O que é acidente de trajeto

Quer fazer uma consulta online com Advogado Especialista? Clique aqui e fale agora com advogado especialista!

Acidente de trajeto é o evento súbito que causa lesão corporal ou morte ao empregado no percurso habitual entre a residência e o local de trabalho — ou vice-versa — devidamente reconhecido como acidente de trabalho pela legislação previdenciária e trabalhista brasileira.
Essa equiparação, introduzida pela Lei 10.666/2003 e atualmente disciplinada pelo art. 21, IV, “d”, da Lei 8.213/1991, gera inúmeros efeitos jurídicos: emissão de CAT, estabilidade provisória de doze meses, recolhimento de FGTS durante o afastamento, possibilidade de ação regressiva do INSS contra o empregador, majoração do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e indenizações civis. Nos itens seguintes, abordarei detalhadamente cada aspecto — conceito, requisitos, peculiaridades pós-Reforma Trabalhista, alcance nos contratos em teletrabalho, controvérsias jurisprudenciais, procedimentos administrativos e repercussões previdenciárias — para que o leitor compreenda como, quando e por que um infortúnio no caminho de casa ao emprego se transforma em acidente de trabalho para todos os fins legais.

Evolução legislativa do acidente de trajeto

A figura surgiu timidamente na redação original da CLT (art. 7.º, § 1.º, ao tratar de acidente “in itinere”), mas ganhou densidade com a Lei 6.367/1976, que alterou a Lei 6.514/1977. Foi com a Lei 10.666/2003 que o art. 21, IV, “d”, da Lei 8.213 fixou-o como equiparado a acidente de trabalho, estendendo todos os efeitos previdenciários. A Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467) tentou esvaziar o instituto ao suprimir proteção em casos de trajeto “habitual”, mas a Lei permanece intacta; o art. 58, § 2.º, da CLT apenas retirou o percurso da definição de “jornada”, sem afetar o conceito previdenciário.

Conceito legal e elementos indispensáveis

Para ser enquadrado como acidente de trajeto, o evento deve:

  • ocorrer no percurso habitual entre residência e local de trabalho;

  • acontecer em horário contíguo à jornada regular, sem interrupções incompatíveis;

  • decorrer de causa súbita (choque, colisão, atropelamento, queda);

  • gerar lesão corporal, redução funcional, doença, invalidez ou morte;

  • envolver o empregado (inclui empregado doméstico, temporário, avulso e, em tese, estagiário e aprendiz).

Fale com advogado especialista

O conceito também abrange percursos intermediários por motivo de estudos ou alimentação, se comprovadamente ligados à relação laboral.

Percurso habitual, tempo razoável e desvios

A jurisprudência admite pequenas variações, como caminho alternativo menos perigoso ou mais rápido. Entretanto, desvios significativos (ida a shopping, academia, bar) rompem o nexo causal. O TST (RR 642-28.2015.5.03.0009) firmou que o desvio não afasta o reconhecimento se persistir elemento de inevitabilidade — ex.: passageiro de ônibus que sofre colisão antes do ponto habitual.

Meio de transporte: particular, público ou fornecido

Não importa se o trajeto é realizado a pé, de bicicleta, transporte público, veículo próprio ou fornecido pela empresa. Quando o empregador oferece condução, assume responsabilidade civil objetiva por segurança e manutenção (STJ, REsp 1.209.563). Em motocicleta particular, existe presunção a favor do segurado, mas é preciso comprovar jornada e horário.

Teletrabalho e home office

Para quem labora em teletrabalho, o trajeto inexistente ou raro limita a incidência. Porém, se o empregado for convocado à empresa e sofrer acidente no caminho, aplica-se a equiparação. A Portaria 671/2021 do MTE recomenda constar o endereço habitual no contrato de home office para delimitar o percurso.

Distinção de acidente de trajeto, de trabalho e de percurso sem nexo

  • Acidente típico: ocorre dentro do estabelecimento ou a serviço.

  • Acidente de trajeto: caminho casa-trabalho.

  • Acidente sem nexo: deslocamento recreativo ou após desvio injustificado.

CAT — Comunicação de Acidente de Trabalho

Obrigatória (art. 22, Lei 8.213) mesmo que o afastamento dure menos de 15 dias. Pode ser emitida por:

  • empregador (até o primeiro dia útil subsequente);

  • sindicato;

  • médico assistente;

  • próprio segurado.

A falta de CAT sujeita a multa de R$ 402 a R$ 4.025 (art. 286, Decreto 3.048).

Estabilidade provisória

Art. 118, Lei 8.213: garantia de emprego de 12 meses após alta previdenciária do auxílio-doença acidentário (código B-91). Debates:

  • Empregado sem afastamento ≥ 15 dias: não há auxílio B-91 → sem estabilidade.

  • Período de experiência: TST (Súm. 378, III) concede estabilidade.

  • Contrato temporário: estabilidade não prorroga prazo (Súm. 396, I).

FGTS, salários e benefícios

  • FGTS deve ser recolhido durante todo o afastamento B-91 (art. 15, § 5.º, Lei 8.036).

  • Salários: empresa paga os 15 primeiros dias; depois o INSS.

  • Auxílio-acidente pode surgir se restar redução permanente da capacidade (art. 86, Lei 8.213).

Impacto no FAP e SAT

Acidentes de trajeto entram no cálculo do Fator Acidentário de Prevenção, aumentando a alíquota do SAT (2 %, 3 % ou 1 %). A Portaria 451/2014 da Receita orienta retificar GFIP com “Tipo de afastamento 03”.

Prova do nexo causal

Documentação essencial:

  1. Boletim de ocorrência de trânsito.

  2. Laudo pericial do IML ou hospital.

  3. Registros de ponto (entrada/saída).

  4. Testemunhas do trajeto.

  5. GPS, aplicativos de mobilidade, bilhete único.

Responsabilidade civil do empregador

Se houve culpa (má conservação de transporte fornecido, ausência de EPI em bicicleta corp.), responde por danos morais e materiais além da cobertura previdenciária. STF (Tema 932) mantém responsabilidade objetiva para atividades de risco: motociclista-entregador tem direito à reparação mesmo sem culpa patronal.

Ação regressiva do INSS

Fale com advogado especialista

Art. 120, Lei 8.213: INSS cobra do empregador valores pagos se provar culpa grave (veículo sem manutenção). Caso paradigmático: Ação Regressiva nº 5015244-70.2012.4.04.7205 (TRF-4) – empresa de fretamento indenizou INSS.

Dano moral ao empregado

Tribunais têm fixado:

  • Fratura com sequelas: R$ 30 000 a R$ 100 000.

  • Morte: R$ 120 000 por dependente (TST, RR 208-56.2019).

  • Danos estéticos cumuláveis.

Seguro de vida e DPVAT

  • Seguro de vida empresarial cobre se incluído acidente no deslocamento.

  • DPVAT (vigente até 2020, suspenso em 2021) pagava indenização; futuro retorno está em debate no PL 233/2023.

Procedimento prático em caso de sinistro

  1. Primeiro socorro: Samu, Bombeiros.

  2. BO de trânsito pela PM ou PRF.

  3. Avisar a empresa imediatamente.

  4. Guardar notas de despesas médicas.

  5. Solicitar CAT.

  6. Agendar perícia no INSS (Meu INSS > Benefício por incapacidade).

  7. Entrar com pedido de estabilidade/FGTS se afastamento ≥ 15 dias.

Jurisprudência recente

  • TST, Ag-ED-AIRR 10092-19.2017 – empregada grávida sofre acidente de trajeto; estabilidade da gestante prevalece, mesmo inexistindo B-91.

  • TRT-2, RO 1002000-14.2021 – horas in itinere abolidas, mas acidente reconhecido; empresa condenada.

  • STJ, REsp 1.904.353 – Uber condenado a indenizar motorista parceiro em acidente fatal: equiparação a acidente de trajeto.

Controvérsias atuais

  • PEC da Previdência de 2019 não alterou a equiparação, mas propostas de reforma neoliberal sugerem excluir o trajeto do cálculo do FAP.

  • Teletrabalho: debate se “percurso” até coworking eventual configura trajeto.

  • Atividades periculosas: se a função é piloto de teste, espaço aéreo entre casa e aeródromo pode ser trajeto? Doutrina tende a aceitar.

Perguntas e respostas

Se uso aplicativo de carona, o trajeto é coberto?
Sim, meio de transporte é irrelevante. A empresa de aplicativo não assume papel de empregadora, mas o fato é acidente in itinere.

Desmaiei antes de sair de casa e me machuquei. Conta?
Não. Deve ocorrer em via pública ou no veículo. Desmaio dentro da residência não é trajeto.

Mudança de endereço altera direito?
Não, desde que trajeto não vire desarrazoado. Mude, comunique a empresa.

A empresa pode negar CAT se achar que não é trajeto?
Deve emitir; discussões sobre enquadramento cabem ao INSS. Negativa gera multa administrativa.

Motociclista autônomo tem direito?
Ao INSS sim; à estabilidade não, pois não é empregado. Pode requerer auxílio-doença como contribuinte individual.

Motorista de ônibus sofreu latrocínio indo trabalhar. É trajeto?
Sim, violência urbana não rompe nexo, salvo desvio pessoal intencional.

Acidente no retorno da consulta médica do trabalho conta?
Sim, é extensão do trabalho.

Posso acumular indenização da empresa e auxílio-acidente?
Pode. Previdência é pública; indenização é privada.

Carência para auxílio-doença acidentário existe?
Não. Dispensa 12 contribuições.

Fui demitido antes de completar 12 meses pós-alta. E agora?
Estabilidade violada: cabe reintegração ou indenização substitutiva.

Conclusão

Apesar de ocorrer fora dos muros da empresa, o acidente de trajeto é inegavelmente trabalhista por comprometer a integridade do empregado no deslocamento necessário para prestar serviços. Compreender seus elementos — percurso habitual, relação temporal com a jornada, nexo causal — é essencial para empregados, empregadores, advogados e peritos, pois desse enquadramento derivam direitos de grande repercussão econômica: estabilidade, FGTS, indenizações e impacto no FAP. Mais do que rótulo jurídico, trata-se de instrumento de justiça social voltado a proteger o elo mais vulnerável da cadeia produtiva exatamente no momento em que ele transita entre o espaço privado e o ambiente laboral, território onde, por vezes, se travam os acidentes mais graves e negligenciados.

Quer fazer uma consulta online com Advogado Especialista? Clique aqui e fale agora com advogado especialista!
logo Âmbito Jurídico