O novo processo civil, nova esperança

A Comissão de Juristas presidida pelo Ministro Luiz Fux, tendo como relatora a prestigiada doutrinadora Teresa Wambier bem como outros doutrinadores como Adroaldo Furtado Fabrício, Humberto Theodoro Junior, Paulo César Pinheiro Carneiro, José Roberto dos Santos Bedaque, José Miguel Garcia Medina, Bruno Dantas, Jansen Filho, Marcus Vinicius Furtado Coelho e Elpídio Donizetti Nunes e tece como principal vertente filosófica prestigiar a segurança jurídica e dar maior celeridade ao processo civil brasileiro.

É indispensável qualificar a prestação jurisdicional para que cumpra afinal a promessa constitucional de acesso à justiça reforçada pela duração razoável do processo.

Recordando as sábias e conhecidas palavras de Rui Barbosa: “A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.”

Mesmo com as reformas sucessivas empreendidas no Código Buzaid e, ainda com a firme contribuição da Emenda Constitucional 45/2004 que construiu a afamada “Reforma do Judiciário” que sem dúvida, trouxeram importantes ajustes na legislação, por outro lado, comprometeram seriamente a lógica sistêmica do processo civil brasileiro.

Criando processo contemporâneo complexo e colaborador com andejar capenga da morosidade da justiça. Os aspectos estruturais do processo teriam que ser aperfeiçoados para enfim ratificá-lo como instrumento de realização de justiça capaz de materializar o direito substancial de forma adequada, eficiente e célere sem se olvidar da segurança jurídica.

Muito parecido com que acontecera com outros sistemas processuais pertencentes às famílias do civil law e common law, como por exemplo, na Inglaterra, Itália, Alemanha, Japão, Espanha, França e Portugal, a comissão curvou-se à realidade de proceder profunda reforma muito calcada na doutrina da efetividade e não manifestando a ruptura com aqueles institutos processuais que tanto somaram à positiva evolução do processo civil brasileiro.

Após trinta e sete anos de Código Buzaid a realidade exigia um novo ordenamento jurídico mais compromissado com as garantias constitucionais estatuídas na Constituição Federal de 1988.

A primeira preocupação foi democratizar discutindo o anteprojeto com a comunidade jurídica, consagrando o processo como instrumento de prestação soberana da justiça pelo Estado.

Diante de nova legislação já alertava o espanhol Niceto Alcalá-Zamora y Castillo que aparecem em cena dois princípios antagônicos: o da conservação e o da inovação. Ambos se harmonizam, se complementam porque, se o primeiro torna menos perturbadora a mudança[1], o segundo trata dos males observados durante a aplicação do Código.

E, por mais velho que seja o edifício, sempre se consegue com sua demolição, materiais úteis para construções futuras.

Justificando-se assim a manutenção de vários institutos já introduzidos pelo que chamaram CPC Reformado e que lograram êxito em empreender efetividade, segurança jurídica à prestação jurisdicional.

As causas da morosidade da Justiça podem basicamente serem reunidas em três, a saber: a primeira causa refere-se ao excesso de formalidades do processo que tanto transformaram o juiz em mera “La bouche de La loi”, ou numa versão contemporânea, em boca burocrata a repetir fórmulas desgastadas.

A segunda causa é a desenfreada litigiosidade advinda da crescente conscientização da cidadania principalmente em razão da Constituição Federal brasileira de 1988.

Pois o acesso à justiça tornou-se o direito dos direitos, e pressuposto da efetivação da cidadania e da preservação da dignidade humana.

Ferramenta primordial enfim para se construir uma sociedade mais justa, igualitária e solidária.

A terceira causa da morosidade é a prodigalidade do nosso sistema recursal como conseqüência da adoção do modelo francês de reapuração da juridicidade da decisão através de inúmeros recursos, o que de fato tranqüiliza a opinião pública principalmente diante de serem falíveis os magistrados.

Assim, o já denominado Código Fux ou PLS 166/2010 confere ao julgador case management powers dando-lhe o papel de gestor do processo e assegurando-lhe a faculdade de adequar o procedimento ao caso concreto, respeitadas as garantias do due process of law.

A técnica de dar duplicidade a todas as ações, a eliminação de processos repetitivos através dos incidentes, tornando todas as matérias suscetíveis em preliminares ou por simples petição, decididas, em regra, no final da causa e passíveis de impugnação ou juízo único, coadjuvaram a impugnação ou juízo único, e técnicas utilizadas em favor da desformalização cuidados do processo, buscando o formalismo valorativo e enfim, a simplificação do procedimento.

Optou-se pela criação do incidente de resolução de demandas repetitivas instaurado em cada unidade da federação, tendo amplo espectro de legitimidade ativa (juiz, partes, MP e a defensoria pública) e produzindo a salutar uniformização jurisprudencial[2] sobre as teses jurídicas e regras de interpretação da lei.

Com a mudança no sistema de preclusões criou-se a possibilidade de revisão ao final de todo material decidido, reforçando a importância da fase de saneamento.

Instaurado o incidente de demandas repetitivas, sua admissibilidade impõe a suspensão das ações idênticas (possível mesmo no primeiro grau) dentro do âmbito do tribunal que vai admitir-lhe em caso positivo apreciar o mérito da questão.

O registro eletrônico do incidente de demandas repetitivas no CNJ suscitadas nas unidades federadas do país permitirá, nos juízos nos quais a questão não está sob o crivo da admissibilidade, adotar providências preventivas tendentes a evitar futuras decisões contraditórias mediante a suspensão preventiva do processo.

O modelo do incidente criado inspirou-se na matriz germânica musterverfahen e, espanhola, e muito utilizado na jurisdição administrativa, encontra, também, paradigmas no sistema inglês nas groups litigantion e test chaims.

Consolidando o modelo aperfeiçoador tanto oriundo do sistema romano-germânica como do sistema anglo-saxônico. Cerceando a prodigalidade recursal através da limitação da utilização eliminou-se o maior uso do agravo de instrumento que passará ser possível somente nas hipóteses da tutela liminar de urgência e da evidência (direitos líquidos e certos), decisões interlocutórias de mérito, no processo de execução.

Limou-se o agravo retido e suas perplexidades decorrentes e, ainda, por fim, os embargos infringentes.

Presenciamos com a evolução do processo civil, o que foi preconizado por Chiovenda no primeiro quartel do século passado, apontando que o tempo restaria por unir as famílias do civil law e da common law.

E, apesar da intensa tradição legalista brasileira percebemos que nas últimas décadas viemos reverenciar os precedentes[3] judiciais que são tão peculiares ao sistema anglo-saxão.

Lembremos que mesmo por ocasião do anteprojeto Buzaid já investira em reforma do sistema recursal pois o CPC de 1973 extinguiu o agravo de petição e no auto do processo, os embargos de alçada e o recurso de revista.

Portanto, passou a aplicar amplamente o princípio do duplo grau de jurisdição tornando recorríveis todas as decisões de primeiro grau.

O novo CPC é dotado de inédita Parte Geral conforme as mais modernas legislações, vindo esclarecer adequadamente o litisconsórcio e toda a principiologia do codex.

Filosoficamente estamos na era atual do pós-positivismo que trouxeram a lume princípios maiores inseridos na CF de 1988 e que corresponde ao centro de gravidade todo o sistema jurídico.

Entre os princípios temos o da cooperação, da razoabilidade, da impessoalidade, da eficiência, da duração razoável do processo, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e, o da efetividade, da tutela específica e tempestiva e do acesso à ordem jurídica justa, e da preservação da dignidade humana.

O processo de conhecimento é concebido como instrumento de definição dos direitos em conflito. Deixando de lado a vetusta visão ortodoxa que o enxergava como processo de sentença.

Na classe do processo de conhecimento inserem-se os objetos mediatos, todas as pretensões resistidas previstas no direito material, configurando essa constatação como a ratio essendi da inserção no novel processo de conhecimento, dos antigos procedimentos especiais.

Outra importante alteração é a unificação dos prazos para interposição recursal, passando a ser de quinze dias úteis, exceto para os embargos de declaração que permanecem de cinco dias.

E, também a unificação do critério da prevenção, levando-se em consideração o “cite-se”.

Buscou-se dar maior simplificação ao rito procedimental vindo inclusive eliminar o procedimento sumário, portanto, imprimindo maior efetividade processual com celeridade e respaldando também a segurança jurídica.

Revalidando o processo não como um fim em si mesmo, mas como hábil instrumento de materialização da cidadania e da legitimidade do direito substancial em fina sintonia com os comandos e garantias constitucionais vigentes.

A uniformização jurisprudencial[4] veio então render merecidas homenagens ao princípio da legalidade e da isonomia das partes, ratificando a possibilidade um processo justo.

Aliás, a possibilidade jurídica do pedido, quando ausente, caracterizando então a carência de ação, permitirá a extinção do processo com resolução do mérito, em perfeita simetria com a segunda versão da teoria das condições da ação de Liebman (que veio incluir a possibilidade jurídica do pedido no interesse de agir ou interesse processual).

O livro do processo cautelar foi substituído por um título que versa de tutela de urgência cautelar e satisfativa e, ainda, a tutela de evidência. Já ao tempo de Chiovenda se preconizava a simplificação e a estreita ligação entre as cautelares e antecipatórias.

A resposta do Judiciário deve ser célere não apenas nas situações em que a urgência crie o risco para a eficácia do processo e do eventual perecimento do próprio direito.

Igualmente nos casos em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva pertinente com a antecipação da tutela (seja total ou parcial) concedida, inerentemente de periculum in mora, por não haver razão relevante para espera, até porque, via de regra a demora do processo gera fatidicamente o agravamento do dano.

Já a tutela de urgência satisfativa que difere essencialmente da tutela cautelar pela diversidade do periculum in mora incidente sobre a utilidade do processo, revigora a instrumentalidade do processo.

Lembremos que a tutela de evidência que corresponde à tutela antecipatória, mas que dispensa o risco de dano para ser deferida e, incide na parte fundada em direito insofismável e cabalmente provada no bojo da demanda.

Também a instituição da mandamentalidade das decisões judiciais tornando-as autoexecutáveis, fundindo o juízo de cognição com o juízo de execução imediata, sem a necessidade de inaugurar-se novo processo. É a reafirmação do sincretismo processual e da preocupação de dar ênfase a efetividade e celeridade.

A unificação dos recursos em face da sentença[5] englobando todas as decisões incidentes e a mitigação do uso do agravo de instrumento (voltado para impugnação de interlocutória de mérito) vem a consagrar a regra já seguida no processo trabalhista e também na Lei dos Juizados Especiais (o da irrecorribilidade das interlocutórias). Além disso, o recurso especial e o extraordinário passam a ser fungíveis, podendo o STF ou STJ remeter para o órgão competente.

Essas são as principais inovações do anteprojeto do CPC que já sofreu o substitutivo do Senador Valter Pereira (do Mato Grosso do Sul)[6] tendo sido aprovado pelo Senado e Federal em 15/12/2010 e, então recorro para finalizar para a sabedoria poética de Carlos Drummond de Andrade: (…) “Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave? (…)” In Procurando a poesia.

Esperamos positivamente que o novo código de processo civil venha ser a chave para esperança de um processo menos complicado e de uma prestação jurisdicional mais digna da cidadania brasileira.

 

Referências[7]
DE ANDRADE, Carlos Drummond. Procurando a poesia. In Memória Viva acessível em 13/02/2011: http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema025.htm
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 9ª edição, 2008, Editora Lumen Juris
FUX, Luiz (coordenador). O Novo Processo Civil Brasileiro Direito em Expectativa (Reflexões sobre o Projeto do novo CPC). Rio de Janeiro, Forense, 2011.
MARINONI, Luiz Guilherme e Daniel Mitidiero. O Projeto do CPC. Crítica e propostas. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010.
____________________________ Código de Processo Civil. Comentado artigo por artigo. 2ª. Edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010.
 
Notas:
 
[1]  Toda a mudança traz em sua trajetória a oposição natural humana de resistência. É o medo do desconhecido e, ainda a vontade de não sair da zona de conforto e, enfrentar o inesperado, o inédito e até o inusitado. A alteração legislativa implica necessariamente em novas linhas interpretativas, doutrinárias, novas mens legis, novas mens legislatoris e, por fim, na ratificação ideológica em consagrar o CPC como instrumento ativo num Estado Democrático de Direito.

[2]  Precedentes não se confundem com súmulas que são produto direto da jurisprudência dominante e são embaladas na mesma metodologia jurídica. As súmulas inicialmente identificavam o entendimento prevalente de dado tribunal e não eram obrigatórias e nunca receberam infelizmente adequado tratamento da dogmática para prover sua elucidação, uso ou revogação. O que particulariza as súmulas é o fato de serem enunciados pelo tribunal acerca das decisões e não de uma decisão que se qualifica como precedente.

[3] Não se pode confundir os termos: precedente, decisão judicial, jurisprudência e súmula. Só há sentido em cogitar em precedente se tem uma decisão dotada de certas características, como a potencialidade de ser firmar como paradigma servindo de orientação tanto para os jurisdicionados como para os magistrados. Portanto, se todo precedente é um decisão judicial, nem toda decisão constitui um precedente. Percebe-se que o precedente é uma decisão da matéria de direito, um julgamento in abstracto, nos termos do common law, de um point of law e, não da matéria de fato.
A decisão que interpreta a lei, mas segue o julgado que a consolidou não se traduz em ser um precedente. É preciso que o precedente seja uma decisão que enfrente todos os principais argumentos relacionados com a questão de direito posta na moldura do caso concreto. O precedente tem qualidades externas que extrapolam seu conteúdo e elabora tese jurídica, deixando clara a técnica de aplicação e as noções ratio decidendi e distinguishing.

[4] Para que exista precedente não basta mero enunciado sobre questão jurídica. É indispensável que tal enunciado tenha sido elaborado em respeito a adequada participação em contraditório dos litigantes, é assim, tenha surgido como resultado do processo judicial, ou seja, fruto do debate entre as partes.

[5] Vigora no processo civil brasileiro a teoria da substanciação, pois o CPC impõe a descrição dos fatos dos quais decorre a relação do direito em contraposição à teoria da individualização segundo a qual bastaria a afirmação da relação jurídica fundamentadora do pedido.

[7] OBS: Gostaria de agradecer penhoradamente a todos os organizadores da palestra ocorrida em 10/02/2011 na cidade de Mairinque na Câmara Municipal, São Paulo, a OAB local, ao Dr. Adelmo Bellini, Dr. Jomar Bellini e aos amigos, ao Jornal Folha de Mairinque e ainda ao sr. Luis Colombo e sr. Alexandre Azzini pela hospitalidade paulista.


Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


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