Quantos de nós já não ouviu falar que o “home office” veio para ficar”? Com (e durante) a pandemia, esta modalidade de trabalho se mostrou praticamente obrigatória. Porém, o que se viu é que muitas empresas acabaram por se adaptar e, mesmo após o término da crise epidemiológica, o “home office” se tornou realidade!
Bom que se diga que o trabalho a distância já estava previsto na legislação trabalhista desde a promulgação da CLT, na década de 40, quando passou a normatizar algumas situações em específico. Um exemplo desta modalidade, considerado como “precursor” do trabalho à distância, é a produção por parte de costureiras de peças em suas próprias residências, com a entrega das peças para a empresa.
Com o avanço tecnológico e a mudança comportamental havida nas relações de emprego, o trabalho à distância veio passando por atualizações, podendo a Reforma Trabalhista, ocorrida em 2017, ser citada como uma das mais importantes. Já com a pandemia algumas novas regulamentações foram trazidas em Medidas Provisórias, visando a adequação à realidade das relações nesta modalidade.
Neste momento, com o término da crise do Covid-19, passou a viger a Lei 14.442/2022, com o objetivo de sedimentar as inovações trazidas com as Medidas Provisórias até então vigentes, complementando eventuais lacunas existentes nos artigos da CLT que regulamentam o trabalho à distância. Alguns pontos importantes desta nova Lei merecem atenção pelas empresas, especialmente porque podem implicar na criação de passivos trabalhistas.
O primeiro deles diz respeito a forma do controle de jornada pelo empregado. Até então, todos os empregados que trabalhavam em “home office“, estavam dispensados do controle de jornada. Porém, com a alteração do inciso III do artigo 62 da CLT, apenas estarão dispensados do referido controle aqueles empregados que prestam serviços por produção ou por tarefa, o que deverá ser devidamente ajustado entre as partes no Contrato de Trabalho ou Termo Aditivo específico. Isso significa dizer que, para os demais empregados que possuem jornadas fixadas no contrato de trabalho (o que é o mais comum), haverá necessidade de controle da jornada pelas empresas.
Vale destacar aqui os riscos para as empresas na hipótese de não observância desta obrigação: na medida em que, conforme dinâmica acerca da distribuição do ônus de prova perante a justiça do trabalho, cabe à estas (quando possuem mais de 20 empregados), a prova da não extrapolação da jornada pelo trabalhador. Outra sutil, porém, importante mudança trazida pela Lei 14.442/2022, refere-se ao sistema híbrido do contrato de trabalho, que agora está expressamente previsto.
Antes da alteração, o artigo 75 “b” da CLT considerava como teletrabalho apenas o empregado que desenvolvia suas atividades “preponderantemente” fora das dependências da empresa. Agora, a referida lei alterou tal artigo para finalmente contemplar o sistema híbrido. Ou seja, as partes podem ajustar como melhor entenderem a frequência para que o trabalhador compareça à empresa, sem qualquer obrigação em manter-se a preponderância em trabalho a distância.
Questão também de suma importância, e que gerava grandes debates, refere-se a aplicabilidade de normas coletivas. Dirimindo eventuais controvérsias, o parágrafo 7º do artigo 75-B da nova Lei estipulou que serão aplicáveis as Normas Coletivas da base territorial em que o empregado esteja registrado. Apenas para exemplificar, se um empregado foi registrado em Barueri/SP para trabalhar à distância, residindo em Uberlândia/MG, a Norma Coletiva a ser aplicada à relação de trabalho será a de Barueri/SP.
Na mesma linha foi a estipulação do parágrafo 8º do mesmo artigo (75-B), que impõe que aos trabalhadores contratados no Brasil mas que optem por residir fora, serão aplicáveis as normas brasileiras, salvo ajuste contrário firmado entre as partes. Vale aqui destacar que a própria doutrina trabalhista já vinha defendendo estes entendimentos, porém, ainda assim, a questão gerava debates e controvérsias, mormente porque a norma da localidade em que o empregado residia poderia ser mais benéfica do que aquela do local em que fora contratado.
Por derradeiro, chamamos a atenção para mais um importante destaque da nova lei. Diz o artigo 75-C, em seu parágrafo 3º que o empregador não será responsável pelas despesas do trabalhador com o retorno do mesmo às atividades presenciais, na hipótese de o empregado ter optado pela realização do trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato (exceto se ajustado de forma diversa pelas partes no contrato de trabalho).
É certo que as questões acima debatidas não exaurem completamente todas as regras trazidas com a nova Lei, tampouco esgotam o debate sobre eventuais controvérsias. Todavia, servem de alerta às empresas para que se atentem a importância da elaboração cuidadosa do contrato de trabalho e eventuais aditivos, a fim de evitar a criação de passivos de ordem trabalhista.
*Rodolfo Carlos Weigand Neto é sócio do escritório Weigand & Silva Sociedade de Advogados, especializado em Direito Empresaria Cível e Trabalhista, atuando nas esferas contenciosa e consultiva há aproximadamente 24 anos. Integrou a equipe jurídica de avaliação (due diligence) em processos de desestatização do PND – Programa Nacional de Desestatização do Banco Central, liderando a equipe de avaliação contenciosa de bancos como BEM (Banco do Estado do Maranhão); BEC (Banco do Estado do Ceará); BEA (Banco do Estado do Amazonas) e BEG (Banco do Estado de Goiás). Autor do Livro: Reforma Trabalhista – Impacto no Cotidiano das Empresas pela Editora Trevisan.