O novo CPC inova principalmente ao trazer regras inaugurais e fundamentais sobre os instrumentos para aplicação do Direito Privado. Trouxe maior aproximação do direito civil ao direito constitucional principalmente por privilegiar os princípios constitucionais.
Princípio é vocábulo que advém do latim principium que significa início, começo, ponto de partida ou origem. O termo fora introduzido em filosofia por Anaximandro de Mileto[1], um filósofo pré-socrático que viveu entre 610 a 547 a.C.
Para o doutrinador que foi o sistematizador do Código Civil brasileiro vigente, Miguel Reale os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, também sendo motivos de ordem prática de caráter operacional, funcionam como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e práxis.
Segundo as lições de Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery os princípios gerais de direito são regras de condutas são regras de conduta que norteiam o juiz na interpretação da norma, do ato ou negócio jurídicos.
Os princípios gerais de direito não se encontram positivados, são regras que carecem da concreção. E possuem como função principal auxiliar o juiz no preenchimento das lacunas.
Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida que possível dentro das possibilidades jurídicas reais e existentes.
Segundo Robert Alexy são mandamentos de otimização caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, e de que seu cumprimento não somente depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostas.
Já na obra de Ronald Dworkin os princípios em sentido amplo englobam os principles e as policies, ou seja, os princípios em sentido estrito, que tutelam os direitos individuais e as diretrizes (ou políticas) que orientam de objetivos coletivos.
Para Dworkin, a política é uma espécie de padrão que fixa objetivo a ser alcançado, geralmente um avanço de ponto de vista econômico, político ou social em prol da comunidade, nada obstante alguns desses objetivos possam ser negativos, por protegerem alguma situação contra modificações adversas.
Por outro lado, para Dworkin o princípio é o critério que deve ser aplicado, não para proteger determinada situação política, econômica ou social, mas sim, porque é exigência da justiça, da equidade ou alguma outra dimensão da moralidade.
Assim os princípios se referem à dimensão individual, enquanto que as políticas se referem à dimensão comunitária. E, é nesse sentido, que deve ser entendida a afirmação de que a decisão judicial é essencialmente política, o que significa afirmar que possui uma dimensão comunitária.
Reforça Dworkin que os princípios conferem coerência e justificação ao sistema jurídico e permitem ao julgador, diante dos hard cases, realizar a interpretação de maneira mais conforme à Constituição.
Dworkin explica que existe uma distinção lógica entre princípio jurídico e regra jurídica. Ambos partem de pontos comum para decisões particulares sobre determinada obrigação jurídica em circunstâncias particulares.
Porém, são diferentes no caráter da direção que cada um deles empreende. As regras jurídicas são aplicáveis tendo em vista a ideia de tudo ou nada. Nesse sentido, a regra estipula o que é válido e aceito.
Mas os princípios são mandamentos nucleares ou disposições fundamentais de um sistema, ou ainda, núcleos de condensações. Lenio Streck[2] critica o positivismo jurídico, apontando que essa corrente disponibilizou para a comunidade jurídico o direito como um sistema de regras.
In litteris:
“Trata-se do pan-principiologismo, verdadeira usina de produção de princípios despidos de normatividade. Há milhares de dissertações de mestrado e teses de doutorado sustentando que “princípios são normas”. Pois bem. Se isso é verdadeiro – e, especialmente a partir de Habermas e Dworkin, pode-se dizer que sim, isso é correto – qual é o sentido normativo, por exemplo, do “princípio” (sic) da confiança no juiz da causa? Ou do princípio “da cooperação processual”? Ou “da afetividade”? E o que dizer dos “princípios” da “proibição do atalhamento constitucional”, da “pacificação e reconciliação nacional”, da “rotatividade”, do “deduzido e do dedutível”, da “proibição do desvio de poder constituinte”, da “parcelaridade”, da “verticalização das coligações partidárias”, da “possibilidade de anulamento” e o “subprincípio da promoção pessoal”? Já não basta a bolha especulativa dos princípios, espécie de subprime do direito, agora começa a fábrica de derivados e derivativos. Tem também o famoso “princípio da felicidade” (desse falarei mais adiante!) ”. (In: O pan-principiologismo e o sorriso do lagarto. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-mar-22/senso-incomum-pan-principiologismo-sorriso-lagarto Acesso 28.06.2015).
A consequência disso é que o mundo fático ficava de fora desse positivismo que predominou por longo tempo. Os princípios vieram para superar a abstração das regras, desterritorializando-as de seu locus privilegiado, o positivismo.
O cerne dos princípios é a diferença ontológica, instrumento utilizado para o mundo prático invadir o positivismo. É através dos princípios que que se torna possível sustentar a existência de respostas adequadas que eram corretas para cada caso concreto.
Já para Canotilho as regras e princípios são duas espécies de normas; e sua distinção está baseada no grau de abstração posto que os princípios são normas com grau de abstração relativamente elevado, de modo diverso, as regras possuem um menor grau de abstração.
Os princípios por serem vagos e indeterminados carecem de mediações concretizadoras (do legislador ou do juiz) enquanto que as regras são suscetíveis de aplicação direta.
Ademais, os princípios são normas de caráter estruturante ou com papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica entre as fontes de direito; os princípios são standards jurídicos vinculantes radicados pelas exigências de justiça (Dworkin) ou na ideia de Direito (Larenz[3]).
Os princípios são fundamentos das regras, desempenhando uma função normogenética funamentante.
Josef Esser[4] critica a doutrina pela grande quantidade de princípios produtos de invenção aberta, dizem respeito às cláusulas gerais, normas em branco e outros institutos de criação recente.
Conclui-se após analisar os ensinamentos de diversos teóricos do direito que não é uniforme o entendimento a respeito dos conceitos de norma, princípio, regra, direito e garantia.
O maior pecado da doutrina contemporânea seja ao tratar o tema mediante sincretismo, ou seja, misturando-se as teorias que se utilizam de critérios e parâmetros distintos uns dos outros.
Enfim, os princípios são diretrizes ou vetores para os órgãos formadores do direito como o são todas as máximas e regras das soluções transmitidas, concreções da experiência judicial.
Conforme destacaram Nery Jr e Rosa Maria Nery os princípios jurídicos não precisam estar expressos na norma. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 ganhou força a corrente doutrinária clássica normal que apontou para o fato de não se poder dissociar dos princípios o seu valor coercitivo, tese defendida por Rubens Limongi França em sua festejada e clássica obra sobre o tema (Princípios Gerais de Direito).
Assim os princípios gerais devem guiar o aplicador do direito na busca da justiça, estando sempre baseados na estrutura da sociedade. É sabido o C.C. de 2002 consagra conforme se extrai de sua exposição de motivos, elaborada por Miguel Reale. Apesar desse codex não conter um capítulo inaugural principiológico a exemplo do que ocorre com o novo CPC ou o Código Fux[5].
O primeiro princípio é o da eticidade representado pela valoração da boa-fé e da ética que existe no plano de conduta de lealdade das partes. A boa-fé objetiva serve no C.C. de 2002 como função interpretativa dos negócios jurídicos em geral e, também com função de controle das condutas humanas (e sua violação significa abuso de direito) e, ainda possui a função integrar todas as fases pelas quais passa o contrato.
Enfim, a boa-fé objetivo tornou-se o princípio expresso do processo civil brasileiro, o que significa um notável avanço dotado de significativas repercussões práticas. O segundo baluarte do C.C. é o princípio da socialidade que tratou de fazer o referido diploma legal superar o caráter individualista e egoísta da codificação anterior.
E, nesse contexto todas as categorias civis passaram a ter função social tais como contrato, propriedade, a empresa, a responsabilidade civil, a família e, até as obrigações.
O terceiro baluarte é o princípio da operabilidade que tem dois sentidos: o primeiro, o de simplicidade ou facilitação das categorias privadas, o que pode ser percebido, por exemplo, pelo tratamento diferenciado da prescrição e da decadência. O segundo sentido é o da efetividade ou concretude, o que foi buscado pelo sistema aberto das cláusulas gerais adotado pela atual codificação material.
Reconhece o Novo CPC a plena possibilidade de julgamento com base nas cláusulas gerais e nos conceitos legais indeterminados e, exigindo a específica e devida fundamentação pelo julgador em casos tais.
Ao disciplinar sobre os elementos essenciais da sentença, o novo CPC o primeiro parágrafo do art. 489 estabelece que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja esta interlocutória, sentença ou acórdão que: a) se limitar à indicação à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; b) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; c) invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; d) não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; e) se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; f) deixar de seguir enunciado da súmula, jurisprudência ou precedente[6] invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. É certo que se trata de cláusulas gerais.
O livre convencimento do juiz resta afastado se não houver o devido fundamento pelo juiz trazendo seguras balizas para a doutrina processual.
Judith Martins-Costa leciona que as cláusulas gerais são janelas abertas em virtude da linguagem empregada, deixadas pelo legislador para o preenchimento pelo aplicador do Direito, caso a caso.
A rigor, as cláusulas gerais possuem sentido dinâmico, o que as diferencia dos conceitos legais indeterminados[7], construções estáticas que constam da lei sem definição.
Pode-se afirmar que, quando o aplicador do direito cumpre a tarefa de dar sentido a um conceito legal indeterminado, passará ele a constituir uma cláusula geral[8]. E, com tal premissa segue o posicionamento de Karl Engisch[9] para quem não se confunde a cláusula geral com o conceito legal indeterminado pois a primeira contrapõe a uma elaboração casuística das hipóteses legais. Casuística é aquela configuração da hipótese legal.
Registre-se ainda que muitas das cláusulas gerais são princípios, mas não necessariamente. Exemplificando a função social do contrato é princípio contratual, ao contrário da cláusula geral de atividade de risco, que não é princípio da responsabilidade civil.
A adoção do sistema de cláusulas gerais pelo C.C. vincula-se à linha filosófica adotada por Reale que aliás criou sua própria teoria do conhecimento e da essência jurídica, a ontognoseologia jurídica, em que se busca o papel do direito sob os enfoques subjetivo e objetivo baseando-se no culturalismo jurídico e na teoria tridimensional do direito.
O culturalismo jurídico é existente no plano subjetivo foi inspirado no labor de Carlos Cossio[10]. Três palavras passaram a ser as guias das decisões judiciais a serem tomadas: cultura, experiências e história que devem ser entendidas tanto do ponto de vista do julgador como do da sociedade, ou seja, do meio em que a decisão será prolatada.
Pela teoria tridimensional do direito presente no direito material e, segundo Reale, direito é fato, norma e valor que estão sempre presentes e correlacionados em qualquer expressão da vida jurídica, seja estudada pelos jusfilósofos ou pelo sociólogo do direito. Ao passo que na tridimensionalidade genérica ou abstrata caberia ao filósofo apenas o estudo do valor, ao sociólogo caberia estudar o fato e, por fim, ao jurista, estudar a norma (sendo a tridimensionalidade um requisito essencial do direito).
Pela configuração das construções, na análise dos institutos jurídicos presentes no Código Civil de 2002 muitos deles abertos, genéricos e indeterminados, o jurista e magistrado deverão fazer um mergulho profundo nos fatos que margeiam a situação, para então, de acordo com seus valores e da sociedade construído após educação e experiências – aplicar a norma de acordo com os seus limites, procurando sempre interpretar sistematicamente a legislação privada.
Fato, valor e norma[11] serão imprescindíveis a apontar o caminho seguido para a aplicação do Direito. Desta forma, preencherá as cláusulas gerais, as janelas abertas. E, também os conceitos legais indeterminados que passam a ter determinação jurídica através da atuação do juiz guiado pela equidade.
A priori, o juiz julgará de acordo com a sua cultura bem como o seu meio social que são fundamentais para o preenchimento da discricionariedade deixada pela norma privada. Destaque-se o valor como elemento formador do direito. Mas tudo dependerá da história do processo e dos institutos jurídicos a ele relacionados, das partes que integram a lide e, também a história do próprio aplicador.
Nesse momento ganha relevo o fato e, por fim, a experiência do aplicador do direito, que reúne fato e valor simbioticamente visando a aplicação da norma. Esta representa o elemento central do que se denomina ontognoseologia, a teoria do conhecimento, da essência jurídica, criada por Miguel Reale. Encarnamos simultaneamente o jurista, o sociólogo e o filósofo (por analisarmos normas, fatos e valores).
Não é demais frisar sobre a presença das cláusulas gerais tanto no direito material como direito processual. Devendo o aplicador de direito estar atento à evolução tecnológica, para não assumir decisões descabidas tal como bloquear a internet, o WhatsApp[12] e, etc..no sentido de determinar a proteção da imagem individual de determinada pessoa. Portanto, é primordial aos juristas do século XXI a formação interdisciplinar.
Enquanto que na visão kelseniana é de uma pirâmide de normas um sistema fechado e estático. Havia grande apego à literalidade fechada da norma jurídica, prevalecendo a ideia de que a norma seria suficiente. O lema simbólico dessa concepção legalista era o juiz é a boca da lei[13].
Já a visão de Miguel Reale é composta de três subsistemas a saber: dos fatos, das normas e dos valores. Traçando um sistema aberto e permeável, além de dinâmico através de constantes diálogos. Privilegia-se, então a interação do sistema, onde se conclui que as vezes a norma não é suficiente.
As cláusulas gerais devem ser analisadas, conforme o caso concreto. O lema é o direito é fato, valor e norma. Assim, em seu capítulo inaugural o novo CPC há um grande número de cláusulas gerais e conceitos legais indeterminados.
Em seu primeiro artigo há a expressa orientação de que todos os institutos processuais devem ser analisados de acordo com a Constituição Federal de 1988 e os direitos fundamentais nelas consagrados. Consolidando a constitucionalização do ramo processual.
O Big Bang legislativo (explosão de leis) de acordo com a simbologia criada por Ricardo Lorenzetti, dificultou o trabalho do aplicador do direito na busca de uma sistematização.
A diferenciação existente entre o Direito Público e o Direito Privado não é apenas uma classificação sendo um poderoso instrumento de sistematização que se pauta pela utilidade da lei (mas a utilidade preponderante da lei).
No fundo, o Direito Público tem como finalidade a ordem a segurança geral e o Direito Privado reger-se pela liberdade e pela igualdade. Mas, tal dicotomia não é um obstáculo intransponível e a divisão não é absoluta.
Foi a superação dessa dicotomia pelo menos em parte, é que fez surgirem as interações entre o Direito Civil e o Direito Constitucional emergindo uma nova disciplina chamada de Direito Civil Constitucional da qual Flávio Tartuce é sincero adepto e entusiasta. E, a quem humildemente também me filio.
Perligieri aponta que a Constituição funda o ordenamento jurídico pois “O conjunto de valores, de bens, de interesses que o ordenamento jurídico privilegia, e, mesmo a sua hierarquia representa como se opera tal ordenamento jurídico.
No Brasil o Direito Civil Constitucionalizado ganhou não só muitos adeptos, mas também força pela escola capitaneada por Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin de Morais e Heloísa Helena Barboza.
E, no Paraná, Luiz Edson Fachin (que recentemente fora aprovado para integrar o STF) e, no nordeste, Paulo Luiz Netto Lobo. Em São Paulo, Renan Lotufo, e a professora Giselda Hironaka. Em Brasília, o professor Frederico Viegas de Lima. Enfim, com o Novo CPC se inaugura o Direito Processual Civil Constitucional.
Há princípios básicos regentes tais como: a proteção da dignidade da pessoa humana que corresponde a um dos objetivos da República Federativa do Brasil. Sendo, portanto, um superprincípio ou princípio dos princípios, o que acarretou a personalização do Direito Civil. E, atualmente também do Direito Processual Civil.
A partir da dignidade decorrem os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Como segundo princípio temos a solidariedade social e também sendo outro objetivo fundamental da república brasileira e, nesse reside o objetivo social de erradicação de pobreza, do mesmo modo prevista no vigente texto constitucional.
Por derradeiro, o princípio da isonomia ou de igualdade lato sensu traduzido no art. 5º da CF/88. Recorrendo-se à concepção aristotélica que aduz: “A lei deve tratar de maneira igual os iguais, e de maneira desigual os desiguais, na proporção de suas desigualdades”.
No novo CPC concretizou-se a isonomia principalmente com a construção do contraditório participativo bem ilustrado no seu art. 9º. A demonstrar a efetiva eficácia horizontal dos direitos fundamentais, reforça-se o reconhecimento da proteção da pessoa humana nas relações entre particulares.
Segundo Daniel Sarmento reconhecidamente um grande entusiasta da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, é indispensável no contexto de uma sociedade desigual, na qual a opressão pode provir não apenas do Estado, mas de uma multiplicidade de atores privados presentes em esferas tais como mercado comercial, mercado de trabalho, família, sociedade civil e a empresa.
Antes as normas protetivas da dignidade humana eram consideradas como normas programáticas, o que não mais prevalece. Registre-se que a proteção da dignidade humana é princípio que pode ser aplicado diretamente na relação entre empregado e empregador, entre marido e mulher, entre companheiros, entre pais e filhos, entre contratantes, e entre empresários e consumidores e, assim, sucessivamente. Sem a necessidade de existir qualquer ponte infraconstitucional, a mesma afirmação também se aplica às ações judiciais.
Outra aplicação da eficácia horizontal foi introduzida pela EC45/2004 que introduziu entre esses direitos, a razoável duração do processo. Reforçando ainda mais a efetividade do acesso à justiça. E, assim, também se lembrou o novo CPC no seu art. 4º.
Mas o excesso de prazo não é configurado como mero critério aritmético devendo a demora ser analisada com base nas particularidades de cada caso concreto, pautando-se pela razoabilidade. Afinal a duração do processo além de razoável deverá ser o necessário para o total deslinde do conflito de interesses dos litigantes.
No processo administrativo, ressalte-se que o prazo razoável é corolário natural dos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade.
Outro mecanismo de constitucionalização do processo é a ponderação de princípios, valores e normas expressamente adotado conforme o segundo parágrafo do art. 489 do novo CPC. A ponderação é mecanismo argumentativo dinâmico de muita utilidade para solução de impasses complexos e contemporâneos.
Enaltecendo a ponderação como método, Luís Roberto Barroso compara a subsunção a um quadro geométrico com três cores distintas, e bem nítidas. E, nessa simbologia, a ponderação corresponde a uma pintura moderna, com inúmeras cores sobrepostas, apesar de que algumas cores se destacam mais do que as outras, mas formando uma unidade estética. Adverte Barroso que a ponderação[14] malfeita pode ser tão ruim como algumas pelas de arte moderna de gosto duvidoso.
Segundo Alexy a ponderação[15] parte de algumas premissas consideradas como básicas para que a pesagem ou o sopesamento entre os princípios seja possível, e que, repise-se, parecem ter sido adotadas pelo novo CPC.
Como primeira premissa o doutrinador alemão traz o entendimento de que os direitos fundamentais têm, na maioria das vezes, a estrutura de princípios sendo mandamentos de otimização caracterizados que poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.
Como segunda premissa é reconhecido que, em um sistema em que há o comprometimento com os valores constitucionais, pode ser frequente a ocorrência de colisões entre os princípios, o que, invariavelmente, acarretará restrições recíprocas entre os valores tutelados. Ainda de acordo com a doutrina germânica a colisão entre as regras e princípios é distinta, uma vez que no primeiro caso, uma das regras deve ser retirada obrigatoriamente do sistema, o que não ocorre no segundo.
Por essa razão, cogita-se em relativização dos princípios e, mesmo até de direitos fundamentais, uma vez que princípios com peso maior devem prevalecer sobre princípios com peso menor.
Diante do conflito de princípios, sem que qualquer um deles seja retirado do sistema como terceira premissa, o aplicador do Direito deve fazer uso da técnica da ponderação. A aplicação da ponderação nada mais é do que a solução do caso concreto de acordo com a máxima da proporcionalidade.
A quarta e derradeira premissa é a de pesagem que deve ser fundamentada, calcada em uma argumentação jurídica com solidez e objetividade, para não ser arbitrária e irracional. Por isso, é que deve ser clara e bem definida a fundamentação de enunciados de preferências em relação determinado valor constitucional.
Para melhor elucidação, a ponderação Alexy relata o caso Lebach. A emissora alemã ZDF tinha intenção de exibir documentário chamado “O assassinato de soldados em Lebach” que narrava o homicídio de quatro soldados alemães que faziam sentinela em um depósito, o que culminou com o roubo de munição do exército alemão, incidente ocorrido em 1969.
Um dos condenados pelo crime estava prestes a ser solto às vésperas da veiculação do programa televisivo, no qual era citado normalmente. Então, ele ingressou com medida cautelar para que o programa não fosse exibido, pois existiria evidente afronta do direito fundamental à imagem.
O Tribunal Regional Alemão rejeitou o pedido do autor da demanda para a não exibição do documentário, o que fora confirmado pelo Tribunal Superior Estadual, diante da liberdade de informar e do interesse coletivo quanto ao conteúdo do documentário.
A questão chegou até a Suprema Corte alemã que resolveu através da ponderação de princípios constitucionais. Na primeira etapa, fica demonstrada a colisão entre o direito à imagem ou à personalidade e a liberdade de informar, dois valores constitucionalmente tutelados e de mesmo nível.
Na segunda etapa, o julgamento concluiu inicialmente pela prevalência da liberdade de informar. Contudo, na terceira etapa, há conclusão pela prevalência do direito à imagem ou à personalidade no sentido de que o documentário não deveria ser exibido.
Dois fatores fáticos substanciais acabaram por influenciar o sopesamento: a) não haveria mais um interesse atual pela notícia do crime; b) haveria um risco para ressocialização do autor da demanda.
Um caso similar no Brasil ocorrera com Daniela Cicarelli que fora flagrada em relações íntimas com o namorado em uma praia pública espanhola tendo as imagens postadas no Youtube. O tribunal em demanda inibitória de tutela de personalidade proposta por ambos, acabou concluindo pela não exibição das imagens, de forma definitiva.
Obviamente surgiram outras questões relacionadas ao caso Cicarelli como a reparação de danos. Mas o caso colocou em xeque o tão criticado art. 20 do Código Civil que não pode deixar de lado os dispositivos constitucionais que se referem ao direito à informação ou à liberdade de imprensa.
No art. 20 do CC há duas expressas exceções para o uso da imagem alheia, sem autorização: a) quando a pessoa ou fato interessar à administração da justiça, como no caso de solução de crimes; b) quando a pessoa ou o fato interessar à ordem pública, expressão genérica e aberta que merece preenchimento casuístico.
Não se pode esquecer a função social do uso da imagem, ou seja, o fato de que a informação pode ter uma finalidade coletiva. Nesse sentido iluminou o busilis o Enunciado 279 do CJF, com a seguinte redação:
“A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.
Havendo a colisão, considerar-se-á a notoriedade do retratado e dos fatos abordados bem como o da veracidade destes bem como a sua utilização seja comercial, informativa, biográfica, privilegiando-se as medidas que não restrinjam a divulgação de informações.
No âmbito das liberdades de expressão ou liberdades comunicativas que não foram alvo de detalhada positivação, mas também o reconhecimento da proteção compatível com um autêntico Estado Democrático de Direito.
A liberdade de expressão consiste, mais precisamente, na liberdade de exprimir opiniões, ou seja, juízos de valor a respeito de fatos, ideias, portanto, juízos de valor sobre opiniões de terceiros, devendo o seu conceito, da perspectiva constitucional, ser compreendido em sentido amplo, de forma inclusiva.
No bojo da ADI 4.815 tendo como relatora a Ministra Cármen Lúcia, no julgamento, depois de longa tramitação e amplo debate na esfera pública, inclusive em sede audiência pública convocada pelo próprio STF, a interpretação constitucionalmente adequada da legislação infraconstitucional, notadamente dos artigos 20 e 21 do C.C., para efeito de vedar seja a confecção ou publicação de uma biografia condicionada à prévia autorização do biografado ou mesmo de seus responsáveis.
Em face dos precedentes da Suprema Corte, tanto o rechaço da autorização prévia com a interpretação conforme, tal como proposto pela ilustre relatora para a hipótese, foram chancelados pela unanimidade dos julgadores que integraram o colegiado por ocasião da votação, muito embora se verifiquem relevantes diferenças quanto ao conteúdo e fundamentos de cada voto.
Para a relevância da democracia e do pluralismo político, a liberdade de expressão pelo menos de acordo com a posição do ministro Luís Roberto Barroso, que já havia assim se posicionado na doutrina assume a posição preferencial, quando da resolução de conflitos com outros princípios e direitos fundamentais, o que foi objeto de particular afirmação também em parte dos votos, notadamente do ministro relator Carlos Ayres Britto, quando do julgamento da ADPF 130, que considerou não recepcionada pela CF a antiga Lei de imprensa. Tal concepção que se alinha com o entendimento vitorioso, de há muito tempo, na Inglaterra e nos EUA.
Derrubou-se a exigência de autorização prévia para a publicação de biografias, o STF sinaliza que também deve prestigiar novamente a liberdade de expressão em outro caso em tramitação, que se refere ao direito ao esquecimento. O caso é tratado em recurso extraordinário oriundo de um processo movido pelos familiares de Aída Curi que morreu aos dezoito anos de idade em 1958, sendo vítima de crime bárbaro.
O caso foi as telas televisivas através do programa Linha Direta Justiça, veiculado pela Rede Globo em 2004. Os irmãos da vítima indignados entraram na Justiça para pedir reparação por dano moral em razão do prolongado noticiário que aprofundou as feridas psicológicas da família. Face a relevância do caso, em dezembro de 2014 o STF declarou repercussão geral da matéria.
Mas, o principal problema é que o direito ao esquecimento tem sido invocado por um grande número de pessoas com objetivo de eliminar dados ou informações sobre suas vidas, em evidente conflito com direito de acesso à informação e à memória coletiva.
Parece que a melhor saída seria balancear o direito ao esquecimento e ao de acesso à informação que fora encontrada recentemente pela Justiça da Itália. A corte de cassação italiana chegou à conclusão que não seria possível eliminar as informações dos sites de notícias, mas que poderia se exigir que os jornalistas atualizassem as informações para passar ao público a verdade daquele momento.
Os enunciados do CJF são uma ponte firme que constrói o sadio diálogo entre a doutrina e a jurisprudência no âmbito do direito material. A ponderação requer análise de vários critérios e depende das circunstâncias fáticas e dos direitos e normas envolvidos, como realmente deve ser.
Vários julgados superiores enfrentam o mesmo problema de ponderar a tutela da imagem e da intimidade versus o direito à liberdade de imprensa e à informação.
Anderson Schreiber aduz que o mesmo STJ aduziu os critérios que devem ser levados em conta para correta ponderação nos casos envolvendo a liberdade de imprensa e a divulgação de informações: o grau de consciência do retratado com relação à possibilidade de captação de sua imagem no contexto do qual foi extraída; grau de identificação do retratado; natureza e grau de repercussão do meio pelo qual se dá a divulgação.
Contudo, a ponderação é criticada por Lenio Streck, lamentando que o novo CPC incorra em algo que não deu certo. E, não satisfeito cogitou em colisão de normas ou seria um abalroamento hermenêutico pois tanto regras como princípios são normas.
A ponderação de regras não tem limite o que as transformam em metanormas que autorizam qualquer coisa em direito. E, ainda, questiona quem afirmou ser a ponderação necessária? Com base em Juan Garcia Amado que ironizou ao comentar essa manobra pseudoargumentativa. Apontando como bom exemplo o caso Elwanger pois bastaria aplicar a lei que dizia que o racismo é crime hediondo e, arremata Streck afirmando que o argumento da colisão chega sempre tardiamente.
Tartuce afirma que a crítica de Streck não se sustenta, pois, a ponderação é necessária para resolver os casos difíceis. E, não crê que a ponderação seja ato de livre escolha, essa seria, a má ponderação conforme alertou Luís Roberto Barroso.
Afinal, a majoração do poder do julgador segue a tendência de outras legislações contemporâneas não só no Brasil, mas também na Europa, baseado em conceitos abertos, conceitos legais indeterminados e cláusulas gerais.
O próprio novo CPC vem a confirmar tal tendência e confirma positivamente o momento de abertura dos sistemas jurídicos. A constitucionalização do Direito Processual Civil vingou e valoriza a boa-fé objetiva que corresponde a uma cláusula geral a ser preenchida conforme o caso concreto.
Assim por consequência a decisão judicial também passa a ser interpretada a partir da conjugação de todos os elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé objetiva.
Ressalte-se que o respeito à boa-fé objetiva abrange a todos deveres anexos gerados, bem como as suas funções integrativa e interpretativa, além da possibilidade da supressio e da surrectio.
Bem como a vedação do comportamento contraditório no âmbito processual além de duty to mitigate the loss. Enfim, pelo novo CPC adotar francamente um sistema aberto e principiológico revigora não só o diálogo com a CF/88 mas, também com o Código Civil reforçando o diálogo das fontes (substantivas e objetivas).
Afinal é bem eficiente o diálogo das fontes para resolver as lides de um mundo pós-moderno e globalizado que se mostra cada vez mais complexo e repleto de normas jurídicas podendo deixar o aplicador do direito perplexo senão por vezes, confuso.
Cláudia Lima Marque demonstra ser possíveis três diálogos. Como a primeira interação havendo a aplicação simultânea das duas leis, se uma lei servir de base comercial para a outra, estará presente o diálogo sistemático de coerência.
Se o caso for de aplicação coordenada de duas leis, uma norma pode completar a outra, de forma direta (diálogo de complementaridade) ou indireta (diálogo de subsidiariedade).
E, derradeiramente, os diálogos de influências recíprocas sistemáticas estão presentes quando os conceitos estruturais de uma determinada lei sofrem influências da outra. Assim o conceito de consumidor pode sofrer influências do próprio Código Civil.
É a chamada influência do sistema especial no geral e do geral para o especial, perfazendo um diálogo de doublé sens, duplo sentido, ou de coordenação.
Na relação do Direito Civil e do Direito Processual Civil destacam-se os princípios de instrumentalidade e efetividade onde deve servir para materializar os valores consagrados no direito substancial e, o processo endossado por seu conteúdo objetivo.
Construindo-se um ponto de equilíbrio entre o direito e processo que se complementam na saga da pacificação social.
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.