O novo Código Florestal e as suas implicações nas Áreas de Reserva Legal-ARL

Resumo: O trabalho aborda algumas questões sobre a Área de Reserva Legal, disciplinada pelo novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), notadamente aquelas trazidas pelos arts. 16, 17, 66, 67 e 68. Trata, ademais, acerca das supressões de ARL antes e depois de 22 de julho de 2008, apontando, para cada caso, as consequências práticas para a regularização da propriedade rural, inclusive com a instituição do condomínio.

Palavras-chave: Reserva Legal; Código Florestal; Supressão de ARL; Condomínio.

Abstract: This paper will address some questions about the Legal Reserve Area, disciplined by the new Forest Code (Law 12,651 / 2012), especially those brought by arts. 17, 66, 67 and 68. It will address, in addition, about the ARL deletions before and after 22 July 2008, indicating in each case, the practical consequences for the regularization of rural property, including the institution of condo.

Keywords: Legal Reserve; Forest Code; Suppression ARL; Condominium.

Sumário: Introdução. 1. Área de Reserva Legal. 2. Supressão de ARL antes e depois de 22 de julho de 2008. 3. Instituição de ARL em regime de condomínio. Considerações Finais. Referências.

Introdução

O artigo tratará de alguns casos e peculiaridades acerca da Área de Reserva Legal – ARL no novo Código Florestal.

No primeiro tópico, será abordada uma visão geral do instituto da Área de Reserva Legal, como conceito, natureza jurídica e um breve histórico.

Em seguida, será tratado acerca de algumas questões pontuais que disciplinam a ARL no novo Código Florestal, notadamente no que tange aos arts. 16, 17, 66, 67 e 68, oportunidade que será demonstrado sobre as supressões de ARL antes e depois de 22 de julho de 2008, inclusive apontando às consequências práticas, em cada caso, para a regularização da propriedade rural.

Por fim, será exposto sobre o instituto do condomínio como uma das formas de regularização da propriedade rural, ocasião será explanado o entendimento da Procuradoria Geral do Estado do Tocantins.

1. Área de Reserva Legal

Neste tópico, serão abordados o conceito, a natureza jurídica e um breve histórico do instituto da Área de Reserva Legal – ARL.

O atual Código Florestal foi publicado em 25 de maio de 2012, passando a viger a partir de então[1]. O referido Codex, depois de muitos debates, trouxe grandes reformas, notadamente no que tange a Área de Reserva Legal, objeto deste estudo.

Nos termos do atual Código Florestal, a reserva legal é a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa (art. 3º, II, do Código Florestal). Cuida-se, em síntese, “da área mínima, em cada propriedade ou posse rural, que deve permanecer com cobertura florestal no percentual estabelecido em lei.” (GARCIA, 2013, p. 214).

Alguns doutrinadores denominam de Reserva Florestal Legal – RFL, como, v.g., Paulo Bessa Antunes (2008, p. 526). O conceito, todavia, é indiferente. Segundo esse autor, a RFL é:

“[…] um elemento importante da propriedade florestal, que é constituído por uma área, cujo percentual da propriedade total é definido por Lei, variando conforme as peculiaridades condições ecológicas, em cada uma das regiões geopolíticas do País e que não pode ser utilizada economicamente de forma tradicional, isto é, destinar-se à produção de madeira ou de outra comodity que dependa da derrubada das árvores em pé.”

A Área de Reserva Legal – ARL é uma figura jurídica, criada pelo Direito Ambiental, limitadora da exploração plena da propriedade rural. É dizer, o Direito Ambiental limitou o uso da propriedade rural, determinando que os proprietários ou possuidores rurais destaquem, da sua área, um percentual, exigido na lei, para preservação integral.

Trata-se, em verdade, de uma limitação administrativa imposta pelo Estado ao particular e ao direito de propriedade. A propósito, segundo a doutrina de HELY LOPES MEIRELLES (2008, p. 639), a limitação administrativa:

“é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social.” […] as limitações administrativas hão de corresponder às justas exigências do interesse público que as motiva, sem produzir um total aniquilamento da propriedade ou das atividades reguladas. (…) Só são legítimas quando representam razoáveis medidas de condicionamento do uso da propriedade, em benefício do bem-estar social (CF, art. 170, III) e não impedem a utilização da coisa segundo sua destinação natural".

Como cediço, “a limitação administrativa só pode atingir uma parte da propriedade, para condicionar o uso e gozo deste direito ao bem-estar e a paz social através de imposições de ordem pública (obrigações de fazer e de não fazer), cuja desobediência pode acarretar ao proprietário a aplicação de sanção administrativa, como multa, interdição ou suspensão de atividade” (PACHECO p.17).

Nesta linha, o professor CELSO SPITZCOVSKY (2008, pag. 512/513) conceitua o instituto da limitação administrativa como sendo “um meio de intervenção na propriedade que traz restrições quanto ao uso, sem perda da posse, por meio de uma imposição geral, gratuita e unilateral”.

Em síntese, a Área de Reserva Legal é um exemplo de intervenção administrativa, limitadora do pleno direito de propriedade, em que o particular (neste caso, proprietário ou possuidor rural) é submetido a regras impostas pelo Estado de não fazer (imposição negativa), ou seja, está impedido de usar 100% da sua propriedade como bem entender.

É o entendimento, a propósito, do e. STJ:

“[…] pressupostos internos do direito de propriedade no Brasil, as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal visam a assegurar o mínimo ecológico do imóvel, sob o manto da inafastável garantia constitucional dos ‘processos ecológicos essenciais’ e da ‘diversidade biológica’. Componentes genéticos e inafastáveis, por se fundirem com o texto da Constituição, exteriorizam-se na forma de limitação administrativa, técnica jurídica de intervenção estatal, em favor do interesse público, nas atividades humanas, na propriedade e na ordem econômica, com o intuito de discipliná-las, organizá-las, circunscrevê-la, adequá-las, condicioná-las, controlá-las e fiscalizá-las. Sem configurar desapossamento ou desapropriação indireta, a limitação administrativa opera por meio da imposição de obrigações de não fazer (non facere), de fazer (facere) e de suportar (pati), e caracteriza-se, normalmente, pela generalidade da previsão primária, interesse público, imperatividade, unilateralidade e gratuidade (REsp 1.240.122, de 28/06/2011)”. (g.n)

Historicamente, a Reserva Legal tinha como única finalidade a preservação de um percentual do imóvel rural, a depender da legislação em vigor, para fins de conservação de cobertura florestal. Com a evolução deste instituto, a Reserva Legal foi assumindo sua nobre função ecológica de cobertura florestal.

Com a promulgação da nossa Carta Magna de 1988, deu-se maior relevância a proteção das florestas, da biodiversidade e do meio ambiente em geral, restando consignado no art. 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Antes da entrada em vigor do atual Código Florestal – Lei 12.651/2012 –, vigia a Lei 4.771/65 – atualmente revogada –, que, na sua redação original, objetivou a proteção de nossas reservas florestais, estabelecendo, precisamente, a instituição de uma reserva em parte do solo de imóvel rural para fins de conservação de cobertura florestal, denominada de Área de Reserva Legal.

Em razão do acirrado debate acerca da função ecológica da Reserva Legal, a Lei 4.771/65, ao longo da sua vigência, sofreu diversas alterações instituídas por Medidas Provisórias[2], afastando-se cada vez mais de sua concepção original.

A maioria dessas Medidas Provisórias trazia um percentual de ARL e um regramento diferentes, como, v.g, para área de cerrado primeiramente estabeleceu 50% (cinquenta por cento), depois 20% (vinte por cento) e, por último, 35% (trinta e cinco por cento). Tal situação gerava imensa instabilidade quanto à regularidade da propriedade, pois os proprietários e posseiros de imóveis rurais, na expectativa de obter a regularização, viam os ditames legais sendo alterados, às vezes em seu benefício e em prejuízo ao meio ambiente, às vezes em seu prejuízo e em benefício ao meio ambiente.

A última Medida Provisória (MP nº – 2166-67/2001), que alterou o antigo Código Florestal, disciplinou a propósito do percentual de ARL no seguinte sentido:

Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:

I – oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

II – trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7o deste artigo;

III – vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

IV – vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País”. (g.n)

Felizmente, para o fim dessa instabilidade, esse cenário mudou com a entrada em vigor da EC nº 32/2001, eternizando as medidas provisórias que existiam à época até que outra MP as revogue ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional[3]. Daí, só em 2012, o Código Florestal foi modificado, agora pela Lei 12.651/2012.

Atualmente, os percentuais destinados à reserva legal, segundo o novo Código Florestal – Lei nº 12.651/2012 –, variam conforme a localização do imóvel, correspondendo, na Amazônia Legal[4], a 80% no imóvel localizado em área de floresta, 35% no situado em área de cerrado e 20% no situado em área de campos gerais; em todas as demais regiões do país, 20% (art. 12, I, alínea “a”, “b” e “c”, II).

1.Supressão de ARL antes e depois de 22 de julho de 2008

Primeiramente, destaca-se que há, no STF, três ADI’s sob os nsº 4901, 4902 e 4903 discutindo a inconstitucionalidade de alguns dispositivos do novo Código Florestal. Este artigo não abordará a esse respeito, limitando-se tão somente a discorrer acerca dos artigos que tratam da supressão de ARL no novo Código Florestal.

O atual Código Florestal trouxe uma inovação ao criar Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, é um registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais.

Nesse cadastro, o proprietário ou possuidor irá integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento, inclusive delimitando a Área de Preservação Permanente (APP) e o percentual exigido para constituição de ARL.

Com isso, o proprietário que suprimiu irregularmente a ARL deverá regularizar seu imóvel rural nos Órgãos Ambientais locais. Atualmente, no Tocantins, a regularização da propriedade rural, com área suprimida ou não, inclusive de ARL, é efetuada por meio do SIGCAR, com adesão ou não ao PRA. Posteriormente, se necessário, o NATURATINS, Instituto competente para tanto, verificará a regularidade das informações.

Acerca da supressão de ARL, objeto deste tópico, é crível destacar que o atual Código Florestal trouxe uma limitação temporal, de observância obrigatória, para definir a forma de regularização da propriedade.

Essa limitação é imposta pelo art. 66 e outros, in verbis:

“Art. 66. O proprietário ou possuidor de imóvel rural que detinha, em 22 de julho de 2008, área de Reserva Legal em extensão inferior ao estabelecido no art. 12, a possibilidade de regularizar sua situação, independentemente da adesão ao PRA, adotando as seguintes alternativas, isolada ou conjuntamente: I – recompor a Reserva Legal; II – permitir a regeneração natural da vegetação na área de Reserva Legal; III – compensar a Reserva Legal”. (g.n)

Em linhas gerais, esse artigo disciplinou as formas de regularização de ARL cujo percentual esteja inferior ao estabelecido no art. 12, antes de 22 de julho de 2008. Um ponto que merece questionamento: com base em que foi escolhido esse limite temporal?

Esse limite temporal foi estabelecido levando em consideração a data da entrada em vigor do Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências.

Diante disso, deve-se observar a época da supressão de ARL, se antes ou depois de 22 de julho de 2008. Para cada caso ter-se-á uma forma de regularização. Vejamos:

Para aqueles imóveis rurais que estão com a ARL inferior ao percentual estabelecido pelo novo Código Florestal, tendo o proprietário ou possuidor rural efetuado desmatamento irregular antes de 22 de julho de 2008[5], poderão regularizar independentemente da adesão ao Plano de Regularização Ambiental – PRA[6], adotando, isolada ou conjuntamente, as formas apontadas no art. 66, quais sejam: recomposição; regeneração natural ou compensação da Reserva Legal. Neste caso, não haverá a aplicação das sanções administrativas disciplinadas no Decreto nº 6.514/2008, bem como as que foram aplicadas, com base nos decretos em vigor que disciplinavam a matéria[7], serão suspensas e convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, regularizando o uso de áreas rurais consolidadas conforme definido no PRA (art. 59, §§ 4º e 5º, do novo Código Florestal)[8].

No âmbito Federal, foi baixada a INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 12, DE 6 DE AGOSTO DE 2014 com a finalidade de definir os procedimentos relativos ao requerimento de suspensão de aplicação de sanções decorrentes de infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em áreas de preservação permanente, de reserva legal e de uso restrito, e de declaração de conversão da sanção pecuniária em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, nos termos do § 5º do art. 59 da Lei nº 12.651.

Lado outro, caso tenha sido desmatada, irregularmente, a ARL após 22 de julho de 2008, o referido Código determina:

Art. 17. A Reserva Legal deve ser conservada com cobertura de vegetação nativa pelo proprietário do imóvel rural, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.

 § 3º É obrigatória a suspensão imediata das atividades em área de Reserva Legal desmatada irregularmente após 22 de julho de 2008.

§ 4º Sem prejuízo das sanções administrativas, cíveis e penais cabíveis, deverá ser iniciado, nas áreas de que trata o § 3o deste artigo, o processo de recomposição da Reserva Legal em até 2 (dois) anos contados a partir da data da publicação desta Lei, devendo tal processo ser concluído nos prazos estabelecidos pelo Programa de Regularização Ambiental – PRA, de que trata o art. 59”. (g.n)

Com base neste dispositivo, as consequências, para aqueles que suprimiram irregularmente a ARL depois de 22 de julho de 2008, são as seguintes: suspensão imediata da atividade desenvolvida na ARL desmatada irregularmente; aplicação das sanções administrativas, civis e penais cabíveis e recomposição da ARL.

Essas são as regras gerais. No entanto, a lei trouxe algumas exceções. Vejamos:

Destaca-se, primeiramente, a exceção trazida pelo art. 67, do atual Código Florestal[9]. Esse regramento dispensa o pequeno produtor rural, que tenha área de até quatro módulos fiscais, medida variável de acordo com a localidade, de compensar, regenerar e recompor sua ARL para os percentuais exigidos atualmente. É dizer, a ARL, da pequena propriedade, será regularizada com a percentagem de mata nativa existente em 22 de julho de 2008, mesmo que esse percentual seja inferior ao exigido na lei.

Outra exceção que dispensa a recomposição, compensação ou regeneração de ARL é para aqueles que suprimiram vegetação nativa, respeitando o percentual de ARL, sob a égide da lei em vigor à época. Esse, a propósito, é o teor do art. 68, caput, do atual Código Florestal, verbis:

Art. 68. Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão são dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos nesta Lei. (g.n)

§1º Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais poderão provar essas situações consolidadas por documentos tais como a descrição de fatos históricos de ocupação da região, registros de comercialização, dados agropecuários da atividade, contratos e documentos bancários relativos à produção, e por todos os outros meios de prova em direito admitidos."

O artigo em comento dispensa os proprietários ou possuidores de imóvel rural, que realizaram supressão de vegetação nativa, respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão, de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos na Lei, desde que comprovem tal situação, nos termos dos §1°.

Prevê, em síntese, a consolidação das áreas que foram desmatadas com as modificações dos percentuais de Reserva Legal, principalmente aquelas ocorridas a partir de 1996, por meio de medidas provisórias.

O benefício, in casu, é só para quem, respeitando o percentual de ARL exigido à época, tenha suprimido o restante da vegetação nativa. Em outras palavras, destacado o percentual de ARL exigido à época e suprimido o restante, será aplicada a dispensa, exonerando o proprietário ou possuidor rural de efetivar as alternativas supramencionadas, dando-se, portanto, por consolidada a ARL. Todavia, não tendo havido a supressão do restante da área nativa (respeitada a ARL), diga-se, havendo atualmente área nativa para integrar a ARL anterior e respeitar o percentual hoje estabelecido, o proprietário estará obrigado a regularizar sua área, complementando para os percentuais disciplinados pelo novo Código Florestal.

No Tocantins, este entendimento já era perfilhado pela d. Procuradoria Geral do Estado, mesmo antes da publicação do atual Código Florestal. Confira-se, a esse respeito, o parecer nº 07/2011, em sua parte conclusiva.

1. A limitação de área de reserva legal iniciou-se com a Medida Provisória 1.511 de 25 de julho de 1996. Houveram (sic) diversas medidas provisórias até a edição da MP 2166-67 de 24 de agosto de 2001 que encontra-se em vigor por força da EC 32/2000. No decorrer deste período (sic) as medidas provisórias foram convoladas sucessivamente, contendo acréscimos em seu conteúdo ao longo dos anos. […]

2. Quem reduziu sua ARL para 20% sob a égide de legislação pretérita, procedeu a (sic) averbação de sua reserva legal e obteve licença ambiental e desmatou o restante, não pode ser compelido a fazer a compensação por exigência de lei nova, posto que o ato já se consumou. Como disse o douto Juiz Marcelo Albernaz em seu voto “devem ser ressalvadas apenas as áreas já efetivamente desmatadas na vigência da lei anterior, em respeito ao ato jurídico perfeito”. No entanto, o proprietário que na vigência de legislação limitadora de ARL em 20%, averbou-a, e, não desmatou o que era permitido em lei à época, não poderá agora arguir direito adquirido para desmatar, posto inexistir esta garantia constitucional para degradar o meio ambiente, conforme jurisprudência pátria dominante, devendo adequar-se à nova legislação que ampliou a limitação para 35% ou até o percentual que houver sido preservado se menor que 35%, se já houver desmatado parte da cobertura florestal ao tempo da lei mais benéfica”. (g.n)

Denota-se, portanto, que a Lei 12.651/12 – atual Código Florestal – ratificou este entendimento.

Exemplificando: em 2013, José (nome fictício) protocolou processo administrativo ambiental para obtenção de Autorização de Exploração Florestal dos 80% restante da sua propriedade, porquanto, em 04.05.1999, averbou em cartório sua Área de Reserva Legal, em 20% (certidão de inteiro teor – fls. xxx/xxx), percentual exigido à época para área de cerrado.

A Medida Provisória em vigor, à época da referida averbação, era a de n° 1.736-35/1999, de 08 de abril de 1999, que deu nova redação ao artigo 44 do antigo Florestal, o qual estabeleceu, para área de cerrado, o percentual de 20% de ARL, verbis:

“Art. 44. Na região Norte e na parte norte da região Centro-Oeste, a exploração a corte raso só é permissível desde que permaneça com cobertura arbórea pelo menos cinquenta por cento da área de cada propriedade, limite que será reduzido para vinte por cento, quando se tratar de área coberta por cerrado.” (g.n)

Como se vê, o percentual de ARL exigido à época foi respeitado. Entretanto, o imóvel rural possui área de vegetação nativa suficiente para que seja demarcado o percentual conforme a legislação ambiental vigente (novo Código Florestal).

Portanto, a situação delineada não se amolda à exceção estampada no art. 68, devendo o interessado complementar sua ARL para o percentual exigido atualmente.

2.Instituição de ARL em regime de Condomínio

Além das formas de regularização da propriedade rural supramencionadas, há ainda a instituição de ARL em regime de Condomínio ou coletiva entre propriedades rurais, disciplinada no art. 16, do novo Código florestal, in verbis:

Art. 16. Poderá ser instituído Reserva Legal em regime de condomínio ou coletiva entre propriedades rurais, respeitado o percentual previsto no art. 12 em relação a cada imóvel.  (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

Parágrafo único. No parcelamento de imóveis rurais, a área de Reserva Legal poderá ser agrupada em regime de condomínio entre os adquirentes".

O mencionado regramento permite que os proprietários ou possuidores rurais ao invés de recompor a ARL possam adquirir em conjunto área para a instituição em condomínio. O Código Florestal, entretanto, não disciplinou acerca das situações em que é aplicável o instituto.

Diante dessa omissão, surge uma indagação: há possibilidade de suprimir a Área de Reserva Legal para realocação ou de constituí-la em outra propriedade utilizando o instituto do condomínio? Essa pergunta se mostra pertinente, em razão de vários proprietários ou possuidores rurais, na intenção de utilizar 100% da sua propriedade, seja para o plantio ou outra atividade, solicitarem, nos Órgãos Ambientais, tal procedimento.

Primeiramente, observa-se que o artigo 12, do atual Código Florestal, determina que todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal. Destarte, como regra geral, toda propriedade rural deverá ter a sua ARL[10].

A doutrina, respaldada em legislação pertinente, indica os requisitos necessários à instituição do Condomínio. Nesse sentido, LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA e ROMEU THOMÉ (2013, p. 217) ensinam:

O novo Código Florestal apresenta às propriedades rurais instrumentos compensatórios em caso de áreas de Reserva Legal com percentual inferior ao mínimo exigido em lei. Um deles, nos casos de propriedade rurais contíguas, é a denominada Reserva Legal condominial (ou coletiva), prevista no art. 16.

Requisitos para a constituição de Reserva Legal condominial:

a) que as propriedades sejam contínuas[11];

b) que o percentual legal em relação a cada imóvel seja respeitado (significa que a totalidade de Reserva Legal do condomínio terá que corresponder à soma do percentual de todas as propriedades que dele fazem parte);

c) que haja a aprovação do órgão ambiental competente”. (grifos dos autores)

No Estado do Tocantins, especificamente, está em vigor a Resolução Coema n° 07/2005 que traz outros requisitos necessários para a instituição em condomínio, dando fiel execução ao Código Florestal, apesar de ser anterior a ele.

Art.110. A modalidade Reserva Legal em Condomínio poderá ser utilizada nas seguintes situações:

I – compensação de áreas de reserva legal suprimidas, de um conjunto de propriedades receptoras, em uma propriedade cedente, de domínio do Consórcio formado pelos imóveis receptores;

II – projetos de assentamento e ou colonização agrícola para efeito de regularização das áreas de reserva legal dos lotes dos beneficiários.

III – em um conjunto de propriedades rurais onde suas áreas de reserva legal ficarão integralmente no imóvel cedente, de propriedade do Consórcio.

Art. 111. A formalização da Reserva Legal em Condomínio, caracterizada na forma do artigo anterior, estará condicionada as seguintes etapas:

I – a propriedade rural cedente deverá computar no cálculo da área para averbação o percentual de sua própria reserva legal, de acordo com os percentuais estabelecidos em lei, mais a área necessária para compensação das propriedades receptoras;

II – a propriedade cedente deverá apresentar a mesma tipologia vegetal, igual importância ecológica e localizar-se na mesma bacia hidrográfica das propriedades receptoras;

III – averbação da reserva legal da propriedade cedente;

IV – requerimento de Licenciamento Florestal da Propriedade Rural com Reserva em Condomínio das propriedades receptoras partícipes do Consórcio, vinculando à propriedade cedente;

V – celebração de Termo autorizando a Averbação da Reserva Legal e ou para Reparação do Dano Ambiental, se for o caso.

§ 1o A formalização da Reserva Legal em Condomínio, classificada na forma do inciso II do artigo anterior estará condicionada a apresentação de requerimento para o licenciamento ambiental do projeto de assentamento ou colonização agrícola.

§ 2o A Reserva Legal averbada em condomínio, na forma do inciso II do artigo anterior permanecerá indivisível, mesmo após o desmembramento da propriedade e titulação dos lotes em nome dos beneficiários”. (g.n)

A retromencionada Resolução não trouxe como requisito que as propriedades (cedente e receptora) sejam contínuas, exigindo-se tão somente que se localize na mesma bacia hidrográfica.

Além desses requisitos, a Procuradoria Geral do Estado do Tocantins acrescentou, numa interpretação aprofundada do Código, a meu ver com acerto, a ausência de vegetação nativa[12] na propriedade rural (PARECER/SPI N° 849/2013):

“A modalidade de reserva em condomínio permite que os produtores rurais não possuam área de vegetação nativa em suas propriedades, para destinação à reserva legal, ao invés de recompô-las, possam adquirir em conjunto área para instituir a Reserva.(…)

O requisito para instituição da Reserva em Condomínio é que os proprietários dos imóveis rurais não disponham de mata nativa em percentuais suficientes para compor a Reserva Legal em suas terras. E é, por esse motivo, que eles se reúnem para constituir a ARL em outra propriedade.

Portanto, não pode haver mais desmatamentos na propriedade, vez ser pressuposto que a mesma não possua remanescentes de vegetação na proporção exigida pela legislação. (…)

Diante disso, conclui-se que apesar de não haver na lei dispositivo específico não autorizando tal conduta, não é coerente, em termos legais e de acordo com a interpretação sistemática do Código Florestal, que se permita a supressão ou alteração de Área de Reserva já existente, suficiente em tamanho de mata nativa e averbada, para uso alternativo do solo e constituição de Reserva em Condomínio em outra área”. (g.n)

Esse último requisito demonstra ser essencial em razão de que o atual Código Florestal não teve/tem como objetivo autorizar desmatamentos de vegetação de ARL para constituição em condomínio, ou seja, se a propriedade tem vegetação nativa para constituir a sua ARL, esse instituto não é medida jurídica adequada.

Nesse ponto, pode-se ir mais além, pois é possível entender que o mesmo raciocínio se aplica para o caso de constituição de ARL parcial. Em outras palavras, mesmo não sendo suficiente a vegetação nativa para constituição de ARL nos percentuais da Lei, deverá manter o que tem e constituí-la como ARL, para, só depois, compensar o restante.

Logo, s.m.j, só é permitido o instituto do condomínio no caso em que os imóveis rurais não disponham de mata nativa, mesmo que parciais, para compor a Reserva Legal em suas terras, desde que o desmatamento tenha sido anterior a 22 de julho de 2008. Isso porque, após 22 de julho de 2008, como já explanado, havendo supressão irregular de ARL, o proprietário ou possuidor rural deverá efetivar a recomposição.

Outra interpretação aos ditames legais levaria a perda da finalidade principal perseguida, qual seja: a preservação do meio ambiente e a distribuição de mata nativa em todas as propriedades rurais, nos termos do art. 12, do novo Código Florestal.

Em vias de arremate, uma nova Resolução COEMA do Estado do Tocantins, que está em fase de estudo e elaboração, porá fim a essas omissões e, por conseguinte, atenderá precisamente ao atual Código Florestal, bem como ratificará o entendimento perfilhado pela Procuradoria Geral do Estado.

Considerações Finais

O novo Código Florestal estabeleceu um limite temporal e as formas de regularização da propriedade rural em caso de supressão irregular de Área de Reserva Legal – ARL.

Para as supressões ocorridas antes de 22 de julho de 2008, o Código indica três formas para a regularização, independentemente da adesão do PRA: recomposição, regeneração natural e compensação. Neste caso, o proprietário ou possuidor está isento da multa ou, em caso de ter sido aplicada, suspensa e convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.

Sendo depois de 22 de julho de 2008, a regularização da propriedade rural será efetuada por meio da recomposição, nos prazos estabelecidos no PRA. Neste caso, a sanção administrativa, além de outras, será cabível.

O Código, contudo, traz algumas exceções à obrigação de recompor, compensar ou regenerar a ARL, na hipótese em que o proprietário ou possuidor de imóvel rural tenha suprimido a vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão, bem como para o caso da pequena propriedade, de até quatro módulos fiscais, que será regularizada com a percentagem de mata nativa existente em 22 de julho de 2008, mesmo que esse percentual seja inferior ao exigido na lei.

 Por fim, foi explanado acerca da instituição de ARL em regime de condomínio, que é uma das formas de regularização da propriedade, desde que obedecidos os requisitos legais e não tenha área de vegetação nativa em sua propriedade para tanto[13].

Referências:
BRASIL. Código Florestal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12651compilado.htm. Acesso em 06 de fev. 2015.
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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 639.
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PACHECO, Sérgio. O Novo Código Florestal E A Isenção Da Reserva Legal Para Áreas Inundadas Pelos Reservatórios Das Hidrelétricas. Disponível em http://www.abce.org.br/downloads/Artigo%20RL.pdf. Acesso em 06 de fev. 2015.
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SPITZCOVSKY, Ceslo. Direito Administrativo. 10. ed. – São Paulo: editora Método, 2008, pag. 512/513.
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TOCANTINS. Resolução COEMA nº 7, de 09 de agosto de 2005. Dispõe sobre o Sistema Integrado de Controle Ambiental do Estado do Tocantins.
 
Notas:
[1] Ressalta-se, por oportuno, que a Lei nº 12.727/2012 promoveu algumas alterações no novo Código Florestal.

[2] No total de 67 (sessenta e sete) Medidas Provisórias, tendo sido a última editada em 2001 (MP nº 2166-67/2001).

[3] Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.

[4] Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
I – Amazônia Legal: os Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo 13° S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44° W, do Estado do Maranhão.

[5] Art. 3º IV – área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio;

[6] As normas gerais a respeito do Programa de Regularização Ambiental estão disciplinadas no Decreto Federal nº 7.830/2012 e complementada pelo Decreto Federal nº 8.235/2014.

[7] Decretos nsº 3.179, de 21 de setembro de 1999, 3.919, de 14 de setembro de 2001, 4.592, de 11 de fevereiro de 2003, 5.523, de 25 de agosto de 2005, 5.975, de 30 de novembro de 2006, 6.321, de 21 de dezembro de 2007.

[8] No STJ: “(…) 4. Ademais, como deixa claro o novo Código Florestal (art. 59), o legislador não anistiou geral e irrestritamente as infrações ou extinguiu a ilicitude de condutas anteriores a 22 de julho de 2008, de modo a implicar perda superveniente de interesse de agir. Ao contrário, a recuperação do meio ambiente degradado nas chamadas áreas rurais consolidadas continua de rigor, agora por meio de procedimento administrativo, no âmbito de Programa de Regularização Ambiental – PRA, após a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR (§2º) e a assinatura de Termo de Compromisso (TC), valendo este como título extrajudicial (§3º). Apenas a partir daí “serão suspensas” as sanções aplicadas ou aplicáveis (§5º). Com o cumprimento das obrigações previstas no PRA ou no TC, “as multas” (e só elas) “serão consideradas convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.” (REsp 1.240.122, de 02/10/2012)

[9] Art. 67. Nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo.

[10] A propósito do tema, PAULO DE BESSA ANTUNES (2008, p. 530/531) ensina: “A reserva legal é uma obrigação que recai diretamente sobre o proprietário do imóvel, independentemente de sua pessoa ou da forma pela qual tenha adquirido a propriedade; desta forma, ela está umbilicalmente ligada à própria coisa, permanecendo aderida ao bem. […] Efetivamente, a reserva legal é uma característica da propriedade florestal que se assemelha a um ônus real que recai sobre o imóvel e que obriga o proprietário e todos aqueles que venham a adquirir tal condição, quaisquer que sejam as circunstâncias”.

[11] Silva, 2003. p. 184.

[12] Entendimento análogo é aplicado à compensação (GARCIA e THOMÉ, p. 264): “A Lei 12.651/2012, ao admitir a compensação da vegetação da Área de Reserva Legal, só o fez para situações passadas. Não está a Lei a permitir que o proprietário ou o possuidor devastem a vegetação da Reserva Legal para em seguida compensá-la por meio dos instrumentos previstos no parágrafo 5º do art. 66. O Objetivo da norma é evitar a supressão da vegetação ainda intacta em propriedade rural que já possua área desmatada, quando for verificado que a referida área encontra-se abandonada, subutilizada ou utilizada de forma inadequada. Assim, busca-se incentivar o (re) aproveitamento e a recuperação ambiental do terreno mal utilizado e a preservação da vegetação nativa ainda existente”. (g.n)

[13] Frise-se que este último requisito foi acrescentado pela Procuradoria Geral do Estado, numa interpretação aprofundada do Código, limitando-se tão somente para as propriedades do Estado do Tocantins.


Informações Sobre o Autor

Rúllio Teixeira Deusdará

Graduado em Direito pelo Centro Universitário UNIRG, de Gurupi-TO, especializando em Direito Processo Penal pela Anhanguera-UNIDERP/LFG; Fiscal de Tributos do Município de Gurupi-TO (em vacância)


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