Resumo: Desde o advento da Constituição Federal de 1988, mas mais especialmente nos últimos cinco a dez anos, o Supremo Tribunal Federal teve seu papel político modificado. Esta corte passou a ser a guardiã da Constituição Federal e a contar com novos instrumentos para esta função, aproximando-se do papel que deveria ter um “Tribunal Constitucional”. De outra parte, os Direitos Humanos têm problema na sua efetivação, dado não haver sanção cominada a essas normas. Neste contexto, o Supremo passou, após as inovações nas funções que desempenha, a cumprir importante papel na efetivação dos Direitos Humanos.
Palavras-chave: Direitos Humanos, STF, Tripartição de Poderes, Papel Político do STF
Abstract: Since the advent of the Federal Constitution of 1988, but especially in the last five to ten years, the Supreme Court had changed its political role. This tribunal became the guardian of the Constitution and came to have new tools to concretize it’s function, approaching the role that should have a “Constitutional Court”. On the other hand, The Human Rights have problems in its command, since there’s no penalty related to these standards. In this context, the Supreme Court happened, after the innovations in it’s functions, to fulfill an important role in materialization of human rights.
Key words: Human Rights, STF, Separation of Powers, Political Role of STF
Sumário: 1. O supremo guardião da constituição. 2. Os direitos humanos. 3. O papel político do STF na efetivação dos direitos humanos. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.
“O poder sem Direito é cego, mas o Direito sem poder é vazio”. Norberto Bobbio
O SUPREMO GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Os sistemas constitucionais costumam ser concebidos como formas de controle do exercício de poder[1]. Este poder está presente na vida do cidadão, que vive cercado de normas jurídicas que regulam a vida relacional todo o tempo, é o grande alvo da constituição, e quem o exerce? Quais são os limites desse exercício?
Para Tércio Sampaio “a idéia de que o sistema constitucional exige uma prática de controle dos princípios constitucionais pressupõe, no interior do sistema, uma instância politicamente neutra e efetivamente contida – o judiciário” (FERRAZ JR., 1987).
A Constituição Federal, com o intuito de preservação dos Direitos Fundamentais, previu a existência de três funções estatais, quais sejam administração, legislação e jurisdição, exercidas por três instituições independentes e harmônicas entre si, o “poder executivo” (do qual faz parte o ministério público, instituição independente e muitas vezes considerada uma 4º função), o “poder legislativo” e o “poder judiciário”.
É a chamada tripartição de poderes, citada pela primeira vez por Aristóteles no “Política” e aperfeiçoada posteriormente por Locke, no “Segundo Tratado do Governo Civil”, foi consagrada e dividida da maneira hoje conhecida por Montesquieu no “O espírito das leis”.
Ao poder judiciário cabe não só administrar a justiça, mas também a guarda da Constituição. A guarda da constituição deve ser exercida por uma instituição que aja com os instrumentos da hermenêutica jurídica, mas que não é juiz no caso concreto, tem algo da função do legislativo tendo em vista a repercussão social como um todo de suas decisões. Este órgão no Brasil deveria ser o Supremo Tribunal Federal (STF), que, entretanto, desde que lhe foi incumbida esta função, em 1988 a exercia apenas parcialmente.
Neste sentido José Afonso da Silva nos idos dos anos 2000 escreveu sobre o Supremo que apesar de ter a competência reduzida à matéria constitucional, não é uma corte constitucional, pois além de no país ter perdurado o sistema difuso de controle de constitucionalidade[2], “a forma de recrutamento de seus membros[3] denuncia que continuará a ser um tribunal que examinará a questão constitucional com critério puramente técnico-jurídico…”(SILVA, 2000).
Ocorre que o mundo mudou. O desenvolvimento técnico-científico está cada vez mais acelerado. A globalização[4] ocasionou mudanças no direito, fazendo coexistir em um mesmo território mais de um ordenamento jurídico e exigindo dos Estados Nacionais um maior respeito ao Direito Internacional, aos Tratados e Convenções firmados em prol da “convivência internacional”.
As instituições do Estado devem acompanhar este desenvolvimento, sob pena de tornar ainda mais acentuado o já afamado descompasso entre o fato e a norma.
Há necessidade de aceleração do processo de promulgação legal. Há necessidade de interpretação de fatos antes impensados de acordo com o Direito existente e em respeito à Constituição Federal.
O Direito Positivo não é mais suficiente para regrar os fatos sociais, deve-se ir além. A filosofia do Direito ganha destaque, devemos pensar o direito não só a partir das normas positivadas, mas de acordo com valores e concomitantemente com outras áreas do saber.
Conforme ensina Alexandre de Moraes (2000, p. 490) “Parece ser consenso que as estruturas liberais sobre as quais foram assentadas as regras básicas de funcionamento, primeiramente no parlamento (…), e em um segundo momento, transferidas, quase que integralmente, para os Poderes Executivo/Legislativo, no regime presidencial, estão superadas”.
Exatamente por isso, o poder judiciário como um todo e especialmente o Supremo está sofrendo uma transição. Nos últimos anos uma série de medidas legais foram tomadas de modo a dar maior autonomia ao poder judiciário para enfrentar os novos problemas do Direito, os novos problemas da sociedade.
De acordo com o professor Losano (2005, p. 281), no direito nacional, matérias como o Direito do Trabalho e Constitucional tornaram-se fortemente jurisprudenciais, há um crescente poder dos juízes.
Já com o advento da Constituição Federal de 1988 principiou esta mudança. O controle de constitucionalidade abstrato-concentrado foi alargado, e, em 1999 foi regulamentada a ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) [5].
Esta ação completa o sistema de controle de constitucionalidade, e é muito inovadora, visto que possibilita ao Supremo cobrir uma lacuna antes existente nesta seara, que é a análise de leis e atos anteriores à Constituição Federal com eficácia geral e efeito vinculante.
Ademais, diferentemente das outras duas ações, de inconstitucionalidade e constitucionalidade, a ADPF tem previsto no artigo 10 que “julgada a ação far-se-á comunicação (…) fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental”.
Outras regras surgiram, tais como as previsões da EC nº45 – exemplo dessas importantes inovações no judiciário brasileiro, visando dar mais autonomia e agilidade ao Supremo Tribunal Federal. Este órgão mudou nos últimos quatro anos.
Entre as novidades trazidas pela Emenda destacam-se a criação do Conselho Nacional de Justiça, do instituto da súmula vinculante e do requisito de repercussão geral dos recursos extraordinários.
O intuito é o de aproximar esta corte do papel designado a ela na própria constituição federal e que, como dito acima, foi exercido parcialmente em função do número excessivo de processos, não sempre relevantes à sociedade de forma geral, mas muitas vezes apenas decidindo-se o interesse de particulares que repetidamente chegavam ao Tribunal, resultado de um número excessivo de recursos, diversas vezes tratando da mesma matéria e devendo ser analisados pelos ministros. Na abertura do ano judiciário de 2009, o ministro Gilmar Mendes ressaltou o tema em seu discurso mencionando que em 2008:
“De fato, pela primeira vez o Supremo experimentou significativa diminuição, cerca de 41% no total de processos distribuídos, obtida principalmente com a aplicação do instituto da Repercussão Geral. Entretanto, celebro mais a oportunidade que tivemos de apreciar alguns dos mais relevantes temas constitucionais, cujas decisões, extrapolando o interesse individual das partes envolvidas, repercutiram de modo decisivo no cenário socioeconômico e político do País e, assim, no cotidiano da população.”
Este desenvolvimento ocorrido no seio do STF, trouxe muita repercussão ao mundo jurídico sob a forma de críticas e elogios entre os que levantavam a bandeira da necessidade deste se tornar um tribunal constitucional e os que crêem estar o Supremo invadindo a função do legislativo, ou ainda entre os que acusam-no de ser ativista judiciário, e aqueles que acreditam ser exatamente esta sua função.
De fato, é um assunto complexo, que divide opiniões, mas devemos ter em mente que ocorreram mudanças, e que estas mudanças repercutirão nos Direitos Humanos, sob a forma de decisões vinculantes da corte constitucional.
OS DIREITOS HUMANOS
Nas três grandes religiões monoteístas a figura do Deus único (e masculino) é apontada como modelo de vida para o ser humano, cuja dignidade situa-se em ser moldado à imagem e semelhança do criador (COMPARATO, 2006 p. 452).
Assim surge o conceito da dignidade humana, cerne dos Direitos Humanos e base da cultura ocidental. Estes direitos são fundados em valores traduzidos em princípios gerais de execução obrigatória. É consenso que não há necessidade de positivação destes princípios de modo a existir sua exigibilidade.
Entretanto há uma série de direitos da pessoa humana que são positivados na Constituição Federal do Brasil, são princípios constitucionais fundamentais. O artigo 4º determina que o Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos Direitos Humanos, entre outros.
Além disso, esta é considerada um bloco de constitucionalidade[6], pois no artigo 5º § 2º recepciona os tratados internacionais de direitos humanos[7] e incorpora-os à Constituição de modo que estas normas internacionais de direitos humanos, após ratificadas pelo congresso nacional, são equiparadas a emendas constitucionais.
Há espalhadas ao longo do próprio corpo da constituição uma série de normas de proteção à dignidade humana implícitas, ou explícitas, positivadas especialmente no artigo 5º da Constituição que diz que:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país[8] a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes.”
Como se vê, os Direitos Humanos foram reconhecidos e positivados no Brasil e no mundo, mas persiste o problema da sua efetivação. Qual o caminho para tornar efetivas estas prescrições jurídicas? Como reconhecer o caráter de obrigatoriedade desses direitos? Quem é o responsável por esta efetivação?
Não há um único responsável pela efetivação dos direitos humanos. Este é um problema que passa pela educação para os direitos humanos, o que deve ser feito em várias frentes, na escola, na mídia, no estado e por cada um de nós. Todos somos responsáveis pela mudança da mentalidade brasileira com relação a sua defesa.
O jurista Fábio Konder Comparato (2005 p. 58) afirma que “sem dúvida o reconhecimento oficial de direitos humanos pela autoridade política competente dá muito mais segurança às relações sociais.”
Não obstante, ainda que positivados na Constituição Federal e em outros instrumentos (portanto reconhecidos pela autoridade), encontram um problema de exigibilidade, posto que não há sanção cominada a eles. Desta forma, cabe ao STF, guardião desta constituição, um papel político relevante a ser prestado em prol da efetivação destes.
O PAPEL POLÍTICO DO STF NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Se entendermos os Direitos Humanos como parte da Constituição, seja em razão das garantias fundamentais asseguradas no corpo da constituição, seja por causa dos tratados em Direitos Humanos incorporados pela Constituição, e, sendo o STF guardião da CF é também a instituição nacional judiciária máxima incumbida da defesa dos direitos humanos.
E o Supremo assumiu este papel, não só nas decisões do dia-a-dia, mas com políticas públicas tais como a apresentação de programas na TV justiça, responsável por divulgar as ações do judiciário ao público em geral.
Esta busca por conferir publicidade aos atos judiciários e pela chamada democratização da justiça é parte deste todo. Assim, levando informação à população, o supremo nada mais faz que cumprir sua função, aproximando da população o entendimento de quais são seus direitos.
Por outro lado, nos últimos anos, com as mudanças na legislação e no STF, este órgão tem mudado sua maneira de agir. Exemplo disso são as decisões nas ADPF, cuja primeira foi julgada em 2005, e as audiências públicas, convocadas já por três vezes, a primeira marcada em 2004 somente aconteceu em 2008.
Estas tratam de casos limites, questionamentos acerca do descumprimento de preceitos fundamentais, aquelas previsões constitucionais que constituem o chamado núcleo duro da constituição, dentre as quais encontram-se os princípios fundamentais.
É por esta razão que são ações de grande repercussão na social, que interferem diretamente na vida de diversos atores sociais. Por isso, devem usar as mais modernas técnicas jurídicas para serem solucionadas, resultando em um posicionamento fiel e firme acerca destes assuntos altamente relevantes à sociedade.
Muitos desses casos, talvez a maior parte deles exatamente pelos preceitos abarcarem os princípios, envolvem Direitos Humanos, como os julgamentos sobre aborto, descarte de pneus usados, terras indígenas, células tronco, casamento homossexual, entre outros. Estes julgamentos não só darão nova feição ao direito nacional, mas também terão um papel na efetivação dos direitos humanos.
Ao confrontar uma lei ou ato (ainda que anterior) à Constituição Federal com os preceitos (e conseqüentemente com direitos fundamentais) nela previstos, o Supremo garante que estes sejam observados, inclusive suprimindo do ordenamento regras que possam estar em desacordo com os Direitos Humanos.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento do Supremo Tribunal Federal em direção a se tornar um tribunal verdadeiramente constitucional, fará deste, cada vez mais, protagonista na efetivação dos direitos humanos, seja através da publicidade dada por sua mídia no sentido de educar para os direitos humanos, seja através de decisões que obriguem à observância destes.
Já é possível a verificação deste protagonismo naquelas ações de grande repercussão, tais como a sobre células tronco. Nesta, com a participação de representantes dos mais diversos ramos que acudiram à corte para prestar sua opinião, foi decidido ao final acerca das pesquisas com embriões humanos, querela esta que envolvia diversos princípios fundamentais a serem sopesados e protegidos.
Movimento análogo foi visto quando do julgamento sobre a demarcação das terras da reserva indígena “raposa serra do sol”, onde novamente crenças, culturas, direitos foram sopesados, resultando em decisão positiva, onde, inclusive, ficaram assentadas as bases, ou limites, do exercício do direito às terras pelos índios.
Com a nova feição assumida pelo STF, o direito nacional deu um grande salto em direção à efetivação dos direitos da pessoa humana, e o que se espera é que cada dia mais direitos humanos sejam preservados por decisões desta corte.
Informações Sobre o Autor
Marcela Giorgi Barroso
Advogada, Auxiliar do programa PAE/USP nas disciplinas Filosofia do Direito I e II. Mestranda em Direitos Humanos pela FDUSP