O PSA Urbano como manifestação do poder de polícia ambiental do Município

Resumo: No sentido da proteção ambiental e do desenvolvimento sustentável urbano é o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), opção exequível para alcançar tais objetivos. No entanto, ao contrário do PSA tradicional, o PSA Urbano não é voluntário. Este trabalho visa, em breves linhas, analisar a questão do PSA Urbano como manifestação do poder de polícia ambiental do Município, com o objetivo da proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável do Município.

Palavras-chave: Pagamento. Serviços ambientais. Poder de polícia. Município. PSA Urbano.

Abstract: Towards environmental protection and sustainable urban development is the Payment for Environmental Services (PES), feasible option to achieve these goals. However, unlike traditional PES, Urban PES is not volunteer. The aim of this paper, in brief lines, analyse the question of Urban PES as a manifestation of the environmental police power of the municipality, with the aim of environmental protection and sustainable development of the city.

Keywords: Payment. Environmental Services. Police power. County. Urban PES.

Sumário: Introdução. 1. PSA: conceitos. 2. O poder de polícia ambiental do Município. 3. O PSA Urbano como manifestação do poder de polícia ambiental do Município. Bibliografia.

Introdução

Muitas vezes espera-se uma atitude proativa do Município na busca pelo bem comum, qual seja, o da proteção ambiental em âmbito municipal. A “intervenção conformadora estatal deixou de ser apenas repressiva e passou a compreender imposições orientadas a promover ativamente condutas reputadas como desejáveis”[1], como entende Marçal Justen Filho.

E o Direito Ambiental exige que o Município atue no sentido de praticar a defesa do meio ambiente em favor da sociedade. Essa constatação decorre da interpretação da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 225 aduz que é “dever” imposto ao Poder Público agir em função de defender e preservar o meio ambiente equilibrado. Ademais, no que tange aos Municípios em particular, a Carta Magna destinou a este ente federativo competência tanto para legislar sobre assuntos de interesse local quanto para promover adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (artigo 30, I e VIII), bem como possui competência comum, junto à União, Estados e Distrito Federal, de zelar pela guarda da Carta Federal, proteger o meio ambiente e promover a melhoria das condições habitacionais (artigo 23, I, VI e IX). Por fim, conforme aduz o artigo 182 da Constituição Federal, a política de desenvolvimento urbano deve ser executada pelo Poder Público municipal, com o fim de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. Também manifesta-se aqui o poder de polícia, principalmente pelos seus atributos da autoexecutoriedade e da coercibilidade.

Uma forma de o Município alcançar tais objetivos é a partir de um instrumento que cada vez mais ganha vulto: o Pagamento por Serviço Ambiental (ou PSA), aqui em sua versão urbana, cujo conceito é diferente do PSA tradicional, geralmente aplicado na realidade do meio rural. Trata-se de uma exegese pró-ambiente versus o benefício individual. Trata-se do múltiplo, do coletivo e não do uno, do individual.

1. PSA: conceitos

Desde há muito tempo o homem explora os recursos naturais, tendo sempre, desde então, predominado a concepção de que tais recursos eram infinitos e que como estavam à disposição, poderiam (e deveriam) ser utilizados, sem se dar conta, no entanto, dos impactos negativos dessa exploração que eram causados ao meio ambiente.

Não se nega também que o uso destes recursos propiciou, direta ou indiretamente, a melhoria da qualidade de vida das pessoas, contribuindo de sobremaneira para ao desenvolvimento das sociedades até ao patamar onde nos encontramos atualmente.

Ocorre que foi-se percebendo que, ao contrário do que se pensava, os recursos naturais eram finitos, que devem ser utilizados com critério para não afetar o desenvolvimento da humanidade, não prejudicar a qualidade de vida e a saúde de todos, e sobretudo, para não sobrecarregar ainda mais o planeta em sua função de provedora de tais recursos. Deve-se ter a noção de que os recursos naturais podem (e devem) ser utilizados, desde que de forma solidária e responsável, evitando-se assim o colapso dos serviços ambientais e, porque não, da própria vida humana.

Surgem então, com essa necessidade de proteção, diversas ferramentas com o objetivo de salvaguardar estes recursos naturais, cada vez mais escassos. Entre estas ferramentas, uma que ganha cada vez mais vulto é o Pagamento por Serviços Ambientais.

Pagamento pode ser definido como “aquilo que se dá em troco de um serviço”[2], e pode ser uma contrapartida financeira ou não[3], que é aquele oferecido na forma de serviços ou vantagens.

Serviço, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (artigo 3º, parágrafo 2º) é “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, (…)”.

O artigo 2º da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica define ecossistema como sendo “um complexo dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microorganismos e o seu meio inorgânico que interagem como uma unidade funcional”[4]. São nos ecossistemas (que podem ser terrestres ou aquáticos) que ocorrem os processos naturais que garantem a sobrevivência das espécies do planeta e têm a capacidade de prover bens e serviços que satisfazem as necessidades humanas. Essas funções dos ecossistemas são os serviços ambientais, ou seja, são os benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas e que são essenciais e imprescindíveis para a sobrevivência e o desenvolvimento humano. Se é verdade que o meio ambiente não depende do homem, o contrário não ocorre: sem um meio ambiente equilibrado, não há vida. “Não se pode apartar o homem da natureza, seja pela impossibilidade material, seja para seu equilíbrio psíquico”[5].

Altmann faz distinção entre serviços ambientais e serviços ecossistêmicos. Para o autor, “o conceito de serviços ecossistêmicos designa os serviços prestados pelos ecossistemas, como purificação do ar, polinização, ciclo hidrológico etc. O conceito de serviços ambientais é utilizado tradicionalmente para designar as atividades ambientalmente desejáveis, ou seja, as que contribuem para as externalidades positivas”[6]/[7].

De acordo com a United Nations Environment Programme (UNEP), os serviços ambientais são divididos em quatro categorias: serviços de provisão (relacionam-se com a capacidade da natureza de nos fornecer alimentos, água doce, fibras, combustíveis etc.); serviços de regulação (são os benefícios advindos da preservação dos ecossistemas, tais como a manutenção da qualidade e umidade do ar, controle biológico, controle da erosão do solo, proteção das águas, entre outros); serviços culturais (são aqueles benefícios não materiais que se obtêm dos ecossistemas. É o “enriquecimento espiritual, desenvolvimento cognitivo, reflexão, recreação e experiências estéticas”[8], e tudo o que estiver relacionado: educação, ecoturismo, diversidade cultural, entre outros) e, por fim, serviços de suporte (que são aqueles necessários para a produção e funcionamento de todos os outros serviços dos ecossistemas. Seus impactos sobre as pessoas são indiretos – ao contrário dos outros serviços, onde qualquer mudança atinge diretamente e de forma imediata as pessoas. “Por exemplo, os seres humanos não utilizam diretamente serviços de formação do solo, apesar de que mudanças neste serviço afetará indiretamente as pessoas através do impacto sobre o serviço de provisionamento da produção de alimentos”[9]. Podemos citar como exemplos de serviços de suporte: a formação do solo, a produção de oxigênio, a ciclagem de nutrientes e da água, a polinização e dispersão de sementes, entre outros)[10].

Questão importante que pode surgir neste momento é no que tange à propriedade dos serviços ambientais. Afinal, como comercializar algo indisponível, transindividual, indivisível e pertencente a todos? E mesmo que se alegue sua propriedade, não se pode exercer tais direitos (de gozar, fruir, dispor) em sua plenitude, uma vez que o direito de propriedade é restringido por sua função social. “A necessidade de concretização do direito ao ambiente saudável conduz, por outro lado, à reformulação de certos direitos personalíssimos, em especial o direito da propriedade, que passa a estar sujeito não apenas à vontade soberana do titular, mas também ao atendimento de sua função socioambiental”[11], ou seja, o meio ambiente vincula-se ao público muito mais que ao particular. No entanto, o que se comercializa não é o meio ambiente per se, mas sim sobre o papel do provedor em manter, através de medidas de recuperação e/ou preservação ambiental, o fluxo dos serviços ambientais.

Ainda não há um conceito legal definido em âmbito federal sobre o que seja serviço ambiental[12]. O Código Florestal (Lei nº. 12.651/2012), por exemplo, trata de maneira tímida e superficial sobre o assunto, não conceituando o instituto, mas trazendo quais “categorias e linhas de ação” são objeto do PSA. Assim sendo, aduz o artigo 41, inciso I, que é autorizado ao Poder Público Federal “a instituir, sem prejuízo do cumprimento da legislação ambiental, programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente, bem como para adoção de tecnologias e boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos ambientais, como forma de promoção do desenvolvimento ecologicamente sustentável, observados sempre os critérios de progressividade, abrangendo as seguintes categorias e linhas de ação: I – pagamento ou incentivo a serviços ambientais como retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais, tais como, isolada ou cumulativamente: a) o sequestro, a conservação, a manutenção e o aumento do estoque e a diminuição do fluxo de carbono; b) a conservação da beleza cênica natural; c) a conservação da biodiversidade; d) a conservação das águas e dos serviços hídricos; e) a regulação do clima; f) a valorização cultural e do conhecimento tradicional ecossistêmico; g) a conservação e o melhoramento do solo; h) a manutenção de Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito”.

No entanto, citamos o conceito da Lei municipal paulista n.º 14.933/09 (que versa sobre a Política Municipal de Mudança do Clima), que aduz em seu artigo 2º, inciso XVI, que serviços ambientais são aqueles “serviços proporcionados pela natureza à sociedade, decorrentes da presença de vegetação, biodiversidade, permeabilidade do solo, estabilização do clima, água limpa, entre outros”.

De acordo com Evan Wunder, o PSA é uma transação voluntária em que um serviço ambiental bem definido − ou um uso da terra que provavelmente garantirá esse serviço − está sendo “comprado” por, no mínimo, um agente de, no mínimo, um provedor de serviço, se e apenas se, o ofertador do serviço garantir a provisão de tal serviço (condicionalidade)[13].

Destaca-se, neste conceito oferecido por Wunder, a voluntariedade na adesão ao sistema. O PSA não é um sistema coercitivo, é de adesão voluntária. Trata-se de ponderação de valores, por parte do possível futuro aderente, que pode (e deve) analisar possíveis prejuízos, bem como possíveis benefícios e ganhos, e daí, extrair a melhor decisão acerca da aderência ou não ao sistema de PSA. “É importante também que o beneficiário ou usuário do sistema ambiental saiba que está recebendo a contrapartida de seu investimento e de seu labor”[14].

Entendemos finalmente que o comprador de um serviço ambiental pode ser qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica, nacional ou estrangeira, de direito público ou privado, que tenha disposição a pagar pelo mesmo. Por sua vez, os beneficiários podem ser tanto os indivíduos, as comunidades ou empresas, ou ainda o governo, agindo em seu nome.

Para que o pagamento por serviços ambientais tenha sentido, a atividade de preservação dos ecossistemas deva ser mais lucrativa que sua exploração, que os ganhos auferidos pelo prestador de serviços ecológicos têm de ser mais significativos do que o que seria obtido com outras atividades de exploração. Esta equação, contudo, não é fácil de resolver. Como sustentou Bertha Becker em relação à natureza, “o movimento de mercantilização é irreversível e temos de saber como lidar com ele”[15] e, no caso específico dos pagamentos por serviços ambientais, incumbe tanto ao governo como a sociedade civil refletir sobre esse instrumento, delimitar seus contornos e formas de implementação.

2. O poder de polícia ambiental do Município

Cretella Júnior, citando Rui Cirne Lima, leciona que

“À polícia incumbe criar as condições gerais indispensáveis para que os indivíduos, em ordem e harmonia, logrem conduzir, através do convívio, o desenvolvimento de suas relações sociais, independentemente de coação em cada caso concreto ou toda restrição ou limitação coercitivamente posta pelo Estado à atividade ou propriedade privada, para o efeito tornar possível, dentro da ordem, o concorrente exercício de todas as atividades e a conservação perfeita de todas as propriedades privadas”[16].

Poder de polícia é aquele definido pelo artigo 78 do Código Tributário Nacional:

“Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

O parágrafo único do artigo citado refere-se ainda ao regular exercício do poder de polícia, quando este é desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Por sua vez, Édis Milaré ensina que poder de polícia ambiental é

 “A atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado. Ao exercício de atividade econômica ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza”.

E a manifestação desse poder de polícia ambiental aparece, de acordo com Marcos Mendes Lyra[17], em dois momentos: para regular a matéria ambiental e para impor sanções quando há o descumprimento de tais regras.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Poder Público o dever de defesa e proteção do meio ambiente. Ou seja, é obrigatório, uma vez que dever é “aquilo que se está obrigado pela lei, pela moral, pelos costumes, etc. (…)”[18]. Como dissemos preambularmente, é “dever” imposto ao Poder Público agir em função de defender e preservar o meio ambiente equilibrado. E tal dever é, como visto, exigido pela Constituição Federal.

No que tange ao Município, o artigo 23 da Constituição Federal prevê à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal competência comum, pela qual os entes integrantes da federação atuam em cooperação administrativa recíproca, visando alcançar os objetivos descritos pela própria Constituição.

Em relação ao meio ambiente, os incisos I, VI, e IX do citado artigo preveem que compete a esses entes: zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. O parágrafo único do artigo 23 prevê ainda que “leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.

A Constituição Federal dispõe em seu artigo 30, além, portanto da competência comum atribuída no artigo 23, que compete aos Municípios: “I – legislar sobre assuntos de interesse local; II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.

Finalmente, dispõe o artigo 182 da Constituição Federal, que a política de desenvolvimento urbano deve ser executada pelo Poder Público municipal, buscando alcançar o ordenamento do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e ainda garantir o bem-estar de seus habitantes. Também manifesta-se aqui o poder de polícia, principalmente pelos seus atributos da autoexecutoriedade (tal princípio autoriza “a prática do ato de polícia administrativa pela própria Administração, independentemente de mandado judicial. Assim, p. ex., quando a Prefeitura encontra edificação irregular ou oferecendo perigo à coletividade, ela embarga diretamente a obra e promove sua demolição, se for o caso, por determinação própria, sem a necessidade de ordem judicial para esta interdição e demolição”[19]) e da coercibilidade (o Município pode exercer o poder de polícia sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário. É imperativo pois gera obrigação ao administrado).

Por fim, de acordo com Márlon Jacinto Reis, os Municípios, em relação ao meio ambiente, podem: “legislar sobre a matéria ambiental; promover a educação ambiental; criar e organizar sua Secretaria Municipal de Meio Ambiente; criar e organizar o Conselho Municipal de Meio Ambiente; instituir e manter o Fundo Municipal de Meio Ambiente; integrar o Sistema Nacional do Meio Ambiente; exercer a fiscalização ambiental; realizar o licenciamento ambiental”[20].

Contudo, como ensina Paulo Affonso Leme Machado, constitui monopólio da União “legislar em alguns setores como águas, energia, jazidas, minas, outros recursos minerais, atividades nucleares de qualquer natureza (Artigo 22 da CF)”[21]. Dessa forma, tanto os Estados quanto os Municípios não podem legislar de forma suplementar sobre tais assuntos, nem adaptar estas normas às peculiaridades regionais e locais.

3. O PSA Urbano como manifestação do poder de polícia ambiental do Município

A princípio, o PSA é sempre implantado nas zonas rurais (ou fora das zonas urbanas). Diz Altmann que “o sistema de PSA clássico não foi pensado para áreas ou atividades urbanas. O PSA originalmente foi desenhado para induzir os agentes econômicos (proprietários ou possuidores de imóveis rurais) a adotar determinados usos do solo e/ou práticas ambientalmente sustentáveis”[22]. No entanto existem serviços de PSA utilizados em um contexto urbano, afinal, as comunidades urbanas necessitam de serviços ambientais para a sua sobrevivência e desenvolvimento; dependem, entre outros, de matérias primas, da água, da proteção de áreas verdes para controlar o clima e a umidade e mitigar os efeitos das chuvas, entre outros.

Com a urbanização, as cidades consomem muito mais recursos naturais, poluem e degradam de sobremaneira o meio ambiente urbano. No Brasil, por exemplo, de acordo com dados do IBGE, entre 1970 e 2010, a população urbana passou de 55,9% para 84,4%[23]. Com esse aumento populacional, a demanda por serviços ambientais no meio urbano também cresce, como o consumo de energia, de água e de outros recursos naturais. Ademais, a atividade industrial também é grande consumidora de serviços ambientais.

Assim, nos meios urbanos os pagamentos por serviços ambientais podem estar associados, por exemplo, a atividades como disposição correta de resíduos sólidos, mitigação da emissão de gases de efeito estufa, proteção das águas para uso urbano e manutenção de áreas verdes, que tem, entre outros objetivos, a manutenção da permeabilidade do solo, diminuindo o risco de inundações nas cidades.

No entanto, se no conceito de Wunder destaca-se o caráter voluntário do PSA, o PSA urbano perde esta característica. A função social da propriedade rural já está sendo observada com a preservação de áreas de Reserva Legal ou de APP. É o mínimo previsto pelo Código Florestal. O mais, ou seja, a preservação ultra, que vai além do mínimo, deve, claro, ser aplaudida, mas é uma conduta voluntária.

No que tange ao PSA urbano, entendemos que trata-se de uma forma de demonstração do poder de polícia ambiental da Administração Pública. É o caso, por exemplo, das remoções ou desapropriações, licenciamento[24], demolições[25], entre outros, em prol da proteção ambiental. Tal atividade de polícia se reveste de autoexecutoriedade, ou seja, pode a Administração Pública, por suas próprias forças, executar coativamente suas decisões, visando coibir práticas irregulares relacionadas, por exemplo, à ocupação e uso dos espaços urbanos, como, por exemplo, as ocupações em áreas de várzea (consideradas como áreas de proteção permanente, de acordo com o artigo 3º, incisos XXI e XXII, e artigo 4º, todos do Código Florestal – Lei nº. 12.651/12).

Nesse sentido, por exemplo, já foi entendido por nossos Tribunais:

AÇÃO AMBIENTAL. Ribeirão Preto. Margem de rio. Construção em área de várzea de preservação permanente. Dano ambiental. Demolição.

– 1. Cerceamento de defesa. Perícia. Ao juiz compete indeferir as provas inúteis, protelatórias e desnecessárias a teor do art. 130 do CPC. A perícia era despicienda frente aos questionamentos exclusivamente de direito argüidos pelos réus. Não houve cerceamento de defesa. Preliminar afastada.

– 2. Legislação aplicável. LF nº. 4.771/65. A localização do imóvel em área urbana não dispensa a obser­vância do art. 2º, 'a', item 3 da LF nº 4.771/65 que veda a construção em 100 metros ao longo de cursos d'água. A proteção legal dispensada pelo Código Florestal, por ser mais restritiva, se sobrepõe a eventuais disposições mais permissivas emanadas pelo município, atendendo à finalidade protecionista da norma ambiental. Inteligência da parte final do art. 2º, § único do Código Florestal.

– 3. Construção. Área de preservação permanente. A área de preservação deve ser conservada, não ocupada. Inviabilidade de manutenção de construção na faixa protegida ao longo do rio. Intervenção que exige prévia autorização dos órgãos competentes a teor do art. 4º da LF nº 4.771/65. Na falta de apresentação das autorizações, as construções irregularmente erigidas devem ser desfeitas e a área deve ser recuperada.

– Procedência. Recurso dos réus desprovido. (TJSP – Câmara Reservada ao Meio Ambiente. APL 2977077220098260000/SP 0297707-72.2009.8.26.0000. Rel.: Desembargador Torres de Carvalho. DJ: 31.03.2011)”.

Estando a área ocupada sujeita a inundações sazonais, como as áreas de várzea, pelas cheias do rio, a simples existência de construções e adjacentes, como sanitários e fossas sépticas, causa poluição ao leito do rio, com a carga dos dejetos para o corpo d’água, o que deve ser evitado.

O poder de polícia deve, então, ter o condão de coibir práticas irregulares relacionadas com a ocupação (como no caso da jurisprudência acima citada) e degradação das áreas verdes.

Muitas vezes, os danos ao meio ambiente, causados pelas construções e utilização da área para moradia, somente são passíveis de reparação com a demolição das obras, remoção dos entulhos e plantio de espécies nativas, desapropriação, remoção entre outras sanções. Tampouco, invocar direitos fundamentais, como o direito adquirido, o direito de posse e propriedade, o direito à moradia e ao desenvolvimento, o direito social ao lazer, o uso e gozo de um bem público e a dignidade da pessoa humana, que são tipicamente direitos de caráter individual, não devem se sobrepor ao direito difuso/coletivo de um meio ambiente ecologicamente sustentável e equilibrado.

Ademais, o parágrafo 2º do artigo 182 da Constituição Federal deixa claro que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Depreendemos então que se a propriedade urbana é construída ou existe em Área de Proteção Permanente ou outra área ambiental protegida, ela não cumpre sua função social. Também o artigo 2º do Estatuto da Cidade (Lei nº. 10.257/01) elenca algumas diretrizes a serem observadas pela política urbana. Dentre estas diretrizes, destacamos o inciso VI e suas alíneas: “ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; (…); f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; h) a exposição da população a riscos de desastres”.

Dessa forma, fica clara o dever de atuação proativo do Município em coibir danos ambientais. Nesta seara, o PSA Urbano torna-se mais uma ferramenta para evitar ou mitigar riscos à segurança da coletividade e ao meio ambiente. Cumpre ao Município, através de seu poder de polícia, a realização da fiscalização do uso e ocupação das áreas urbanas.

A omissão do Município dá azo à possível responsabilização, dado o descumprimento do dever de polícia administrativo, bem como o descumprimento das atribuições constitucionais de proteção ambiental. Nesse sentido é a jurisprudência que temos a oportunidade de colacionar:

“Apelação cível em ação civil pública. Administrativo e ambiental. Construção clandestina em área de preservação permanente. Demanda ajuizada contra administrado e o Município de Joinville, o primeiro por ter edificado sem as licenças ambientais e alvará de construção e o segundo por não ter exercitado efetivamente o poder-dever de polícia. Embargos de obra sucessivos e aplicação de multa inócuos, pois o administrado, tendo-os recebido, prosseguiu nas investidas contra o meio ambiente. Inexistência de ordem administrativa de demolição, embora houvesse a municipalidade instaurado o competente processo administrativo. Não ajuizamento de ação judicial, mesmo que viável essa via. Desídia inconteste. Comando expresso do Código Municipal do Meio Ambiente, art. 60. Responsabilidade caracterizada. Multa. Acerto. Recurso desprovido. Nos termos do Código Municipal do Meio Ambiente de Joinville, em seu art. 60, o Poder Público promoverá direta ou indiretamente o reflorestamento ecológico em áreas degradadas, objetivando especialmente a proteção das encostas e dos recursos hídricos, bem como a consecução de índices razoáveis de cobertura vegetal, de acordo com a legislação vigente. O Município, ao constatar agressão ao meio ambiente provocada por edificação clandestina, não pode quedar-se inerte no exercício do seu poder-dever de polícia. Mesmo que as tenha embargado e posteriormente multado o infrator, impõe concluir que, inócuas essas medidas, deve o ente federativo prosseguir, adotando medidas administrativas e/ou judiciais visando a demolição da obra irregular, assegurados o contraditório e a ampla defesa. Não o fazendo, torna-se igualmente responsável pela infração. (TJSC – 3ª Câmara de Direito Público. AC 20100433138/SC 2010.043313-8 (Acórdão). Rel.: Desembargador Pedro Manoel Abreu. DJ: 27.08.2012)”. (Grifos nossos).

Por fim, cumpre ressaltar que o Município deve sempre evitar o agravamento das agressões ao meio ambiente local, inclusive com medidas imediatas de prevenção de danos. No entanto, devemos frisar que a municipalidade, apesar de deter certa esfera de liberdade no que tange as medidas a serem tomadas para evitar e/ou mitigar lesão ambiental, deve sempre se ater aos princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Ademais, a omissão no exercício do poder de polícia pode configurar tanto infração administrativa (artigo 70, parágrafo 3º[26], da Lei nº. 9.605/98) como pode caracterizar ato de improbidade administrativa, de acordo com o artigo 11, inciso II[27] da Lei nº. 8.429/92, o que pode ensejar desde co-responsabilidade e o ressarcimento integral do dano até perda da função pública e suspensão dos direitos políticos.

Concluindo, nenhuma dúvida pode pairar no sentido de um Município proativo, vislumbrando a proteção ambiental local, sempre em benefício do interesse público, garantindo a salubridade do meio ambiente e o bem estar de seus habitantes.

Referências
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Notas:
[1] Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 385.

[2] Grande dicionário larousse cultural da lingual portuguesa. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999, p. 683.

[3] Em relação especificamente ao PSA, o Projeto de Lei nº. 5.487/2009, que em seu artigo 2º, inciso II, tem a seguinte redação: “pagamento por serviços ambientais: retribuição, monetária ou não, às atividades humanas de restabelecimento, recuperação, manutenção e melhoria dos ecossistemas que geram serviços ambientais e que estejam amparadas por planos e programas específicos”. (Grifos nossos).

[4] Ministério do Meio Ambiente. Convenção sobre diversidade biológica. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_dpg/_arquivos/cdbport.pdf>. Acesso em: 09.03.2015.

[5] DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2ª ed., revista. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 73.

[6] ALTMANN, Alexandre. Pagamento por serviços ambientais como instrumento de incentivo para os catadores de materiais recicláveis no brasil. In Revista de Direito Ambiental nº. 68. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, outubro/dezembro, 2012, pp. 317/318.

[7] O Projeto de Lei nº. 309/2010 traz a expressão “serviços ecossistêmicos” como sinônimo de serviço ambiental. Dessa forma, serviços ecossistêmicos, de acordo com o artigo 3º, inciso III do citado Projeto de Lei são as “funções e processos dos ecossistemas relevantes para a preservação, conservação, recuperação, uso sustentável e melhoria do meio ambiente e promoção do bem-estar humano, e que podem ser afetados pela intervenção humana”.

[8] No original, “spiritual enrichment, cognitive development, reflection, recreation, and aesthetic experiences”. UNEP – United Nations Environment Programme. Ecosystems and Their Services. Disponível em: <http://www.unep.org/maweb/documents/document.300.aspx.pdf>. Acesso em: 09.03.2015.

[9] No original: “For example, humans do not directly use soil formation services, although changes in this would indirectly affect people through the impact on the provisioning service of food production”. UNEP – United Nations Environment Programme. Ecosystems and Their Services. Disponível em: <http://www.unep.org/maweb/documents/document.300.aspx.pdf>. Acesso em: 09.03.2015.

[10] UNEP – United Nations Environment Programme. Ecosystems and Their Services. Disponível em: <http://www.unep.org/maweb/documents/document.300.aspx.pdf>. Acesso em: 09.03.2015.

[11] MILARÉ, Édis; LOURES, Flavia Tavares Rocha. Meio ambiente e os direitos da personalidade. In Revista de Direito Ambiental nº. 37. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, janeiro/março, 2005, pp. 23/24.

[12] Existem no Congresso Nacional algumas propostas que buscam incentivar, de forma remunerada, a prática da proteção ambiental. Citamos então o Projeto de Lei nº. 792/2007, Projeto de Lei nº. 1190/2007 e o Projeto de Lei nº. 5487/2009, todos da Câmara dos Deputados e Projeto de Lei nº. 309/2010, do Senado Federal.

[13] No original: “a voluntary transaction where a well-defined ES (or a land-use likely to secure that service) is being ‘bought’ by a (minimum one) ES buyer from a (minimum one) ES provider if and only if the ES provider secures ES provision (conditionality)”. WUNDER, Sven. Payments for environmental services: some nuts and bolts. Disponível em: <http://www.cifor.org/publications/pdf_files/OccPapers/OP-42.pdf>. Acesso em: 09.03.2015.

[14] TEIXEIRA, Carlos Geraldo. Pagamento por serviços ambientais de proteção às nascentes como forma de sustentabilidade e preservação ambiental. Brasília: CJF, 2012, p. 169.

[15] BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142005000100005>. Acesso em: 09.03.2015.

[16] JÚNIOR, José Cretella. Curso de direito administrativo. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 413.

[17] Dano ambiental. In Revista de Direito Ambiental nº. 8. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, outubro-dezembro, 1997, p. 70.

[18] Grande dicionário larousse cultural da lingual portuguesa. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999, p. 319.

[19] MEIRELLES, Hely Lopes.  Direito Administrativo Brasileiro. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 127/128.

[20] O município e o meio ambiente. Apontamento sobre ação ambiental na órbita dos municípios. In Revista de Direito Ambiental nº. 35. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, julho-setembro, 2004, pp. 362/363.

[21] Direito ambiental brasileiro. 18º ed. revista, atualizada e ampliada. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 397.

[22] ALTMANN, Alexandre. Pagamento por serviços ambientais como instrumento de incentivo para os catadores de materiais recicláveis no brasil. In Revista de Direito Ambiental nº. 68. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, outubro/dezembro, 2012, p. 317.

[23] IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas do censo demográfico. Disponível em: <http://censo2010.ibge.gov.br/apps/atlas/>. Acesso em: 09.03.2015. Ainda de acordo com os dados do IBGE (2010), percentual da população urbana na população total, por regiões: Centro-Oeste (88,8%), Nordeste (73,1%), Norte (73,5%), Sudeste (92,9%) e Sul (84,9%).

[24] TJMG – Câmaras Cíveis Isoladas / 7ª Câmara Cível. REEX 10317110096383001/MG. Rel.: Washington Ferreira. DJ: 19.02.2013.

[25] TJSC – 3ª Câmara de Direito Público. AC 20100124428/SC 2010.012442-8 (Acórdão). Rel.: Carlos Adilson Silva. DJ: 11.11.2013.

[26] “A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade”.

[27] “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (…) II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”.


Informações Sobre o Autor

Rodrigo Henrique Branquinho Barboza Tozzi

Advogado. Pós-Graduando em Gestão Ambiental e Economia Sustentável (PUCRS). Especialista em Direito Ambiental (FMU). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.


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