Resumo: O presente trabalho tem o objetivo de explorar a visão da criminologia crítica sobre este personagem que durantes séculos foi demonizado pela sociedade e é um capítulo à parte dentro de seus estudos, o homicida em série. Este indivíduo que comete inúmeros homicídios dentro de determinado lapso temporal, divergindo de homicidas comuns dado seu modus operandi. O trabalho apresenta uma diferenciação e classificação de acordo com seus modos de ser e agir, apresentando ainda, uma síntese do que seria a personalidade psicopática. O foco principal do trabalho versa sobre a imputabilidade, analisando a sanção penal aplicável a estes indivíduos. Finalmente colocando a possibilidade desses indivíduos serem ressocializados. Para tanto o método utilizado foi o dedutivo através de pesquisa em materiais bibliográficos, artigos de internet, analise de doutrinas e obras correlatas.
Palavras chave: Criminologia crítica. Homicida serial. Personalidade psicopática. Ressocialização. Imputabilidade.
Abstract: This study aims to explore the view of critical criminology on this character for centuries has been demonized by society and is a separate chapter in his studies, the serial killer. This individual who commits many murders within a certain time span, diverging from common murderers given their modus operandi. The work presents a differentiation and classification according to their ways of being and acting and contains a summary of what would be the psychopathic personality. The main focus of the work deals with the liability, analyzing criminal penalties applicable to these individuals. Finally putting the possibility of these individuals are ressocialized. Therefore the method used was deductive by searching bibliographic materials, internet articles, analysis of doctrines and related works.
Keywords: Critical Criminology. Serial killer. Psychopathic personality. Resocialization. Liability.
Sumário: Introdução. 1. Criminologia. 1.1 A criminologia na Europa. 1.2 A criminologia no Brasil. 2. Assassino em série. 2.1 Classificação. 3. A imputabilidade aplicada aos assassinos em série. 4. A questão da ressocialização. Conclusão.
Introdução
Coloquialmente utilizamos o termo homicida como sinônimo de assassino, entretanto, juridicamente, o correto é utilizar homicida. Homicídio, “cuja significação faz referência a matar outra pessoa, deriva etimologicamente de homo (homem) e cidium (derivado de caedere, matar)”. (TENDLARZ; GARCIA, 2013, P.28) Homicida em série do ponto de vista criminológico, e ainda de acordo com G. J. Ballone, como exposto em sua página PsiqWeb, o indivíduo reincidente por, no mínimo, três vezes com determinado intervalo de tempo entre a passagem ao ato de cada delito.
Para a criminologia o homicida em série é visto como um capítulo à parte. Sendo a mesma uma ciência empírica e interdisciplinar baseada na observação e nos fatos não se atem apenas no crime cometido, todavia presta-se a analisar o desviante, ou delinquente, a vítima e também o controle social do delito orientando a política criminal.
Para Lola Aniyar de Castro:
“É a atividade intelectual que estuda os processos de criação das normas penais e das normas sociais que estão relacionadas com o comportamento desviante dessas normas; e a reação social, formalizada ou não, que aquelas infrações ou desvios tenham provocado: o seu processo de criação, a sua forma e os seus efeitos”. (1983, p. 52)
Dado seu caráter auxiliar na elaboração de normas penais que melhor se adequem a sociedade de sua época a criminologia não poderia deixar de lado a figura do homicida em série, estabelecendo estreita relação entre a psicopatologia, o direito penal e a ciência-política criminal.
A grande questão gira em torno de sua imputabilidade, haja visto que o homem médio vê o homicida serial como um deficiente mental, entretanto apenas 5% dos homicidas em série se demonstram realmente doentes no momento de seus crimes. Na realidade, como se pretende demonstrar, o homicida em série, em sua esmagadora maioria não é um doente, como nos moldes médicos, mas sofre de uma formação especial do caráter. Aos olhos da justiça, sendo o portador de personalidade psicopática, o objeto de estudo do trabalho seria incurável, entretanto, nas sabias palavras de Nelson Hungria:
“Mais prudente ou ponderado deve ser ainda o prognóstico quando se trate dos desconcertantes "anormais psíquicos" ou "portadores de personalidade psicopática", cuja periculosidade (também aprioristicamente presumida pela lei) é manifestação de uma personalidade constitucionalmente defeituosa e não oportunamente corrigida; ou quando se trate de indivíduos que não se apartam sensivelmente do tipo do "homo medius", mas cuja personalidade se formou inadequadamente, por deficiência de aquisições éticas ou ineducação dos instintos, ou veio a deformar-se pela adoção de hábitos contrários à dominante moral jurídico-social. É que nesses casos a periculosidade não resulta de uma condição episódica ou estranha à personalidade foncière ou constante do indivíduo, mas de um status que lhe é ou se lhe tornou inerente ou integrante”. (1956, p.5)
Dada a polêmica da questão da ressocialização dos homicidas, seja através de uma sanção penal ou de tratamento em hospitais de custodia o mais adequado é a questão da sua imputabilidade.
1. Criminologia
Em uma breve genealogia da criminologia o grande mestre Zaffaroni aponta como “primeiro modelo integrado de criminologia” (SCHECAIRA, 2014, p.27) a obra intitulada de Malleus Maleficarum, cuja tradução para o português tornou-se Martelo das feiticeiras. Escrito em 1487, por Jacob Sprenger e Heinrich Kramer, o Malleus Maleficarum foi reeditado inúmeras vezes durante os anos e através dele podiam ser “estudadas as causas do mal, as formas em que se apresenta e o método de combatê-lo”. (BATISTA, 2014, p.32)
Como ciência, hoje, a criminologia emprega os meios empíricos baseando-se na observação, nos fatos e na prática, muito mais que na pesquisa opinativa ou argumentativa. É matéria interdisciplinar, formada uma série de ciências e disciplinas auxiliares, como por exemplo a biologia, a psicopatologia, a sociologia, a política, dentre outras. São se ocupa apenas do crime em si, como estrutura única e indivisível, trata de estudar também o criminoso, o delinquente, o desviante, estuda a vítima e o controle social do delito de modo a minimizar os efeitos das atitudes desviantes.
De acordo com Antônio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes, podemos definir o que é criminologia como sendo uma:
“Ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime – contemplando este como problema individual e como problema social – assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem delinquente e nos diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito”. (2002, p. 39)
A criminologia objetiva analisar a personalidade e a conduta do desviante, bem como os fatores sociais que o levaram ao seu desvio, para desta maneira conseguir efetivamente uma forma de prevenção para os demais delitos. Conseguindo identificar os fatores que levaram aquele indivíduo ao ato delinquente a criminologia auxilia também na ressocialização do agente.
Como bem coloca a professora Vera Malaguti Batista nas palavras do mestre Zaffaroni, a criminologia seria “saber a arte de despejar discursos perigosistas” a nada mais do que o “curso dos discursos sobre a questão criminal”. (2014, p.17)
1.1. A criminologia na Europa
Antes de adentrarmos ao tema principal do presente trabalho faz-se necessária uma breve explanação do que é a criminologia. É uma ciência empírica que se baseia na observação dos fatos e da prática, além de ser interdisciplinar, como bem coloca Sérgio Salomão Schecaria quando escreve que a criminologia é “uma área extremamente fluida, com contribuições da antropologia, sociologia, história, psicologia, economia política, geografia, arquitetura, bem como o próprio direito”. (2014, p. 5)
Destina-se ao estudo do crime, não se atendo simplesmente ao ato em si, mas também estudando a vítima, o desviante, o controle social da conduta delitiva, a criminalidade e suas causas, bem como a personalidade do agente desviante visando sua ressocialização.
Surge inicialmente como um discurso médico-jurídico na virada do século XIX na Europa Ocidental com os trabalhos de Cesare Lombroso (1835-1909) juntamente com Rafaele Garofalo (1852-1934), Enrico Ferri (1856-1929) entre outros, que buscavam uma abordagem científica ao estudo do crime.
Lombroso era formado em medicina e fora influenciado desde cedo pelas teorias evolucionistas e positivistas, tendo se tornado famoso por defender a teoria do “criminoso nato”, entretanto o termo fora inicialmente utilizado por Ferri. Lombroso partiu do pressuposto de que o comportamento delitivo tivesse origem na biologia humana, ou seja, seriam biologicamente pré-determinados. Suas afirmações tomavam por base estudos e dados antropométricos e concluiu que os indivíduos que tinham uma maior tendência aos atos delitivos seriam aqueles sujeitos atávicos, que reproduzissem uma aparência, tanto física quanto mentalmente, pouco desenvolvida, ou melhor colocando, primitivas. Partindo da premissa que seu atavismo fosse tanto físico quanto mental o indivíduo desviante poderia ser identificado por determinados sinais anatômicos, sendo assim possível identificar os que teriam uma tendência hereditária ao crime.
Analisando seus trabalhos perceberemos que Lombroso incorporou à sua teoria do atavismo algumas categorias referentes às enfermidades e degenerações congênitas, que para ele e seus seguidores, ajudavam a explicar as origens do comportamento desviante, entretanto não deixava de considerar as causas sociais em suas explanações. Todavia jamais deixou de considerar que as origens biológicas seriam determinantes na configuração do indivíduo desviante e que através de estigmas anatômicos seria possível identificar tais indivíduos. Resumidamente, Lombroso reduziu o delito a um fenômeno natural considerando o desviante como um ser primitivo e doente.
Lombroso ganhou maior notoriedade com a publicação de seu livro L’Uomo Delinquente de 1876. Neste livro o autor traz suas principais ideias sobre as raízes do crime, tendo sido reeditado inúmeras vezes na Itália e traduzido para diversos países da Europa. Ao longo das cinco edições italianas o trabalho de Lombroso foi sendo ampliado e a cada edição o autor incluía novos dados antropométricos com a finalidade de ratificar sua teoria. Em 1899, Lombroso publica Le crime, Causes et Remèdes, onde destacava o papel dos fatores socioeconômicos na elaboração dos atos delitivos.
Desta maneira Lombroso pretendia mais apenas inovar no campo das ciências penais, ele queria criar uma ciência das naturezas humanas visando a diminuir, e por que não, acabar com as desigualdades sociais. Desta feita, tais esforços não poderiam provir de apenas um homem, mas de um conjunto de pensadores, pesquisadores e quiçá de toda uma geração. Para ele, a antropologia criminal era um grande movimento intelectual coletivo, sendo ele próprio, por meio de seus trabalhos o pilar da construção desta nova ciência.
Além de Lombroso outros autores compartilhavam da vontade de criar esta nova ciência, dos quais podemos destacar os nomes de Garofalo e Ferri que junto ao pai da antropologia criminal formavam a tríade primordial do movimento que ficaria conhecido como Escola Positiva, Determinista ou Italiana de direito penal, criando a definição mais geral de criminologia que seria a de ciência direcionada ao estudo do homem delinquente.
Entre o final do século XIX e início do XX pode-se perceber quão grande era o interesse que a criminologia despertara, não apenas entre seus especialistas, mas também entre os leigos, através dos inúmeros congressos de antropológica criminal que se realizavam na Europa. Entretanto, foram nestes mesmos congressos que começaram a surgir as principais críticas às novas ideias penais defendidas por Lombroso e companhia. Em seu segundo congresso realizado em 1889, Lombroso recebe maior oposição, agora mais organizada, feita pela chamada Escola Sociológica de Lyon que defendia o meio social como fator preponderante em detrimento da ideia do criminoso nato defendida pela Escola Italiana. Lombroso, juntamente com Ferri e Garofalo, ainda tentaram incluir os fatores sociais na etiologia do crime, mas as divergências entre as escolas apenas se exacerbaram, assim permanecendo até o último congresso realizado em 1906, em Turim. Três anos depois morre Lombroso, em 1909 e com sua morte acabam também os congressos.
Gabriel Tarde, magistrado francês, foi um dos mais ferrenhos críticos da antropologia criminal de Lombroso. Para Tarde, as descrições do criminoso nato mais pareciam com características profissionais que às de um determinismo biológico. Tarde coloca que as leis da imitação era a melhor explicação para os comportamentos sociais e as ideias de identidade de similaridade social para definir os critérios de responsabilidade penal.
Os métodos utilizados por Lombroso estavam muito fora dos padrões de cientificidade de sua época o que trouxe rápidas críticas aos mesmos. De certa forma ele manipulava os dados arrecadados de forma que corroborassem com seus pressupostos duvidosos de análise. Assim sendo, os ideais basilares da antropologia criminal foram ruindo na Europa no início do século passado. Entretanto, na mesma época, foi nos países latino-americanos que tornaram a aparecer com força surpreendente.
1.2. A criminologia no Brasil
No Brasil, a antropologia criminal deu seus primeiros passos nas décadas finais do século XIX, tendo como figura principal, o jurista sergipano Tobias Barreto. No ano de 1884, Barreto publica em seu livro Menores e Loucos a necessidade de se diferenciar os vários tipos de irresponsáveis penais, tomando por base L’Uomo Delinquente de Lombroso. A análise de Barreto da obra de Lombroso, no entanto, não é completamente elogiosa, vez que faz comentários aos exageros naturalistas nas abordagens feitas pelo autor sobre a questão criminal.
Após termos recebido, pioneiramente no Recife, os primeiros escritos sobre a temática do crime e do criminoso diversos juristas ao longo da Primeira República se engajaram em divulgar as novas abordagens, agora sabidamente pseudocientíficas, sobre a antropologia criminal. Diversos livros e artigos foram escritos pelos inúmeros estudiosos do tema onde discutiam os contextos e os principais autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal. As opiniões eram das mais diversas, desde entusiastas a críticos, mas o ponto em que não havia divergência era que a nova ciência, a criminologia, deveria ser tema de discussão obrigatória dentro do direito penal.
O fato de a antropologia criminal ter se popularizado na América Latina no mesmo momento em que entrava em declínio no velho continente pode ter auxiliado no reconhecimento internacional de seus autores. Lombroso e companhia encontrou, principalmente no Brasil, grande número de entusiastas dispostos a propagar suas ideias, já que na Europa já não tinha mais tanta receptividade.
Os debates europeus sobre as novas teorias penais, bem como as discussões sobre as teorias da antropologia criminal, eram acompanhados de perto pelos juristas brasileiros, tanto que conheciam até mesmo as críticas sobre o trabalho de Lombroso e da Escola Antropológica. A prova de que aqueles estavam sintonizados com as discussões que se apresentavam no exterior é que os comentários de autores como o próprio Tobias Barreto foram publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal de 1885. Desta feita, não é por acaso que os juristas pátrios valorizavam a Escola Antropológica, mas sim por terem como verdadeiro o fato de que era o que melhor se produzia na ceara da compreensão científica do crime para o momento.
Ainda que conhecedores das críticas feitas na Europa à antropologia criminal, os correligionários latino americanos, mais especificamente os brasileiros, não tardam em afirmar a importância dos conceitos defendidos por essa escola. Assim sendo, o Brasil não seguia as novas ideias da antropologia criminal por mero modismo, mas por se tratar do mais avançado pensamento sobre doutrinas penais no mundo da época, de acordo com os defensores da criminologia.
Por este prisma não podemos enxergar a presença da antropologia criminal nem da sociologia criminal como um estrangeirismo das ideias provenientes da Europa. O que ocorreu foi que houve por partes dos juristas brasileiros um ecletismo ao incorporarem as novas teorias o que tornou o estilo dos autores muito pouco original.
O que tentou-se fazer no Brasil foi uma justaposição de teorias das diversas correntes de pensamentos voltados para a questão criminal. A terminologia utilizada pelos juristas da época é vaga e confusa. Usam como sinônimos indicativos da mesma ciência termos como antropologia crimina, criminologia e sociologia criminal.
E é partindo deste ecletismo e das orientações de Lombroso que grande parte dos autores nacionais interpreta a sociologia criminal como um prolongamento da antropologia criminal, fazendo com que os aspectos sociais despontem como uma das causas que explicariam a “fraqueza moral” dos criminosos. Desta maneira onde havia uma ruptura entre a antropologia criminal de Lombroso, Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de Tarde e Durkheim, na América Latina, e mais especificamente no Brasil, teve ares de uma ciência única beneficiando os ideais da Escola Antropológica fazendo parecer que todos os autores pertenciam a um único campo da criminologia.
Neste período, os trabalhos desenvolvidos trazem pouca ou quase nenhuma inovação teórica, resumindo-se em revisões e resumos das principais ideias criminológicas da época. Entretanto, nem por isso os autores brasileiros perdem o foco nos problemas nacionais, ao contrário eles trazem as questões mais imediatas pelo prisma conceitual das teorias importadas da Europa. Desta forma as questões penais locais recebem nova abordagem ao passo em que o debate intelectual nacional se aproxima do que existia de mais avançado na área.
Como resultado, o crime e o criminoso passam a ser vistos como complexos demais para serem analisados de um único ponto de vista. Essa ideia é fruto da recepção eclética das teorias criminológicas. Os autores se distribuem então entre os que interpretam que seria um verdadeiro exagero interpretar o crime de maneira unicamente biológica, sem analisar os fatores sociais que estariam igualmente presentes. Do outro lado estavam os que criticavam a abordagem sociológica do crime, colocando as causas sociais como secundárias em relação às causas biológicas.
O Brasil, então, ficou assim dividido, de um lado tínhamos nome como: João Vieira de Araújo, Viveiros de Castro, Cândido Mota, entre outros que defendiam a Escola Antropológica, e de outro lado nomes como: Clóvis Beviláqua e Paulo Egídio de Oliveira Carvalho que defendiam a Escola Sociológica. O que os diferenciava era uma maior queda para a atribuição aos fatores biológicos ou socioculturais que davam a etiologia do crime. A única coisa em que não discordavam era que para uma total compreensão do crime e do criminoso era necessário que houvesse a abordagem de ambas as escolas simultaneamente.
De qualquer maneira a influência de Lombroso é mais que presente nos trabalhos da época, o que indica, ainda, uma subordinação às abordagens sociológicas àquelas da antropologia criminal. Por exemplo, Tobias Barreto, que, mesmo que tenha feitos diversas críticas aos exageros de Lombroso em L’Uomo Delinquente, não deixa de considerá-lo um livro muito à frente do seu tempo.
Mais que concordar com a contribuição de Lombroso, o maior ponto comum entre os criminólogos brasileiros, ou da Nova Escola Penal, como passaria a ser acertadamente conhecida pelos nacionais, era o de que o objetivo principal das ações jurídicas e penais não deveria mais ser o crime, mas o criminoso, considerado como um anormal, como um desviante.
Portanto, não existem grandes diferenças entre os que passam a defender as novas teorias jurídico-penais no Brasil, sejam elas do ponto de vista antropológico, seja do sociológico. Ainda que existissem algumas divergências pontuais os criminólogos brasileiros convergiam no que tange à crítica das concepções da Escola Clássica, defendendo novos alicerces para o direito de punir e uma reforma, tanto das leis, quanto das instituições penais.
2. Assassino em série
O termo “assassino em série” se popularizou após a década de 1970 com o então agente do FBI (Federal Bureau of Investigation), Robert Ressler que cunhou o termo para conseguir entender melhor o modus operandi dos assassinos múltiplos. Ressler trabalhou para o FBI por 20 anos, sendo o pioneiro, e tornando-se assim um especialista, na elaboração do perfil psicológico desses criminosos, após participar da entrevista de mais de 100 deles.
Segundo o FBI, “os assassinos em série são pessoas que matam pelo menos em três ocasiões com um intervalo entre cada assassinato”. (TENDLARZ; GARCIA. 2013, p. 129) Em sua grande maioria os homicídios ocorrem por como resultado de algum tipo de compulsão iniciada na juventude ou nos desarranjos psicopatológicos do assassino diferentemente.
De acordo com o sociólogo Stuart Palmer, o assassino em sério é característico das sociedades modernas e industrializadas, haja vista que praticamente não se fala na literatura sobre casos assim em sociedades primitivas.
O antropólogo, Elliot Leyton, sustente que os assassinos em série são frutos da modernidade, não sendo ele um louco, como colocam alguns especialistas, mas sim, um produto do seu tempo. Assim como Palmer, afirma que nas sociedades primitivas não haveriam assassinatos contra pessoas estranhas ao homicida e ainda que esse criminoso aparece com o surgimento das cidades industrializadas do século XIX.
Ainda que inúmeras obras sobre esses homicidas e seus métodos tenha sido escrito nos últimos tempos não passam, apesar do claro esforço de seus autores, de trabalhos meramente descritivos. Na busca dos motivos que levam os assassinos múltiplos – outra nomenclatura utilizada pelos especialistas – a cometerem seus crimes foram constituídas um grande número de “escolas”, podendo ser citadas a criminológica, a biológica, a pseudobiológica e a psicológica. Atualmente um dos principais fatores que inquietam os especialistas é a frequência ascendente de homicídios relativos a uma série.
2.1. Classificação
Segundo Silvia Tendlarz e Carlos Garcia – em seu livro A quem o assassino mata? – fazer classificações é uma tendência moderna e como tal a classificação dos homicidas em série não poderia ser diferente. “Na atualidade, temos um impulso por classificações, que convertem tudo em classificável, ou seja, todo assassino é passível ser situado dentro de uma classificação que contemple seu crime e de a ele uma significação” (2013, p.139), segundo os autores.
Em contrapartida, verifica-se que as classificações dos assassinos se modificam ao passar do tempo, se adequando ao momento histórico a que ele pertence. A oposição que existe entre a ordem social e o crime que geram tais classificações. O que não difere é que “o indivíduo sempre é a exceção à classe e à classificação, conduzindo-nos assim à noção de sujeito”. (2013, p.140)
Ao analisar essa problemática, intrinsecamente ligada ao interesse social, à segurança e à justiça, é necessário nos atermos a certos detalhes objetivando captar algo concernente às singularidades relacionadas ao tema. Os psiquiatras forenses, ao estudar a gama de fenômenos de violência contemporâneos destacam os assassinos em massa, os assassinos em série, alvo do presente trabalho, e os spree killers. Tal classificação baseia-se nas variações entre o modus operandi, as vítimas e no desfecho de suas atitudes.
Inicialmente temos os assassinos em massa que cometem seus crimes em lugares públicos acometendo diversas vítimas de uma única vez, em regra ao final de sua “aventura” homicida cometem suicídio pois, geralmente, não tem um plano de saída. Os assassinos em série, como já foi explicado, cometem uma série de homicídios com intervalos espaçados e, geralmente, com um tipo específico de vítima. Os spree killers guardam algumas semelhanças com os assassinos em série, entretanto aquele se diferencia pelo fato de matar um grande número de pessoas em curtíssimo espaço de tempo, ao contrário do serial killer que dedica seu tempo para a prática do homicídio.
O assassino em massa, a partir desta forma de análise, em geral dispõe de um pequeno arsenal composto por algumas armas, munições e por vezes até mesmo explosivos. Costumam estar imersos em ambientes violentos, o que influencia em seu comportamento.
Em regra, apresentam-se fortemente armados no momento de seus ataques, em trajes militares e disferem sua fúria contra desconhecidos, embora estes, de certa maneira, personifiquem o motivo de sua fúria; por vezes seu ataque se inicia contra a própria família para depois se encaminharem para locais públicos. Quanto a duração é variável com o grau de estresse do indivíduo, o que por vezes é tão alto que resulta no suicídio, caso as autoridades não o detenham antes, podendo durar, o ataque, de um curto período a várias horas. Estes homicidas não planejam se livrar das consequências de seus atos, tanto que, como dito acima, na grande maioria das vezes, comete suicídio.
De certa maneira buscam um espetáculo macabro, o que é apontado por Georges Bataille, no livro O verdadeiro barba azul, citado por Tendlarz e Garcia da seguinte forma: “No crime dá-se sempre, essencialmente, uma possibilidade teatral que exige que o criminoso seja descoberto, por onde o criminoso goza até que, por fim, queda desmascarado”. (2013, p.138)
Pulando a descrição do assassino em série, exaustivamente abordada anteriormente, temos a figura do spree killer, que seria um misto entre o assassino em massa e o assassino em série. Guarda uma relação muito próxima ao homicida serial, entretanto sua ação é muito mais rápida já que faz um grande número de vítimas em um curtíssimo lapso de tempo, bem com como se comparado ao assassino em massa se identifica pelo grande número de vítimas, porém de forma muito mais lenta.
Sabe-se muito pouco a respeito dos spree killers, porém quanto ao seu modo de agir assemelha-se ao assassino em massa pois usa armas de fogo – diferente do assassino em série que mata “com as próprias mãos” -, entretanto faz questão de ser invisível, sempre fugindo do público e principalmente das autoridades.
Sabe-se também que costuma agir em concurso com outra pessoa, que auxilia na fuga. Comumente agem como franco-atiradores, por isso dificilmente são identificados, mesmo que façam suas vítimas em público. Seus ataques guardam forte conotação simbólica, ainda assim não se pode deixar de lado a dimensão subjetiva de seus ataques.
Apenas para melhor expor as diferenças dos já expostos assassinos do assassino em série stricto sensu, este também pode ser categorizado de acordo com um tipo especifico de comportamento. Como já dito, matam ao menos 3 pessoas, com um curto intervalo de tempo, de ao menos um dia entre cada homicídio. Em regra, não tem relação com a vítima, podendo, por vezes, atacar familiares tendo nas demais vítimas reproduções psicológicas de algum tipo de influência negativa que o afete. Uma marca registrada desses assassinos é o sadismo e a dominação imposta às suas vítimas.
Nenhum dos homicídios guarda um aspecto econômico, na realidade são todos para uma forma de satisfação psicológica do autor. Cada vítima possui um valor único para seu algoz, isto é observado analisando a forma de tirar a vida das vítimas, a maneira como cada morte é apreciada pelo assassino demonstra o valor que ela teria para o mesmo. Além do valor inerente a cada uma outra característica é a posição de vulnerabilidade apresentada pelas vítimas, sendo normalmente mulheres e crianças. Diferentemente dos assassinos em massa e a semelhança dos spree killers, os assassinos em série não guardam o desejo de se entregarem ou serem pegos. Outro sinal característico é a violência contra animais na infância, o que tem sido amplamente divulgado como um sinal de alguma psicopatologia que não fica restrita aos animais. Apenas para citar um exemplo, o caso de Albert De Salvo, conhecido como o “Estrangulador de Boston”, matou treze mulheres. Em sua juventude Albert aprisionava pequenos animais, como filhotes de cães e gato em uma pequena caixa para depois praticar tiro ao alvo com arco e flecha.
De maneira geral todos existe um estereótipo, sendo a grande maioria de homens jovens, brancos, que tem preferência por atacarem mulheres, tendo cometido seu primeiro delito antes de alcançarem os 30 anos. Em grande parte, sofreram abusos ou passaram por algum trauma na infância, geralmente devido a maus tratos físicos ou psicológicos, o que faz com que se isolem da sociedade ou gera um desejo de vingança da mesma.
Tais desajustes fazem com que muitas vezes o agente seja imerso em um mundo imaginário, de maneira a escapar da realidade abusiva, entretanto se colocando agora no papel de agressor. De alguma maneira para eles o homicídio remete a um tipo de ritual que mescla a realidade com suas fantasias.
Por conta disso, muitas vezes, quando pegos, sua defesa alega uma possível insanidade, mas raramente a psiquiatria atesta algum tipo de deficiência mental, o que muitas vezes se atesta é algum tipo de transtorno de personalidade ou alguma parafilia, o que não torna o homicida um alienado mental para fins penais. Em verdade, estudos apontam que menos de 5% dos assassinos em série são considerados portadores de alguma doença mental quando do cometimento de seus crimes.
Podemos categorizá-los ainda entre os organizados e os desorganizados. Em sua grande maioria os assassinos em série, são do tipo organizando, respondendo por aproximadamente três quartos de todos os casos registrado. Essa organização se deve a inteligência acima da média apresentada por eles. Diferente dos organizados, os assassinos desorganizados são criminosos solitários, onde deixam registrado nos seus crimes uma revolta e uma frustração impossível de reprimir. Apresentam ainda um baixo nível intelectual e por vezes alguma desordem mental.
Com relação a seus métodos podemos elencar algumas claras diferenças, por exemplo, em relação ao organizado, por mais obvio que pareça ele planeja seus atos detalhadamente, incorporando sua dinâmica própria ao crime. Quando entra na fase de execução de seu crime leva consigo todo o necessário para pôr em pratica seu plano: cordas, algemas, mordaças, sonífero etc. Visando sua satisfação põe seu sadismo e manipulação em prática antes de cometer o homicídio, afinal, o crime gera para ele um longo processo de prazer, evidenciando sua busca em externar seu mundo anímico.
Ciente que o ato em si deixa evidencias que poderiam incriminá-lo, o assassino organizado faz o possível para esconder as provas. Visando evitar, ou ao menos dificultar, sua captura ele muitas vezes destrói o corpo de suas vítimas ou apenas os enterra. Posteriormente sente a atração por seu crime buscando informações e por vezes até auxiliando nas pesquisas policiais.
Em contrapartida, o assassino desorganizado não costuma planejar seus crimes que acontecem no calor do momento sob influência de alguma forte emoção. Outra diferença é que ele não costuma levar o “kit” do homicida organizado, utiliza o que tiver à mão para a execução do crime, por vezes suas próprias mãos, estrangulando a vítima, por outras, algum tipo de arma branca, desferindo inúmeros golpes e raramente armas de fogo, isso porque o homicídio para eles tem algo de pessoal, portanto sentem a necessidade do contato físico com a vítima, mas como já, exaustivamente, abordado, não é uma regra.
Geralmente não aparenta ter contato com suas vítimas até que sofram o ataque que é extremante furioso e decisivo. Torna-se descuidado pois não se importa com as evidencias deixadas no local do crime, ele simplesmente abandona o corpo da vítima na cena do crime. Por vezes, esses assassinos tendem a cometer canibalismo com suas vítimas ou guardar alguma espécie de suvenir, como partes das vítimas, ou objetos pessoais.
A única semelhança que guardam entre si é a satisfação gerada com o crime, pois após o homicídio o assassino desorganizado perde seu interesse pelas vítimas, esquecendo-se, de certa maneira, de seus atos.
As características apresentadas têm por objetivo principal antecipar os atos dos assassinos em série ou capturar algum deles, entretanto, a criação de estereótipos nem sempre demonstra algo sobre a estrutura subjetiva do homicida, ainda mais no que concerne a sua imputabilidade.
3. A imputabilidade aplicada aos assassinos em série
De forma sucinta, imputar significa atribuir a responsabilidade de algo a alguém. No direito essa atribuição se refere a um ato criminoso, ou seja, imputa-se a alguém a responsabilidade pelo cometimento de algum ilícito penal. De acordo com o código penal brasileiro, por eliminação, é imputável aquele que detém a capacidade de entender o caráter ilícito do ato por ele executado ou, de determinar-se de acordo com tal. A questão é com relação ao assassino em série, se ele teria essa capacidade.
Como antes exposto, menos de 5% dos assassinos em séria apresenta algum tipo de deficiência mental quando do cometimento dos homicídios. Assim sendo, temos, para a psiquiatria, três tipos de indivíduos, quais sejam: o mentalmente norma, o doente mental e o fronteiriço. A despeito do doente mental e do fronteiriço sua diferença reside na apresentação de cada um deles pois ainda que doente mental age sozinho, em regra, movido por uma forte emoção que desencadeia nas atitudes homicidas, enquanto que o fronteiriço se apresenta normal aparentemente, inteligente e calculista.
Ainda que um capítulo à parte na criminologia a regra de imputabilidade é a mesma para eles. Se o assassino for mentalmente normal, ou seja, não apresentar nenhuma debilidade, será considerado imputável; se sofrer de alguma doença mental será ele inimputável e o caso for de um assassino fronteiriço ele será semi-imputável.
Desta forma, quanto a aplicação legal destes indivíduos não existe uma situação concreta, ou seja, será necessário avaliar o caso concreto para saber em qual perfil o homicida se enquadraria para, somente após, enquadrá-lo no caput do art. 26. CP ou no seu parágrafo único, ou em nenhum deles sendo tratado como imputável.
4. A questão da ressocialização
Os assassinos seriais sabem que seu comportamento é inaceitável perante a sociedade, por conta disso que, em sua grande maioria, tomam o controle da situação de modo a dificultar o trabalho das autoridades policiais na sua captura. Diante desse conhecimento da negativa da sociedade eles criam personalidades que utilizam perante os demais para que não desconfiem de suas atividades delituosas e facilite seu acesso às vítimas.
Por conta dessas máscaras que a em sua maior parte é vista como mentalmente normal, pois teriam consciência do certo e do errado, haja vista que dificultam o trabalho de captura, e assim sendo teriam consciência plena de seus atos.
Pelos motivos apresentados que a questão da ressocialização dos assassinos em série é tão questionada, eles agem de maneira egocêntrica, não demonstram qualquer tipo de empatia, ou afetação ou até mesmo remorso, por conta disso são tão temidos pela sociedade. Devido a seu alto nível intelectual são capazes de enganar até mesmo seus psiquiatras, o que tornaria a ressocialização sem sentido, colocando um assassino serial de volta ao convívio com a sociedade, o que o tornaria muito mais perigoso e difícil de capturar. Devido a isso existe muita divergência no meio acadêmico, tanto criminológico quanto psiquiátrico.
Conclusão
Diante de todo o exposto verificamos a importância da atuação da criminologia diante do fenômeno dos assassinos em série já que, como podemos perceber, estão muito mais arraigados em nosso meio que poderíamos imaginar, sendo indivíduos que aparentemente não oferecem qualquer risco, tornando, desta maneira, muito mais complicada sua identificação e consequentemente facilitando sua aproximação ao se utilizar de sua inteligência.
No tocante a questão da ressocialização dos assassinos em série, existe muita divergência principalmente entre a psiquiatria e a criminologia. Para a psiquiatria, em regra, o assassino em série não tem recuperação dadas as suas características intelectuais e psicológicas, entretanto para a criminologia, sendo o crime um fator social, o homicida em série teria sim como ser reincluído na sociedade após seu tratamento e consequente ressocialização.
Insta salientar que, na sua grande maioria, os assassinos em série não são doentes mentais, mas sim são pessoas que sofreram traumas na infância e carregaram seus estigmas até a idade adulta, não tendo apoio ou direcionamento desviaram seu foco para a retribuição contra uma sociedade que não o protegeu, ou acolheu e agora passará a temê-lo. Quando da presença de alguma enfermidade que ocasionou os homicídios será tratado como doente mental e para tanto receberam uma medida de segurança, que como bem sabemos hoje não tem reais efeitos.
Com o objetivo de avaliar a questão da imputabilidade dos agentes notamos que tal questão só se pode ser respondida com base no caso concreto e após a análise do autor do crime por um psiquiatra que determinará se o homicida tem o não a plena capacidade de discernir sobre seus atos e não tendo em qual dos tipos penais ele se enquadraria, se no caput ou no parágrafo único do artigo 26 do código penal brasileiro. Sendo no caput, seria considerado inimputável para efeitos criminais, sendo no parágrafo único, semi-imputável sofrendo medida de segurança, e se não se enquadrar em qualquer um deles será julgado como homicida pelos seus assassinatos, sendo considerado plenamente imputável.
Informações Sobre o Autor
Bruno Targino Garcia
Graduado em Direito pela Universidade do Grande Rio – UNIGRANRIO e pós-graduado em Criminologia, Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes – UCAM