A baixa na carteira de trabalho é um procedimento essencial para marcar o fim oficial do vínculo empregatício de um trabalhador com a empresa. Quando essa anotação não é feita de forma voluntária pelo empregador, muitos se perguntam: o juiz pode determinar a baixa na carteira de trabalho? A resposta é sim, e essa possibilidade está amparada na legislação trabalhista brasileira. Este artigo vai explorar todos os aspectos legais, práticos e procedimentais sobre essa situação, abordando os direitos do trabalhador, as obrigações do empregador e o papel do Judiciário.
O que é a baixa na carteira de trabalho
A baixa na carteira de trabalho é o registro oficial do término do contrato de trabalho, realizado na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do empregado. Ela deve conter a data de saída do trabalhador, correspondente ao último dia de prestação de serviços ou ao fim do aviso prévio, e ser acompanhada das informações sobre a rescisão contratual.
Esse procedimento é de responsabilidade do empregador, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e tem implicações diretas nos direitos previdenciários, trabalhistas e financeiros do trabalhador.
Prazo legal para a baixa na carteira
O artigo 29, §4º da CLT estabelece que a carteira de trabalho deve ser devolvida ao trabalhador no prazo de cinco dias úteis após o término do contrato de trabalho, já devidamente anotada.
Essa anotação deve ser clara, completa e corresponder à data efetiva do desligamento, respeitando o cumprimento do aviso prévio, se houver, ou sua indenização.
O descumprimento desse prazo pode gerar penalidades ao empregador, inclusive a obrigatoriedade de pagamento de indenização por danos morais ou materiais, caso o trabalhador seja prejudicado.
Responsabilidade pela anotação da CTPS
Cabe exclusivamente ao empregador realizar as anotações na CTPS relativas ao início e ao término do contrato de trabalho. Isso inclui:
Data de admissão
Cargo e função
Alterações contratuais
Data de saída
Quando o empregador se recusa a fazer a anotação ou realiza a anotação de forma errada ou fraudulenta, o trabalhador pode buscar medidas administrativas e judiciais para garantir seus direitos.
Quando o juiz pode intervir
A intervenção do juiz na baixa da carteira ocorre geralmente no contexto de uma ação trabalhista, quando o empregador:
Se recusa a entregar a CTPS para a anotação correta
Não comparece à audiência após ser citado
Age com má-fé, alterando ou ocultando a data real da rescisão
Desrespeita ordem judicial anterior que determinou o registro
Nesses casos, o juiz pode determinar que a anotação seja feita diretamente pela secretaria da vara trabalhista, com base no artigo 39, §1º da CLT, que diz:
“A anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social será feita pelo empregador. Se este se recusar a fazê-la, o juiz, em reclamação trabalhista, determinará a respectiva anotação.”
Forma de cumprimento da ordem judicial
Quando o juiz determina a anotação da CTPS, essa ordem pode ser cumprida de três formas:
Pelo próprio empregador, após ser intimado da sentença.
Pela secretaria da vara do trabalho, caso o empregador não compareça ou descumpra a ordem.
Pelo próprio trabalhador, em alguns casos específicos, com autorização judicial para realizar a anotação de forma manuscrita, caso ainda utilize a CTPS física.
Atualmente, com o uso crescente da CTPS Digital, esse processo passou a depender cada vez mais da comunicação entre os sistemas da Justiça do Trabalho e do Ministério do Trabalho.
A baixa judicial como proteção ao trabalhador
A possibilidade de baixa na CTPS por ordem judicial funciona como uma salvaguarda para o trabalhador, impedindo que a empresa utilize sua posição para prejudicar ou coagir o ex-empregado.
O não registro da baixa pode gerar diversos problemas, como:
Impossibilidade de receber o seguro-desemprego
Impedimento para sacar o FGTS
Dificuldade para obter novo emprego
Irregularidades junto à Previdência Social
Por isso, a atuação da Justiça é essencial quando o empregador não cumpre com sua obrigação legal.
CTPS Digital e os novos desafios
Desde 2019, com a implementação da CTPS Digital, as anotações passaram a ser feitas eletronicamente, por meio de sistemas integrados como o eSocial.
Isso trouxe vantagens, como maior rapidez e acesso remoto, mas também novos desafios, especialmente nos casos de empregadores que não fazem o envio das informações de forma correta ou propositalmente deixam de comunicar a rescisão.
Nessas situações, mesmo com a CTPS Digital, o juiz continua podendo determinar a regularização da situação no sistema, o que exige o cumprimento da ordem pela empresa ou, em último caso, comunicação direta do Judiciário com os órgãos responsáveis.
Dano moral por não anotação da baixa
A ausência de anotação da baixa na carteira, especialmente quando resulta em prejuízo comprovado ao trabalhador, pode ensejar a condenação do empregador ao pagamento de indenização por dano moral.
Os tribunais têm reconhecido esse direito com base na violação da dignidade da pessoa humana e dos princípios da boa-fé.
Exemplo jurisprudencial:
“A não anotação da baixa na carteira de trabalho do empregado configura ato ilícito, passível de indenização por danos morais, na medida em que compromete a subsistência do trabalhador.” (TRT-2, RO 1001011-62.2019.5.02.0466)
Fraudes na baixa da carteira e consequências jurídicas
Alguns empregadores tentam fraudar a data da saída do trabalhador para:
Evitar pagamento de verbas rescisórias
Escapar do pagamento do aviso prévio
Impedir a comprovação de estabilidade provisória
Essas condutas são graves e ilegais, podendo configurar inclusive crime de falsidade documental, nos termos do artigo 297 do Código Penal, além de gerarem condenações trabalhistas com repercussão civil e administrativa.
O trabalhador prejudicado pode pleitear a retificação judicial da anotação e reparação por danos sofridos.
Ação trabalhista com pedido de baixa na CTPS
O trabalhador pode ajuizar uma reclamação trabalhista contendo, entre os pedidos:
Reconhecimento do vínculo de emprego
Reconhecimento da data correta de admissão e desligamento
Determinação judicial de anotação na CTPS
Indenização por ausência de baixa
Liberação de guias do FGTS e seguro-desemprego
É essencial que o trabalhador junte provas, como:
Contratos
Mensagens
Depoimentos
Registros de ponto
Contracheques
Esses documentos ajudam o juiz a formar convicção sobre a veracidade dos fatos e embasam a decisão judicial.
Situações comuns que exigem a intervenção judicial
Alguns exemplos de contextos em que o juiz costuma intervir para garantir a baixa na carteira:
Trabalhador dispensado verbalmente e impedido de retornar
Empregador desaparecido ou sem estrutura para finalizar rescisões
Vínculo reconhecido judicialmente após prestação informal de serviços
Abandono de emprego sem formalização da rescisão
Demissões por retaliação sem documentação
Nesses casos, a Justiça do Trabalho atua como garantidora da legalidade e dos direitos fundamentais do trabalhador.
O juiz pode retificar anotações incorretas na carteira?
Sim. O juiz pode não apenas determinar a anotação da baixa, como também ordenar a correção de qualquer anotação errada, como:
Data de admissão
Salário
Função
Alterações contratuais não registradas
Essas ordens são executadas pela secretaria da vara ou pelo próprio trabalhador, mediante autorização.
Posso anotar a data de saída sozinho na CTPS?
Não é recomendado. A anotação feita de forma unilateral pelo empregado pode ser considerada inválida e até dificultar comprovações futuras.
O ideal é buscar a mediação administrativa (Ministério do Trabalho) ou judicial, para que a anotação ocorra com respaldo legal e validade formal.
Como é feito o cumprimento da decisão na prática
Após a sentença judicial que determina a baixa na carteira, o cumprimento pode ser feito:
Mediante intimação do empregador
Por oficial de justiça, caso o empregador se recuse
Pela secretaria da vara, diretamente na CTPS física
Pela comunicação do juízo ao sistema eSocial, em casos com CTPS digital
Essa execução é parte integrante do processo trabalhista e pode ser reforçada com aplicação de multa por descumprimento (astreintes), conforme o artigo 536, §1º do Código de Processo Civil.
O que o trabalhador deve fazer se a empresa não der baixa
O primeiro passo é tentar resolver administrativamente, enviando e-mails ou notificações solicitando a regularização.
Caso não haja resposta, o trabalhador pode:
Registrar denúncia no Ministério do Trabalho
Buscar atendimento jurídico com um advogado
Ingressar com ação na Justiça do Trabalho
Quanto mais rápido agir, menores os prejuízos com documentos, benefícios e nova colocação profissional.
Perguntas e respostas
O juiz pode mesmo dar baixa na carteira?
Sim. Quando o empregador se recusa ou se omite, o juiz pode determinar a anotação pela vara trabalhista.
É preciso entrar com processo para isso?
Sim. A baixa só pode ser determinada judicialmente no contexto de uma reclamação trabalhista.
A empresa pode ser punida por não dar baixa?
Sim. Pode responder por danos morais e ser multada judicialmente, além de sanções administrativas.
E se a carteira for digital?
A obrigação do empregador continua. A baixa é feita via eSocial. Se não for, o juiz pode determinar a regularização no sistema.
O trabalhador pode anotar a saída por conta própria?
Não é o recomendado. Isso pode gerar problemas legais. O ideal é sempre buscar via judicial.
O juiz pode mudar outros dados na carteira?
Sim. Pode determinar correção de admissão, salário, cargo, entre outros.
É possível pedir só a baixa na ação trabalhista?
Sim. O trabalhador pode entrar com ação apenas para obter a baixa e liberar benefícios como seguro-desemprego e FGTS.
Conclusão
O juiz do trabalho tem competência legal para determinar a baixa na carteira de trabalho, sempre que o empregador se recusar ou deixar de cumprir essa obrigação. Essa intervenção judicial visa proteger os direitos fundamentais do trabalhador e garantir que o contrato seja formalmente encerrado, permitindo acesso a benefícios como o seguro-desemprego, saque do FGTS e novas oportunidades no mercado. Em caso de omissão do empregador, o trabalhador deve buscar apoio jurídico e recorrer à Justiça do Trabalho para fazer valer seus direitos. A atuação firme e responsável do Judiciário é essencial para corrigir abusos e manter o equilíbrio nas relações trabalhistas.