Resumo: Trata de uma análise do artigo 3º da lei 9099/95 e das orientações do FONAJE. Neste Fórum Nacional, são editadas súmulas, sendo que em uma delas há a extenção de competência para algumas causas independente do valor da causa. Há históricos de causas milhorárias sendo processadas no âmbito do Juizado.
Em um primeiro momento, nada há de novo no artigo 3º da lei 909//95.
No entanto, em que pese o artigo supra elencar as causas de competência do juizado especial cível, há hoje a interpretação quanto a extensão da competência dos juizados para algumas causas cujo valor exceda os 40 salários mínimos.
Portanto, o foco do presente estudo será entender a extensão desta competência jurisdicional e as razões pelas quais, se tem no sistema do juizado ações cujo valor supera e muito o limite estabelecido pelo inciso I do mesmo artigo.
Antes de adentrar no tema principal, imperioso relembrar os motivos e objetivos da respectiva legislação.
Naquela época, o judiciário há muito já necessitava de uma legislação mais célere que desafogasse o sistema e o mais importante, que fosse capaz de dar à sociedade respostas mais ágeis aos conflitos.
Era comum, ver a existência de ações técnica e financeiramente simples se prolongarem no judiciário por anos. Isso sem contar nas quantias despendidas pelo Estado para manter estes processos em curso. Seja, com relação a espaços, seja com pessoal.
A partir de então, nasceu a necessidade de uma legislação mais célere que fosse capaz de atender e resolver rapidamente este nicho de processos, sem tirar das partes o direito ao devido processo legal, não cerceando o direito de defesa daqueles que as portas do judiciário buscava socorro.
A solução encontrada pelo legislativo, foi a criação da lei 9099/95, inicialmente chamada de lei das pequenas causas.
Desde a sua implantação no ano de 1995, a aludida lei já resolveu milhares de casos, seja por meio de uma decisão terminativa, seja por meio de acordo, sendo sem sombra de dúvidas um marco. Verdadeiro modelo de eficiência.
Ocorre que, com o passar dos anos nota-se que em razão de uma opção do legislador em reduzir a quantidade de recursos cabíveis no referido sistema, fez ainda que indiretamente, nascer algumas interpretações aos artigos de lei.
Neste sentido, vale ressaltar que o artigo 41 aduz que, das decisões proferidas no juizado especial cível, cabe somente o recurso inominado proferido por uma turma de 3 juizes estabelecidos no próprio sistema.
Julgado o recurso, cabe tão somente o Extraordinário, desde que haja afronta a Constituição Federal, já que em conformidade ao artigo 102, inciso III da Carta Magna, é do Supremo Tribunal Federal a competência para julgar as causas decididas em única ou última instância. Vejamos:
102 – Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:(…)
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição.”
Outrossim, dos acórdãos prolatados pelo pelos colégios recursais não cabe recurso especial, conforme súmula 203 do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:
Súmula 203 do STJ – “Não cabe recurso especial contra decisão proferida, por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.”
Portanto, não há como contestar decisões que afrontem a legislação federal.
A partir deste ponto, nasce uma das controvérsias geradas pelo FONAJE.
Cumpre aqui, ainda que em apertada síntese esclarecer que o FONAJE é o Fórum Nacional dos Juizados Especiais que edita entendimentos acerca do funcionamento deste sistema legal.
Neste fórum, são estabelecidas orientações com o objetivo de uniformizar procedimentos, expedir enunciados, acompanhar, analisar e estudar os projetos legislativos e promover o sistema do comando legal supra. São uma espécie de súmulas, passando a valer em todo ordenamento ora estudado.
Desta forma, ainda que haja divergência entre as decisões proferidas pelo rito em questão, considerando o estabelecido pelo FONAJE, em detrimento ao elencado na lei 9099/95, não há como se contestar.
Isto porque, de acordo a Constituição Federal o recurso adequado seria o Especial, mas que conforme já mencionado, não possui amparo legal e jurisprudencial de acordo ao rito processado pelo juizado. Inclusive é o que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça.
Quanto a extensão interpretativa do artigo 3º, cumpre esclarecer que o FONAJE estendeu a competência dos Juizados Especiais Cíveis quando editou a orientação número 58, atribuindo para si a competência para julgar as demandas enumeradas no artigo 275, inciso II do Código de Processo Cível. Diga-se ainda, independente do valor da causa, senão vejamos:
“As causas cíveis enumeradas no art. 275 II, do CPC admitem condenação superior a 40 salários mínimos e sua respectiva execução, no próprio Juizado.”
No referido enunciado, consta que o juizado pode processar e julgar independente do valor, ações envolvendo acidente de veículo por exemplo, ferindo assim a garantia constitucional do juiz natural.
De certa forma, foi abolido o parágrafo 3º do artigo 3º da lei 9099/95 que limita após a tentativa de conciliação, o valor da causa em 40 salários mínimos.
A partir daí, verifica-se a existência de diversas ações sendo propostas e julgadas em quantias superiores e muito a 40 salários mínimos.
Em alguns estados da federação, comumente se verifica ações acima de R$ 200.000,00 sendo processadas. Algumas já julgadas inclusive.
O óbice não é somente o valor em si, mas há também a questão da informalidade e simplificação dos procedimentos, não proporcionando às partes meios probatórios e recursais necessários à defesa de seus interesses, o que, na Justiça Comum, lhes está assegurado.
Nota-se que, o presente fórum conferiu uma interpretação mais que extensiva ao artigo 3º, afastando a limitação imposta no parágrafo 3º.
Assim, nasce a pergunta, qual seria então o meio adequado para atacar uma decisão que por ventura, venda certos ditames legais, já que das decisões do Juizados Especiais não cabe Recurso Especial?
Por certo que, as decisões podem ser questionadas por meio do Recurso Extraordinário, ainda que por afronta indireta.
Deste é claro, se constatada a presença de ofensa ao devido processo legal, ao direito de defesa ou a segurança jurídica da parte.
Vale ressaltar que, a Constituição Federal previu a criação de súmulas ou orientações com o objetivo de uniformizar decisões divergentes em razão de interpretações diferentes e, portanto, conflitantes a determinado artigo.
Neste ínterim, imperioso demonstrar que não cabe interpretação quando a disposição legal seja taxativa como é o caso do artigo 3º, culminado com o parágrafo 3º.
Isto porque, ainda que o artigo 3º aduza que as causas enumeradas no artigo 275, inciso II do Código de Processo Civil possam ser processadas e julgadas pelo rito dos juizados especiais, o parágrafo ora comentado dispõe que a opção pelo procedimento previsto na respectiva lei, importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido no presente artigo, excetuada a hipótese de conciliação. Vejamos:
“§ 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.”
Diante do quanto exposto, resta a necessidade de se fazer um estudo mais aprofundado, cujo objetivo fique claro, não é o de contestar o FONAJE ou a sua validade e por certo, sua grande relevância para o sistema.
A finalidade é tentar evitar que decisões conflitantes com a lei sejam mantidas, ferindo por conseqüência princípios constitucionais consagrados como o da ampla defesa, do devido processo legal, dentre outros.
Informações Sobre o Autor
Alessandra de Oliveira Hifumi
Bacharel em direito. Formada em dezembro de 2009 pela Universidade Paulista. Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/ SP em 2009