumento de autoridade’, induzindo os jurados a afirmarem a autoria e materialidade e, por consequência, condenarem o réu.” (LOPES, 2015, P 791)

Com estas breves considerações sobre o que seja o excesso de linguagem, espera-se que tenha se tornado claro ao leitor o que é o referido instituto.

4 PLENITUDE DEFENSIVA

É assegurado a todos os litigantes a ampla defesa nos moldes do art. 5º, LV da Constituição da República, especificamente quanto ao júri o texto constitucional garantiu a estes réus a plenitude defensiva nos moldes do art. 5º inciso XXXVIII, alínea a.

A ampla defesa tem sido considerada como uma defesa ampla e combativa, e o não exercício desta pode ocasionar nulidade absoluta ao acusado caso se tenha prejuízo ao acusado.

Ocorre que a falta da ampla defesa pode ser sanada, exemplo claro disto é quando o defensor comete um erro em um procedimento de um juízo comum, quando o advogado não elenca uma tese defensiva em suas alegações finais, o juiz absolvendo o acusado mesmo com a falta técnica do defensor, não implicara em prejuízo algum ao acusado não devendo o feito ser anulado.

Já no procedimento perante o conselho de sentença qualquer falha do advogado tem como consequência o prejuízo ao réu, eis que as decisões dos jurados são baseadas pela íntima convicção e não teriam estes, a princípio, conhecimento jurídico capaz de sanar o erro defensivo.

Qualquer erro defensivo, seja o não levantar da tese defensiva ou não debater da forma necessária as teses impostas pela acusação, causa ao réu um enorme prejuízo, não podendo ser sanado, obrigando o magistrado a julgar o réu indefeso.

Sobre a plenitude de defesa, para Guilherme Souza Nucci, a plenitude defensiva chegaria próximo da perfeição, conforme se vê:

“Como já mencionamos no tópico relativo aos princípios constitucionais do júri a garantia de plenitude de defesa significa uma linha defensiva o mais próximo possível da perfeição, respeitadas, naturalmente, as limitações do ser humano. Não pode o defensor apresentar falhas graves, em hipótese alguma. Se tal se der, cabe ao magistrado considerar o réu indefeso, providenciando-lhe outro causídico para o patrocínio da causa.

O defensor, no Tribunal do Júri, deve ter em mente que, ao lado de todas as prerrogativas que possui como advogado, detém um status constitucional diferenciado, para que atue em nome do acusado, isto é, possui o instrumento da plena defesa. Fazer valer essa força normativa é um desafio, pois implica, muitas vezes, em confrontar com o órgão acusatório, de modo veemente, porém respeitoso, além de buscar, com insistência, formar o convencimento do juiz presidente.

A atuação sob o manto da plenitude de defesa envolve o resguardo de posições francamente favoráveis ao réu. Não se pode, no Tribunal Popular, abrir mão desse incansável mister.” (NUCCI, 2008,p 149)

A abordagem feita por Nucci é bastante interessante pois estende o exercício da plenitude defensiva até para a forma como o advogado sustenta suas teses, o que estende-se correta, vez que impossível seria que o réu fosse absolvido sendo seu defensor achincalhado pelo Promotor de Justiça.

Na mesma linha de raciocínio coleciona-se Gustavo Henrique Badaró de onde se colhe:

“Embora seja assegurado em todo processo judicial a ‘ampla defesa’ (CR, art. 5º, LV), especificamente no Tribunal do Júri foi prevista a ‘plenitude de defesa’ (CR, art. 5º , XXXVIII, a). Não parece se tratar de mera variação terminológica, com o mesmo conteúdo. Pleno(significa: repleto, completo, absoluto, perfeito) é mais do que amplo(significa: muito grande, vasto abundante). Assim, a plenitude de defesa exige uma defesa em grau ainda maior do que o da ampla defesa.

Nos processos perante um juiz togado, com conhecimentos técnicos, a defesa deve ser ampla, mas eventuais falhas ou equívocos do defensor podem, muitas vezes, ser corrigidos pelo juiz, na busca da decisão mais justa (por exemplo, mesmo que não alegada, o juiz pode absolver o réu por legítima defesa). Já no júri, por se tratar de um tribunal popular, em que os jurados decidem mediante íntima convicção, com base em uma audiência concentrada e oral, a defesa deve ser plena, isto é, ‘uma defesa acima da média’ ou ‘irretocável’. Por isso que o art. 497, V, do CPP prevê que o Juiz pode considerar o réu indefeso e lhe nomear outro defensor.” (BADARÓ, 2015, p 649)

A plenitude defensiva é um dos pilares que suportam o Tribunal do Júri e a não obediência do referido princípio constitucional tem como consequência lógica a dissolução do conselho de sentença, ou decretação de nulidade do processo.

5 CONCLUSÃO

A sentença de pronúncia gravada com excesso de linguagem causa um dano irreparável ao acusado.

Como dito anteriormente apesar da expressa proibição legal das partes fazerem referência, á sentença de pronúncia ou ás decisões que admitiram a acusação, a sentença de pronúncia é entregue aos jurados por força do relatório a eles entregues.

Os jurados têm contato com a decisão de pronúncia ou com a decisão que admitiu a acusação, antes de ser ouvida qualquer testemunha do processo, portanto uma sentença gravada com excessos, contamina os jurados no início da sessão de julgamento.

Temos ainda que a figura dos juízes perante a sociedade possui, para muitos, um conceito quase divino, sendo tidos por infalíveis. Tendo o magistrado da causa, na sentença de pronúncia, dito ser o réu o autor dos fatos, tais comentários serão admitidos com verdadeiros.

Pior se mostra a situação na qual o magistrado tece comentários sobre o caráter do acusado, como um ser cruel, ou como um assassino. Não comum é o magistrado dizer que o acusado não mostrou arrependimento pelo crime, negando a imputação a ele descrita na denúncia, o que o torna um ser frio e calculista. Tais comentários, quando da realização dos plenários, serão tidos como verdadeiros, e no mínimo são capazes de gerar nos jurados um sentimento de repulsa ao acusado.

Este contato em primeiro momento com a sentença maculada é capaz de induzir os jurados, não apenas durante a votação, mas durante todo o procedimento de instrução, realizado diante daquele tribunal.

As perguntas por ele formuladas às testemunhas, por certo, terão o condão de buscar a versão apresentada pelo magistrado e ainda aquelas testemunhas que contradizerem a versão narrada na pronúncia por certo serão desacreditadas.

Impossível será para a defesa realizar seus trabalhos nos moldes constitucionais, pois estará completamente desacreditada diante daquele conselho de sentença.

A plenitude de defesa em hipótese alguma será alcançada, por certo estará o réu indefeso. Lembre-se que a toga do magistrado diante da sociedade possui um valor muito maior, do que aquele dispensado tanto à acusação quanto à defesa. Por certo sabedores disto deverão, os magistrados e desembargadores, quando julgarem admissíveis a acusação, se absterem do excesso.

Estando a sentença grafada com este erro irreparável deve a defesa manejar o recurso adequado em tempo hábil, visando o pronto reparo da decisão, é o que se colhe da decisão de lavra do insigne Desembargador Nelson Missias de Morais do Colendo Tribunal de Justiça de Minas Gerias, no Recurso em Sentido Estrito 1.0223.15.004645-4/001, publicado 16/11/2015 do qual se extrai:

“EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. OCORRÊNCIA. PRELIMINAR ACOLHIDA. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. – A sentença de pronúncia é um mero juízo de admissibilidade, cujo único objetivo é submeter o acusado a julgamento popular, pelo que deve o magistrado prolator da decisão se ater à existência de indícios, sem adentrar profundamente na análise meritória e sem realizar juízo de valor do conjunto probatório. – Constatado nos autos que na decisão hostilizada consta termo indicativo de juízo de certeza acerca da autoria delitiva, há que ser anulada a sentença de pronúncia em razão do constatado excesso de linguagem, preservando-se, principalmente, a imparcialidade do corpo de jurados e a defesa do réu quando do julgamento pelo Tribunal do Júri.”

Sendo certo ainda que não corrigido tal erro estaria o acusado padecendo de constrangimento ilegal podendo ser corrigido pela via heroica do habeas corpus, vez que já foi firmado o entendimento que, cabendo recurso próprio não caberia a ordem de Habeas Corpus, mas sendo a nulidade patente os Tribunais superiores pacificaram o entendimento de que a ordem pode ser concedida de ofício, conforme entendimento do excelso Ministro FELIX FISCHER do Egrégio Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Habeas Corpus nº 304.043/PI publicado em 26/11/2015 do qual se colhe:

“(HC 304.043/PI, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/11/2015, DJe 26/11/2015)

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.

NÃO CABIMENTO. ART. 121, § 2º, INCISOS II, III E IV DO CÓDIGO PENAL.

PRONÚNCIA. NULIDADES. EXCESSO DE LINGUAGEM CONFIGURADO. TESTEMUNHA.

RATIFICAÇÃO DO DEPOIMENTO PRESTADO NO INQUÉRITO. ALEGADA DEFICIÊNCIA TÉCNICA DO ANTERIOR CAUSÍDICO. SÚMULA 523 DO STF. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

I – A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC n.

109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012; RHC n.

121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC n.

117.268/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC n.

284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC n. 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC n. 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC n. 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min.

Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014).

II – Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não-conhecimento da impetração.

Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício.

III – A prolação da decisão de pronúncia exige forma lacônica e acentuadamente comedida, sob pena do órgão julgador incorrer no vício do excesso de linguagem (precedentes).

IV – A decisão proferida em primeiro grau, no caso em exame, não se limitou a afirmar a existência de prova de materialidade e indícios de autoria, mas extrapolou a linguagem adequada, incorrendo no vício do excesso de linguagem. Assim, faz-se necessária a sua cassação, não sendo suficiente a determinação de que o r. decisum seja lacrado para que não venha a ser examinado pelos integrantes do Conselho de Sentença (precedentes do STF).

V – A eventual nulidade verificada na oitiva das testemunhas, mediante a simples leitura do depoimento prestado na fase de inquérito, indagando-se, em seguida, pela confirmação da versão inicial dos fatos, é relativa. Se o defensor do réu, presente na audiência, nada reperguntou, nem levantou qualquer objeção, não há como reconhecer qualquer vício (precedentes do STF).

VI – As alegadas nulidades (atuação do anterior causídico, que desistiu das testemunhas arroladas na defesa preliminar; e as alegações finais que, segundo o Impetrante, seriam genéricas) são relativas, o que faz incidir ao presente caso o Enunciado n. 523, da Súmula do Supremo Tribunal Federal, que afirma que "no processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu" (precedentes do STF e do STJ).

Ordem não conhecida.

Habeas Corpus concedido de ofício apenas para anular a decisão de pronúncia, diante do excesso de linguagem.”

Por fim o que se conclui é que o excesso de linguagem na sentença de pronúncia é capaz de prejudicar o réu de forma irreparável, não bastando para corrigi-lo riscar da sentença os excessos contidos, sendo constatado tal erro deve se anular a decisão com determinação de nova sentença retirando-se dos autos a sentença combatida.

 

Referências
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BRASIL. Código de Processo Penal. (Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941).
BRASIL. Código Penal. (Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940.).
BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro.
CAMPOS, Walfredo Cunha. O Novo Júri Brasileiro. São Paulo, Primeira Impressão, 2008
CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um Processo. Belo Horizonte, Editora Líder, 2001.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências do Direito Processual. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990,
MARQUES, José Frederico Marques, A instituição do Júri, Ed Bookseller, 1997
LOPES, Junior. Aury, Direito processual penal 12 ed. – São Paulo: Saraiva, 2015
MIRABETE, Júlio Fabbrini; Código de Processo Penal Interpretado, 9ª ed., Atlas, São Paulo, 2015.
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Informações Sobre o Autor

Fábio Curvelano Batista

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista pela Escola Superior Dom Helder Câmara em parceria com Escola Superior de Advocacia ESAMG, Advogado


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