A origem do termo “compliance” remonta ao verbo – em inglês – “to comply”, o qual possui esta tradução para o português: “cumprir com, obedecer”. Ou seja, ele se vincula, em termos práticos, a um agir ético sob determinado padrão de regramento.
No Brasil, a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, é considerada um importante marco na difusão do conceito de compliance. Ela tem foco na perspectiva da responsabilização de empresas que venham a assumir posturas corruptas frente aos cofres públicos. Dividida em sete capítulos e 31 artigos, a chamada “Lei Anticorrupção”, em seu artigo 5º, entende como “atos lesivos à Administração Pública” (seja ela “nacional ou estrangeira”):
Art. 5º […] para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV – no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;
V – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
(supressão e grifo nosso)
Dentre as sanções previstas para serem aplicadas às empresas que praticam corrupção – por atos e condutas – estão as seguintes, conforme o artigo 19, da Lei nº 12.846/2013:
Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:
I – perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades;
III – dissolução compulsória da pessoa jurídica;
IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.
[…]
A compreensão da etimologia da palavra “compliance” e do contexto legal que a introduz, de forma ordeira, no sistema jurídico brasileiro, é basilar para a assimilação do que vem a ser o compliance trabalhista.
Compliance no contexto trabalhista
Para que uma empresa esteja em conformidade com suas obrigações, é significativo que aquela (e) que a comanda tenha conhecimento acerca das leis que amparam as relações trabalhistas. A mais conhecida delas é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A CLT é a legislação que estabelece os ditames normativos da relação entre empregado e empregador.
Além da lei supracitada, outras duas destacam-se em função de proposições que impactam na rotina de compliance abordada neste tópico. São elas: a Lei da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017) e a Lei da Terceirização (Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017).
De acordo com Gonçalves e Kruppa (2020, on-line), “o compliance trabalhista vai muito além de seguir as normas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho. Amplia-se para uma gestão empresarial ética e sustentável, de forma a não suprimir nenhum direito trabalhista e criar um ambiente saudável para o trabalhador e, que gere prosperidade para a empresa”.
Dessa maneira, diante do exposto até aqui, questiona-se: afinal, do que se trata o compliance trabalhista? Basicamente, é um programa de caráter contínuo que se preocupa com o cumprimento das normas que regulamentam as relações de trabalho e encontra sustentação em três pilares: prevenção, detecção e correção.
O pilar da prevenção cuida da estrita observância das leis e regras a fim de evitar o surgimento de conflitos que possam vir a gerar ações judiciais e aumento de passivos trabalhistas.
Já a detecção pode ser vista como um método de controle interno para monitorar possíveis incidências de condutas trabalhistas consideradas ilícitas.
A correção é o pilar que, ao detectar ilicitudes que se confrontem com os princípios éticos (e os objetivos) da empresa e contrariem as legislações trabalhistas, pauta por corrigir as condutas e, se preciso, adotar uma sanção disciplinar.
De modo geral, segundo Ricardo Alves de Lima (2020, posição 52, 53 e 55), o compliance trabalhista tem como objetivo a “[…] identificação dos pilares e dos princípios éticos empresariais nas relações da empresa com o corpo de colaboradores, com terceiros prestadores de serviços, e com empresas parceiras. Sobretudo, visará a redução de riscos advindos das relações de trabalho e da legislação trabalhista e previdenciária, sejam relações diretas ou indiretas”.
E como a jurisprudência vislumbra o conceito doutrinário sobre compliance trabalhista? Vejamos exemplos de entendimentos do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3) e do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), respectivamente:
AGRESSÃO DURANTE A JORNADA DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. “Ressalto que não socorre à reclamada a instituição de sistema de Compliance Trabalhista, canais de denúncia anônima, comissão de conduta e ética, treinamentos prevenção de relação interpessoal, se as ações de gerenciamento dos postos de trabalho não levam em consideração as recomendações médicas para determinado funcionário. A reclamada dá de ombros para o seu dever de promover um meio ambiente do trabalho hígido, com redução de riscos para a saúde, higiene e segurança, conforme lhe recomenda a própria Constituição Federal, no artigo 7º, inciso XXIII. Ao contrário, a sua conduta fomenta um ambiente de labor inseguro. A confissão em defesa é bastante a configurar a culpa da reclamada: mesmo ciente da proibição médica de destinar à funcionária (…) um posto de trabalho em setor de corte, resolveu removê-la, por puro interesse econômico, sem considerar a sua doença. Causa espécie, ainda, a ausência de registro de boletim de ocorrência policial, diante do fato de uma funcionária ter intencionado atentar contra a vida do reclamante dentro das dependências da empresa, precisando ser contida por diversos outros funcionários da ré para conseguir extrair das suas mãos o instrumento cortante (faca). Esta omissão corrobora a culpa da reclamada.” (Fragmento da sentença da lavra da MM. Juíza Dra. Rosângela Alves da Silva Paiva). A Constituição da República, no art. 7º, XXII, assegurou como direito dos empregados “a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, sendo que esta última tem por escopo a preservação da integridade física e psicológica do trabalhador. A empresa arroga-se do poder diretivo, assumindo amplamente os riscos sociais de sua atividade econômica e se investe da obrigação de garantir a segurança, bem como a integridade física e psíquica dos seus empregados, durante a prestação de serviços. Assim, ao explorar determinado ramo de atividade econômica, o empregador é responsável pelos danos físicos e psicológicos sofridos pelo empregado no exercício de suas atividades laborativas, competindo-lhe a adoção de medidas que, pelo menos, minimizem os riscos e promovam melhores condições de segurança no trabalho. Evidenciado que o Reclamante foi vítima de agressão por outra empregada, mediante ameaças com faca em punho, no curso da jornada de trabalho, sem que a Reclamada tenha implementado efetivas medidas de segurança, expondo seus empregados a considerável risco durante a prestação de serviços, não há dúvida das consequências danosas advindas dos sentimentos de medo e de insegurança pelos quais passou o Reclamante. Assim, presentes os elementos da responsabilidade aquiliana – ação/omissão, dano, nexo de causalidade e culpa lato sensu -, deverá a Reclamada responder pelos danos morais experimentados pelo reclamante. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010418-67.2020.5.03.0040 (RO); Disponibilização: 24/09/2021, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 724; Órgão Julgador: Primeira Turma; Redator: Luiz Otavio Linhares Renault) RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. COMPLIANCE TRABALHISTA. TOMADOR DOS SERVIÇOS. APTIDÃO PARA PROVA DO TRABALHO DE EMPREGADO DE EMPRESA TERCEIRIZADA. Evidenciada a coincidência do período e função relativos ao contrato de prestação de serviços firmado pelas reclamadas, torna-se razoável presumir que a contratação do reclamante visou atender à demanda específica referente a tal contratação havida entre as empresas. A tomadora de serviço não pode comodamente negar a prestação do trabalho, sem comprovar quais os trabalhadores terceirizados laboravam a seu benefício por intermédio de empresa interposta. O princípio ético de integridade empresarial e as práticas de compliance trabalhista impõem, como decorrência lógica do princípio da legalidade, que a empresa zele pelo rigoroso cumprimento da legislação trabalhista em relação a todos os trabalhadores que laborem a seu benefício, registrando com transparência os dados desses trabalhadores para a facilitação da auditoria do trabalho, porquanto constitui ato lesivo à Administração Pública dificultar atividade de investigação ou fiscalização pelos órgãos estatais. Inteligência dos art. 5°, II da Constituição, art. 5°, V da Lei 12.846/2013 e arts. 41 e 42 do Decreto 8.420/2015. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010131-86.2016.5.03.0156 (APPS); Disponibilização: 09/05/2018, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 530; Órgão Julgador: Primeira Turma; Redator: Jose Eduardo Resende Chaves Jr.) |
COMPLIANCE TRABALHISTA. DECRETO 9571/18. BRASIL BROKERS PARTICIPAÇÕES S.A.. CORRETOR DE IMÓVEIS. VÍNCULO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ÔNUS DA PROVA. Decreto 9571/18 que institui as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, para médias e grandes empresas e multinacionais que operem no território nacional. Tentativa de manutenção do padrão de direitos sociais pelos países ditos desenvolvidos, os quais vêm adotando sistemas de Compliance, buscando uma forma de incentivar o cumprimento de leis e regulamentos que protejam os direitos dos trabalhadores, com valorização da ética e da transparência na cultura organizacional. Negada a relação de emprego, mas incontroversa a prestação de serviços em favor da ré, que invocou situação excepcional – prestação de serviço autônomo, na atividade de corretor de imóveis, como fato modificativo, a teor do disposto nos arts. 818 da CLT c/c 373, II, do CPC de 2015, era dela o ônus da prova deste fato, do qual não se desonerou a contento. Reconhecimento do vínculo de emprego alegado que se impõe. Apelo do autor provido, no item. (TRT da 4ª Região, 2ª Turma, 0020614-13.2017.5.04.0028 ROT, em 11/03/2021, Marcelo Jose Ferlin D’Ambroso)
(grifo nosso)
Por fim, através das ementas apresentadas, nota-se o fato de que a ausência da aplicação do compliance trabalhista no ambiente laboral pode ocasionar graves comprometimentos aos envolvidos (especialmente ao grupo de trabalhadores), enaltecendo assim, o papel fundamental que o referido programa tem no cenário constitutivo das empresas, tal como aludem os trechos destacados.
Dicas de vídeos sobre compliance trabalhista Título: Compliance Trabalhista auxilia na diminuição de ações trabalhistas Responsável: Tribunal Superior do Trabalho Link para acesso: https://www.youtube.com/watch?v=tWC36kHI8vo Título: Compliance trabalhista Responsável: Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – Ceará Link para acesso: https://www.youtube.com/watch?v=KcR-ey7P2OQ Título: LGPD e Compliance Trabalhista – os desafios atuais do Direito do Trabalho Empresarial Responsável: Editora Mizuno Link para acesso: https://www.youtube.com/watch?v=yI0kVyuddk8 |
Referência utilizada
LIMA, Ricardo Alves de. Compliance trabalhista: conceitos e estrutura do programa de compliance. São Paulo: Editora do Autor, 2020. E-book.
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