O protesto cambial como forma de recuperação de créditos judiciais no novo Código de Processo Civil

Resumo: O presente artigo visa à abordagem do protesto cambial como forma de recuperação dos créditos judiciais, objetivando analisar o protesto das sentenças e decisões judiciais, averiguar o instituto da inadimplência das obrigações e seus reflexos na órbita jurídica e social, buscando compreender sua importância e possível satisfação creditícia e examinando o protesto na nova lei adjetiva. Como resultado de pesquisa, obteve-se a confirmação da possibilidade do protesto de decisões judiciais transitadas em julgado ou de alimentos sem observância desse requisito, como forma alternativa de busca pela satisfação do crédito e de comprovação da inadimplência do devedor. A pesquisa deu-se de forma descritiva, e pretende apresentar de uma nova visão sobre a realidade do protesto cambiário, com base na metodologia qualitativa, fazendo uso da lógica indutiva, e da pesquisa bibliográfica, incluindo doutrina e jurisprudência.

Palavras-chave: obrigações; protesto; sentença; novo código de processo civil; notário.

Abstract: This article aims at the exchange protest approach as a means of recovery of legal claims, aiming to analyze the protest of judgments and judicial decisions, determine the institute of default of obligations and its effects on legal and social orbit, trying to understand its importance and possible satisfaction credit and examining the protest in the new adjectival law. As a result of research, obtained the confirmation of the possibility of protest court decisions unappealable or food without compliance with this requirement, as an alternative way to search for credit satisfaction and proof of default by the debtor. The research took place in a descriptive way, and intends to present a new vision of the reality of the protest, based on qualitative methodology, using the inductive logic, and literature, including doctrine and jurisprudence.

Keywords: obligations; protest; sentence; new civil process law; notary.

Sumário: Introdução. 1. O inadimplemento das obrigações. 2. O protesto. 3. O protesto de sentenças como forma de recuperação dos créditos judiciais. Conclusão.  Referência.

INTRODUÇÃO

As práticas comerciais são baseadas na confiança e na certeza de instrumentos jurídicos suficientemente capazes de satisfazer aos interesses das partes. Assim, as pessoas, ao contratarem, são levadas pela boa fé de que as obrigações contraídas serão cumpridas.

Contudo, ao deparar-se com o inadimplemento de uma obrigação, credor e devedor passam a experimentar situações jurídicas novas, com consequências diversas das anteriormente pactuadas.

O presente artigo, dessa forma, explora a aplicação do protesto cambial como forma de comprovação do descumprimento dessas obrigações, bem como apresentar uma forma de coerção moral ao pagamento, dadas as consequências que o protesto pode trazer ao devedor, principalmente no tocante às sentenças judiciais, com o advento do Novo Código de Processo Civil.

A escolha do tema justifica-se pelo desconhecimento, na maioria das vezes, por parte dos juristas, do instituto do protesto, bem como pela novidade trazida pela nova lei adjetiva, que está no dia-a-dia das relações judiciárias.

Dessa forma, pretende-se, como objetivo geral, estudar a possibilidade de aplicabilidade do protesto cambiário às sentenças judiciais, de acordo com a nova legislação processual civil.

Levanta-se como problema de pesquisa a (in)eficácia do protesto cambial como forma de recuperação dos créditos decorrentes de decisões judiciárias, após a promulgação do Novo Código de Processo Civil.

Para elucidação da proposta, o trabalho foi subdividido em três capítulos. No primeiro, discorrer-se-á acerca do nascimento e inadimplemento das obrigações, averiguando as causas que levam os credores a buscar a satisfação dos seus créditos. Em um segundo momento, tratar-se-á propriamente do protesto cambial, regulado pela Lei 9.492/97, como alternativa para a cobrança, recuperação econômica e social dos créditos, bem como suas consequências. Por fim, no terceiro capítulo, será trabalhado o novo código de processo civil e suas previsões acerca do protesto de decisões judiciais, juntando ao trabalhado nos capítulos anteriores.

Quanto à metodologia empregada no artigo científico, este se realizou pela base lógica Indutiva, e foram utilizadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica, incluindo doutrina e jurisprudência. 

1 O Inadimplemento das Obrigações

Toda ação humana visa uma finalidade. A obrigação também tem uma: a satisfação de um interesse legítimo do credor. (NORONHA, 2013, n.p)

O ápice das obrigações é a fase de adimplemento. É possível dizer que, desde o nascimento da relação obrigacional, presencia-se uma marcha em direção ao adimplemento. Ou seja, a atuação das partes e da sociedade, no desencadeamento dos seus diversos atos, seguem esse desfecho. A obrigação, assim, não constitui um fim em si mesma. É apenas um instrumento técnico jurídico criado pela lei para a satisfação de certo interesse. (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p. 404-405)

O adimplemento trata-se do cumprimento, pelo devedor, da prestação a que estava vinculado, seja ela de dar, fazer ou não fazer. Com o adimplemento, cessa a relação jurídica obrigacional entre o devedor e o credor, satisfazendo este e liberando aquele, extinguindo a dívida. Adimplir é ato do devedor que presta o que tinha de prestar (embora o adimplemento possa ser feito por terceiro, interessado ou não, no qual há satisfação do credor, mas não liberação do devedor). (LÔBO, 2015, n.p.)

Assim, o adimplemento da obrigação importa na sua extinção, uma vez que satisfeito o objeto do negócio jurídico, cabendo ao devedor entregar ao credor a prestação pela qual se obrigou. (ASSIS NETO; JESUS; MELO, 2016, p. 656-658)

O adimplemento é o modo natural de extinção das obrigações, pois segue aquilo foi objeto de planejamento das partes, pautado nos princípios da pontualidade e boa-fé. (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p. 414)

O pagamento é a forma mais habitual de findar a relação creditícia: o devedor que paga o título ao legítimo credor, no vencimento, sem oposição, fica validamente desonerado. No campo do direito cambiário, o artigo 901 do Código Civil dispõe de forma semelhante que “fica validamente desonerado o devedor que paga título de crédito ao legítimo portador, no vencimento, sem oposição, salvo se agiu de má-fé.” (MAMEDE, 2016, p. 119)

Cumprir ou adimplir com a obrigação é apenas uma das formas de extinção das relações obrigacionais. O Código Civil reserva outras formas para a solução das obrigações, como a novação, confusão, compensação, remissão e a prescrição, as quais não serão objeto de estudo no momento.

A obrigação nasce para ser cumprida. Contudo, eventos estranhos ou não à vontade das partes, por vezes, acabam por provocar a impossibilidade de cumprimento, total ou parcial, a tempo ou não, da relação. A esse fenômeno, dá-se a denominação de inadimplemento. (FARIAS; 216, p. 699)

A consequência natural do surgimento de um vínculo é o convencimento do devedor quanto à necessidade de satisfazer a prestação em favor do credor. Dessa forma, não havendo o cumprimento da obrigação, é como se houvesse um rompimento da ordem jurídica, que, apesar de aparentemente impactar apenas na órbita dos interesses do credor, culmina por afetar a sociedade, uma vez que esta precisa do efeito pedagógico do direito e de suas normas sancionatórias. (ASSIS NETO; JESUS; MELO, 2016, p. 717).

Segundo Farias e Rosenvald (2016, p. 536-537): “portanto, surge o inadimplemento quando A promete a B a entrega de uma bicicleta em 15 dias, porém descumpre a obrigação de dar. Também quando A promete realizar um serviço de reparo em instalação hidráulica na residência de B, mas nunca comparece, descumprimento a prestação de fazer. Da mesma forma, se A e B ajustam que o primeiro manterá sigilo quanto a um determinado segredo industrial, haverá inadimplemento da obrigação de não fazer quando A viola a cláusula de confidencialidade. Não se olvide, por fim, a possibilidade do inadimplemento involuntário, em casos que a pessoa obrigada não conseguirá satisfazer a prestação, em razão de um fato invencível e alheio a sua vontade.”

O inadimplemento pode ser absoluto ou relativo, sendo que ambos possuem como semelhança a ausência de cumprimento da obrigação existente entre as partes.

O inadimplemento absoluto, quando não é mais possível o cumprimento da obrigação, seja pela impossibilidade do objeto da prestação ou seja pela inviabilidade econômica da prestação diante do interesse do credor, hipótese em que o devedor é obrigado a pagar perdas e danos que possuam valor equivalente ao da prestação, acrescidos de juros e atualização monetária, conforme depreende-se do artigo 389 do Código Civil Brasileiro, estando sujeito à resolução do negócio (art. 475), ressalvadas as hipóteses de caso fortuito e força maior (art. 393).

Já o inadimplemento relativo, também conhecido como mora, pode ser caracterizado como o imperfeito cumprimento de uma obrigação, seja pelo credor (mora accipiendi) ou pelo devedor (mora solvendi), mas que ainda pode ser cumprida de maneira proveitosa, apesar de em tempo, lugar ou forma diversos. Regula-se pelas normas dos artigos 394 a 401 do Código Civil, pela qual responde o inadimplente pelo valor da obrigação acrescido dos encargos legais, podendo ser constituída de pleno direito quando do vencimento da obrigação, caso ele exista (mora ex re) ou mediante interpelação judicial ou extrajudicial quando não houver prazo assinalado para o devedor cumprir a obrigação (mora ex persona).

Interpelação, nesse sentido, deve ser entendida como qualquer ato que apresente certeza que o devedor ficou ciente de determinado fato.

Ainda que ocorra o inadimplemento das obrigações contraídas, os interesses dos credores, de uma maneira geral, permanecem semelhantes: fazer com que sejam cumpridas ou ressarcidas.

E é nessa seara, nasce a razão da presente pesquisa: o inadimplemento das obrigações.

2 O Protesto

Quando não resolvida a questão de forma amigável, os credores não encontram saídas senão recorrer aos instrumentos jurídicos que lhes são postos à disposição para satisfação dos créditos.

Para isso surge o procedimento do protesto, como uma forma alternativa e extrajudicial para cumprimento da obrigação, bem como, caso assim não ocorra, comprovar o descumprimento.

Nesse sentido, a Lei 9.492/97 surge informando, em seu artigo primeiro, que o “protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.”

Trata-se de uma prática econômica e jurídica cunhada ao longo da evolução histórica da humanidade, instituída para certificar o inadimplemento da obrigação, dando publicidade ao mercado sobre o acontecimento. (MAMEDE, 2016, p. 121)

A competência para a lavratura do protesto é privativa do Tabelião de Protestos, na forma do art. 3º da mencionada lei.

Protesto de títulos, portanto, é a afirmação solene em ato público formalizado pelo notário, com finalidade iminente de provar, com segurança jurídica, o descumprimento de obrigação cambial. Através do protesto se prova de forma precisa e cristalina a falta de aceite ou de pagamento de um título e ainda a falta de devolução de uma duplicata. (LOUREIRO, 2016, p. 1.206)

O procedimento do protesto consiste em apresentação do título ao tabelião de protestos competente (art. 9º), intimação do devedor para comparecer ao tabelionato cumprir a obrigação no prazo legal (art. 14), com o repasse do valor, caso pago, ao apresentante (art. 19), ou com o protesto do título, caso não haja o pagamento, tampouco a sustação judicial ou retirada do título  pelo apresentante (art. 20).

Para a presente pesquisa, limita-se o estudo do protesto por falta de pagamento, que constitui o cerne para a temática proposta. Dentre as finalidades do protesto, podem ser destacadas as sete principais, quais sejam:

1ª) A prova do inadimplemento. Conforme artigo 1º, já mencionado, o protesto surge como forma de se comprovar, por meio de um ato oficial lavrado por agente público, o descumprimento da obrigação. Ressalta-se, aqui, que o protesto não prova o dever do devedor, tampouco a legalidade do negócio, mas tão somente que a obrigação não foi cumprida, seja ela devida/legal ou não.

Assim, o credor possui em mãos, com o protesto, um documento que lhe garante a falta de cumprimento voluntário por parte do devedor, afastando uma possível alegação de que não se tentou resolver de forma amigável ou extrajudicial.

Como há a intimação do devedor, há, consequentemente, a interpelação necessária para lhe constituir em mora.

2ª) Requisito para execução de alguns documentos representativos de dívida. Conforme o art. 15, II, da Lei 5.474/68, a cobrança judicial da duplicata não aceita segue as normas do processo aplicável à execução dos títulos executivos extrajudiciais, desde que, cumulativamente, haja sido protestada, esteja acompanhada de documento que comprove a entrega e recebimento da mercadoria e que o sacado não tenha recusado o aceite nas formas e condições que lhe são permitidas. Da mesma forma, o contrato de câmbio torna-se instrumento passível de execução após o seu protesto, na forma do art. 75 da Lei 4.728/65.             

3ª) Interrupção da prescrição. Os títulos de crédito possuem, como regra geral, o prazo de três anos a contar do vencimento para execução dos seus devedores principais (no tocante à duplicata, conforme art. 18, I do Lei 5.474/68; já à letra de câmbio e à nota promissória, art. 70 e 77 do Decreto-Lei 57.663/66), ressalvado o caso do cheque, em que o prazo é de seis meses a contar da expiração do prazo e apresentação perante a rede bancária (art. 59 da Lei 7.357/85).

Conforme o art. 202, III, do Código Civil Brasileiro, uma das causas de interrupção dos prazos prescricionais, é o protesto cambial. Em contraponto, há a Súmula nº 153 do Supremo Tribunal Federal, que informa que o “simples protesto cambiário não interrompe a prescrição”. Contudo, referido enunciado foi aprovado em 13/12/1963, restando sem efeito com a edição da atual lei substantiva civil.

Dessa forma, com o protesto é possível o credor dilatar seu prazo prescricional para ajuizar a ação de cobrança ou de execução contra o devedor, reiniciando a contagem do prazo após o ato notarial respectivo.

4ª) Publicidade. A partir do momento que o título é protestado, dá-se publicidade à inadimplência do devedor, nos termos do art. 2º da Lei 9.492/97, podendo fornecer certidões a quem solicitar, não podendo esconder a informação de qualquer título protestado que não tenha sido cancelado ou sustado judicialmente, nos termos dos artigos 27 e 31 da mesma lei.

Ainda, as informações relativas aos títulos protestados são remetidas às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, conforme art. 29. Assim, os devedores acabarão sendo inscritos em instituições como Serasa e Boa Vista, que fornecem informações às instituições bancárias e comércio em geral quando da realização de determinadas transações.

5ª) Requisito alternativo para o pedido de falência. Conforme art. 94, I, da Lei 11.101/05, o pedido de falência contra empresário pode ser instaurado quando o devedor não paga, sem razão relevante de direito, obrigações líquidas materializadas em título ou títulos protestados,  cuja soma ultrapasse o montante de quarenta salários mínimos, desde que requeridos para esse fim especificamente, podendo reunirem-se credores para o alcance da quantia necessária. (art. 94, §1º e §3º).

6ª) Requisito para cobrança dos coobrigados. Apesar não ser muito observado na prática forense, constitui requisito para cobrança dos coobrigados dos títulos de crédito, o protesto da cártula dentro do prazo estabelecido por lei, sendo dois dias úteis para a nota promissória e para a letra de câmbio (arts. 44, 53, 70 e 77, da Lei Uniforme de Genebra), trinta dias para a duplicata (art. 13, §4º, da Lei 5.474/68), e trinta ou sessenta dias para o cheque, a depender da praça de pagamento (arts. 47, 48 e 33 da Lei 7.357/85).

7ª) Recuperação dos créditos. Por fim, mas não menos importante dentre as finalidades apontadas e sem tornar exaustivo esse rol, a recuperação dos créditos é uma das grandes finalidades do procedimento.

Como demonstração da efetividade do instituto, em Santa Catarina, o Estado arrecadou R$150 bilhões em quinze meses de envio de títulos aos tabelionatos de protesto, correspondendo a 20% da dívida ativa existente, além dos contribuintes que procuraram a Fazenda para proceder ao parcelamento e consequente pagamento dos tributos.

De acordo com a Procuradoria da Fazenda Nacional, “o índice de recuperação é alto em comparação com as demais formas diretas de cobrança tributária. Desde março de 2013 até outubro de 2015, alcançou o patamar de 19,2%, que representa 167.219 inscrições com valor consolidado de R$ 728.260.828,54”.

Tais informações considerando tão somente as dívidas tributárias, sem considerar aquelas provenientes de particulares, cuja recuperação tende a ser ainda maior.

Em pesquisa de campo realizada em alguns pontos do Estado de Santa Catarina perante os tabelionatos de protesto, percebe-se que o total recuperado em algumas comarcas tende a ser um valor muito grande. Demonstrativamente, foram colhidas informações nos tabelionatos de Abelardo Luz, Caçador, Descanso, Itá, Itapiranga, Modelo, Porto Belo e São José, os quais abrangem, juntos, a população de 441.884, repassando aos credores, no período de janeiro a agosto de 2016, a cifra de R$60.146.187,47.

Logo, as normas atinentes ao protesto, como toda norma jurídica, têm por finalidade prevenir e resolver situações conflituosas entre os homens (quer os conflitos sejam de valores ou de interesses), a fim de preservar a sociedade de tensões que possam ameaçá-la.

Conforme explana Loureiro (2016, p. 1.206), a principal função do protesto de fato é a comprovação da inadimplência das obrigações, mas que, em um segundo momento, é justamente combater esse grau de inadimplência mediante a coerção moral do devedor, dadas as consequências do não cumprimento, contribuindo para o progresso do mercado de crédito e o consequente desenvolvimento econômico.

Nota-se que referido artigo 1º aduz sobre obrigações oriundas de títulos, executivos, incluindo aqui os títulos de crédito, e outros documentos de dívida, inclusive as certidões de dívida ativa de créditos devidos ao Poder Público.

Em outras palavras, podem ser protestados os títulos de crédito próprios – que são aqueles que representam efetivamente uma operação de crédito (letra de câmbio e nota promissória) e os títulos de crédito impróprio – que embora não representem uma verdadeira operação de crédito, seguem a disciplina jurídica cambiária, mas desde que incorporem obrigação de pagar em dinheiro (v.g., cheque, duplicata etc.). Os títulos de crédito impróprios que representem direitos reais sobre mercadorias (conhecimento de depósito, conhecimento de frete etc.) ou prestação diversa de pagar valor em dinheiro (v.g., ticket-refeição etc.) não são admitidos a protesto.

Nesse mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina já decidiu que “[…] é sabido que a lei de protesto, ao explicitamente consignar a possibilidade de protesto de títulos e outros documentos de dívida, não limitou o alcance do protesto apenas aos títulos executivos, mas também o ampliou a qualquer título ou documento que comprove a existência de uma dívida. […] Vale esclarecer, são passíveis de protesto todo e qualquer documento que materialize uma obrigação econômica líquida, certa e exigível.”

Assim, a figura do protesto, enraizada nas práticas advindas do comércio, transcende ao direito empresarial, levando a possibilidade de sua concretização inclusive nos instrumentos materializadores de dívidas da órbita civil e processual.

3 O Protesto de Sentenças como Forma de Recuperação dos Créditos Judiciais

Quando as obrigações não seguem o rumo da forma que foram contratadas, as partes possuem a possibilidade e direito de recorrer ao Estado, como titular do poder coercitivo de fazer valer o direito e a justiça.

Quando provocado por meio de um processo, o Estado vê-se obrigado a prestar uma tutela jurisdicional, para dar força protetiva e/ou repressiva quando da lesão ou ameaça de lesão a um direito material. (NEVES, 2016, p. 45)

O princípio da proteção judicial efetiva, cujo papel foi confiado ao Judiciário pela Constituição de 1988, configura pedra angular do sistema de proteção de direitos. A ampliação dos mecanismos de proteção tem influenciado na ampliação da própria prestação jurisdicional tendo em vista determinados tipos de causas (como os juizados especiais para causas de menor complexidade e para os crimes de menor potencial ofensivo). O modelo presente consagra o livre acesso ao Judiciário. Os princípios da proteção judicial efetiva (art. 5º, XXXV), do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII) e do devido processo legal (art. 5º. LV) têm influência decisiva no processo. (MENDES; BRANCO, 2015, p. 961-962)

Com isso, a compreensão desses princípios deve ser direcionada no sentido de que qualquer forma de afirmação de direito pode ser levada ao Poder Judiciário para solução. Uma vez provocado, o Estado, por meio do Judiciário, tem o dever de fornecer àquele que lhe bateu às portas uma resposta, ainda que negativa. (BUENO, 2016, n.p)

O processo, dessa forma, é um método de exercício da jurisdição, caracterizada por tutelar situações jurídicas concretamente afirmadas em um processo, as quais, por sua vez, tratam-se de situações substanciais (ativas e passivas, os direitos e deveres, por exemplo) que correspondem ao mérito do processo. Não há que se falar em processo oco: todo processo traz a afirmação de ao menos uma situação jurídica carecedora de tutela jurisdicional. (DIDIER JR, 2016, p. 39-40)

Assim, surge o papel da jurisdição, como forma de atuação estatal visando à aplicação do direito objetivo ao caso concreto, resolvendo-se com definitividade uma situação de crise jurídica e gerando com tal solução uma pacificação social. (NEVES, 2016, p. 1)

Nesse ponto, a sentença, que põe termo à fase cognitiva, declarando, constituindo ou extinguindo um direito, é um ato jurídico do qual decorre uma norma jurídica individualizada que se diferencia das demais, pela incidência da norma abstrata, sendo um exemplo de enunciado normativo.

A decisão judicial que reconhece a existência de uma obrigação, então, servirá como título executivo judicial. O Código de Processo Civil, nesse meio, declara, em seu art. 515, I, que são títulos executivos judiciais, dentre outros, as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa.

Configurando-se como título, a sentença é um documento que pode ser levado a protesto para comprovação do inadimplemento da obrigação nela declarada ou constituída.

Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, não havia previsão expressa para isso, apesar de, na prática, a atividade já ser corriqueira. Com a Lei 13.105/15, que instituiu o novo Código de Processo Civil, abriu-se essa possibilidade por meio do artigo 517, que assim dispõe: “Art. 517.  A decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523. § 1o Para efetivar o protesto, incumbe ao exequente apresentar certidão de teor da decisão. § 2o A certidão de teor da decisão deverá ser fornecida no prazo de 3 (três) dias e indicará o nome e a qualificação do exequente e do executado, o número do processo, o valor da dívida e a data de decurso do prazo para pagamento voluntário. § 3o O executado que tiver proposto ação rescisória para impugnar a decisão exequenda pode requerer, a suas expensas e sob sua responsabilidade, a anotação da propositura da ação à margem do título protestado. § 4o A requerimento do executado, o protesto será cancelado por determinação do juiz, mediante ofício a ser expedido ao cartório, no prazo de 3 (três) dias, contado da data de protocolo do requerimento, desde que comprovada a satisfação integral da obrigação.”

Com isso, após o prazo para pagamento voluntário da obrigação, que conforme art. 523 é de 15 (quinze dias) a contar do início do procedimento de cumprimento de sentença, é possível o credor levar a sentença a protesto para uma nova tentativa de recebimento, com a comprovação da inadimplência e inscrição nos órgãos de proteção ao crédito caso o devedor não pague no cartório.

Segundo Azevedo e Macêdo (2016, p. 69), o texto legal acertou ao restringir o protesto de sentença às obrigações pecuniárias, já liquidadas, por não ser possível o protesto de sentença que obrigue a entregar coisa, fazer ou não fazer. Alegam ainda que o protesto é um instituto jurídico em intersecção de quatro campos distintos de estudo: cambiário, notarial, processual civil e obrigacional, motivo pelo qual devem ser alinhados para uma interpretação coerente das normas existentes.

Em sentido igualmente inovador, o art. 528 informa que no procedimento de cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos, caso o executado não efetue o pagamento, não prove que o efetuou e tampouco apresente justificativa da impossibilidade de fazê-lo, o juiz ordenará o protesto do pronunciamento judicial, aplicando-se o disposto no art. 517 no que for cabível.

Percebe-se, primeiramente, que no caso da sentença de alimentos, não há a obrigação de trânsito em julgado da decisão.

Ainda, também podem ser levadas a protesto as decisões interlocutórias que fixem alimentos provisionais ou provisórios para prova do inadimplemento do alimentante. Logo, no caso dos alimentos, a possibilidade de protesto não está adstrita à sentença, dada a urgência da prestação por parte do alimentado.

Por fim, denota-se que o protesto das decisões de alimentos não foi uma opção do credor ou do magistrado. Trata-se de obrigação, de ofício, do magistrado encaminhar as sentenças após o decurso do prazo sem pagamento voluntário.

Apesar disso, é importante destacar que ainda que o credor faça uso do protesto de sentença como meio para a tutela do seu direito, nada impede que faça uso de outros meios para atingir a tutela do direito, inclusive pelos meios executivos próprios na fase de cumprimento de sentença. Trata-se de uma medida para a consecução da tutela do direito, que não é exclusiva. (PAULINO, 2016, p. 74)

Nessa seara, a decisão judicial acaba possibilitando um novo ciclo prescritivo quanto à pretensão do autor. O que antes estava consubstanciado em algum documento (ou não), que poderia ser atingido pela prescrição, adquire nova forma obrigacional com a sentença, que lhe traz uma possibilidade a mais para o cumprimento da obrigação.

Exemplifica-se o caso de uma nota promissória, cujo prazo executivo é de 03 (três) anos. Com o protesto da própria nota, o prazo para execução se interrompe e recomeça a contar do zero, conforme já mencionado alhures. Após isso, caso ainda assim deixe-se esvaziar a pretensão executiva pela prescrição, a Súmula 504 do Superior Tribunal de Justiça possibilita a interposição de ação monitória no prazo de 05 (cinco) anos a contar do vencimento da cártula. Não havendo cumprimento da ordem de pagamento do procedimento especial da mencionada ação, será constituído novo título executivo, que poderá novamente ser protestado e executado.

Logo, o protesto surge como forma de dar maior efetividade aos atos judiciais, uma vez que possibilita a recuperação do crédito e, em caso contrário, a criação de consequências negativas para o inadimplente.

A atividade extrajudicial tem tomado vulto há tempos, como com a possibilidade de retificação administrativa de área (Lei 10.931/04), de lavratura de inventários e divórcios extrajudiciais (Lei 11.441/07), registro tardio de nascimento (Provimento nº 28, do Conselho Nacional de Justiça), a usucapião extrajudicial e a homologação de penhor legal (Lei 13.105/15).

Mais uma vez, o legislador cristalizou a confiança àqueles encarregados pela publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos e negócios jurídicos, nos termos do art. 1º da Lei 8.935/94.

Assim, o protesto das decisões judiciais, por mais que já existisse anteriormente pelos regramentos gerais e/ou próprios de cada tribunal, agora veem vez e expressão na Lei Adjetiva, de forma a contribuir para o desafogamento do Judiciário, dos procedimentos executivos, em busca da satisfação dos interesses do credor e da sociedade, quando da tentativa de recuperação do crédito e das demais consequências legalmente previstas para o devedor que tenha um título protestado, conforme já mencionado.

Acerta-se, em atribuir funções que não devam sobrecarregar mesas de juízes em vão, àqueles que, ao longo dos anos, já demonstraram a capacidade e suficiência para as atribuições esvaziadas do Judiciário.

Conclusão

Assim, conforme explanado, percebe-se que as obrigações seguem, naturalmente, um rumo em busca do seu fim, da sua adimplência e satisfação de todas as partes envolvidas.

Contudo, por vezes, a adimplência não ocorre, gerando o inadimplemento relativo ou absoluto da obrigação. Este, também conhecido como inadimplemento strictu sensu, quando a obrigação não mais interessa ao credor, convertendo-a em perdas e danos. Aquele, também conhecido como mora, quando a obrigação ainda é possível de se realizar e ainda interessa ao credor, além das despesas decorrentes do atraso.

No caso da mora, o protesto surge como meio constituidor deste instituto, além de fornecer ao devedor uma oportunidade de adimplir a obrigação, acrescida dos demais encargos legais e contratuais.

Dentre as finalidades do protesto, pôde-se averiguar a possibilidade de comprovação do inadimplemento, o requisito para execução de duplicadas não aceitas e contrato de câmbio, interposição de falência e a interrupção da prescrição.

Por fim, encerrando o ciclo de pesquisa, averigou-se que com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, ficou expressamente possível o protesto de sentenças judiciais transitadas em julgado, bem como a obrigatoriedade do protesto das decisões (sentenças ou não) que estipulem alimentos, todas após o prazo de pagamento voluntário pelo devedor.

Enfrentando a problemática proposta, pôde-se confirmar a hipótese que aduz que o protesto é instrumento suficientemente hábil para contribuir com as pretensões dos credores, contribuindo, inclusive, para o desenvolvimento econômico da sociedade.

Dessa forma, dá-se uma função social ao protesto, possibilitando a recuperação de créditos judiciais, findando processos e colaborando para o desafogamento do Judiciário.

 

Referências
ASSIS NETO, Sebastião de. JESUS, Marcelo de. MELO, Maria Izabel de. Manual de Direito Civil. 5a. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2016.
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Notas

Informações Sobre o Autor

Alan Felipe Provin

Mestre em Ciência Jurídica e em Derecho Ambiental Y de la Sostenibilidad. Especialista Lato Sensu em Direito Civil, em Direito Constitucional e em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial. Mediador e conciliador voluntário. Professor de Direito na Graduação e Pós Graduação. Tabelião de Notas e Protestos


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