O papel da Defensoria Pública na prestação da assistência jurídica


Resumo: É notória a importância que a Defensoria Pública representa para as camadas mais pobres da população. Os carentes de recursos formam um contingente considerável de pessoas que procuram o Poder Judiciário na condição de autor ou réu, necessitando continuamente de um advogado ou defensor. Eles estão amparados pelo art. 5.º, LXXIV, da Constituição Federal que estabelece o dever do Estado na prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem a insuficiência de recursos. O presente artigo se propõe a analisar o papel desse órgão na prestação dessa assistência.


O art. 5.º, LXXIV, da Constituição Federal, garante a prestação da assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. De acordo com Uadi Lammêgo Bulos[1], a Lex Mater pretendeu com isso assegurar aos necessitados a assistência para a defesa de seus interesses em juízo. Para Alexandre Freitas Câmara[2], ao assegurar a assistência jurídica integral e gratuita, a Constituição Federal insere-a na categoria das garantias fundamentais, proporcionando a eficaz defesa da cidadania.


A expressão “assistência jurídica”, muitas vezes, é confundida com justiça gratuita ou com assistência judiciária. Embora, algumas vezes, essas palavras sejam empregadas como sinônimas, normalmente são utilizadas com significados diferentes por diversos autores. O significado da palavra “assistência”, é apresentado por Augusto Tavares Rosa Marcacini[3]: “A palavra assistência tem o sentido de auxílio, ajuda. Assistir significa auxiliar, acompanhar, estar presente. Assistência nos traz a idéia de uma atividade que está sendo desempenhada, de uma prestação positiva”. O citado autor faz uma distinção detalhada entre assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita.


De acordo com Silvana Cristina Bonifácio[4], assistência jurídica significa todo e qualquer auxílio jurídico voltado para o necessitado. Significa, em especial, o aconselhamento preventivo, procurando eliminar o conflito de interesses, antes que cheguem ao Poder Judiciário. Aloísio Pires de Castro e Paulo Fernando de Andrade Giostri[5], fazem a distinção dos três institutos:


“Distinguindo-se de ambos os institutos, a assistência jurídica tem conotação mais ampla. Não só abrange a assistência judiciária em sentido estrito, como também a prestação de informação e consultoria jurídicas, visando não necessariamente à propositura de ação judicial, mas ao efetivo esclarecimento aos hipossuficientes de quais sejam seus direitos e obrigações numa relação jurídica, orientando-os quanto às providências necessárias à composição extrajudicial de interesses em conflito, assim como prevenir litígios.”


Como se observa, assistência judiciária não se confunde com gratuidade processual, por se tratar de benefícios distintos que são deferidos a pessoas necessitadas. A assistência judiciária não se limita ao órgão estatal encarregado de oferecer advogado a quem necessita postular em juízo o seu direito. Significa que podem prestar assistência judiciária todos os órgãos prestadores de assistência aos hipossuficientes. Essa assistência judiciária pode ser oferecida por órgãos estatais, entidades não-estatais ou advogados que desempenhem esse papel junto ao Poder Público. Para Silvana Cristina Bonifácio[6], a assistência judiciária é a prestação de todos os serviços indispensáveis à defesa dos direitos em juízo, sem que sejam pagas quaisquer despesas.


Trata-se, portanto, de um serviço público prestado com o objetivo de defender em juízo a pessoa assistida, podendo ser desempenhado não só pelo Estado, principal executor dessa política, mas também por entendidas não-estatais. Essas entidades podem ser conveniadas ou não com o poder público. Já a prestação da justiça gratuita envolve a isenção de todas as despesas processuais, como conseqüência da assistência judiciária.


Como o conceito de assistência jurídica já foi delineado, resta discutir o significado dos termos “integral” e “gratuita”. O primeiro abrange a assistência prévia, a orientação e também o acompanhamento do processo judicial, além da posterior satisfação do direito. Porém, para que o acesso à justiça seja efetivo e a prestação da assistência jurídica seja integral, é necessário que as pessoas sejam conscientizadas de seus direitos. O termo “gratuita” indica que a assistência deve ser prestada àquele que não possui recursos suficientes, devendo, por isso, ser isento de todas as custas do processo. Muitos autores entendem que a gratuidade, neste caso, não se refere apenas às custas do processo. A esse respeito, Silvana Cristina Bonifácio[7] esclarece:


“Entretanto, gratuidade abarca não apenas as custas do processo, como também abrange o direito a obter certidões e peticionar aos poderes públicos para defesa de direitos (artigo 5.º, XXXIV, da Constituição Federal), incluindo também a gratuidade do habeas corpus e habeas data, bem como a de todos os demais atos necessários ao exercício da cidadania (art. 5.º, LXXVII, Constituição Federal), tais como atos notariais e quaisquer outros de natureza jurídica. Implica a dispensa de pagamentos em todas as esferas, judicial e extrajudicial.”


Esse também é o entendimento de Uadi Lammêgo Bulos[8]. Segundo ele, o hipossuficiente, além de ser dispensado do dever de arcar com as despesas causadas pelos serviços prestados, também está isento do pagamento de todos os atos jurídicos, notariais e quaisquer outros praticados extrajudicialmente em prol daquilo que reivindica em juízo. Acrescenta que o hipossuficiente pode também movimentar processos administrativos em todos os níveis, seja qual for o órgão, podendo até receber orientações, informações e aconselhamento dos serviços de consultoria.


Walter Ceneviva[9], na mesma linha de raciocínio, afirma: “Para ser integral a assistência deve ser, em redundância necessária, plena, não limitada a questões processuais, cíveis ou penais, mas a qualquer aspecto da vida jurídica em que o desprovido de meios careça de orientação e acompanhamento em juízo”. Como se observa, a gratuidade deve ser estendida a todas as pessoas que não possuam condições de arcar com as custas e despesas processuais necessárias ao pleno exercício dos direitos do cidadão.


Analisando, mais detalhadamente, o art. 5.º, inc. LXXIV, da Constituição Federal, primeiramente, faz-se necessário entender a expressão “o Estado prestará”. Não há dúvida de que, ao citar o Estado, o legislador constituinte quis designar toda e qualquer entidade político-administrativa, não só a União e os Estados-membros. Nos termos do art. 24, inc. XIII, da Carta Magna, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre assistência jurídica e defensoria pública. Entretanto, não se pode excluir os Municípios do dever de prestação da assistência jurídica. Nesse sentido, o art. 23, inc. X, do mesmo diploma legal dispõe que cabe aos Municípios combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos.


Promover a integração dos setores desfavorecidos significa também prestar assistência jurídica. Afinal, o objetivo desse instituto é estabelecer a igualdade, em termos econômico-financeiros, entre aqueles que possuem recursos e os que não possuem. Com isso, os hipossuficientes podem lutar pela defesa de seus direitos em condições igualitárias. A esse respeito, Ruy Pereira Barbosa[10] lembra que o cidadão não pode exigir do Município a prestação da assistência jurídica, uma vez que esse ente político não tem obrigação expressa para isso. Entretanto, o Município pode atuar junto aos Poderes Legislativo e Executivo no sentido de organizá-lo.


De qualquer forma, o Município tem o dever de assistir os cidadãos, no âmbito próprio de sua atuação, inclusive na hipótese de pretensão da assistência judiciária. Para José Carlos Barbosa Moreira[11], é irrelevante se apenas a União, os Estados e o Distrito Federal sejam competentes para legislar sobre assistência jurídica e defensoria pública, já que não se confunde competência legislativa com competência administrativa.


Sobre a expressão “assistência jurídica integral e gratuita”, muito já foi dito. Entretanto, não se pode deixar de enfatizar que foi a partir da Constituição Federal de 1988 que os carentes de recursos passaram a fazer jus à dispensa de pagamento e à prestação de serviços. Em relação à expressão “insuficiência de recursos”, convém frisar que se trata de requisito essencial para a obtenção do benefício da assistência jurídica. Nos termos do art. 2.º da Lei n.º 1.060/50, terá direito ao benefício da assistência judiciária gratuita a pessoa que não puder arcar com os gastos necessários ao ajuizamento da ação e tramitação do feito.


Confrontando-se o que dispõe o art. 5.º, LXXIV, da Constituição Federal, com o que estabelece o art. 4.º da Lei n.º 1.060/50, observa-se que, pela Lei Maior, é necessária a comprovação da insuficiência de recursos, enquanto que, nos termos da legislação infraconstitucional, basta a simples afirmação da pessoa de que não está em condições de arcar com as custas processuais. Em face dessa contradição, os doutrinadores também divergem em seu entendimento. Alguns afirmam que a pessoa deve comprovar a insuficiência de recursos para obter o benefício da assistência jurídica, enquanto outros dizem que basta a simples afirmação dessa insuficiência.


Silvana Cristina Bonifácio[12], analisando essa divergência, enfatiza: “O entendimento que mais se coaduna com o objetivo constitucional de amplo acesso à justiça é aquele em que a simples afirmação basta, numa sintonia com os nortes traçados pela Constituição, simplificando as formalidades para a obtenção do benefício”. No mesmo sentido, assinala Marilena Fleury de Barros[13]:


“A atual Lei de Regências recepcionou o instituto da assistência judiciária ao estabelecer em seu art. 5.º, LXXIV que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, mas, diversamente das anteriores, não recepcionou o art. 4.º da Lei n.º 1.060/50, a qual fixa normas para a concessão de gratuidade da justiça, haja vista que aquela não se reportou à lei infraconstitucional e exige a comprovação da insuficiência de recursos para que seja concedido o benefício da justiça gratuita, scilicet, a dispensa das despesas processuais, enquanto que, para esta, basta a simples afirmação do pretenso beneficiário de que não está em condições de arcar com os consectários”.


A citada autora esclarece que a assistência judiciária só poderá ser concedida mediante a comprovação da carência de recursos pela parte. Segundo ela, a Constituição Federal não se reportou à Lei n.º 1.060/50, ficando sem aplicação o art. 12 dessa norma, que estabelecia o prazo de cinco anos para se cobrar do assistido judicial as custas, no caso de mudança de sua situação financeira. Sobre a não aplicação da Lei da Assistência Judiciária também se posiciona Edson Mendonça Junqueira[14]: “Aceitar-se que a Lei nº. 1.060/50 seja aplicada em toda a sua essência traz alguns incômodos, eis que a efetividade da aplicação da justiça, junto aos tribunais, não se está fazendo de maneira completa”.


Apesar dessas ressalvas, convém observar que a referida lei ainda está em vigor, pois dispensa os necessitados economicamente de desembolso de custas e honorários para a postulação de seu direito. Mas não se pode afirmar que essa norma seja efetivamente aplicada, posto que o Poder Judiciário pode exigir a produção de provas. José Carlos Barbosa Moreira[15] entende que o texto do art. 5.º, LXXIV, da Constituição Federal é ambivalente, justificando:


“De um lado, avança mais que os anteriores, ao falar de assistência não apenas judiciária, mas “jurídica” – o que, entre outras coisas, obriga o poder público a ministrar serviços gratuitos de consultoria a quem, não podendo pagá-los, deles necessite em matéria de direito. De outro lado, a letra do dispositivo dá a impressão de regredir em confronto com a legislação infraconstitucional preexistente, que já chegara ao ponto de consagrar, para o benefício da gratuidade da justiça, presunção (relativa) de necessidade ante a mera declaração do interessado de não estar em condições de prover às despesas pertinentes sem prejuízo próprio ou da família” (Lei n.º 1.060/50, com a redação dada pela Lei n.º 7.510/86).


Com efeito, a maioria dos magistrados, quando analisa o pedido de justiça gratuita, ao verificar a declaração da parte de que não dispõe de meios para custear o processo, não exige a comprovação dessa alegação. Outra questão é debatida pelos doutrinadores, no que se refere a quem deve prestar a assistência jurídica integral e gratuita. De acordo com Augusto Marcacini[16], existem três sistemas de prestação de serviço de assistência jurídica: patrocínio por advogados liberais remunerados pelo Estado; patrocínio por advogados servidores do Estado e patrocínio por advogados liberais remunerados pelo Estado, juntamente com os advogados servidores do Estado. Segundo esclarece, esses sistemas são adotados por países como Áustria, Holanda, França, Alemanha, Estados Unidos, Suécia, Canadá, Austrália, entre outros. No Brasil, o que se observa é que o dever de prestar a assistência jurídica é do Estado, que tem a atribuição de estruturar o serviço de assistência.


Ressalte-se que o art. 134, da Constituição Federal dispõe sobre os prestadores do serviço da assistência jurídica, incumbindo à Defensoria Pública fazê-lo como instituição essencial à função jurisdicional do Estado. Portanto, se a Constituição outorga ao defensor público poderes para defender os necessitados, também lhe confere os instrumentos legais para tornar efetiva a sua atuação, inclusive, legitimidade para propor ações. Ao assegurar a assistência jurídica às pessoas que têm insuficiência financeira, a Constituição Federal quis fazer valer seus direitos. Teve por objetivo proporcionar a igualdade jurídica a um número indeterminado de indivíduos, para que eles adquiram direitos e contraiam obrigações, sem perder sua dignidade como pessoa humana e também sua cidadania.


 A cidadania compreende um conjunto de direitos que são reconhecidos a uma pessoa pelas leis de seu país. Esses direitos, geralmente, são estabelecidos na constituição de cada país. No caso do Brasil, os direitos e deveres individuais e coletivos estão consagrados no art. 5.º da Constituição Federal, mais especificamente, na parte que trata dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Esses direitos fundamentais, ao serem garantidos pelo Estado, marcam a passagem do indivíduo a cidadão. Ele passa a ser membro de uma sociedade; assume os deveres que ela lhe impõe, mas também é beneficiário dos direitos que lhe são atribuídos.


Existe uma certa divergência na doutrina em relação ao conceito de cidadania. Alguns doutrinadores entendem que ela se confunde com a nacionalidade e, por isso, é privativa dos cidadãos natos; já outros afirmam que se trata apenas de uma conseqüência da nacionalidade[17]. Independentemente dessas divergências conceituais, a cidadania constitui um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1.º, II, da Constituição Federal. Há ainda outros doutrinadores, a exemplo de Uadi Lammêgo Bulos[18], que relacionam a cidadania aos direitos políticos. Consideram-na como indispensável ao gozo de certas prerrogativas e garantias constitucionais, constituindo-se em elemento essencial para que o cidadão possa participar do Estado Democrático de Direito. O referido autor enfatiza:


“Em suma, cidadania, nos termos deste inciso II, foi empregada no sentido amplo. Denota capacidade política, idoneidade para o gozo do direito de eleger (direito ativo) e ser eleito ou, ao mesmo, candidatar-se em eleições (direito passivo). Credencia o cidadão à participar da vida democrática do Estado brasileiro como partícipe da sociedade política”.


 Verifica-se, assim, que a aquisição de direitos e a consciência da cidadania constituem uma conquista do Estado Democrático de Direito. São valores que influenciam na vida de todos os cidadãos, principalmente, os considerados “pobres”. Porém, é necessário que lhes sejam proporcionadas condições indispensáveis para o pleno exercício da cidadania, como o trabalho, o salário digno, condições de zelar pela saúde, ter uma vida digna, dar e ouvir opiniões. Para Ruy Pereira Barbosa[19], essas garantias são efetivadas por meio do processo, que é o instrumento técnico e público para a efetivação de direitos, através do Poder Judiciário. Com base nesse processo, as pessoas procuram satisfazer seus interesses e  conquistar o que lhes é de direito.


Por isso, o acesso à justiça é considerado uma das garantias que constituem os regramentos constitucionais do processo, prescritos no art. 5.º, LXXIV, da Constituição Federal. Esse dispositivo assegura a todos que comprovarem insuficiência de recursos a assistência jurídica integral e gratuita, sob o patrocínio do Estado. Essa assistência é prestada, principalmente, através das Defensorias Públicas.


Este instituto da assistência jurídica abrange não só a isenção de custas processuais e honorários advocatícios, mas, principalmente, a orientação jurídica aos cidadãos que procuram os órgãos encarregados dessa assistência. Essa orientação deve ser dada antes ou após o ajuizamento de uma ação. Constitui-se como um instrumento eficaz da cidadania, que deve ser disponibilizado para todos os que comprovarem que não podem arcar com as custas de um processo.


A prestação da assistência jurídica data de muito tempo. Em 1935, o Estado de São Paulo criou o primeiro serviço de assistência judiciária do Brasil. Em 1939, o Código de Processo Civil estabeleceu as regras básicas da justiça gratuita, as quais depois foram consubstanciadas na Lei n.º 1.060/50. Em 1975, a Constituição do novo Estado do Rio de Janeiro instituiu a assistência judiciária como órgão do Estado, que depois veio a ser denominado de Defensoria Pública[20].


Em 1977, foi publicada, no Rio de Janeiro, a Lei Complementar Estadual, que vigora até hoje como a Lei Orgânica da Defensoria Pública daquele Estado, com algumas modificações. Dentre elas estão a autonomia administrativa, a implantação da autonomia financeira e a escolha do Defensor Público Geral do Estado. Essa Lei Complementar serviu de exemplo para outros Estados, como Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, e de referência para a Lei Complementar Federal n.º 80/1994[21], prevista no parágrafo único do art. 134 da Constituição Federal de 1988.


Foi a partir da criação da referida Lei Complementar, no Rio de Janeiro, que vários debates surgiram em torno do direito dos pobres ao acesso à justiça. Dessa discussão, concluiu-se pela necessidade de se estabelecer na Constituição Federal de 1988 a instituição da Defensoria Pública. Com essa implantação, o Estado passaria a garantir aos juridicamente necessitados um defensor público para o patrocínio de suas causas em juízo, para prestar-lhes assistência técnica em pretensões extrajudiciais e também o aconselhamento jurídico.


A Defensoria Pública da União é um órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Foi criada pela Lei Complementar nº. 80/94 com o objetivo de prestar assistência jurídica, integral e gratuita aos necessitados. Em sua atuação, vem promovendo a melhoria e a recuperação da condição de cidadania de milhares de brasileiros, contribuindo para a sua inclusão social.


De acordo com levantamento feito pelo Ministério da Justiça, o quantitativo de defensores públicos é insuficiente para atender a demanda por assistência jurídica integral e gratuita que cresce em todo o Brasil. Gestões estão sendo feitas junto a outros órgãos para a cessão de servidores, bem como junto ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para a ampliação do quadro e autorização de concursos. 


A Defensoria Pública Geral da União aprimorou os procedimentos até então existentes, redesenhando a instituição conforme os pressupostos admitidos na Administração Pública. Sua atuação passou a ser definida de forma conjunta com a categoria e recebeu a validação do Conselho Superior. A partir daí, com uma nova estrutura, buscou atender os anseios da sociedade, expressos no mandamento constitucional.  Para desenvolver seu trabalho, a Defensoria Pública elaborou o programa “Assistência Jurídica Integral e Gratuita”. Esse programa tem por objetivo a prestação e orientação jurídica gratuita ao cidadão, contribuindo para a democratização da justiça. Tem também como função garantir a prestação de assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, ao cidadão necessitado. Nesse sentido, prevê metas relacionadas à instalação e manutenção de núcleos da Defensoria Pública da União e ao atendimento ao cidadão.


O mencionado programa apresenta uma política de expansão das atividades de prestação dos serviços jurídicos aos cidadãos, levando em conta o atual quadro de defensores públicos. Essa política está direcionada ao fortalecimento dos núcleos da Defensoria Pública da União nas capitais. Está prevista, ainda, a interiorização da Defensoria Pública, passando a operar com uma forte base de apoio e com planejamento que possibilite sua implantação nas áreas mais distantes e carentes da população, por meio da defensoria itinerante.


Para que essa idéia se torne realidade, necessário se faz que a sociedade organizada apóie os projetos de lei que serão enviados ao Congresso Nacional, com o objetivo de dotar a Defensoria Pública da União de recursos humanos e materiais suficientes para o exercício de sua função. É por isso que se está procurando abrir concursos para que esses Órgãos sejam dotados de pessoal suficiente para concretizar os trabalhos despendidos. Segundo dados do Ministério da Justiça[22], 227.119 mil pessoas foram assistidas no ano de 2005. Registrou-se um crescimento de 39% no número de cidadãos que foram beneficiados em relação ao ano de 2004, quando 163.936 mil pessoas puderam se valer do instituto da assistência jurídica.


A obrigação da efetiva prestação da assistência jurídica está prevista, como foi visto, na Constituição Federal, que também estabeleceu quem deve prestar essa assistência. Embora se admita que órgãos não-estatais possam prestar essa assistência, não se pode perder de vista que a obrigação de conceder a assistência jurídica é do Estado, através da Defensoria Pública.


O art. 134 da Carta Magna define a Defensoria Pública como uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, atribuindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5.º, LXXIV. Portanto, cabe-lhe a defesa dos interesses individuais dos que não têm condições financeiras para custear a prestação dos serviços de atendimento jurídico.Porém, infelizmente, ainda não existe a aplicação integral do referido artigo, que criou a Defensoria Pública. Em muitos lugares, essa instituição não fornece defensores para que o cidadão possa mover ações contra a Administração Pública e defender seus interesses.


De acordo com Wanderlei Siraque[23], as Defensorias Públicas deveriam ser prioridade de todos aqueles que promovem a cidadania, pois elas representam a possibilidade de se garantir a assistência judiciária gratuita às pessoas que precisam defender seus interesses em juízo. No entendimento do referido autor, as Defensorias Públicas poderiam fornecer advogados para os cidadãos fiscalizarem a Administração Pública, enfatizando:


“A utilização das Defensorias Públicas para a fiscalização dos atos da Administração Pública tornaria eficaz, na prática, o direito público subjetivo ao controle social do poder político, uma vez que, por mais espírito cívico que tenha o cidadão, ele não tem a obrigação de gastar dinheiro do próprio bolso para custear uma ação que beneficiará o conjunto da sociedade, mesmo que haja interesse próprio envolvido.”


Efetivamente, o custeio de uma ação para o benefício da coletividade deve ser arcado pelo Estado. Assim, por meio da Defensoria Pública e da isenção de custas e outras despesas processuais, o cidadão estaria assistido juridicamente, dando eficácia ao direito fundamental de controle social. Assinalam Aloísio Pires de Castro e Paulo Fernando de Andrade Giostri[24], que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana. A Defensoria Pública deve se relacionar com esses fundamentos, no sentido de conferir aos hipossuficientes meios de resistência contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça.


A Defensoria Pública tem que orientar os necessitados na busca e concretização de seus direitos, como forma de assegurar o efetivo acesso dos cidadãos carentes de recursos à obtenção da tutela jurisdicional. Nesse sentido, afirma Silvana Cristina Bonifácio[25]:


“Como já tivemos oportunidade de mencionar, a Defensoria Pública é um órgão público criado pela Constituição Federal de 1988, que garante às pessoas carentes o acesso à justiça. Por ser do Estado a obrigação precípua de prestar a assistência jurídica integral e gratuita, forçoso se fez reconhecer uma instituição autônoma e independente que pudesse prestar fielmente esse serviço público. A Defensoria Pública é, então, o órgão garantidor maior da prestação de assistência, como veiculador da igualdade entre os indivíduos.”


A atuação dos defensores públicos não é exercida apenas quando da interposição de ações judiciais. Inicia-se, muitas vezes, na fase extrajudicial, no aconselhamento e consultoria aos assistidos, de forma a solucionar seus conflitos de interesses. Mas, quando a ação judicial é proposta, o assistido tem a garantia da assistência judicial em todos os procedimentos. É importante destacar que a prestação da assistência jurídica nas causas patrocinadas pela Defensoria Pública dá-se em todas as áreas de atuação do Poder Judiciário e em todos os graus de jurisdição.


Cabe saber, assim, quem são as pessoas que fazem jus aos serviços da Defensoria Pública. Aqui também se deve fazer menção ao art. 2.º da Lei n.º 1.060/50, que considera necessitado todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas processuais e os honorários advocatícios sem prejuízo do seu sustento ou de sua família. Portanto, as pessoas carentes financeiramente podem e devem ter acesso aos serviços prestados pela Defensoria Pública. Nesse contexto, também, inserem-se as pessoas jurídicas e as sociedades sem fins lucrativos, desde que declarem a insuficiência de recursos, a exemplo do que acontece na prestação da assistência jurídica.


Apesar de todos os esforços dos seus integrantes, observa-se que a atuação das Defensorias Públicas está deixando a desejar. Infelizmente, o poder público não se mostra, na maioria das vezes, solícito em prover o órgão dos meios necessários ao desempenho de sua função. Além disso, deixa de assegurar aos defensores públicos condições de trabalho compatíveis com suas responsabilidades. A esse respeito, destaca José Carlos Barbosa Moreira[26]:


“As Defensorias Públicas, notadamente, nem sempre conseguem imprimir a seu trabalho a eficiência desejável, apesar da competência e da dedicação de tantos defensores. Equipá-las bem é tópico que precisaria assumir posição de maior relevo nas escalas de prioridade da Administração Pública; mas o que se vê, no particular, é a freqüente incoerência entre a declarada preocupação social de muitos governos e o descaso na prática voltado ao assunto.”


A Defensoria Pública aproxima a sociedade civil do Poder Judiciário, fazendo com que o direito de acesso à justiça realmente seja viabilizado. Silvio Roberto Mello Moraes[27] complementa esse pensamento, afirmando que a Defensoria Pública tem seu papel vocacionado na defesa dos menos favorecidos. Para ele, o seu papel transformador reduz o domínio que se exerce sobre os desinformados e despreparados que constituem a maior parte da nação brasileira.


Dessa forma, seus serviços jurídicos devem ser prestados de forma ampla, abrangendo tanto a orientação jurídica preventiva como a conciliação entre as partes, podendo propor a competente ação judicial com a defesa dos assistidos. Destaque-se que sua atuação não se limita apenas às questões de direito individual, atuando também na defesa dos interesses da coletividade, nas relações consumeiristas, na solução dos conflitos de terras e na área criminal.


A Lei Complementar Federal n.º 80/94 e a Lei Complementar n.º 39/2002[28] estabelecem que a Defensoria Pública deve obedecer aos princípios da unidade (é um todo orgânico, sob os mesmos fundamentos e finalidades), da indivisibilidade (não se sujeita a fracionamentos) e da independência funcional (goza de autonomia perante os órgãos estatais).


São as seguintes as funções institucionais da Defensoria Pública: promover, extrajudicialmente, a conciliação entre as partes em conflito de interesses; patrocinar a ação penal privada e a subsidiária da pública, a ação civil, a defesa em ação penal, a defesa em ação civil e reconvir; atuar como curador especial nos casos previstos em lei e exercer a defesa da criança e do adolescente; atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários; assegurar aos seus assistidos o contraditório e a ampla defesa; atuar junto aos Juizados Especiais;  patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado.


Os membros da Defensoria Pública gozam das seguintes garantias: independência funcional no desempenho de suas atribuições; inamovibilidade; irredutibilidade de vencimentos e estabilidade. Têm, além disso, uma série de prerrogativas, tais como: receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, contando-se-lhe em dobro todos os prazos; receber o mesmo tratamento reservado aos magistrados e demais titulares dos cargos e das funções essenciais à justiça.


Observa-se que a Defensoria Pública foi concebida como uma instituição imprescindível para a plena atuação do Estado como pacificador dos conflitos surgidos entre os cidadãos. Através desse órgão, as pessoas podem obter a solução para seus litígios junto ao Poder Judiciário. Na verdade, acaba assumindo um papel social, porque permite aos cidadãos o acesso ao direito e à justiça, tendo surgido como alternativa para igualar valores e melhorar a aplicação da justiça.


Verifica-se que vem havendo uma diminuição no número de atendimentos realizados pelas Defensoria Públicas. A causa dessa diminuição é apontada pelos defensores públicos como decorrência da falta de incentivos ou ainda da falta de infra-estrutura. Sem dúvida, falta pessoal capacitado para atuar nessa área. Trata-se de um problema que precisa ser corrigido, para que seja efetivamente cumprido o princípio constitucional do acesso à justiça. Porém, para que a assistência jurídica integral e gratuita seja efetivada por esses órgãos, é necessário um esforço não só do Estado, mas dos próprios profissionais, no sentido de respeitar o que dita a Constituição Federal.





Notas:
[1]
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 383.

[2] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. v. 1. p. 35.

[3] MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 33.

[4] SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Assistência jurídica integral e gratuita. São Paulo: Método, 2003.   p. 56.

[5] CASTRO, Aloísio Pires de; GIOSTRI, Paulo Fernando de Andrade. Assistência jurídica: direito ao acesso à ampla e efetiva assistência jurídica. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Síntese, mai-jun. 2001. v. 11. p. 122.

[6] SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Op. cit., p. 55.

[7] SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Op. cit., p. 61.

[8] BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit., p. 383.

[9] CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 90.

[10] BARBOSA, Ruy Pereira. Assistência jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 61.

[11] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo. In TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 207-218. p. 214-215.

[12] SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Op. cit., p. 78.

[13] BARROS, Marilena Fleury de. Assistência judiciária, à luz da nova Constituição Federal. Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. Ano XLV, n. 23’, jan. 1997. p. 36-38. p. 37.

[14] JUNQUEIRA, Edson Mendonça. Assistência jurídica x assistência judiciária: antagonismo. Revista Jurídica da Universidade de Franca, ano 7, n. 12, 1. Semestre 2004. p. 43-58. p. 48.

[15] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do processo: por um processo socialmente efetivo. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Síntese, mai-jun. 2001. v. 11. p. 9.

[16] MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., p. 101-109.

[17] BARBOSA, Ruy Pereira. Op. cit., p. 92.

[18] BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit., p. 81.

[19] BARBOSA, Ruy Pereira. Op. cit., p. 92.

[20] As referências históricas foram retiradas de um encarte feito pela ANADEP e ADPERJ, que trata da Defensoria Pública no Brasil.

[21] BRASIL. Lei Complementar n.º 80/94. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 22 mar. 2006.

[22] BRASIL. Ministério da Justiça. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/defensoria>. Acesso em: 30 nov. 2010.

[23] SIRAQUE, Wanderlei. Controle social da função administrativa do Estado: possibilidades e limites na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 172.

[24] CASTRO, Aloísio Pires de; GIOSTRI, Paulo Fernando de Andrade. Assistência jurídica: direito ao acesso à ampla e efetiva assistência jurídica. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Síntese, mai-jun. 2001. v. 11. p. 121-134. p. 126.

[25] SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Op. cit., p. 94.

[26] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., p. 10.

[27] MORAES, Silvio Roberto Mello. Princípios institucionais da Defensoria Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 66.

[28] BRASIL.  Lei Complementar n.º 39/2002. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 22 mar. 2006.


Informações Sobre o Autor

Fernanda Holanda de Vasconcelos Brandão

Mestre e Doutoranda em Ciências Jurídicas pela UFPB. Professora da UFPB e UNIPÊ


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