O reconhecimento do cheque pós-datado no ordenamento jurídico nacional

Resumo: O artigo busca trazer algumas peculiaridades sobre o título de crédito cheque, todavia a principal fonte de discussão se pautará no reconhecimento do cheque pós-datado no ordenamento jurídico pátrio, vez que a Lei do Cheque menciona que este é uma ordem de pagamento a vista, enquanto a doutrina e Súmulas de nossos Tribunais Superiores reconhecem a existência do mesmo. Ao final se defenderá que embora sua emissão seja aceita pelo comércio e por alguns Tribunais, este ainda não pode ser considerado instituto próprio do Direito Cambiário, pois não se pode por vias oblíquas modificar uma lei já existente que trata da matéria.

Palavras-chaves: Títulos, Cheque, Pós-Datado, Reconhecimento.

Abstract: The article focuses on some peculiarities of the title credit check, however the main source of discussion be founded on the recognition of post-dated check in the native legal system, since the Act mentions that this check is a payment order to view, while the doctrine and Precedents of our Courts recognize the existence of the same. Finally, the authors hold that although the issue is trade and accepted by some courts, it still can not be considered Cambiário institute's own law, because you can not modify an oblique way by existing law dealing with the matter.

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Keywords: Titles, Cheque, Post-Dated, Recognition.

Sumário: 1. Cheque pós datado e sistema jurídico pátrio. 1.1. Cheque – elemento histórico. 1.2. Cheque- conceito e requisitos. 2. Intervenientes e peculiaridades. 3. O reconhecimento do cheque pós-datado no ordenamento jurídico nacional. 4.  Conclusão. Referências bibliográficas.

1 – CHEQUE PÓS DATADO E SISTEMA JURÍDICO PÁTRIO.

É prática usual em nosso quotidiano a emissão de cheque no qual a pessoa insere na cártula uma data diversa da data de emissão, a qual usualmente se denomina como pós-datação. Todavia analisando a Lei do Cheque, diploma 7.357/85, verifica-se que o cheque seria uma ordem de pagamento à vista, e a própria lei não considera qualquer menção ao contrário.

Mesmo com essa disposição mediante Lei Ordinária, observa-se que pelo costume o cheque pós-datado de maneira direta ingressa no comércio com força, a qual a Lei específica não lhe beneficiará, tendo inclusive em sua defesa Súmula do Superior Tribunal de Justiça considerando dano moral a apresentação antes da data de cheque “pré-datado”.

O que fora definido pelo Tribunal Superior não condiz com a norma cambiária do cheque, pode-se afirmar que na esfera contratual ter-se-ia uma quebra de acordo, mas quanto ao direito cambiário não poderíamos defender o nascimento de um novo instituto, ou seja, o cheque pós-datado, o qual somente será considerado instrumento legítimo mediante alteração legislativa, modificando a norma legal sobre o cheque.

1.1- CHEQUE – ELEMENTO HISTÓRICO.

A doutrina de direito nacional não consegue precisar com exatidão a origem do cheque, defendendo alguns que certos documentos no Egito contemplavam pagamentos em favor de terceiros, outros levam a Grécia e Roma onde também se encontram ordem de pagamentos, todavia, existe uma confusão desses autores com a Letra de Câmbio, título de crédito existente à época. O correto é que a primeira norma a tratar da matéria fora editada na França.

Wille Duarte assim também entende:

“Muitos autores têm a imaginação fértil demais e em qualquer texto, sem qualquer relação com o cheque encontram vestígios dele e de outros títulos de crédito, confundindo tudo. De meras suposições, chegam a afirmações cujo conteúdo dão como verdadeiro e certo. Não há como conciliar, mas, sem dúvida a primeira norma sobre o cheque surgiu na França em 1865, sendo seguida pela Bélgica (1837), Suíça (1881), Inglaterra (1882) e Itália (1882).” (COSTA, 2008:325).

No que tange a origem da palavra cheque também existe divergência.

“Discute-se sobre a origem etimológica do termo cheque, se proveniente do verbo inglês to check, no sentido de verificar, ou do vocábulo francês echiquier, com o significado de retirar, dar baixa (com relação ao jogo de xadrez), tendo, no entanto, o vocábulo cheque se universalizado: sheck nas línguas de origem germânica, cheque nas neolatinas e cheque nas anglo-saxônicas, para distinguir o mandado de pagamento do homônimo check de variadíssimas opções.” (ROSA JUNIOR, 2007: 511-512)

No Brasil, o cheque foi mencionado somente em 1860 pela Lei 1.083 de 1860, causando estranheza que o Código Comercial de 1850 o ignorasse, já que tal Código fora instrumento inovador.

O Decreto 917 de 1890, que substitui a parte falimentar prevista nos artigos 797 a 913 do Código Comercial de 1850, faz menção pela primeira vez à palavra cheque, quando se refere às dívidas consideradas líquidas e certas. Ainda tivemos importantes diplomas nacionais sobre o cheque, um deles a Convenção de Genebra, a qual tivera início de discussões em Haia em 1908. “Vinte e sete países que participaram das Conferências de Haia assinaram a Convenção sobre o Regulamento Uniforme; entre eles não figuraram, entretanto, a Inglaterra e os Estados Unidos.” (MARTINS, 1987: 47).

Em 1912 fora feita uma nova convenção estabelecendo diretrizes sobre normas de uma Lei Uniforme para cambiais e cheque, mas o a positivação da norma de 1912 somente se dera no ano de 1930 em Genebra (1930) Participaram 31 (trinta e um) Estados, que aprovam uma Lei Uniforme sobre letra de câmbio, nota promissória, cheque, e convencionam sobre conflito de leis e selos. O Brasil se torna signatário de tal convenção adotando suas regras pelo Decreto 57663/66 referente à Lei Uniforme para letra de câmbio e nota promissória, e Decreto 57.595/66 para o cheque.

Atualmente o cheque é regulado pela Lei 7357/85, a qual substitui o Decreto 57.595/66.

1.2- CHEQUE- CONCEITO E REQUISITOS.

Segundo Fábio Ulhoa cheque seria “ordem de pagamento à vista, emitida contra um banco, em razão de provisão que o emitente possui junto ao sacado, proveniente essa de contrato de depósito bancário de abertura de crédito.” (COELHO, 2012: 500).

Wille Duarte da Costa já considera o cheque como:

“Uma promessa indireta de pagamento feita pelo emitente cujo conteúdo, tal como na letra de câmbio, corresponde a uma ordem de pagamento a um Banco ou Instituição Financeira assemelhada para pagar uma quantia determinada ao emitente ou a terceiro, havendo fundos disponíveis em poder do sacado”. (COSTA, 2008: 323).

Conforme acima explicitado é cediço que para emissão de cheque se faz necessário uma abertura de conta corrente bancária e para abertura dessa conta corrente conforme pela Circular nº 559/80 devem ser preenchidos certos requisitos como:                                                                                                                    

“- Nome e qualificação com CPF (pessoa Física) ou CNPJ (Pessoa Jurídica).

– Data da abertura da conta e número desta;

– Condições do depósito;

– Assinatura do depositante;

– Fontes de referência;

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– Advertência sobre sanções para o uso indevido do cheque (inclusão no cadastro de emitentes de cheques sem fundo)

– Advertência sobre a necessidade de comunicar mudanças de endereço;

– Autorização para a abertura de conta por despacho do administrador bancário.” (FAZZIO JUNIOR, 2009: 366)

A resolução nº 2537/98 do Banco Central dispõe que nos formulários de cheque fornecidos a titulares de conta de depósito deverão ser impressos abaixo do nome do correntista, o seu CPF; Identidade e a data da abertura da conta de depósito.

Além da conta corrente bancária é imprescindível destacar que o cheque deve ser emitido contra banco ou instituição financeira equiparada, tal definição encontra-se no artigo 17 e 18 da Lei 4595/64:

Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.

Artigo 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras. § 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.

§ 2º O Banco Central da Republica do Brasil, no exercício da fiscalização que lhe compete, regulará as condições de concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação da pena (Vetado) nos termos desta lei.

§ 3º Dependerão de prévia autorização do Banco Central da República do Brasil as campanhas destinadas à coleta de recursos do público, praticadas por pessoas físicas ou jurídicas abrangidas neste artigo, salvo para subscrição pública de ações, nos termos da lei das sociedades por ações.” (CURIA, 2012: 779)

Interessante notar que a doutrina diverge quanto ao reconhecimento do cheque como título de crédito próprio, por considerá-lo como de emissão imediata, como título de resgate e apresentação, ainda afirma que não estaria na verdade criando um crédito até mesmo por sua emissão ser considerada à vista. Mas a posição majoritária considera o cheque título de crédito típico “não é possível negar-lhe uma realidade flagrante que é a natureza de título de crédito. E para não ir muito longe, basta dizer que alguns institutos como endosso e principalmente o aval, típicos de títulos de crédito e que só neles existem, são aplicáveis ao cheque”. (COSTA, 2008: 323)

A corrente majoritária deve ser considerada, não se deve aceitar o argumento que o cheque seria um título de crédito impróprio, pois mesmo sendo de emissão a vista o crédito é criado sim no momento em que se emite a cártula, mesmo que seja por um minuto o crédito existiu bem como os institutos cambiários lhes são aplicados, o que bem acima afirmara o Professor Wille Duarte.

Para que a cártula seja considerada cheque deve seguir alguns requisitos indicados pela Lei 7357/85 em seu artigo primeiro e segundo:

Artigo 1º O cheque contêm:

I – a denominação ‘’cheque’’ inscrita no contexto do título e expressa na língua em que este é redigido;

II – a ordem incondicional de pagar quantia determinada;

III – o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado);

IV – a indicação do lugar de pagamento;

V – a indicação da data e do lugar de emissão;

VI – a assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais.

Parágrafo único – A assinatura do emitente ou a de seu mandatário com poderes especiais pode ser constituída, na forma de legislação específica, por chancela mecânica ou processo equivalente.

Artigo 2º O título, a que falte qualquer dos requisitos enumerados no artigo precedente não vale como cheque, salvo nos casos determinados a seguir:

I – na falta de indicação especial, é considerado lugar de pagamento o lugar designado junto ao nome do sacado; se designados vários lugares, o cheque é pagável no primeiro deles; não existindo qualquer indicação, o cheque é pagável no lugar de sua emissão;

II – não indicado o lugar de emissão, considera-se emitido o cheque no lugar indicado junto ao nome do emitente”. (CURIA, 2012:1064)

No primeiro artigo em seu inciso I tem-se a denominação cheque, ou seja, a denominação é necessária para que identifique o título, o nome cheque deve figurar no contexto, caso não esteja presente o papel não produzirá efeitos como título de crédito, todavia não servirá para anular a obrigação de origem segundo o artigo 888 da norma civilista “A omissão de qualquer requisito legal, que tire ao escrito a sua validade como título de crédito, não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe deu origem.” (CURIA, 2012: 282)

Deve-se atentar que o termo deve ser escrito na língua empregada para a redação do título, assim se em português usa-se o termo “cheque” e se inglês “check”.

Todavia não se terá muitos problemas no que tange a esse requisito, pois:

“O cheque é título de modelo vinculado, só podendo ser eficazmente emitido no papel fornecido pelo banco sacado (em talão ou avulso).

 Por essa razão não costuma gerar incertezas a eficácia chéquica de certo documento”. (COELHO, 2012: 500).

O segundo requisito é a ordem incondicional de pagar quantia determinada, previsto no inciso II, ou seja, não se pode condicionar a ordem de pagamento, o cheque não pode ficar dependendo disso ou daquilo, a quantia determinada quer demonstrar que o cheque deve ser emitido segundo a moeda corrente nacional, não se admite, por exemplo, ser emitido para pagamento em gramas de prata, lembrando que se acontecer divergências entre o algarismo e extenso prevalecerá a regra do artigo 12 da Lei do Cheque:  “feita a indicação da quantia em algarismos e por extenso, prevalece esta no caso de divergência. Indicada a quantia mais de uma vez, quer por extenso, quer por algarismos, prevalece, no caso de divergência, a indicação da menor quantia.” (CURIA, 2012: 1065)

O requisito que se segue é a indicação do banco ou da instituição que deva pagar, o nome do sacado sempre deve ser um banco comercial ou uma instituição financeira a ele equiparada (exemplo Caixas Econômicas),

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“Sob pena de não valer como cheque, como por exemplo, quando emitido contra comerciante. Em decorrência da multiplicidade de agência de um mesmo banco, o Banco Central também exige que conste do cheque o número da agência para a sua identificação…” (ROSA JUNIOR, 2007: 539-540).

O lugar do pagamento é requisito não essencial, vez que o artigo segundo da Lei do Cheque demonstra que não existindo indicação de lugar para pagamento, este será considerado o lugar designado junto ao nome do sacado; se designados vários lugares, o cheque é pagável no primeiro deles; não existindo qualquer indicação, o cheque é pagável no lugar de sua emissão.

A indicação da data e lugar da emissão constante no inciso V do artigo primeiro da Lei do Cheque são de suma importância “já que a partir dela conta-se o prazo para apresentação do cheque ao sacado, e consequentemente, o prazo de prescrição da ação de execução do cheque.” (COSTA, 2008: 333).

Lembrando que a data deve ser completa, em dias, mês e ano, sendo o mês lançado por extenso, sob pena de inexistência do documento como título de crédito, o lugar da emissão também é de fundamental importância para fixar o prazo de apresentação e conforme o artigo 33 da Lei do Cheque tal deverá ser feita a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior.

O último requisito é a assinatura do emitente ou de seu mandatário, nesse caso, essa assinatura deve corresponder com aquela deixada no banco no momento da abertura da conta bancária, podendo ser feita pelo próprio emitente ou por procurador. Pergunta-se: um analfabeto poderia por meio de impressão digital assinar um cheque? A resposta é não, até mesmo por questões de segurança bem como pela dificuldade e responsabilidade do banco sacado na hora de conferência, logo pela impressão digital ninguém se obriga em títulos de crédito, a solução para o caso é constituir um mandatário.

Ainda sobre assinatura é importante destacar o parágrafo único, vez que a assinatura do emitente ou a de seu mandatário com poderes especiais pode ser constituída, na forma de legislação específica, por chancela mecânica ou processo equivalente. O caso de chancela mecânica se dará pelo uso de máquinas especiais com autorização do Banco Central do Brasil, a assinatura ainda deve ser levada a registro em Cartório de Títulos e Documentos e no Banco sacado.

2- INTERVENIENTES E PECULIARIDADES.

O cheque possui intervenientes fundamentais e eventuais, os eventuais são os endossantes e avalistas, os fundamentais de acordo com Waldo Fazzio são considerados:

“Sacador, aquele que emite o cheque que dá ou passa a ordem de pagamento, assinando-a; beneficiário ou portador, também chamado de tomador, que é a pessoa em favor da qual é emitido o cheque e sacado, ou seja, o estabelecimento bancário em poder do qual se acham os fundos, e que deve efetuar o pagamento”. (FAZZIO JUNIOR, 2009: 368-369).

Logo, se observa que um sacador (quem emite o cheque) dá uma ordem de pagamento para que um sacado (banco ou instituição financeira) venha adimplir frente a um beneficiário na data combinada, logicamente desde que o banco sacado tenha fundos disponíveis, cuja definição esta presente no artigo 4º parágrafo 1º e 2º a), b) e c) da Lei 7357/85.

Art . 4º O emitente deve ter fundos disponíveis em poder do sacado e estar autorizado a sobre eles emitir cheque, em virtude de contrato expresso ou tácito. A infração desses preceitos não prejudica a validade do título como cheque.

§ 1º – A existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento.

§ 2º – Consideram-se fundos disponíveis:

a) os créditos constantes de conta-corrente bancária não subordinados a termo;

b) o saldo exigível de conta-corrente contratual;

c) a soma proveniente de abertura de crédito”. (CURIA, 2012: 1065)

Em análise do artigo supracitado verifica-se que os fundos disponíveis devem estar presentes não no momento que se emite o cheque, mas no momento de sua apresentação para pagamento, tais fundos podem ser assim explicados:

“A primeira hipótese de provisão refere-se a crédito constante de conta corrente bancária, ou seja, crédito vindo de depósito bancário. O depósito pode consistir em moeda corrente ou em cheque de outro banco de que o depositante seja possuidor. Feito o depósito, o valor respectivo ficará creditado na conta do depositante e, a medida que forem apresentados os cheques do correntista, eles serão pagos em razão do saldo disponível. A segunda hipótese de previsão é a conta corrente contratual, no sentido da lei, ela tem por base um contrato entre as partes ( banco e correntista). Em verdade, trata-se de operações casadas, em que o correntista transfere, geralmente, títulos negociáveis (duplicatas, notas promissórias e outros) ao banco para cobrança, que por sua vez credita em conta-corrente do cliente o valor correspondente. A terceira hipótese de provisão está na soma proveniente de abertura de crédito. Quase sempre com base no crédito pessoal do correntista, o Banco põe a disposição dele um certo valor, geralmente delimitado pelo creditador, com ou sem termo para utilização do crédito”. (COSTA, 2008: 340-341).

O cheque no que tange a sua circulação pode ser nominal, quando consigna o nome do tomador ou beneficiário (podendo ser a ordem o qual se transmite por endosso e não à ordem o qual a transferência é insuscetível por endosso, sua transmissão é considerada cessão civil) ou ao portador quando não se indica o nome do beneficiário, lembrando que a Lei 9069/95 em seu artigo 69 veda a emissão, pagamento e compensação de cheque de valor superior a R$ 100,00 (cem reais) sem a identificação do beneficiário.

No que tange a apresentação se observa a regra do artigo 33 da Lei do Cheque, “o cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior.” (CURIA, 2012: 1067)

Considera-se cheque emitido na mesma praça quando existe correspondência entre o local da emissão e o local da agência do sacado. Caso não observe o prazo de apresentação existem algumas consequências como: perda do direito creditício contra coobrigados (endossantes e avalistas de endossantes) e perda do direito creditício contra o emitente se havia fundos nesse prazo e deixaram de existir por culpa não imputável àquele.[1]

Conforme os ensinamentos do professor Waldo Fazzio, após a apresentação do cheque este pode ter o pagamento recusado pelo banco sacado nas seguintes hipóteses:

“- Por insuficiência ou falta de fundos.

– Por defeito em requisito essencial.

– Por desconformidade da assinatura com o padrão gráfico registrada no cartão de autógrafo.

– Em virtude de contra-ordem do emitente.

– Por falta de legitimidade do beneficiário.

– Por falta de capacidade do emitente.” (FAZZIO JUNIOR, 2009: 370).

A contra-ordem ou sustação são institutos que muita das vezes se confundem, entretanto cada um com suas peculiaridades, estando previstos no artigo 35 e 36 da Lei do Cheque: 

Artigo 35 O emitente do cheque pagável no Brasil pode revogá-lo, mercê de contra-ordem dada por aviso epistolar, ou por via judicial ou extrajudicial, com as razões motivadoras do ato.

Parágrafo único – A revogação ou contra-ordem só produz efeito depois de expirado o prazo de apresentação e, não sendo promovida, pode o sacado pagar o cheque até que decorra o prazo de prescrição, nos termos do art. 59 desta Lei.

Artigo 36 Mesmo durante o prazo de apresentação, o emitente e o portador legitimado podem fazer sustar o pagamento, manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em relevante razão de direito.

§ 1º A oposição do emitente e a revogação ou contra-ordem se excluem reciprocamente”. (CURIA, 2012: 1067)

Verifica-se que a grande diferença esta no fato que a contra-ordem somente poderá ser efetuada depois de expirado o prazo de apresentação, enquanto a sustação mesmo durante esse prazo produzira efeitos.

Sobre endosso este é permitido nos títulos á ordem e transferem o direito contido na cártula, o endossante transfere seu direito a outro agente denominado endossatário, ele é garante assumindo obrigações para com todas as pessoas que se obrigarem anteriormente e posteriormente a ele, o endosso não pode ser parcial, o agente que endossa o documento se obriga pela dívida toda, lembrando a regra do artigo 21 da Lei do Cheque “Salvo estipulação em contrário, o endossante garante o pagamento. Parágrafo único – Pode o endossante proibir novo endosso; neste caso, não garante o pagamento a quem seja o cheque posteriormente endossado.” (CURIA, 2012:1066)

Quanto ao aval a regra se difere, vez que este no cheque pode ser total ou parcial, deve vir acompanhado da expressão por aval, devendo indicar o avalizado, pois na falta entende-se que o avalizado será o emitente.

Tem-se ainda a possibilidade de cheque cruzado e cheque visado, tais figuras tem previsão legal nos artigos 7, 44 e 45 da Lei do Cheque:

Artigo 7º Pode o sacado, a pedido do emitente ou do portador legitimado, lançar e assinar, no verso do cheque não ao portador e ainda não endossado, visto, certificação ou outra declaração equivalente, datada e por quantia igual à indicada no título.

§ 1º A aposição de visto, certificação ou outra declaração equivalente obriga o sacado a debitar à conta do emitente a quantia indicada no cheque e a reservá-la em benefício do portador legitimado, durante o prazo de apresentação, sem que fiquem exonerados o emitente, endossantes e demais coobrigados.

§ 2º – O sacado creditará à conta do emitente a quantia reservada, uma vez vencido o prazo de apresentação; e, antes disso, se o cheque lhe for entregue para inutilização.

Artigo 44 O emitente ou o portador podem cruzar o cheque, mediante a aposição de dois traços paralelos no anverso do título.

§ 1º O cruzamento é geral se entre os dois traços não houver nenhuma indicação ou existir apenas a indicação ‘’banco’’, ou outra equivalente. O cruzamento é especial se entre os dois traços existir a indicação do nome do banco.

§ 2º O cruzamento geral pode ser convertida em especial, mas este não pode converter-se naquele.

§ 3º A inutilização do cruzamento ou a do nome do banco é reputada como não existente.

Artigo 45 O cheque com cruzamento geral só pode ser pago pelo sacado a banco ou a cliente do sacado, mediante crédito em conta. O cheque com cruzamento especial só pode ser pago pelo sacado ao banco indicado, ou, se este for o sacado, a cliente seu, mediante crédito em conta. Pode, entretanto, o banco designado incumbir outro da cobrança”. (CURIA, 2012: 1068)

No cheque visado existe uma garantia dada ao portador que durante o prazo de apresentação terá segurança quanto ao adimplemento, reservando o valor na conta do emitente logicamente desde que possua fundos para tanto. Já no cheque cruzado em ambos os cruzamentos se evita que o portador/beneficiário saque o valor diretamente em espécie, nos dois casos o adimplemento se dará mediante crédito em conta.

A prescrição do cheque para o portador será de 6 meses contados do prazo de apresentação, e de um obrigado que efetuou o pagamento contra o outro observa-se o mesmo prazo.

3- O RECONHECIMENTO DO CHEQUE PÓS-DATADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL.

O cheque é uma ordem incondicional de pagamento a vista, não havendo possibilidade que se vincule condições ou datas futuras em sua emissão, tal afirmação esta presente no artigo 32 da Lei do Cheque. “O cheque é pagável à vista. Considera-se não-estrita qualquer menção em contrário.” (CURIA, 2012: 1067)

Todavia, a prática comercial levou a criação de uma modalidade de cheque não prevista por lei, alguns denominam cheque pré-datado, o que não é correto, pois pré-datar significa datar de forma pretérita, o correto seria pós-datar.

Wille Duarte utiliza essa denominação “o cheque chamado pré-datado, hoje de uso comum em todo território brasileiro, é o que é dado para apresentação futura.” (COSTA, 2008: 355).

De forma acertada Gladston Mamede demonstra:

Não obstante previsão legal de que o cheque é uma ordem de pagamento a vista e que pode ser levado imediatamente ao caixa para pagamento, ou depositado para compensação, criou-se entre os brasileiros a prática da contratação de sua apresentação futura, em prazo ou termo definido entre sacador e tomador.

… o ajuste do tempo futuro por meio de cláusula inscrita na cártula ou em documento anexo; na prática têm-se cláusulas como bom para, ou depositar em, entre outras. Também é usual pós-datar o título, ou seja, emiti-lo com data posterior, futura, pratica a qual o mercado da o nome de cheque pré-datado (ainda que pré-datar seja datar com data pretérita, anterior a data da emissão).”  (MAMEDE, 2008: 281)

Observa-se que tal pratica não é amparada pelo Direito Cambiário, ou seja, não pode o banco sacado recusar o pagamento do cheque dentro do prazo de apresentação observando a data de emissão, mesmo se essa não coincidir com o que se passou a denominar pós-datado, ou seja, uma data abaixo da data de emissão com dizer “bom para”, vez que já fora analisado que qualquer menção em contrário que venha descaracterizar o cheque como ordem de pagamento à vista considera-se como não escrita, e vamos além utilizando até mesmo um requisito essencial do cheque, pois o cheque é uma ordem incondicional de pagamento logo essa condição futura desvirtuaria a própria condição de ordem de pagamento á vista.

Contudo, os nossos Tribunais Superiores vinham apreciando a matéria e editaram uma Súmula, a 370 (Superior Tribunal de Justiça) a qual tem como conteúdo: “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.” (CURIA, 2012: 1602).

Por vias oblíquas, o Superior Tribunal de Justiça, com sua Súmula vêm influenciar a Lei do Cheque, pois esta ainda não criara a figura do cheque pós-datado, como visto no artigo 32 da referida norma o cheque é ordem de pagamento á vista e se considera não escrita qualquer menção em contrário.

Não se poderia criar uma nova modalidade de cheque a não ser por um devido processo legislativo, mas o que se verifica é o contrário quando mencionamos a palavra cheque pós-datado.

Mesmo para assegurar na esfera cível um acordo entre as partes, não se pode defender tal Súmula, vez que o Direito Cambiário é instituto autônomo e deve ser respeitado como tal, é incorreto o Direito Civil ingressar nessa seara mesmo que indiretamente. 

Vislumbra-se como solução a emissão não de um cheque que é ordem de pagamento à vista, mas de uma nota promissória a qual poderá ser emitida com data futura a qual deve ser respeitada pelo portador, o que não geraria problema algum vez que esta também é um título executivo extrajudicial.[2]

Não se pode negar a evolução do instituto e o costume no Direito Cambiário, entretanto já se tem uma lei específica que não pode ser alterada por uma Súmula, o julgador não pode atuar como legislador, pois teríamos uma total insegurança jurídica.

4 – CONCLUSÃO

Durante o trabalho se observou que o cheque desde a antiguidade fora importante instrumento de circulação de riquezas e que as normas referentes a este título de crédito passaram por inúmeras modificações, desde uma convenção internacional sobre cheque até que chegar ao diploma normativo vigente, ou seja, a Lei 7357/85.

Buscou-se demonstrar para que a cártula seja considerada cheque, deve ser atendido certos requisitos considerados essenciais e outros não, ainda ficara relatado que o cheque deve ser apresentado para pagamento dentro de 30 dias da emissão se da mesma praça ou 60 dias da emissão se de praças diversas.

Mas o principal foco de discussão do estudo está no reconhecimento do chamado cheque pós-datado, ou seja, um acordo inserido na cártula creditória o qual permite que o emitente venha colocar uma data posterior àquela constante na emissão, prática essa reconhecida pelo comércio e pelo Superior Tribunal de Justiça quando a Súmula 370 relata que caracteriza dano moral a apresentação antecipada do cheque pós-datado. O que vem a colidir frontalmente com a Lei 7357/85 em seu artigo 32, pois relata que o cheque é ordem de pagamento á vista considerando não escrita qualquer menção ao contrário.

Entendemos que o direito deve se adequar as mudanças sociais, todavia não pode ser inserido e criado em nosso ordenamento jurídico institutos que são colidentes com Lei Específica, no caso em estudo destacou-se a decisão do Tribunal Superior. O reconhecimento do cheque pós-datado deveria ficar relegado ao trabalho do legislador ordinário para que não ocorra uma confusão entre poderes e não se tenha precedente que gerem grande insegurança jurídica.

 

Referências bibliográficas
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
COSTA, Wille Duarte. Títulos de Crédito. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
CURIA, Luiz Roberto (Org). Código Civil; Comercial; Processo Civil e Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial brasileiro: Títulos de Crédito. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MARTINS, Fran. Títulos de crédito. 5.ed. rev e aum. Rio de Janeiro: Forense,1987.
ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
 
Notas:

[1] Tal afirmativa confirma o disposto na Lei do Cheque, em seu artigo 47 § 3º.
[2] Artigo 585 do Código de Processo Civil: São títulos executivos extrajudiciais: I – a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque. (CURIA, 2012: 591) 

Informações Sobre os Autores

Aluer Baptista Freire Júnior

Doutorando em Direito Privado pela PUC-Minas. Mestre em Direito Privado pela PUC-Minas. MBA em Direito Empresarial. Especialista em Direito Privado Direito Público Direito Penal e Processual Penal. Professor da Fadileste Reduto-MG. Advogado

Danilo Viana Celestino

Bacharel em Direito pela Fadileste


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