O respeito à Constituição Federal é fundamental para a preservação do Estado Democrático de Direito, no entanto, em momentos de crise política ou institucional, se faz necessário o uso de medidas excepcionais, as quais estão previstas no Sistema Constitucional de Crise brasileiro.
Com o objetivo de estabelecer as normas que devem ser utilizadas em situações de crise, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, instituiu em seu Título V os artigos concernentes à Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, subdividindo-se em estado de defesa e estado de sítio, forças armadas e segurança pública.
Tais normas visam restabelecer a ordem democrática e estão previstas no sistema político-jurídico brasileiro desde a Constituição Imperialista de 1824, que em seu artigo 179, inciso XXXV, previu que nos casos de rebelião ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado, que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades, que garantem a liberdade individual.
Na história do Brasil, o estado de sítio tornou-se uma das mais relevantes medidas utilizadas na defesa do Estado, mas também serviu como um importante instrumento de abuso por diversos chefes de Estado. Apenas no período da Primeira República, que foi de 1889 a 1930, o estado de sítio foi decretado por oito vezes, o mais longo perdurando por 4 anos.
Já em 25 de novembro 1955, a Lei nº 2.654 declarou o estado de sítio em todo o Território Nacional e determinou que continuariam em vigor as garantias asseguradas pela Constituição Federal, com exceção da livre manifestação do pensamento, o sigilo da correspondência, o direito a reunião, a casa como asilo inviolável do indivíduo, o direito a habeas corpus, entre outras.
O estado de sítio é o instrumento burocrático através do qual o chefe de Estado suspende temporariamente determinados direitos e garantias constitucionais nos períodos em que a ordem pública está gravemente ameaçada. Durante seu período de vigência o Poder Executivo assume poderes que são normalmente atribuídos ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário, alterando o equilíbrio entre os três poderes.
Como é decretado o estado de sítio?
De acordo com o artigo 137 da Constituição Federal, o estado de sítio pode ser decretado somente em três situações: comoção grave de repercussão nacional, ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa e declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
Antes de declarar o estado de sítio, o Presidente da República deve primeiro consultar o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, que devem proferir um parecer não vinculativo.
O Conselho da República é composto pelo vice-presidente da República, os presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, os líderes da maioria e da minoria na Câmara e no Senado, o ministro da Justiça e seis cidadãos brasileiros maiores de 35 anos de idade, tendo como objetivo principal deliberar sobre intervenção federal, estado de defesa, estado de sítio e outras questões relevantes para a segurança das instituições democráticas.
O Conselho de Defesa Nacional, por sua vez, é composto pelo vice-presidente da República, os presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o Ministro da Justiça, o Ministro de Estado da Defesa, o Ministro das Relações Exteriores, o Ministro da Economia e os Comandantes da Marinha, Exército e da Aeronáutica, tendo como objetivo principal aconselhar o Presidente da República nos assuntos relacionados à soberania nacional e à defesa do Estado democrático.
Logo após a consulta ao Conselho da República e ao Conselho de Defesa Nacional, o Presidente da República deve fazer uma solicitação ao Congresso Nacional, que irá decidir entre a autorização ou prorrogação da decretação de estado de sítio, com base nos relatos dos motivos determinantes do pedido.
Se a autorização para decretar o estado de sítio for solicitada durante o período de recesso parlamentar, o Presidente do Senado deverá convocar extraordinariamente o Congresso Nacional para se reunir dentro de cinco dias, a fim de apreciar o ato.
Além disso, a solicitação deve ser aprovada pela maioria absoluta dos parlamentares, que é definida como o primeiro número inteiro superior à metade. E segundo o artigo 138, parágrafo terceiro, da Constituição Federal, o Congresso Nacional deve permanecer em funcionamento até o término das medidas coercitivas.
Depois de declarado o estado de sítio, o Congresso Nacional também será o responsável por ouvir os líderes partidários e designar uma comissão composta de cinco de seus membros, que devem acompanhar e fiscalizar a execução das medidas adotadas, nos termos do artigo 140 da Constituição Federal.
Qual é o tempo de duração do estado de sítio?
A Constituição Federal determina, em seu artigo 138, que o decreto do estado de sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depois de publicado, o Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas.
Em caso de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa, o estado de sítio não poderá ser decretado por mais de trinta dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior. No entanto, o estado de sítio poderá ser decretado por período indeterminado, enquanto perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira.
O que muda no período de estado de sítio?
Segundo o artigo 139 da Constituição Federal, através da declaração de estado de sítio, o Governo Federal pode determinar uma série de medidas, tais como:
- A obrigação de permanência em localidade determinada;
- A detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
- A restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, exceto a difusão de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que liberada pela respectiva Mesa;
- A suspensão da liberdade de reunião;
- A busca e apreensão em domicílio;
- A intervenção nas empresas de serviços públicos;
- A requisição de bens.
No entanto, em caso de declaração de estado de sítio devido a guerra ou resposta à agressão armada estrangeira, o Poder Executivo dispõe da prerrogativa de suspender qualquer direito ou garantia constitucional, mas apenas mediante a aprovação do Congresso Nacional durante a votação do pedido de decretação.
Quando o estado de sítio é encerrado, devem se encerrar também os seus efeitos, sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes.
Da mesma forma, as medidas aplicadas em sua vigência devem ser relatadas pelo Presidente da República, em mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas, conforme o artigo 141 da Constituição Federal.
O Presidente da República poderá ser enquadrado no crime de responsabilidade caso não apresente o relatório ao Congresso Nacional ou caso sejam identificadas quaisquer irregularidades nas medidas adotadas durante o estado de sítio.
Qual a diferença entre estado de sítio e estado de defesa?
O estado de sítio e o estado de defesa são medidas extraordinárias, previstas na Constituição Federal, utilizadas com o objetivo maior de proteger a existência do Estado. Em ambos os casos, para a preservação ou restabelecimento da normalidade, ocorre a restrição de determinados direitos.
Como já anteriormente citado, o estado de sítio poderá ser decretado em caso de comoção grave de repercussão nacional, ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa e declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
Já no estado de defesa, de acordo com o artigo 136 da Constituição Federal: “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”.
No que tange ao procedimento de aprovação, no estado de sítio o Presidente da República deve solicitar a aprovação do Congresso Nacional antes de decretá-lo, em contrapartida, no estado de defesa a aprovação ocorre depois da sua decretação, quando o Presidente, dentro de vinte e quatro horas, deve submeter o ato com a respectiva justificação ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria absoluta.
Outra importante diferença refere-se ao tempo de duração: o estado de sítio pode durar até 30 dias, podendo ser prorrogado cada vez por igual período, em caso de grande comoção de repercussão nacional e ineficácia do estado de defesa, ou vão durar enquanto permanecer a situação atípica, em caso de guerra e agressão armada estrangeira.
O estado de defesa, por sua vez, não pode ser superior a 30 dias, podendo ser prorrogado apenas uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação, nos termos do artigo 136, parágrafo segundo, da Constituição Federal.
No estado de defesa, o decreto deve especificar as áreas a serem abrangidas e indicar as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
- Restrições aos direitos de reunião, ainda que exercida no seio das associações; sigilo de correspondência; e sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;
- Ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.
Além disso, na vigência do estado de defesa:
- A prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial;
- A comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação;
- A prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário;
- É vedada a incomunicabilidade do preso.
Tanto no estado de sítio quanto no estado de defesa, a mesa diretora do Congresso Nacional deve designar uma comissão composta por cinco membros que devem acompanhar e fiscalizar a execução das medidas adotadas. Por fim, quando cessadas ambas as situações excepcionais, é de obrigação do Presidente da República relatar as medidas aplicadas durante sua vigência.
Conclusão
O estado de sítio é o instrumento burocrático através do qual o chefe de Estado suspende temporariamente determinados direitos e garantias constitucionais, com o objetivo maior de defender o Estado e as instituições democráticas nos períodos em que a ordem pública está gravemente ameaçada.
Ainda que o respeito à Constituição Federal seja fundamental para a preservação do Estado Democrático de Direito, existem momentos em que se faz necessário o uso de medidas excepcionais, como nos períodos de comoção grave de repercussão nacional, de ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa e de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
Nessas situações, poderá ser declarado o estado de sítio, instrumento através do qual o Governo Federal poderá adotar uma série de medidas, tais como:
- A obrigação de permanência em localidade determinada;
- A detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
- A restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão;
- A suspensão da liberdade de reunião;
- A busca e apreensão em domicílio;
- A intervenção nas empresas de serviços públicos;
- A requisição de bens.
O estado de sítio não pode durar mais do que trinta dias, nem ser prorrogado, de cada vez, por prazo superior, exceto em caso de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira, quando poderá ser decretado por todo o tempo que perdurar a situação.
Além disso, a sua decretação depende da aprovação, por maioria absoluta, do Congresso Nacional, que também será o responsável por designar uma comissão que deve acompanhar e fiscalizar a execução das medidas adotadas, além de apreciar, ao fim do período de vigência do estado de sítio, o relatório enviado pelo Presidente da República com as especificações e justificações das medidas aplicadas.