O sigilo do orçamento no regime diferenciado de contratações públicas

Resumo: O presenteartigocientífico busca analisar o sigilo do orçamento estimado no Regime Diferenciado de Contratações – RDC. Na oportunidade, restaram observados os preceitos constitucionais, a Lei Geral de Licitações bem como a Lei 12.462/11. Em sequência, foi analisado a suposta inconstitucionalidade do mecanismo de sigilo dos orçamentos previstos no Regime Diferenciado de Contratação frente ao princípio da publicidade.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Licitação. Regime Diferenciado de Contratação. Sigilo.Inconstitucionalidade.

Abstract: This scientific article seeks to analyze the secrecy of the estimated budget in the Differentiated Regime Signings – DRC. On the occasion, they remained subject to the constitutional provisions , the General Law Procurement and the Law 12.462 / 11 . In sequence , the alleged unconstitutionality of the secrecy mechanism of planned budgets in the Differentiated Regime Hiring against the principle of publicity .

Keywords: Administrative Law. Bidding. Differentiated Hiring regime. Secrecy. Unconstitutionality .

Sumário: 1- Introdução. 2- Os procedimentoslicitatórios e o princípio da publicidade. 3. O Regime Diferenciado de ContrataçõesPúblicas .3.1- O sigilo do orçamento no Regime Diferenciado de Contratação.3.2- Justificativas para a existência do sigilo do orçamento. 3.3- A extensão do sigilo. 4- Inconstitucionalidade do sigilo do orçamento previsto na lei nº 12.462/11.4.1- O sigilo no orçamento do Regime Diferenciado de Contratação. 4.2- Justificativas para a existência do sigilo do orçamento. 5- Considerações finais.

1. Introdução

O presente estudo trata do aspectos e da polêmica do sigilo do orçamento adotado no Regime Diferenciado de Contratações (RDC) – utilizado nas licitações e respectivas contratações relativas aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, com a Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol (FIFA) 2013 e com a Copa do Mundo FIFA 2014.

A legislação brasileira, por muito tempo, buscou promover reformas nas contratações públicas buscando maior efetividade e menos entraves burocráticos, assim, veio a Medida Provisória n. 527 de 2011, sugerindo um trâmite licitatório mais célere. Posteriormente a mencionada norma se converteu na Lei 12.462 de 2011, estabelecendo o Regime Diferenciado de Contratação, apresentando mudanças relevantes no processo licitatório até então adotado.

Os preceitos estabelecidos na citada lei determinam a não divulgação prévia do orçamento estimado pela Administração Pública para o objetivo licitado, permanecendo em sigilo até o encerramento da licitação ocorrendo a divulgação concomitante àadjudicação do objeto licitado.Portanto, o sigilo em tela vai de encontro ao princípio da publicidade, contido no art. 37 caput da Constituição Federal, que prevê a necessidade de transparência dos atos administrativos, determinando que estes devem ser públicos, de forma que a sociedade possa ter acesso à atuação do Estado.

Por meio deste artigo, portanto, pretende-se analisar a possívelinconstitucionalidade do orçamento sigiloso, frente a sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico pátrio e, principalmente, com o princípio constitucional da publicidade adotado pelaAdministração Pública.

O cerne da questão repousa no artigo 6º da Lei n.º 12.462/11 dispondo que “o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação”. Logo, resta evidenciado que a normabusca a celeridade e eficiência em detrimento da publicidade, contrariando todo o ordenamento jurídico pátrio.

2.Os procedimentos licitatórios e o princípio da publicidade

A Administração Pública, em seu interesse primário,busca atender às necesidades dos seus administrados por meio do princípios da supremacia do interesse público[1].

Segundo Hely Lopes Meirelles (2010, p. 87):

“Os fins da administração pública resumem-se num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada. Toda atividade do administrador público deve ser orientada para esse objetivo. Se dele o administrador se afasta ou desvia, trai o mandato de que está investido, porque a comunidade não institui a Administração senão como meio de atingir o bem-estar social. Ilícito e imoral será todo ato administrativo que não for praticado no interesse da coletividade”.[2] (grifo nosso)

Portanto, a Administração deve sempre prezar sempre pela lisura, em homenagem aointeresse público, mediante a realização de processo de escolha prévio denominadode licitação.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 483), licitação é:

“[…] um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com ela travar determinada relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na ideia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preenchem os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõe assumir”.[3] (grifo nosso)

No Brasil, a previsão contitucional para a realização de licitação repousa no art. 37, XXI, da Constituição Federal, definindo que:

“Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

Nesse contexto, para garantir a probidade do processo de escolha e contratação, aLei Geral de Licitações apresenta um rol de princípios que devem ser observados em toda modalidade licitatória. Assim, a Lei 8.666 de 1993, apresenta, de forma clara, a necessidade de publicidade de todos os atos licitatórios e a proibição do sigilo das propostas.

Nesse diapasão, encontramos diversos dispositivos na Lei n.º 8.666/93 que traduzem a efetivação deste princípio.

O §3º do seu art. 3º, estatui que: “A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas até a respectiva abertura”. Já o artigo 6º, IX, f, determina que o projeto básico deverá conter “orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados”.

O artigo 7º, §2º, II, reza que “as obras e os serviços somente poderão ser licitados quando […] existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários”, bem como o §8º do mesmo dispositivo estabelece que “qualquer cidadão poderá requerer à Administração Pública os quantitativos das obras e preços unitários de determinada obra executada”.

O disposto no artigo 44º da Lei n.º 8.666/93 exige a divulgação do orçamento estimativo, juntamente com o edital da licitação. O dispositivo estabelece que “no julgamento das propostas, a comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por esta Lei.” O §1º do citado dispositivo veda expressamente “a utilização de quaisquer elementos, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado quepossa ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes”.

Este último dispositivo veda a utilização de critérios de julgamento secretos, sendo esse o entendimento adotado pelo Tribunal de Contas da União ao proferir o Acórdão n.º 1.178/2008[4].

Portanto, aLei Geral de Licitações está em consonância com a Constituição Federal, na medida em que preza pela ampla divulgação do orçamento estimado para os contratos a serem efetivados pelo Estado.

3. O regime diferenciado de contratações públicas

O Brasil, enquanto sediador da Copa do Mundo FIFA 2014, restou obrigado a realizar benfeitorias em sua infraestrutura e em um prazo determinado. Assim, devido ao escoamento do tempo ofertado e aos possíveis entraves burocráticos da lei 8.666 de 1993, durante a tramitação da Medida Provisória n.º 527/2011, que fomentava mudanças na organização administrativa do Poder Executivo, foi proposto Projeto de Lei de Conversão n.º 17/2011 que acrescentava no texto da referida MP um capítulo dedicado à criação do Regime Diferenciado de Contratações, com vistas a proporcionar infraestrutura legal que permitiria um processo de contratação mais ágil e adequado às tecnologias que surgiram após a edição da referida Lei Geral de Licitações.

Por fim, o projeto foi transformado na Lei n.º 12.462/11, regulamentada pelo Decreto 7.581.

Na sequência, em 24 de dezembro de 2013, foi apresentada a Medida Provisória n.º 630, que promoveu alterações nos artigos 1º, 4º e 9º da Lei nº 12.462, de 2011. No que se refere ao art. 1º em comento, a Medida Provisória estendeu a aplicação do RDC a obras e serviços de engenharia destinados à construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo.

Já em09 de abril de 2014, a referida MP buscou estender o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para todos os tipos de licitações e contratos – tanto de obras quanto de serviços – de União, estados, Distrito Federal e municípios, e foi aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados, contudo o senado não acatou a ampliação, aprovando a MP em seu texto original, ou seja, ampliando a aplicação do RDC apenas para obras em estabelecimentos peneias

Assim, resta possível observar que Lei n.º 12.462 de 2011, trouxe aplicação do princípio da eficiência enquanto elemento norteador do R.D.C., viabilizando projetos de alta complexidade com exíguo prazo de concretização.

Para Hely Lopes Meirelles:

“[…] a eficiênciaé o dever que impõe a todo agente público realizar suas obrigações com presteza, perfeição e rendimento funcional. Exige resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.”[5] (grifo nosso)

Neste sentindo, a eficiência se reproduz na busca pela prestação do serviço público de forma mais benéfica ao interesse público, pois se instaura um processo mais célere, razoável e de menor custo.

3.1 O sigilo do orçamento no Regime Diferenciado de Contratação

Conforme demonstrado, O RDC trouxe novas práticas objetivando possibilitar a construção de obras necessárias a realização dos eventos esportivos, entre estas chama a atenção o sigilo no orçamento estimado pela Administração Pública. Na redação final da Lei n.º 12.462, o art. 6º estabelece:

“Observado o disposto no §3º, o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação, semprejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas.”

Insta destacar que o Decreto n.º 7.581 refere-se à “adjudicação do objeto” o momento a partir do qual o orçamento será tornado público[6].

Em outras palavras, as citadas normas estabelecem que a divulgação do orçamento estimado somente ocorrerá após o encerramento da licitação.

Vale salientar que os parágrafos 1º e 2º da Lei estabelecem duas únicas exceções à esta regra, relacionadas aos critérios de julgamento a serem utilizados nas licitações. O §1º define que “nas hipóteses em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, a informação de que trata o caput deste artigo constará do instrumento convocatório” e §2º, por sua vez, determina que “no caso de julgamento por melhor técnica, o valor do prêmio ou da remuneração será incluído no instrumento convocatório”.

Além dessas duas exceções, o Decreto n.º 7.581 inclui a hipótese de adoção do critério de julgamento por maior oferta, quando o preço mínimo de arrematação deverá ser igualmente divulgado pelo edital.

Em que pese a regra geral, o §3º do art. 6º designou que “se não constar do instrumento convocatório, a informação referida no caput deste artigo possuirá caráter sigiloso e será disponibilizadaestrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno”.

Logo, o orçamento previsto no referido Regime Diferenciado de Contratações Públicas apresenta caráter sigiloso e não será previamente divulgado, apenas será disponibilizado permanentemente aos órgãos de controle externo e interno.

3.2Justificativas para a existência do sigilo do orçamento

O principal objetivo do RDCé contribuir para o cumprimento dos prazos pactuados junto às entidades internacionais responsáveis pela organização dos eventos, de forma célere e simplificada.A justificativa do “caráter sigiloso” do orçamento estimado seria de que, a partir do momento em que há restrição de informações o procedimento licitatório “anda” mais rápido, bem como que a não divulgação dos orçamentos fomenta a competitividade, tornando a licitação mais produtiva para o ente que a promove.

Os defensores do sigilo do orçamento aduzem que há incentivo à redução de preços, uma vez que são desclassificadas as propostas com valores superiores ao limite estabelecido pela Administração. Enfim, a não divulgação se justifica pelo fato de gerar efeitos que contribui para a agilidade do procedimento, bem como para o incentivo a comportamentos competitivos pelos licitantes por meio da supressão de determinadas informações ao início da fase de disputa, conduzindo potencialmente à obtenção de propostas mais vantajosas.

3.3 A extensão do sigilo

O momento em que o orçamento estimado poderá ser divulgado pela Administração Pública é outro questionamento plausível.

O art. 6º da Lei n.º 12.462 institui que ele “será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação”. Importa destacar que, com base no que define o artigo 28 do mesmo dispositivo, o término da licitação se dásomente após o exaurimento dos recursos administrativos, ou seja, uma vez julgados os recursos interpostos, considera-se findada a licitação (momento antes da adjudicação do objeto e da homologação do resultado). Por outro lado, diferentemente do que diz a Lei, o art. 9º do Decreto n.º 7.581 definiu que o orçamento estimado “será tornado público apenas e imediatamente após a adjudicação do objeto”.

No que pese as divergências descritas, entende André Guskow Cardoso (2013, p. 107):

“[…] não háqualquer prejuízo em que a divulgação do orçamento estimado ocorra logo após o encerramento da disputa. Afinal, a finalidade da postergação da publicidade do orçamento é precisamente influir no comportamento dos licitantes no momento da formulação de suas propostas e lances (quando for o caso) e também no momento da negociação com o licitante melhor classificado, fomentando a competitividade”.[7] (grifo nosso)

Assim, encerrada a disputa, não hámotivo para se manter o sigilo do orçamento, visto que a finalidade para a qual a regra foi instituídajáterá sido alcançada.

4. A inconstitucionalidade do sigilo do orçamento previsto na lei nº 12.462/11

A análise da compatibilidade da regra do sigilo do orçamento estimado estabelecido pelo art. 6º da Lei n.º 12.462 com a Constituição passa necessariamente por uma leitura do regime constitucional das licitações públicas e da própria atuação da Administração.

O centro da questão versa sobre a característica sigilosa que é dada ao orçamento estimado pela Administração no referido regime, orçamento este que será disponibilizado apenas aos órgãos de controle externo e interno e será divulgado somente após o encerramento do procedimento licitatório, e o princípio constitucional da publicidade que de acordo com Adilson Dallari (apud Marçal Justen Filho, 2010, p. 76) é princípio que “visa a garantir a qualquer interessado as faculdades de participação e de fiscalização dos atos de licitação”.

De início, cumpre ressaltar que a publicidade desempenha funções extremamente importantes, a de permitir o amplo acesso dos interessados ao certame, isto é, à universidade da participação no processo licitatório e a de orientar a faculdade a verificação da regularidade dos atos praticados.

A corrente que acredita na constitucionalidade do orçamento sigiloso alega não ferir o princípio da publicidade por não ser de natureza absoluta, por ser necessária a ponderação[8] dos princípios consagrados pela Constituição Federal, bem como por existir limites à exigência de transparência.

Dessa forma, entende Marçal Justen Filho (apud André Guskow Cardoso, 2013, p. 90):

“[…] a disciplina constitucional da publicidade dos atos administrativos não exclui o cabimento de que certas informações pertinentes a processos administrativos em curso sejam mantidas em sigilo, quando tal for determinado como necessário para o atingimento de certos fins, nos termos da lei”.[9] (grifo nosso)

Entretanto, a proporcionalidade pode também ser interpretada de uma forma restrita, aplicável especialmente em razão do exercício do poder do Estado, como ensina Michael Kohl (apud Marçal Justen Filho, 2010, p. 63):

“[…] a proporcionalidade de uma medida é estabelecida pela satisfação de um teste de três estágios: 1) a medida deve ser apropriada para o atingimento do objetivo (elemento de idoneidade ou adequação); 2) a medida deve ser necessária, no sentido de que nenhuma outra medida disponível será menos restritiva (elemento de necessidade); 3) as restrições produzidas pela medida não devem ser desproporcionadas ao objetivo buscado (elemento de proporcionalidade stricto sensu)”. (grifo do autor)

Não faz sentido que o princípio da publicidade, no caso em tela, seja amplamente ponderado, e sim restritamente, posto que ele é apropriado e necessário para que se atinja o objetivo buscado, bem como as suas restrições não são desproporcionais ao objeto buscado.

Quanto a isso, o art. 5º, XXXIII, instituiu a publicidade como verdadeira garantia fundamental, definindo que:

“Todos tem direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindívelà segurança da sociedade e do Estado”.

Dessa forma, a atuação do Estado deve se dar do modo mais transparente possível, deve haver ampla possibilidade de conhecimento de cada ação a ser adotada pelo Estado.

A publicidade do processo licitatório abarca tanto a divulgação do aviso de sua abertura, como o conhecimento do edital e os seus anexos, bem como o exame da documentação e das propostas pelos interessados, o fornecimento de certidões, pareceres e decisões correlacionados com a licitação, desde que solicitados em forma legal e por quem tenha legitimidade para pedi-los.

Apenas emhipótesesrestritas será admitida a ausência de publicidade quando outros interesses públicos possam ser concretamente ofendidos, o inciso LX do art. 5º da Constituição Federal determina que a lei sópoderá restringir a publicidade dos atos quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Nos termos da Lei 8.159/91 e pelo Decreto n.º 2.134/97, sóse admite o sigilo nos casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior da Administração a ser preservado em processo previamente declarado sigiloso.

Assim, conclui a referida ADI 4645:

“[…] de acordo com a Constituição, o sigilo não se presume, justifica-se. E

sóse admite em casos excepcionais já fixados na própria constituição. Portanto, não parece válida, nem republicana qualquer disposição que venha em sentido oposto.” (grifo nosso)

A necessidade de transparência na atuação estatal também repousa do princípio republicano[10]consagrado pela Constituição Federal. A forma republicana do Estado pressupõe que o seu funcionamento seja acompanhado e fiscalizado por qualquer cidadão no exercício do múnuspúblico.

Ademais,cabe destacar os riscos associados ao sigilo do orçamento estimado nas licitações submetidas ao regime da Lei n.º 12.462, afinal, o acesso prévio aos valores apenas porórgãos de controle interno e externo, representa um risco em razão da possível quebra do sigilo e do vazamento de informações a respeito do orçamento estimado pelo agente público a apenas um licitante que seria beneficiado com a informação não disponibilizada aos demais. Dessa forma, afirma André Guscow Cardoso (2013, p. 109):

“Deve-se, contudo, adotar a máxima cautela com relação ao risco de desnaturação do sigilo, envolvendo o fornecimento de informações a respeito do orçamento estimado por agente público a apenas um determinado licitante que, com isso, seria beneficiado, com informação não disponibilizada aos demais. A despeito de tal risco não conduzir à invalidade da disciplina dada à publicidade do orçamento estimado pela Lei n.º 12.462, é necessário rigor absoluto na prevenção de sua ocorrência, bem como na apuração de situações que possam conduzir a esse resultado e na punição dos responsáveis.”[11] (grifo nosso)

Outro possível prejuízo corresponde à elaboração pela Administração Pública de estimativas que não refletem a realidade do mercado. O valor d orçamento estimado feita pode ser bastante reduzida, o que resultará no afastamento de todos os licitantes que tenham formulado propostas de preços compatíveis com o mercado. A estimativa pode ser também mais elevada do que os valores do mercado, prejudicando o interesse na busca da proposta mais vantajosa. Cabe mencionar, ainda, a possibilidade de manipulação da estimativa de custo, para justificar eventual acolhida de proposta.

Nesse sentido, afirma Marçal Justen Filho (2012, p. 640-641):

“[…] a manutenção do segredo acerca do orçamento ou preço máximo produz o enorme risco de reintrodução de práticas extremamente nocivas, adotadas antes da Lei n.º 8.666. É que, se algum dos licitantes obtiver (ainda que indevidamente) informações acerca do referido valor, poderá manipular o certame, formulando proposta próxima ao mínimo admissível. O sigilo à cerca de informação relevante, tal como o orçamento ou preço máximo, é um incentivo a condutas reprováveis. Esse simples risco bastaria para afastar qualquer justificativa para adotar essa praxe”. (grifo nosso)

Ademais, a publicidade do orçamento apenas após o encerramento da licitação perde sentido como parâmetro de avaliação da adequação das propostas, já que é através da publicidade dos atos que a sociedade exerce o seu poder de fiscalização perante o Estado, além da direito subjetivo dos licitantes de acompanhar a seleção do procedimento licitatório.

Não pode haver licitação secreta, é da naturaza desse procedimento a divulgação de todos os seus atos. Em nossos dias atuais, não soa razoável que o Estado aja sob o manto da obscuridade, não havendo qualquer justificativa para a concessão ado pleno conhecimento, por terceiros, das decisões administrativas, mormente quando atingem as esferas jurídicas destes. Assim, a publicidade no certame licitatório deve sempre ser observada.

5. Considerações finais

A licitação possuinatureza jurídica de procedimento administrativo, devendo, portanto, obedecer a normas previamente determinadas e publicamente divulgadas. Ademais,é um instrumento que busca revestir de probidade as contratações dos entes pertencentes à Administração Pública direta e indireta e objetiva, por fim, fomentar a competitividade entre os licitantes, de modo a obter proposta mais vantajosa para a Administração Pública.

Para a consecução dos seus objetivos o citado procedimentodeve obedecer a princípios, que irão proporcionar a sua fiel execução, de forma a definir a proposta do sistema normativo que o estabelece. Logo, de forma a efetivar tais princípios, a referida Lei n.º 8.666/93, estabeleceu um procedimento próprio e geral, que terá formas diversas de acordo com objeto a ser contratado.

A escolha do Brasil para sediar grandes eventos esportivos mundiais, aliado à deficiência estrutural para a realização dos jogos e à possível demora das contratações pública com base na Lei Geral de Licitações, tornou essencial a promoção de mudanças no modo como acontecem as contratações, com o fim de torna-las mais céleres e atuais.

Nesse diapasão, o Poder Executivo Federal inseriu o novo regime de contratações. O RDC trouxe mudanças qualitativas, entre elas o orçamento estimado sigiloso. As licitações realizadas de acordo com o citado regime deverão obedecer aos mesmos princípios do art. 3º da Lei n.º 8.666/93, havendo, ainda, o acréscimo da eficiência e da economicidade.

Contudo, a opção por esse caminho menos extenso e supostamente mais eficiente de instituir normas sobre licitações é conflituosa, pois gera muitas discussões acerca de sua constitucionalidade, relevância, urgência ou mesmo sobre a discricionariedade.

A constitucionalidade do instituto do sigilo do orçamento estimado, conforme previsto no art. 6º da Lei n.º 12.462 possui ampla discussão por entrar, diretamente, em conflito com o princípio da publicidade previsto da CF de 88. Embora não haja princípio constitucional absoluto e utilizando-se da regra de ponderação, pode-se concluir sobre essa discussão, que não háqualquer necessidade do sigilo orçamentário, pois não há justificativa hábil a retirar da sociedade o direito de ter acesso à dados e informações de seu interesse. Portanto, o que seria uma ferramenta para efetivação da eficiência e da economicidade, acaba sendo uma , que abre margem para a improbidade.

Referências
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Notas:
[1] Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (apud Maria Sylvia Zanella di Pietro, 2011, p. 67): “significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-lo – o que é também um dever – na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis”.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 87.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 483.

[4][…] a simples publicação da estimativa de preços não traz nenhum prejuízo à licitação. Ao contrário, propicia a todos os interessados conhecer, antecipadamente, o limite máximo que a administração em tese, pretende pagar. Nesse sentido, afasta, de imediato, empresas que não possuem um estrutura de custo compatível com os preços estimados. Fixado o parâmetro, as licitantes apresentarão suas propostas não com base no preço estimado, mas nas suas reais condições de estrutura de custo e de acordo com a rentabilidade que pretendem obter. 15. Entendo, além disso, que a divulgação do preço antecipado só traz benefício, pois, poderá ser, de imediato, impugnado por inexequível. Não descarto a possibilidade de se discutir a existência de sobrepreço antes mesmo da abertura da licitação. (TCU. Acórdão n.º 1.178/2008, Plenário. Processo 020.792/2007. Rel. Min. Aroldo Cedraz. Sessão: 18.6.2008. DOU, 24 jun. 2008)

[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1989. p. 86.

[6]Art. 9o O orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após a adjudicação do objeto, sem prejuízo da divulgação no instrumento convocatório do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas. 

[7] JUSTEN FILHO, Marçal; PEREIRA, César A. Guimarães (coord.). O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC): Comentários à Lei n.º 12.462 e ao Decreto n.º 7.581. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 107.

[8] A cerca da ponderação entre os princípios afirma Marçal Justen Filho: A compatibilização entre os diversos princípios envolve uma técnica de proporcionalidade e de razoabilidade. Toda atividade administrativa está submetida ao princípio da proporcionalidade, o qual comporta uma dimensão ampla e uma restrita. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. ed. 14. Dialética. São Paulo, 2010. p. 63).

[9] JUSTEN FILHO, Marçal; PEREIRA, César A. Guimarães (coord.). O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC): Comentários à Lei n.º 12.462 e ao Decreto n.º 7.581. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 90.

[10] A licitação envolve a prática de uma série ordenada de atos jurídicos (procedimento) que permita aos particulares interessados apresentarem-se perante a Administração, competindo entre si, em condições de igualdade. O ideal vislumbrado pelo legislador é, por via de licitação, conduzir a Administração a realizar o melhor contrato possível: obter a maior qualidade, pagando o menor preço. Rigorosamente, trata-se de desdobramento do princípio mais básico e fundamental que orienta a atividade administrativa do Estado: o princípio da República. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. ed. 14. Dialética. São Paulo, 2010. p. 65).

[11] JUSTEN FILHO, Marçal; PEREIRA, César A. Guimarães (coord.). O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC): Comentários à Lei n.º 12.462 e ao Decreto n.º 7.581. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 109.


Informações Sobre o Autor

Suenia Abrantes de Sousa

Advogada pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte- UNI-RN


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