Sumário: Introdução; 1- Due Process of Law: Gênese; 2- Due Process of Law em sentido substancial; 3- Due Process of Law em sentido formal; 4- Due Process of Law e a instrumentalidade do processo; Conclusão.
Introdução:
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inovando, ampliou o rol dos direitos fundamentais e de forma explícita elevou a mandamento constitucional o princípio do devido processo legal, não que o referido princípio tenha surgido com a Constituição, pois apesar de já haver nuances de sua aplicação em Cartas anteriores foi com a atual que ele teve sua denominação expressa e sua aplicação alargada.
A Constituição de 1988 é bastante detalhista principalmente quando trata dos direitos fundamentais devido ao rompimento com um modelo repressivo vivido no passado.
Visando não deixar dúvidas que agora vivemos num Estado Democrático de Direito o constituinte originário de forma expressa elencou as garantias fundamentais para que não sejam violadas, pois em sua defesa o cidadão pode invocar a proteção constitucional. Assim, não podemos olvidar o pensamento do mestre Norberto Bobbio quando enfatiza em sua obra A Era dos Direitos, que “o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los.” (grifo nosso) É este sentido que o due process of law tem, ou seja, serve como proteção aos direitos fundamentais do homem como o trinômio: vida, liberdade e a propriedade.
O homem como ser social que é vive em sociedade e como conseqüência lógica surgem conflitos, crises. Eis que surge o Estado no exercício de seu poder para solucionar as controvérsias, proporcionar a paz social através de uma “ordem jurídica justa” e é através de um processo igualmente justo que seu escopo deve ser atendido. Mas, não podemos falar em processo justo sem falar na aplicação dos princípios constitucionais, na instrumentalidade das formas, efetividade, entre outros.
Portanto, podemos ousar em dizer, com a máxima vênia, que para um processo justo basta atenção ao princípio do devido processo legal, haja vista que todo o resto seria derivação do mesmo. Filiamos-nos ao ensinamento de Nelson Nery Jr no sentido de que o due process of law é o princípio constitucional basilar, isto é, o gênero do qual derivam todos os demais princípios. Corroborando com este entendimento temos que qualquer violação ao direito de ação, ao direito de defesa, julgamento por juiz imparcial, publicidades dos atos, contraditório, ampla defesa, realização de provas, dentre outros, significa que o princípio do devido processo legal foi maculado.
Em suma, diante da finalidade organizatória que o princípio do devido processo tem no processo judicial (e porque não referir o extrajudicial), mister se faz um breve estudo sobre a sua origem, seus sentidos (substantive due process e procedural due process) e sua interação com a instrumentalidade do processo.
Haja vista, que a modernidade clama por um direito processual que reavalie o positivismo jurídico, abrindo caminho para os fenômenos da pluralidade, reflexividade, prospectividade, discursivisade e relatividade. Temas estes que o presente trabalho não tem o escopo de esgotá-los, mas tão somente de elencá-los motivado pela importância da aplicabilidade do princípio- matriz em comento.
1- Due Process of Law: Gênese
Diante da análise de qualquer princípio constitucional podemos vislumbrar nuances do princípio do Devido Processo Legal, pois de acordo com Nelson Nery Jr. (2003, p.130): “Trata-se do postulado fundamental do direito constitucional (gênero), do qual derivam todos os outros princípios (espécies).” A Constituição pátria de 1988 elencou no seu artigo 5º um rol de garantias individuais, no entanto, seria plenamente suficiente falar apenas no princípio do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”). (grifo nosso)
O princípio do Devido Processo Legal surgiu na Inglaterra em 1215. Onde o primeiro ordenamento que teria tratado do referido princípio foi a Magna Carta do rei John Lackland também conhecida como “Carta do João Sem-Terra”, de 15 de junho de 1215, quando o seu art. 39 se referiu a legem terrae, termo posteriormente traduzido para a língua inglesa como law of the land, sem, contudo, mencionar a expressão que hoje conhecemos, due process of law.
A título de informação histórica, a redação do referido princípio seguia as seguintes premissas: “nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado de seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país”. Somente em 1352, com o rei Henrique III, que recebeu a denominação que hoje conhecemos, isto é, due process of law.
A Suprema Corte americana, num primeiro momento de sua história, apenas aplicava o princípio do devido processo legal sob o seu âmbito procedimental com fundamento na 14ª Emenda Constitucional que, em síntese, garantia a qualquer cidadão um processo regular e justo. Somente com o leading case Calder vs. Bull em 1798, que discutia o exame dos limites do poder governamental é que a Suprema Corte iniciou a aplicação do âmbito substancial do due process of law.
O Devido Processo Legal é o princípio-matriz, basilar, fundamental, gênero, cláusula geral principiológica, enfim, vários são os adjetivos sugeridos pela doutrina para enfatizar sua aplicação e importância visando à aplicação da justiça social.
A plena observância de tal princípio é vital para assegurar ao cidadão um processo justo e livre de qualquer espécie de nulidade. Como ensina o mestre Mouta (2008, p. 4):
“Destarte, o devido processo legal é princípio basilar da atuação estatal no campo processual, assegurando e mesmo salvaguardando a proteção judicial para todos aqueles que lamentam pretensões em juízo através de um processo adequado e justo.”
Assim, o devido processo legal é um instrumento apto para efetivar as garantias constitucionais de todos nós, cidadãos. Haja vista, que sua aplicação ao caso concreto visa inibir a arbitrariedade que se consubstancia na violação das já mencionadas garantias e ainda, o devido processo legal é garantia constitucional que ilumina todas as funções estatais, isto é, a função jurisdicional, legislativa, administrativa.
O entendimento de Soares (2008, p.68) consubstancia a apreciação do princípio do devido processo legal com o princípio da dignidade da pessoa humana:
“O exame do sentido a alcance da cláusula do due process of law, em suas acepções procedimental e substantiva, não pode ser apartado da investigação sobre o significado ético-jurídico do princípio do dignidade da pessoa humana. Isto porque o devido processo legal se afigura como uma das projeções principiológicas da cláusula mais genérica da dignidade humana, despontando como instrumento capaz de materializar e tutelar, nas lides concretas, o respeito à existência digna, síntese da imensa totalidade dos direitos fundamentais dos cidadãos.”
Em sentido genérico, tudo que estiver ligado ao trinômio: vida, liberdade e propriedade estará protegido pelo devido processo legal, como ensina Nery Jr (2003, p.130):
“Genericamente a cláusula due process of law se manifesta pela proteção à vida-liberdade-propriedade em sentido amplo. O texto foi inspirado nas emendas 5ª e 14ª à CF americana, e não indica apenas tutela processual, mas sim geral, bipartindo-se o princípio em devido processo legal substancial e processual.”
O princípio do devido processo legal tem o escopo de apontar um mínimo razoável de condições para o desenvolvimento das fases do processo. Em conseqüência de à atuação estatal ser vinculada ao atendimento de regras previamente estabelecidas que assegurem aos jurisdicionados a solução de suas controvérsias com o desenvolvimento de um “processo justo”.
Finalizando, a doutrina e a jurisprudência diante do princípio do devido processo legal fazem a distinção entre o due process em sentido substancial, que busca diante do caso concreto propiciar a melhor interpretação; e o sentido formal que visa respeito ao desenvolvimento válido do processo.
2- Due Process of Law em sentido substancial
O princípio do devido processo legal em sentido substancial ou substantive due process como também é chamado visa proteção ao direito material.
De acordo com a doutrina de Carnelutti que propôs a divisão do ordenamento jurídico em duas partes: direito material (direrito civil, penal, constitucional), e o direito processual (processual civil, penal e trabalhista), o direito material descreve o que se tem direito já o direito formal descreve como obter este direito.
As regras de Direito material, são todas aquelas que regulam o convívio social entre pessoas e entre elas e o Estado, deferindo a eles, direitos e obrigações.
Já as regras de direito processual regulam as relações entre os sujeitos no processo,ou seja, o desenvolvimento processual de acordo com as normas do ordenamento jurídico vigente.
Assim, o conjunto de regras, criadas pelo Estado, disciplinadoras da vida do homem na sociedade, disciplinando as relações jurídicas, constituem o chamado direito material.
A aplicação do princípio do devido processo legal no âmbito do direito material pode ser vislumbrada no campo legislativo, onde serve de parâmetro para a produção legislativa, pois não é admissível que uma lei proponha a arbitrariedade, a falta de razoabilidade, exageros, chegando a ser incoerente com os anseios da sociedade.
No Brasil, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para efeito de sua validade material, todos os atos do Poder Público estão sujeitos à observância de padrões mínimos de razoabilidade, que se qualifica como parâmetro de aferição da constitucionalidade material desses atos. Daí, que no processo legislativo a formulação das normas, deve observar os critérios de razoabilidade, corroborando os excertos dos votos do ilustre Ministro Celso de Melo que traduzem perfeitamente a essência do âmbito material do princípio do devido processo legal:
“As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law”.(ADI 2667 MC-DF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Celso de Mello – J. 19.06.2002.)
“O Estado não pode legislar abusivamente, eis que todas as normas emanadas do Poder Público – tratando-se, ou não, de matéria tributária – devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do “substantive due process of law” (CF, art. 5º, LIV). O postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Hipótese em que a legislação tributária reveste-se do necessário coeficiente de razoabilidade.Precedentes”. (RE-AgR 20084/PR. AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 25/06/2002 Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação DJ 16-08-2002 PP-00092).
“O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law – acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador”.(ADI-MC 1407/D DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min CELSO DE MELLO. Julgamento: 07/03/1996 Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 24-11-2000 PP-00086).
Cabe ressaltar, que em atendimento ao substantive due process, não é facultado ao Estado legislar de modo abusivo ou imoderado, pois o princípio do devido processo legal que tem garantia expressa na Constituição Federal de 1988, deve se respeitado não apenas em seu sentido processual, mas principalmente em seu sentido material que é instrumento apto para evitar atos legislativos arbitrários.
O âmbito substancial do princípio do devido processo legal abarca também a maneira de aplicação das leis, dos atos administrativos e das decisões judiciais, haja vista a sua pertinência principiológica nas funções do Estado.
Hodiernamente, a doutrina está inclinada a constitucionalização das relações processuais e, nesse aspecto o substantive due process é o meio garantidor de um “processo justo”, já que age como os postulados da proporcionalidade e razoabilidade diante do caso concreto e conseqüentemente em atendimento a dignidade da pessoa humana.
Diante do caso concreto, em cumprimento de sua função judicial, cabe ao Estado/juiz tornar sem efeito suas próprias decisões, uma lei, ato administrativo ou até mesmo um ato particular que não esteja consubstanciado com os postulados instrumentais do substantive due process, quer dizer nos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Pois, é inaceitável que, por exemplo, para o cargo de auxiliar de serviços gerais, o edital do concurso público exija que o candidato tenha uma perfeita arcada dentária ou determinada altura, neste caso, há afronta a razoabilidade. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as universidades públicas estão proibidas de cobrar taxa de matrícula. Para o Supremo, a cobrança é inconstitucional por violar o inciso IV do artigo 206 da Constituição, que estabelece o princípio da gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, não é razoável cobrar por algo que a própria Constituição prescreve ser gratuito.
No mesmo sentido temos a lição de Barroso (2002, p.213-216):
“O postulado da razoabilidade/proporcionalidade funciona como parâmetro hermenêutico que orienta como uma norma jurídica deve ser interpretada e aplicada no caso concreto, mormente na hipótese de incidência dos direitos fundamentais no processo, para a melhor realização dos valores e fins do sistema constitucional.”
Em suma, a aplicação do substantive due process consiste num instrumento de controle da atuação estatal e dos próprios particulares, para assegurar o cumprimento das garantias constitucionais, e que se diante do caso concreto, forrem passíveis de restrição, lhes seja assegurado um “processo justo”. Mas, o princípio do devido processo legal não espraia seus efeitos apenas em seu âmbito substancial, apresenta também como garantia seu âmbito formal com respeito às garantias processuais como o direito a citação e o teor da acusação, ao julgamento público e célere, ao contraditório e ampla defesa, a igualdade entre as partes, a vedação do uso de provas obtidas por meio ilícito, o direito de ação e acesso a justiça, entre outros.
3- Due Process of Law em sentido formal
O due process of law em sentido formal ou procedural due process como também é chamado prescreve que deverá ser sempre respeitado um procedimento prévio adotado, sob pena de macular o princípio do devido processo legal o que culminará com a nulidade do ato.
No entanto, o procedural due process não pode entendido como simples garantia de adoção de procedimentos dentro de um processo, pois sua atuação transcende esse entendimento como ensina o mestre Bueno (2007, p.105-106):
“O princípio do devido processo legal, contudo, não pode e não deve ser entendido como mera forma de procedimentalização do processo, isto é, da atuação do Estado-juiz em determinados modelos avalorativos, neutros, vazios de qualquer sentido ou finalidade mas, muito além disso, ele diz respeito à forma de atingimento dos fins do próprio Estado. É o que parcela da doutrina acaba por denominar “legitimação pelo procedimento”, no sentido de que é pelo processo devido (e, por isto, não é qualquer processo que se faz suficiente) que o Estado Democrático de Direito terá condições de realizar amplamente as suas finalidades (…)”.
No Brasil, a Carta Magna de 1988 foi responsável pela criação de uma nova etapa para o aprimoramento do princípio do devido processo legal, principalmente pela sua consagração expressa de um modo inovador e, também pela extensão da garantia aos litigantes em processo civil e trabalhista, aos acusados em processo penal e interessados em processo administrativo.
Em seu sentido formal, nasceu para assegurar as garantias do cidadão insculpidas no trinômio vida–liberdade–propriedade, é o sentido mais aplicado quando se invoca o respeito ao princípio do devido processo legal, no entanto não é o único, pois como visto anteriormente, o sentido substancial tem igual força para proteção do trinômio de garantias.
No entanto, o caráter formal do devido processo legal é o mais utilizado pelos advogados para a realização da defesa das partes litigantes, para que as mesmas tenham no curso das fases processuais a plena garantia de um processo justo, que seja proporcionado o direito a citação, o conhecimento do teor da acusação, à proibição da utilização de prova ilícita, o direito ao juiz natural, contraditório e ampla defesa, entre outros.
Para corrobora o este entendimento cabe destacar a lição de Nelson Nery Jr (2003, p.131): “É nesse sentido apenas processual que a doutrina brasileira, com honrosas exceções, vem entendendo a cláusula due process. O tipo de processo (civil, penal ou administrativo) é que determina a forma e o conteúdo da incidência do princípio”. (…). Com a devida vênia, a aplicação do mencionado princípio não pode ficar restrita a um fazer cumprir, indistintamente, todas as regras processuais existentes nas fases do processo, muitas vezes atender a magnitude de tal princípio representa exatamente o contrário, ou seja, desatendê-las – desde que, não traga nenhum prejuízo às partes litigantes e de acordo com o caso concreto.
Contudo, o due process of law encontra obstáculo no duplo grau de jurisdição, pois a instância extraordinária não poderá ser alcançada com o fundamento de ofensa ao princípio, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a alegação de ofensa ao devido processo legal apenas de maneira reflexa atinge a Constituição. Quando é violada uma norma processual, se está violando uma norma infraconstitucional, o que de forma alguma justificará a interposição de recurso extraordinário, ficando sua aplicação basicamente restrita a instância ordinária, porque, via de regra a instância extraordinária só examina questões de direito.
Assim, a alegação de violação ao due process por se dependente de exame prévio da legislação infraconstitucional, apenas configurará violação reflexa a Constituição, o que não bastará para dar ensejo ao recurso extraordinário. O referido princípio é exercido no âmbito legal, isto é, de acordo com as leis, se for violado, merece reparação mediante a instância ordinária que diante do caso concreto fará a revisão ou prolatará a decisão cabível.
O due process é concretizado pela observância dos postulados normativos aplicativos específicos da razoabilidade e proporcionalidade e dos seus princípios correlatos no transcorrer das fases processuais como por exemplo:
a) isonomia, quando é proporcionado as partes litigantes igualdade de tratamento, destacando que tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais dentro de suas desigualdades, há casos onde a própria lei estabelece desigualdades, como por exemplo, a inversão do ônus da prova;
b) contraditório e ampla defesa, onde o juiz somente prolatará sua decisão após um amplo exercício dialético no processo exercido pelas partes;
c) juiz natural, que veda a criação de tribunal de exceção e o respeito as regras de competência previstas na Constituição;
d) motivação das decisões, onde o juiz fundamenta o seu convencimento sob pena de nulidade;
e) proibição de prova ilícita, ou seja, a vedação da utilização no processo de provas obtidas por meio ilícito, como por exemplo, escuta telefônica sem autorização judicial;
f) duração razoável do processo, é garantia constitucional que aos jurisdicionados seja apresentada uma solução célere para suas crises, caso contrário, a decisão final não terá efetividade.
Os princípios supra elencados, dentre outros, viabilizam o procedural due process assegurando a todos os jurisdicionados a concretização de suas garantias fundamentais e como conseqüência lógica a dignidade da pessoa humana.
4- Due Process of Law e a instrumentalidade do processo
As perspectivas metodológicas do direito processual são apresentadas pela doutrina como: sincretismo, autonomia e instrumentalidade.
Em breves palavras, a perspectiva sincretista, parte da visão, considerada ultrapassada, de que não há diferença, separação de planos no ordenamento jurídico, isto é, só existiria um único plano, trazendo confusão entre direito material e processual; a perspectiva autonomista ou cientificista, parte da visão de um sistema autônomo, onde o direito processual goza de total autonomia em relação ao direito material, é a perspectiva técnica do processo, onde o processo constitue um fim em si mesmo, ou seja, a aplicação da técnica pela técnica; já a perspectiva da instrumentalidade do processo, parte da visão de que o processo é um instrumento que visa tutelar o direito material, onde a técnica existe a serviço de um fim, ou seja, o dever-ser que resgate o valor humano, a justiça, enfim, a ética no processo, já que o processo tem a finalidade de pacificação social.
Didaticamente, podemos dizer que estamos num momento de transição de perspectivas, saindo da autonomista ou cientificista para a perspectiva da instrumentalidade do processo, pois ainda há o apego excessivo a aplicação rígida da técnica pela técnica, no entanto, o pensamento moderno instrumentalista de que a técnica serve para dar resultados, para promover a maior quantidade de justiça possível vem ganhando terreno entre os processualistas e operadores do direito, de maneira nenhuma poderemos aceitar que em nome da aplicação de técnicas processuais, um inocente venha a ser condenado ou o que é igualmente gravoso, que um culpado seja absolvido.
Por outro lado, a transição para a perspectiva instrumentalista se tornará plena, estará apta a produzir um “processo justo” à medida que de maneira gradativa forrem sendo superadas as três ondas de acesso a justiça da clássica lição de Mauro Capelletti. No iter processual é necessário num primeiro momento:
a) garantir aos jurisdicionados um amplo acesso a justiça, ou seja, viabilização ao acesso a justiça aos pobres, pois o processo é extremamente caro e não se admite que por falta de dinheiro um cidadão deixe de perseguir o que é seu por direito, nesse aspecto é imprescindível a criação de mecanismos que permitam a inclusão, independentemente da condição econômica, do jurisdicionado ao acesso a justiça, caso contrário, estas pessoas ficarão excluídas da proteção jurisdicional. Visando a atendimento a está questão surge, por exemplo, a Lei da Assistência Judiciária Gratuita, os Juizados Especiais para causas de menor complexidade;
b) e, como vivemos numa sociedade de massa temos que garantir defesa aos direitos difusos (que se caracterizam por serem titularizados por uma pluralidade indeterminada de pessoas, como exemplo temos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado) e os direitos coletivos (que se caracterizam por uma pluralidade determinada ou determinável de pessoas, um bom exemplo é quando temos um aumento ilegal das prestações de um determinado consórcio), para tal mister temos vários instrumentos que viabilizam estes direitos como a ação civil pública,mandado de segurança coletivo, ação popular e;
c) a terceira onda a ser concretizada busca a plena satisfação dos jurisdicionados com a criação de mecanismos para que a justiça seja cada vez mais eficaz, tenha celeridade e efetividade, assim, as reformas processuais são importantes, mas, é necessário também pensar um processo mais moderno e eficiente, com o objetivo de apresentar uma solução justa, adequada e efetiva ao jurisdicionado.
Portanto, para a transição para a perspectiva da instrumentalidade mister se faz a aplicação das ondas renovatórias, com o acesso a justiça sem obstáculos, quer seja de origem econômica quer seja de origem formal, o resultado há de ser sempre um “processo justo e efetivo”.
A instrumentalidade do processo NÃO significa desobediência às leis, mas, sim propiciar um processo civil de resultados e efetividade. A visão instrumentalista repudia o conceitualismo, o garantismo exacerbado ao jurisdicionado e ao positivismo jurídico, e adota como método de trabalho o uso dos princípios constitucionais como ponto de partida, onde o princípio do devido processo legal tem a missão organizatória como meio de acesso a uma “ordem jurídica justa”.
Modernamente, o direito vem sendo estudado, aplicado, a partir da Constituição, e com isso surge o que a doutrina chama de neoprocessualismo, é o pensar o processo em atendimento aos princípios constitucionais. Com esta nova visão, devemos abandonar o apego a aplicação exclusiva da tecnicalidade do direito pela técnica, sem observar que os fins da técnica devem proporcionar a solução dos conflitos em cada caso concreto, a técnica não poderá ser aplicada diante de uma única visão, o processo é dinâmico, com isso, a adequação da técnica, é a materialização do devido processo legal, que neste aspecto reflete a democracia, isto é, o próprio Estado Democrático de Direito. Haja vista, que a solução dos conflitos se dará de forma justa em atendimento a normas preestabelecidas e sobretudo de acordo com os mandamentos constitucionais.
De acordo com o magistério de Cintra (2008, p.47), cabe ressaltar que:
“(…) Falar da instrumentalidade nesse sentido positivo, pois, é alertar para a necessária efetividade do processo, ou seja, para a necessidade de ter-se um sistema processual capaz de servir de eficiente caminho à “ordem jurídica justa”. Para tanto, não só é preciso ter consciência dos objetivos a atingir, como também conhecer e saber superar os óbices econômicos e jurídicos que se antepõem ao livre acesso à justiça.”
Como conseqüência lógica, a instrumentalidade do processo está intimamente ligada às garantias do princípio do devido processo legal, visando com isso evitar situações inadmissíveis dentro do processo.
A Constituição da República Federativa do Brasil no seu art. 5º, inc.XXXV, preceitua que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, consagrando o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou o princípio do acesso à justiça que se caracteriza como reflexo do devido processo legal.
Diante te tal direito constitucional, o cidadão o exerce quando se depara com a frustração de seu interesse. Assim, em escala geométrica as ações foram adentrando ao Poder Judiciário que com o passar dos anos fica cada vez mais congestionado, onde processos levam 10, 15, 20, 30 anos ou mais para que se possa chegar à solução do conflito posto a apreciação estatal respaldado pelo direito de acesso a justiça e a garantia do devido processo legal. Viu-se instalada a crise do Judiciário. Mas, acesso à justiça significa apenas entrar no Judiciário ou ter seu conflito solucionado quer seja com a procedência ou improcedência do mesmo?
É neste sentido, que a instrumentalidade do processo sugere a efetividade nas decisões, com a aplicação do princípio constitucional matriz com sua função organizatória no direito processual.
Direito processual este que, para efetivar os mandamentos constitucionais, deverá promover a pluralidade, reflexão, prospectividade e a relatividade apontando para a desformalização dos procedimentos o que culminará com a satisfação do jurisdicionado.
O direito processual para cumprir com o seu escopo de instrumento para solução de crises, numa sociedade massificada, deve ser dinâmico acompanhar a realidade social, um ordenamento jurídico hermético produz soluções, no entanto, na maioria das vezes sem efetividade. A eficácia do direito processual deve-se a sua utilidade e efetividade nas soluções dos conflitos de interesses.
Seguindo o magistério de Soares (2008, p. 29-30):
“Como exemplos, ilustrativos destes novos caracteres do direito processual pós-moderno, marcado pelos atributos da pluralidade, reflexividade, prospectividade, discursividade e relatividade, podem ser citadas tendências que apontam para a desformalização dos procedimentos, tais como a otimização dos princípios da efetividade, acesso a uma ordem jurídica justa, instrumentalidade, economicidade, cooperação e adaptabilidade do processo, bem como, no plano hermenêutico, a valorização da jurisprudência como fonte do direito e o reconhecimento de uma interpretação judicial construtiva, apoiada em novos recursos metodológicos para a aplicabilidade dos direitos fundamentais, a exemplo da técnica de ponderação ou balanceamento de interesses e dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade.”
A instrumentalidade do processo não deve ser dissociada do princípio do devido processo legal, diante do caso concreto o referido princípio tem aplicação cogente para a concretização da justiça. O processo é concomitantemente o instrumento para assegurar o direito material ao jurisdicionado e o instrumento que o Estado utiliza para realizar a sua função jurisdicional e, nesse sentido, não pode se afastar dos seus escopos, que de acordo com Cândido Dinamarco são: social, político e jurídico.
Onde o escopo social enfatiza a idéia de justiça e paz social, o político na afirmação do poder estatal diante de sua atuação e o jurídico que consiste na releitura dos institutos processuais para a concretização da satisfação do jurisdicionado.
A doutrina apresenta a instrumentalidade sob dois aspectos um positivo, que visa um processo de resultados efetivos; e outro negativo onde o processo não é um fim em si mesmo, que em nome de atendimento a regra processual, como anteriormente já foi dito, um inocente venha a ser condenado e um culpado absolvido ou não se anula um processo onde não houve citação válida, mas, no entanto, o réu compareceu e se defendeu validamente. É a não aceitação da imposição de formalidades dissociada de sua finalidade.
Em relação ao aspecto negativo da instrumentalidade fiquemos com a lição do mestre Bueno (2007 p.55-56):
“Dinamarco também acentua a necessidade de se compreender, para afastá-la a “instrumentalidade no seu aspecto negativo”. Por “instrumentalidade no seu aspecto (ou sentido) negativo” devem ser entendidas as deformações ou exageros derivados da identificação dos escopos da jurisdição. É tratar o processo fora de seu contexto, hipertrofiando quaisquer de seus escopos em detrimento dos outros ou, até mesmo, o que significaria retrocesso tão inescondível como indesejável, dando-se destaque mais às próprias estruturas do processo (escopo jurídico) do que para aquilo que está fora dele e que por ele deve ser atingido (escopos social e político). O próprio Dinamarco chega, a propósito, a acentuar o risco que é transformar a “forma”, inerente à prestação jurisdicional, até como forma de garantia para os sujeitos do processo em formalismo, em formalidade estéril, vazio de significado. A instrumentalidade no sentido negativo, destarte, prega a ausência de abusos ou de excessos na compreensão dos escopos do processo. É, em última análise, seu necessário ponto de equilíbrio.”
A visão instrumentalista não difunde o não atendimento as regras, o que se repudia é a aplicação da técnica sem a sua finalidade pela qual foi criada. A visão da instrumentalidade pressupõe um sistema jurídico como modelo estrutural, que inove, acompanhe a dinâmica da vida social, ponderado com a aplicação da instrumentalidade sem afetar a segurança jurídica.
Pensemos, prolatada a decisão de mérito, a parte vencida decide interpor o recurso de apelação, como sabemos o prazo é de 15 dias, no décimo segundo entrega suas razões, mas não junta o preparo. Pela aplicação da lei, ocorre a preclusão e a parte será aplicada a deserção. Não seria o caso de revisitarmos o instituto da preclusão? Se a parte tem 15 dias, no nosso exemplo, ainda tem prazo para a juntada do preparo, pois não se esgotou o prazo processual. É a atuação do princípio do devido processo legal e uma releitura do instituto da preclusão fundamentado pelo postulado normativo aplicativo da razoabilidade.
Conclusão
O princípio do Devido Processo Legal surgiu na Inglaterra em 1215. Onde o primeiro ordenamento que teria tratado do referido princípio foi a Magna Carta do rei John Lackland também conhecida como “Carta do João Sem-Terra”, de 15 de junho de 1215. Já no Brasil, foi com a Constituição de 1988 que foi elevado a mandamento constitucional onde “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. (grifo nosso)
O Devido Processo Legal é o princípio-matriz, basilar, fundamental, gênero, cláusula geral principiológica, enfim, vários são os adjetivos sugeridos pela doutrina para enfatizar sua aplicação e importância visando à aplicação da justiça social.
O due process of law é um instrumento apto para efetivar as garantias constitucionais de todos nós, cidadãos. Haja vista, que sua aplicação ao caso concreto visa inibir a arbitrariedade que se consubstancia na violação das garantias fundamentais e ainda, é garantia constitucional que ilumina todas as funções estatais, isto é, a função jurisdicional, legislativa, administrativa.
O princípio do devido processo legal tem o escopo de apontar um mínimo razoável de condições para o desenvolvimento das fases do processo. Em conseqüência de à atuação estatal ser vinculada ao atendimento de regras previamente estabelecidas que assegurem aos jurisdicionados a solução de suas controvérsias com o desenvolvimento de um “processo justo”.
A doutrina e a jurisprudência diante do princípio do devido processo legal fazem a distinção entre o due process em sentido substancial, que busca diante do caso concreto propiciar a melhor interpretação; e o sentido formal que visa respeito ao desenvolvimento válido do processo.
A aplicação do substantive due process consiste num instrumento de controle da atuação estatal e dos próprios particulares, para assegurar o cumprimento das garantias constitucionais, e que se diante do caso concreto, forrem passíveis de restrição, lhes seja assegurado um “processo justo”. Mas, o princípio do devido processo legal não espraia seus efeitos apenas em seu âmbito substancial, apresenta também como garantia seu âmbito formal com respeito às garantias processuais como o direito a citação e o teor da acusação, ao julgamento público e célere, ao contraditório e ampla defesa, a igualdade entre as partes, a vedação do uso de provas obtidas por meio ilícito, o direito de ação e acesso a justiça, entre outros.
O procedural due process se consubstancia num feixe de garantias constitucionais que asseguram aos litigantes o pleno exercício de seus poderes processuais e ao Estado a legitimação de sua função jurisdicional. O princípio também é concretizado pela observância dos postulados normativo aplicativos específicos da razoabilidade e proporcionalidade e dos seus princípios correlatos no transcorrer das fases processuais.
A instrumentalidade do processo não deve ser dissociada do princípio do devido processo legal, diante do caso concreto o referido princípio tem aplicação cogente para a concretização da justiça. O processo é concomitantemente o instrumento para assegurar o direito material ao jurisdicionado e o instrumento que o Estado utiliza para realizar a sua função jurisdicional e, nesse sentido, não pode se afastar dos seus escopos, que de acordo com Cândido Dinamarco são: social, político e jurídico.
A visão da instrumentalidade do processo não visa negar a aplicação da técnica processual, o que se repudia é o mero uso da técnica pela técnica, ou seja, a aplicação da técnica dissociada da finalidade para qual foi criada. Ela propaga um sistema jurídico como modelo organizatório, que deverá inovar seguindo a dinâmica da vida social ponderando com a aplicação da instrumentalidade sem afetar a segurança jurídica. O processo tem o escopo de pacificar promovendo a maior quantidade de justiça que a técnica possa propiciar utilizando o trinômio resultado-instrumentalidade-efetividade.
Neste sentido, a instrumentalidade trabalha com um novo modelo de pensar o direito, utilizando uma hermenêutica mais filosófica. Onde a norma não está no sentido que se extrai do texto frio da lei, a norma produz o seu real sentido no momento de sua aplicação antes disso seria mera idéia jurídica como moldura geral de conduta. A instrumentalidade prega a adoção de um método inovador de aplicação da técnica processual como ponto de partida para a efetiva satisfação do jurisdicionado, onde o princípio do devido processo legal tem a missão organizatória do sistema jurídico.
Em suma, o jurisdicionado não invoca o Judiciário, apenas para ter assegurado o seu direito material, mas, principalmente, para obter um resultado prático e efetivo na satisfação do direito pleiteado. O processo não deve ser um fim em si mesmo, porque ele é o instrumento de solução das crises. Assim, resumir discussões e fundamentar decisões baseadas em estrito cumprimento de formas é privar o jurisdicionado de um devido processo legal e acima de tudo é violar a dignidade da pessoa humana. A manutenção do mínimo de regras processuais que assegurem a aplicação do devido processo legal é caminhar para a efetividade do processo ao proporcionar a satisfação da sociedade, haja vista, a concretização da paz social com solução das crises. O que estaria consubstanciado com os escopos do processo.
Informações Sobre o Autor
Ana Paula Soares da Silva de Castro
Advogada. Pós-graduanda em Direito Processual lato sensu.