Sumário: 1. A utilidade da análise econômica do direito no habeas data. 2. O problema dos custos de oportunidade. 2.1. Conceito e premissas básicas do custo de oportunidade. 2.2. O risco e o custo de oportunidade. 3. O interesse de agir na ação de habeas data. 3.1. O interesse de agir como condição da ação. 3.2. A exigência de prévio requerimento administrativo como configuração do interesse de agir na ação de habeas data. 3.3. O problema do duplo procedimento no processo do habeas data e os custos de oportunidade. 4. Os custos de oportunidade como componente central na análise da efetividade do habeas data. Referências bibliográficas.
1. A utilidade da análise econômica do direito no habeas data
O habeas data tem berço no asseguramento das liberdades públicas e individuais consagradas na Constituição de 1988. O habeas data é um remédio constitucional que tem por objeto proteger a esfera íntima dos indivíduos contra: a) usos abusivos de registros de dados pessoais coletados por meios fraudulentos, desleais ou ilícitos; b) introdução nesses registros de dados sensíveis assim chamados os de origem racial, opinião política, filosófica ou religiosa, filiação partidária e sindical, orientação sexual, etc…; c) conservação de dados falsos ou com fins diversos dos autorizados em lei[1]. Optou-se por enfocar o habeas data na perspectiva posta nas linhas a seguir em função da escassez de trabalhos doutrinários acerca deste instituto que o analisem sob a ótica da análise econômica do direito.
A análise econômica do direito busca a compreensão do direito partindo de pressupostos e valores econômicos, aplicáveis ao caso concreto pelo magistrado. Dessa forma, a racionalidade econômico-jurídica interage com o meio, de forma a determinar e influenciar a prática jurídica e o delineamento de novas matizes no ordenamento em geral, segundo novos padrões econômico-valorativos quando da apreciação judicial de casos[2]. Aqui, surge o problema dos custos de oportunidade. O custo de oportunidade vai ocorrer quando o agente opta por um determinado tipo de opção de ação em prejuízo de outras ações mutuamente excludentes. Então, o custo de oportunidade vai representar o benefício que foi perdido, ao se escolher determinada ação, objetivando um dado fim[3].
Assim, este trabalho tem como objetivo desenvolver uma reflexão sobre o custo de oportunidade no direito processual, buscando-se particularmente constituir uma base adequada para a identificação de possíveis deficiências no procedimento da ação de habeas data. Considerando-se sua relevância e grande potencial de aplicação no direito processual, como na avaliação de resultados, entende-se como fundamental a compreensão sobre o custo de oportunidade e suas aplicações, mesmo porque os indivíduos buscam, nas instituições econômico-políticas a maximização de suas expectativas de forma a ser obtida a maior diferença custo-benefício. Desta forma, evidencia-se a necessidade de que mais atenção seja dada ao custo de oportunidade no problema da efetividade processual.
Isto significa considerar não só a relação teleológica do instituto com o direito material, mas também a eficiência do próprio instituto, compreendendo-o face à necessidade de se obter o máximo ou melhor rendimento com a menor perda ou menor dispêndio de esforços possíveis. Aqui, dar-se-á atenção ao problema dos custos de oportunidade na configuração do interesse de agir na ação de habeas data. Neste sentido, o direito deve observar o princípio da eficiência econômico-social, quando da elaboração ou aplicação de normas, procurando internalizar a celeridade do ponto de vista do custo e benefício na tomada de decisões no âmbito das relações processuais.
2. O problema dos custos de oportunidade
2.1. Conceito e premissas básicas do custo de oportunidade
O método econômico é o da escolha racional, tendo por pressuposto a estabilidade das preferências, das escolhas individuais ao longo de determinado tempo.
Neste sentido, a economia pode contribuir para o aperfeiçoamento da produção de normas jurídicas ao orientar o legislador na produção de normas eficientes, partindo-se da escassez de recursos e do fato de que estes, ao passarem de meios ineficientes para meios eficientes, vão contribuir para a otimização do processo de produção[4]. De fato, a ciência econômica, ao ser aplicada no direito, procura explicar por que e como as pessoas, num ambiente de racionalidade, respondem melhor a incentivos externos via o estabelecimento de prêmios e punições[5]. Aqui, submete-se a idéia de eficácia da norma jurídica à idéia de eficiência. O objetivo é fazer com que a norma jurídica atinja o melhor resultado com o mínimo de erros ou perdas, tendo em vista o máximo rendimento possível, objetivando alcançar a função prevista de maneira mais produtiva, ou seja, com o mínimo de dispêndio aplicado[6]. É justamente nesse quadro que se insere o custo de oportunidade, também chamado custo alternativo.
Aqui, pode-se aplicar o método econômico no direito processual ao se analisar regras e princípios jurídicos.
Pode-se dizer que o custo de oportunidade é o custo de se utilizar alguma coisa num empreendimento, mediante benefício sacrificado, por não utiliza-lo maximamente no seu uso alternativo[7]. Em outras palavras, o custo de oportunidade vai representar o lucro máximo que poderia ter sido obtido se o bem, serviço ou capacidade produtivos tivessem sido aplicados em outro sistema operacional[8].
De fato, quando o indivíduo opta por exercer seu direito de ação, ao exercê-lo necessariamente estará renunciando ou prejudicando outras atividades. Isso, o que é sacrificado ou o que se renuncia, refere-se justamente ao custo de oportunidade. Na verdade, os custos de oportunidade envolvem os custos associados com as oportunidades que serão perdidas, caso o indivíduo não empregue seus recursos em sua utilização na de maior valor[9].
Por fim, o custo de oportunidade refere-se a uma comparação entre o caminho que se elegeu e o caminho que se abandonou. Por exemplo, o custo de se ingressar com uma ação judicial constitui-se de tudo aquilo que se despendeu (custas processuais, honorários de advogado, insumos, etc.) com a propositura da ação, além daquilo que se deixou de ganhar em face de se estar exercendo a atividade judicial. Assim, o uso de um recurso econômico em uma aplicação exclui o seu uso em outra[10].
Pelo exposto, observa-se que o custo de oportunidade tem algumas premissas. São as seguintes: 1) o custo de oportunidade pressupõe escolhas de alternativas viáveis e excludentes entre si[11]; 2) o custo de oportunidade sempre vai envolver algum atributo do objeto que se avalia, ou seja, por que a via escolhida foi esta e não aquela, mensurando-se prejuízos e benefícios[12]; 3) o custo de oportunidade está ligado a bens e serviços utilizados pelo indivíduo.
De certo, para a aplicação da idéia de custo de oportunidade deve haver alternativas reciprocamente excludentes e possíveis para o indivíduo. Aqui, o custo de oportunidade da alternativa escolhida corresponde ao custo da segunda melhor alternativa abandonada.
Também o custo de oportunidade se refere sempre à mensuração de benefícios e prejuízos sobre o objeto da avaliação, envolvendo, por exemplo, o custo de uma ação judicial, o esforço que será despendido no procedimento judicial, o tempo de ocupação na atividade e o tempo que seria empregado em outra atividade mais rentável, a possibilidade de ganhos, etc. Aqui, diversos atributos podem ser utilizados.
Por último, deve-se considerar nos custos de oportunidade o valor dos bens e serviços que serão utilizados e a relação destes com a eficiência na atividade que se planeja. Isto significa, por exemplo, que o legislador, ao produzir a lei processual, deve considerar aquela atividade produtiva que o cidadão vai deixar de realizar ao exercer o direito de ação e ingressar na relação processual, pois, caso contrário, isso necessariamente acarretará custos às partes no processo, além dos custos normais que elas terão que despender.
2.2. A importância do custo de oportunidade na tomada de decisão
O custo de oportunidade envolve a análise da remuneração oferecida por diferentes alternativas de aplicação. Assim, é apropriado considerar os graus de risco de cada ação para a tomada de decisão.
De fato, o custo de oportunidade apresenta natureza diversa dos custos normalmente contraídos pelas pessoas, visto que não envolve desembolso, despesas monetárias. Esse custo representa o lucro que deixa de ser obtido por não se fazer opção por determinadas atividades, rejeitando-se, por variadas razões, alternativas; portanto, os custos de oportunidade não envolvem receitas ou encargos diretos de recursos financeiros[13]. Assim, o custo de oportunidade está inserido em um conjunto de conceitos não usuais na contabilidade tradicional de custos, o que o torna, repetindo, importante para o indivíduo e à coletividade nas suas tomadas de decisões.
Assim, os indivíduos de um modo geral, e inclusive o Estado na prestação da justiça, devem considerar nas suas tomadas de decisão o conceito de custo de oportunidade.
Neste sentido, devem-se distinguir duas classes de custos. Os custos explícitos, estes envolvem as despesas efetivamente realizadas, constituindo gastos, com base em transações reais de aquisição de recursos utilizados em dada atividade. Um exemplo, são as custas processuais e os honorários advocatícios, representando uma quantia que poderia ter sido melhor despendida em outra atividade (assessoria jurídica, por exemplo), caso não se optasse pela via judicial.
Entretanto, os custos das atividades, produtos, serviços e atividades em geral devem levar em conta também outra espécie de custos: os custos implícitos. Os custos implícitos não são diretamente mensuráveis em termos de quantias, não sendo normalmente registrados ou, até mesmo, considerados, sobretudo no direito processual.
De fato, isto é um contra-senso, pois, considerando-se que o lucro econômico é obtido a partir da receita deduzida de todos os custos envolvidos em sua obtenção, a mensuração de resultados, inclusive no processo judicial, deve ter como pré-requisito a consideração de custos de oportunidade, estes representando o valor que se deixou de ganhar por não se ter aplicado os recursos em uma outra atividade.
Neste sentido, considere-se o seguinte exemplo: avalie que alguém precise requerer acesso a uma informação armazenada a seu respeito em alguma repartição pública para, havendo recusa no fornecimento da informação solicitada pela repartição, só então exercer o direito de ação. Com certeza as despesas do requerente não se limitam àquelas habituais de realização dessa atividade (transporte para a repartição pública, papel, energia elétrica, tinta de impressora e outros insumos). Na verdade, existem outras despesas, essas envolvendo aquelas atividades que o requerente deixou de fazer, caso não precisasse exercer o direito de petição perante a Administração Pública, representando um potencial prejuízo para si, por implicar em perda de possibilidade de aumento de receita.
Aqui, o sistema jurídico é tratado de forma integrada[14], estimulando que as informações disponíveis sejam perfeitas, ou seja, que todos os participantes saibam das informações antes de tomarem suas decisões[15]. Neste sentido, quanto maior a racionalidade e a informação, maior será o equilíbrio entre os participantes do jogo. Aqui, cada indivíduo passa a definir a sua estratégia principal, esta orientando todas as demais subseqüentes[16].
Mais do que isto. O custo de oportunidade deve ser avaliado do ponto de vista do fato dele representar retenção literal de mão-de-obra, prejudicando a atividade produtiva como um todo no país.
Desta forma, ao se considerar o custo de oportunidade deve-se entender não só o bem-estar, seja ele de que espécie for, que o indivíduo deixa de obter por não ter aplicado o seu esforço em uma outra atividade, como o benefício que a sociedade perde, sem estimular a atividade econômica, por reter mão-de-obra. De fato, o custo de oportunidade implica também em custos sociais.
De certo, o ordenamento jurídico tem de buscar parâmetro de decisão alinhado com os anseios da maioria ou totalidade do grupo social e conforme à técnica mais promissora e racional disponível. Entretanto, quando o Estado insufla os procedimentos com atos processuais, tomando decisões administrativas ou exarando decretos, leis e impingindo vontade política, ele vai contra a ordem natural das coisas. O resultado disto no processo judicial é a inefetividade, com desperdício e escassez de recursos.
Por fim, a produção de norma jurídica condiciona, implicitamente, a decisão jurisdicional, pois esta é tomada levando-se em conta, direta ou indiretamente, a norma legislada. Então, ao se considerar as contradições do processo de produção de riqueza na metodologia de análise ou na natureza intrínseca do próprio direito, entende-se que na decisão do legislador, do juiz ou do administrador deve-se relevar os meios econômicos disponíveis para atingir fins específicos sob pena de ineficácia da norma, dando-se aplicação do instrumental de análise do custo e do benefício de decidir, ainda, ponderando o objetivo a ser atingido e o conseqüente custo para alcançá-lo[17].
3. O interesse de agir na ação de habeas data
3.1. O interesse de agir como condição da ação
O interesse de agir é a relação de utilidade entre a pretensão deduzida na ação e a adequada prestação da justiça solicitada para satisfazê-la. Em outras palavras, pelo interesse de agir o tipo de prestação da justiça solicitada ao juiz na ação deve ser útil à satisfação da exigência da parte[18].
Desta forma, somente tem interesse de agir aquele que pede, através da ação, a prestação útil à satisfação da pretensão e pelo meio adequado. Assim, o interesse de agir tem relação com a possibilidade jurídica do pedido. Na verdade, esta está inserida naquela.
A adequação no interesse de agir está ligada à utilidade do provimento solicitado. De fato, a utilidade envolve a escolha correta do procedimento adequado à pretensão deduzida.
O acesso ao habeas data pressupõe, por ser ação, dentre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente este, torna-se impossível o uso do habeas data. A prova do anterior indeferimento do pedido exposto na peça de habeas data, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito fundamental para que se configure o interesse de agir. Sem isto existirá carência de ação.
O interesse de agir no habeas data é relevante, pois o pedido deve ser necessário e adequado. De forma que só se poderá requerer a intervenção da tutela jurisdicional do Estado, para enquadrar aquele que resiste à relação jurídica disciplinada pelo direito material, quem tenha necessidade de recorrer à via judiciária para que o Estado, no exercício da jurisdição, diga o direito e o imponha[19].
3.2. A exigência de prévio requerimento administrativo para a configuração do interesse de agir e a incompatibilidade com a celeridade do habeas data
O art. 8º da Lei nº 9507/97 e a Súmula nº 2 do STJ, quanto ao interesse de agir no habeas data, geraram grande problema ao estabelecerem como condição de admissibilidade para a ação de habeas data a necessidade de a petição inicial ser instruída com a prova da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão; da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o parágrafo segundo, do art. 4º, ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão. De certo, a lei inovou ao exigir prévio requerimento à esfera administrativa para se ingressar com o habeas data. Setores da doutrina entendem que a prova do anterior indeferimento do pedido exposto na peça de habeas data, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito fundamental para que se configure o interesse de agir. Sem isto existirá carência de ação[20]. Entretanto, esta posição, sepultou a efetividade do habeas data.
De fato, os Tribunais brasileiros, bem como os legisladores brasileiros pós-constituinte, extrapolaram ao impor condições de ordem processual ao habeas data, onde a Constituição da República não o fez, o que de certa forma restringe a aplicação deste instituto. Diante da nova ordem jurídica constitucional, surgida a partir de 1988, por disposição do art. 5º, inciso XXXV da Carta Federal, dispondo que a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, não pode o legislador e ninguém mais, nem mesmo as leis processuais[21], impedirem ou estabelecerem hipóteses que impeçam a pessoa de ir a juízo ou exercer o direito do habeas data[22]. Ou seja, o habeas data é auto-aplicável.
Desta forma, o princípio do direito de ação, espécie do princípio do devido processo legal, não pode ser contrariado. Isto implica que a pretensão seja aceita em juízo; que ela seja deduzida por processo e julgada pelo Estado-juiz; que seja reconhecida a pretensão a quem tiver direito à tutela; que a tutela concedida seja efetiva. Pelo princípio do direito de ação, não pode o legislador, e ninguém mais, impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão[23]. O exercício do direito à ação é universal e intangível. Assim, mesmo que a pessoa não tenha direito, mesmo que ela seja estrangeira (ainda que não haja reciprocidade com os brasileiros residentes no país de origem), mesmo que lhe faltem requisitos para a propositura da ação, mesmo sob qualquer outro motivo, não se pode impedir ou obstaculizar ninguém de ir a juízo requerer pretensão sua. Em outras palavras, o Estado-juiz terá que apreciar a ação proposta, ainda que seja para somente indeferí-la por ausência das condições da ação[24].
A Constituição não fez qualquer tipo de exigência de prévio requerimento administrativo para o exercício do direito de ação de habeas data. Ora, se assim procedeu, foi porque quis que o único fundamento para a propositura da ação fosse a existência de registros sobre o impetrante[25]. Isto assim se dá por ser a ação de habeas data uma ação de índole constitucional, de caráter urgente, de defesa de direito fundamental e, sendo cláusula pétrea e a Carta Magna não dispondo do prévio requerimento ao sujeito passivo, descabe esta exigência para que o interessado impetre o habeas data[26]. Aqui, a lei infraconstitucional, e muito menos a interpretação jurisdicional, não pode impor condições novas para esta ação. Em outras palavras, a exigência de prévio requerimento administrativo para a configuração do interesse de agir no exercício do direito de ação de habeas data configura obstáculo a esse direito e é inconstitucional.
Ademais, corroborando a argumentação acima, não pode haver exigência na propositura da ação de habeas data de prova pré-constituída, pois a Constituição não exige direito líqüido e certo para o exercício da ação de habeas data. Assim, não se pode impor ao lesado qualquer tipo de obstáculo ao acesso ao banco de dados, pois trata-se faculdade de conhecimento e de proteção da esfera imaterial da propriedade. O que se quer dizer é que o habeas data só pode ser limitado pela natureza do direito que dispõe e não por procedimentos complexos[27].
De fato, o habeas data, por ser tutela constitucional de urgência, busca que a parte possa sanar atos ilegais e abusivos. É uma garantia especial revestida de celeridade e sumariedade. A exigência de prévio esgotamento da via administrativa para só depois provocar a intervenção da tutela jurisdicional do Estado, para este enquadrar o coator, que resiste à relação jurídica disciplinada pelo direito material, acaba por emperrar a celeridade. Esta “anticeleridade” se dá em virtude das disposições da Lei nº 9507/97 que provoca o seguinte desenrolar dos fatos: o requerente formula pedido administrativo (ou amigável) para retificação, por exemplo, da informação (art. 4º). Protocola-o e aguarda a resposta do depositário do registro ou do banco de dados (art. 4º, §1º). Transcorridos quinze dias sem decisão do pedido (art. 8º, II), o requerente impetra o habeas data. Despachando a inicial (art. 19, parágrafo único), o juiz ordena que se notifique o coator do conteúdo da petição (art. 9º). O impetrado dá as informações no 10º dia, sem demonstrar fato impeditivo ou modificativo ao direito do impetrante. Os autos seguem ao Ministério Público, que junta parecer favorável à concessão, em cinco dias (art. 12). O juiz julga procedente o pedido e comunica ao coator a decisão, marcando data e hora para a apresentação da prova da decisão[28].
Vale ressaltar que a Emenda Constitucional nº 45/2004 introduziu ao artigo 5º da Constituição Federal o inciso LXXVIII, assegurando a todos tanto no processo jurisdicional comum quanto no processo jurisdicional administrativo, o direito à razoável duração do processo, bem como os meios necessários para isto. É o princípio da celeridade, versão constitucional do princípio informativo da economia processual.
Este novo inciso se relaciona com o princípio do direito de ação. Aqui, a tutela a ser dada pelo Estado-juiz deve ser aquela apta a resolver satisfatoriamente o litígio. Ou seja, deve ser eficaz e, portanto, célere. Neste sentido, a demora produzida pela exigência de prévio esgotamento da via administrativa para a configuração do interesse de agir na ação de habeas data vai contra a feição da própria idéia de tutela jurisdicional, pois a “anticeleridade” do habeas data acaba por gerar insegurança jurídica e instabilidade nas instituições jurídicas. De fato, o instrumentalismo processual exige não só um procedimento que realize as tutelas de urgência, nas quais o habeas data se insere, mas também permitam a realização segura de direitos, sem instabilidade[29].
Aqui, submete-se a idéia de eficácia da norma jurídica à idéia de eficiência. O objetivo é fazer com que a norma jurídica atinja o melhor resultado com o mínimo de erros ou perdas, tendo em vista o máximo rendimento possível, objetivando alcançar a função prevista de maneira mais produtiva, ou seja, com o mínimo de dispêndio aplicado[30]. Então, busca-se a redução de custos sociais, externalidades e os desperdícios. Neste sentido, as leis jurídicas devem guardar mínima harmonia com as leis econômicas e o paradigma jurídico deve ter como meta a agilização e fluidez das relações de produção, aumento da produtividade e otimização da produção da riqueza[31].Pois bem, se considerarmos máxima eficiência aos prazos processuais e aos atos do processo o pedido do impetrante será realizado em um mês. Considerando a realidade, não antes de dois meses e meio. Logo, o art. 8º da Lei nº 9507/97 compromete a eficácia do habeas data. Aqui, deve-se ressaltar que o que está no centro do litígio são direitos fundamentais da pessoa humana e isto deveria ter sido levado em conta pelo legislador.
Foi a jurisprudência, através da Súmula nº 2 do STJ, que orientou o legislador a condicionar o interesse de agir no habeas data à prova da recusa em se atender o pedido. Este assim o fez, malgrado o posicionamento contrário da maior parte da doutrina brasileira, mesmo após o advento da Lei nº 9507/97.
Logo, a exigência do prévio esgotamento da via administrativa como condição indispensável para que se impetre o habeas data é insustentável, pois a intenção do Constituinte é proporcionar ao indivíduo meio rápido e eficaz de se ter acesso a esses dados. A obrigação do acesso prévio à instância administrativa torna o processo moroso e não confere ao postulante a segurança que ele tem com uma sentença judicial, principalmente em caso de fraude do sujeito passivo. O mais correto é a dispensa de prévia provocação administrativa para a interposição do habeas data[32], até porque nenhuma das garantias constitucionais ativas depende de prévia postulação fora da via judiciária[33].
Em relação às condições da ação, o art. 7º, inciso II da Lei nº 9507/97 apresenta um outro problema: se o interessado já souber ou já constatar qualquer informação equivocada a seu respeito, já terá surgido o seu interesse de agir antes mesmo de se provocar a instância administrativa[34]. De forma que a exigência de prova da recusa em fazer-se a retificação ou omissão é descabida e só leva a uma procrastinação do feito. A lesão ou ameaça ao direito já teria se produzido, aí, antes mesmo da provocação formal da via administrativa. Neste caso, a interposição direta do habeas data pouparia tempo, além de oferecer a segurança jurídica que uma sentença judicial oferece.
É justamente esta exigência de prévio requerimento que constitui um dos pontos de estrangulamento e comprometimento da eficácia do habeas data, tornando, na maioria das vezes, a tutela jurisdicional decorrente do habeas data, uma tutela inefetiva.
Por fim, o objetivo do legislador e dos Tribunais, ao exigirem o prévio esgotamento da via administrativa para a configuração do interesse de agir na ação de habeas data, é “desafogar” os juízos, estes sem condições estruturais para o cumprimento dos prazos diminutos da ação de habeas data, o que não justifica o atropelo sobre a Constituição.
4. Os custos de oportunidade como componente central na análise da efetividade do habeas data
O problema da dispensa da exigência obrigatória do prévio requerimento administrativo para a configuração do interesse de agir na ação de habeas data deve ser analisado à base dos condicionantes históricos e materiais em que o ordenamento jurídico está inserido dentro do quadro de correlação de forças.
De fato, são as relações de produção e leis econômicas do modo-de-produção, marcadas pela divisão do trabalho e da produção, que condicionam as demais relações sociais e geram a superestrutura ideológica do Estado, do qual o direito é espécie[35].
O legislador, ao produzir as normas jurídicas, particularmente as regras que irão dar forma às relações jurídicas, deve considerar a repercussão delas no processo de produção de riquezas, a alocação de recursos econômicos e o comportamento das diversas classes sociais que participam do processo de produção de riqueza, além das próprias escolhas individuais dos indivíduos[36].
Neste sentido, o conceito de custo de oportunidade está presente no cotidiano das pessoas, especialmente quando a escolha de uma alternativa exclui o indivíduo dos benefícios proporcionados pelas alternativas rejeitadas.
De certo, a própria concepção do processo como um conjunto de atos inseridos numa sucessão de momentos, em que estes atos devem ser praticados reflete o paradigma do custo de oportunidade.
Ademais, o custo de oportunidade é um dos mais relevantes na economia e nas decisões, tendo caráter quase que instintivo, pois o ser humano é incapaz de fazer várias coisas ao mesmo, devendo fazer apenas aquilo que considera a melhor alternativa no momento. Por exemplo, exercer o direito de ação exclui, a princípio, outras alternativas, como tentar resolver o litígio extrajudicialmente, mediante transação. Neste exemplo, usando o princípio do custo de oportunidade, o indivíduo imagina que o custo de solicitar a prestação jurisdicional perante o Estado não consiste apenas nas custas processuais, honorários de advogado e deslocamentos ao foro, mas também nos ganhos perdidos por estar ocupado realizando atos e arcando com custos explícitos decorrentes de uma relação processual.
A aplicação do custo de oportunidade no procedimento iniciado pela ação de habeas data está materializada na discussão sobre a celeridade processual.
De fato, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXXVIII, garante explicitamente a duração razoável do processo, bem como impõe ao Estado que provenha meios para garantir a celeridade processual[37]. Isto reforça a tese de que a lei infraconstitucional não pode restringir, delimitar, impor condição ao exercício do habeas data, quando a Constituição Federal não o fez e nem foi essa a intenção do Constituinte[38]. De fato, a Constituição Federal de 1988, ao consagrar o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional no seu art. 5º, inciso XXXV, vedou que se condicionasse o exercício do direito de ação a qualquer requisito, dispensando, assim, o prévio esgotamento da via administrativa para se interpor o habeas data, no caso da Lei nº 9507/97. E se assim dispõe, isto garante a constitucionalidade da dispensa deste requerimento, impedindo a geração de custos de oportunidade para as partes.
Assim, se envolve um outro argumento tão relevante, ou talvez mais relevante ainda, quanto o fato de que a exigência da via administrativa ofende a Constituição Federal: é o problema de que a exigência da via administrativa gera custos de oportunidade para os sujeitos principais e secundários da relação processual e para o próprio Estado e a sociedade, colaborando para a ineficiência do sistema processual, de um ponto de vista amplo, e para a inefetividade da ação de habeas data, de um ponto de vista estrito. O custo de oportunidade vai surgir quando o agente opta por um determinado tipo de ação em prejuízo de outras ações mutuamente excludentes. Então, o custo de oportunidade vai representar o benefício que foi perdido, ao se escolher determinada ação, objetivando, por sua vez, um dado fim[39].
A aplicação dos custos de oportunidade no direito processual se revela no princípio econômico. Este consiste na obtenção do máximo de rendimento e o mínimo de dispêndio com atos processuais, em relação a tempo e custo financeiro. Aqui, se impõe uma simplificação de procedimento e uma economia de recursos financeiros, envolvendo custos de oportunidade. Segundo este princípio, o processo deve ser acessível a todos, independentemente do poder aquisitivo de cada um. Aqui, se impõe uma simplificação de procedimento e uma economia de recursos financeiros[40].
Em suma, o processo deve ser rápido e barato. Um exemplo do reflexo desse princípio é o procedimento dos juizados especiais. A própria concepção do processo como um conjunto de atos inseridos numa sucessão de momentos, em que estes atos devem ser praticados reflete o princípio da economia processual.
Um outro exemplo do princípio econômico é a antecipação da tutela. Por esta, se o autor requerer a antecipação do pedido na petição inicial, requerendo providência de natureza cautelar, poderá o juiz, presentes os requisitos para tanto, deferir a medida cautelar em caráter incidental ao processo ajuizado. O próprio instituto da revelia, pelo qual não se contestando a ação, reputar-se-ão verídicos os fatos alegados pelo autor, ensejando julgamento antecipado do litígio, é expressão do princípio econômico[41].
O custo de oportunidade também se revela no princípio lógico, este baseando-se em princípios racionalistas e consistindo na seleção de meios eficientes e ordenados para o descobrimento da verdade que envolve a lide e das soluções corretas, objetivando evitar erros[42]. Aqui, existe uma clara tentativa de otimizar a atividade estatal de prestação da justiça, evitando ocupar os funcionários do Estado e as partes com atos processuais desnecessários. É claro que com isto objetiva-se evitar custos de oportunidade.
Segundo este princípio, a concepção normativa deve ser de tal forma articulada que permita, de forma lógica, a descoberta da verdade. Um exemplo do princípio lógico é a regra do art. 301 do CPC, pela qual se estabelece uma ordem para a defesa do réu, devendo ser as questões preliminares alegadas antes do mérito (ou, da decisão que haja posto fim ao processo, sem apreciação do mérito).
Há, então, uma ordenação lógico-positivo-jurídica das questões preliminares e de fundo, ocasionando uma prioridade cronológica para o julgamento das preliminares e apreciação dos recursos a essas relativos, em relação ao julgamento do recurso da decisão final[43]. es preliminares e de fundo, ocasionando uma prioridade cronolas processuais, reunidas na açda a pretens________________________Em suma, deve-se usar os meios mais eficientes que levem à verdade sobre a lide e à sua melhor solução.
Quando, por exemplo, o legislador aumenta a quantidade de atos processuais desnecessariamente, ele vai gerar custos de oportunidade para as partes e para o próprio Estado, pois os sujeitos da relação processual estarão ocupados em demasia na atividade processual, quando na verdade poderiam estar ocupados na atividade produtiva gerando renda para si (partes e juiz) ou para o próprio Estado (juiz). Isto é o que significa custos de oportunidade.
O conceito de custo de oportunidade é sempre presente quando a aceitação de uma alternativa exclui outras[44]. Assim, no direito processual, representa o custo de oportunidade o quanto o indivíduo sacrificou em termos de remuneração por ter aplicado seus recursos numa alternativa ao invés de outra. Aqui, evidencia-se princípios racionalistas, consistindo na seleção de meios eficientes e ordenados para o descobrimento da verdade que envolve a lide e das soluções corretas, evitando erros[45].
Por fim, o custo de oportunidade influi diretamente na idéia de eficiência do sistema processual, pois o excesso de procedimentos e a exigência de prévio requerimento administrativo para a configuração do interesse de agir na ação de habeas data constitui um excesso de procedimento, conduz à ineficiência do sistema, gerando altos custos, morosidade na obtenção da prestação jurisdicional e desestimulando os indivíduos na defesa de seus direitos e pretensões[46].
Informações Sobre o Autor
Fernando Joaquim Ferreira Maia
Mestrando em Direito pela Faculdade de Direito do Recife-UFPE; Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito do Recife-UFPE; Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito-CONPEDI; Professor da disciplina de Teoria Geral do Processo, do curso de Direito, na Faculdade Maurício de Nassau, em Recife; Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco-UNICAP