O sistema de freios e contrapesos não se aplica ao Supremo Tribunal Federal

(The checks and balance system does not apply to the Supreme Federal Court)

Autor[1]: Guilherme Francisco Souza Perez

Orientadora[2]: Prof.ª Camilli Meira

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Resumo: É pelo sistema de freios e contrapesos, que muitas democracias se protegem de possíveis rupturas que criariam uma ditadura, o que, em pleno século XXI, é algo de grande repúdio, mas ainda há alguns países que insistem nessa forma de governo. No Brasil não é diferente, entretanto, pelo fato de, o Supremo Tribunal Federal ser a última instância do judiciário brasileiro, a cúpula do Poder Judiciário, o “guardião da Constituição”, em relação a algumas decisões questionáveis, deu-se por tendência uma nova intitulação, “ditadores do judiciário”, já que, a última palavra, o último entendimento, a “martelada final”, quem dá é eles, e não existe controle político contra decisão judicial, cabendo apenas a interposição de recursos contra suas decisões, recursos que, em muitos casos, não são suficientes para alterar o entendimento da egrégia Corte Suprema, em alguns casos, de fato, se percebe, um tom autoritário nas decisões.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Supremo Tribunal Federal. Debate.

 

Abstract: It is by the system of checks and balances, that many democracies protect themselves from possible ruptures that would create a dictatorship, which, in the 21st century, is something of great repudiation, but there are still some countries that insist on this form of government. In Brazil, it is no different, however, due to the fact that the Supreme Federal Court is the last instance of the Brazilian judiciary, the summit of the Judiciary, the “guardian of the Constitution”, in relation to some questionable decisions, there was a tendency to gave a new title, “dictators of the judiciary”, since, the last word, the last understanding, the “final hammer”, they are the ones who give, and there is no political control against judicial decision, only the appeals against their decisions are the way, appeals that, in many cases, are not sufficient to alter the understanding of the egregious Supreme Court, in some cases, in fact, it is perceived, an authoritarian tone in the decisions.

Keywords: Constitutional right. Supreme Court. Debate.

 

Sumário: Introdução. 1 Conceito do sistema de freios e contrapesos. 2 Ditadura do Judiciário. 3 Desvio de finalidade nos casos Alexandre Ramagem e Lula. 4 Possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. 5 Inquérito das Fake News. Conclusões. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O foco do presente artigo não é defender uma tese em concordância ou discordância com o ativismo judicial, mas apenas, servir como porta de entrada para um intenso debate jurídico, visto que, em grande parte, o que há, é apenas o inconformismo das partes, já que, temos decisões extraordinárias, que encontram claro fundamento na Constituição Federal, inclusive, será apresentado decisão em que houve o inverso, ou seja, reforma de entendimento da Corte que afastou sua qualificação como “ditadura” e passou a ter maior conformidade com a Carta Magna. Decisões do Supremo Tribunal Federal, legislação constitucional e infraconstitucional, notícias e doutrina serão usados para o embasamento da tese.

 

1 Conceito do sistema de freios e contrapesos

            De maneira resumida e clara, sistema de checks and balance (freios e contrapesos) garante que um poder possa controla o outro, evitando que um se torne soberano, viole a Constituição Federal, ou exerça tirania sobre outro poder.

Assim, o Poder Executivo, tendo como responsável máximo, no âmbito da União, o Presidente da República, tem como função típica, a chefia do governo e a execução de atos da administração, além de poder vetar projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional, totalmente ou parcialmente, se assim entender como sendo inconstitucional. O referido veto, demonstra-se como a execução plena do sistema de controle dos poderes, pois evita a inserção de uma norma violadora da Carta Magna no ordenamento jurídico.

O Poder Legislativo, bicameral, formado pelas casas da Câmara dos Deputados (CD) (representantes do povo) e do Senado Federal (SF) (representantes dos estados), unidos formando o Congresso Nacional, como se entende pela própria nomenclatura, tem a função típica de legislar, entretanto, como bem expressa o art. 51, I/CF, é competência privativa da CD, “autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado”, e como ressalta o art. 52, I/CF, é atribuição privativa do SF, “processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles. Exercendo função atípica de natureza jurisdicional, o Senado Federal, poderá destituir o Presidente da República de seu mandato, se, como dito, por dois terços dos votos dos membros, caso entenda que este cometeu crime de responsabilidade, e por consequência violou a CF. Mais uma vez, caracteriza-se como o exercício pleno do sistema de freios e contrapesos.

O Poder Judiciário, tendo como órgão máximo o Supremo Tribunal Federal (STF), denominado pelo art. 102, caput da Lex Matter, “guardião da Constituição”, tem como função típica, a função jurisdicional, ressaltando que, exerce sua função quando provocado, salvo as exceções previstas em lei. Como bem prevê o texto constitucional, compete a Corte Suprema a guarda da Constituição, atribuindo-lhe, constante no rol de medidas de controle concentrado previsto no art. 102, I/CF, o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI), é óbvio que existe outras ferramentas de controle concentrado, a exemplo a ação declaratória de constitucionalidade (ADC); a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF); a ação de inconstitucionalidade por omissão (ADO) e a representação interventiva (IF). Por ser a mais utilizada, faz-se jus, a título explicativo, o foco na ADI, que é a ferramenta utilizada para a declaração de inconstitucionalidade de uma norma já aprovada pelo Congresso Nacional e já sancionada pelo Presidente da República, ou seja, diferente do veto que é um controle prévio, o controle concentrado é posterior a promulgação da norma. Via judiciário, declarar uma norma aprovada tanto pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo como sendo inconstitucional, é um meio para garantir a ordem constitucional, ou seja, a aplicação plena do checks and balances.

Mas onde encontramos esse sistema na Constituição Federal do Brasil? Na realidade, não existe uma previsão clara e expressa, o que se tem de fato, são alguns elementos que caracterizam o sistema. O art. 2º da CF diz que: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. A harmonia em que trata o artigo, é alcançada quando um poder barra um ato de outro poder que julga sendo tirano ou inconstitucional. Há doutrinadores que vão dizer que a harmonia pode vir a ser alcançada via intervenção das Forças Armadas no Poder em que se tem a tomada de atitudes “rebeldes”, porém, o tema será melhor debatido em seguida. Ao tratar da referida harmonia, o professor e doutor em direito Gelson Amaro de Souza diz que:

A intenção do constituinte foi muito boa, mas nem sempre esta se torna realidade. A grande verdade é que não existe a independência e nem a harmonia desejada. A independência mesmo, quem a tem é apenas o Judiciário, porque faz e desfaz como bem entende, enquanto os outros Poderes ficam sempre sujeitos à intervenção do judiciário, para desfazer seus atos quando entender ser caso de inconstitucionalidade ou de nulidade[3].

Entretanto, é neste ponto que se cria o debate, pois, imaginemos que, mesmo sendo flagrantemente constitucional a norma aprovada, provocado por partido político de determinada ideologia e, por voluntariedade e posicionamento moral dos ministros da egrégia corte, estes venham a declarar como sendo inconstitucional a referida norma, o que pode ser feito para reverter esta situação? Já que não há a possibilidade de interposição de um novo recurso, salvo os embargos declaratórios, uma vez que, não existe instância superior ao STF. A medida cabível é a edição de uma norma legislativa, comumente uma emenda à Constituição, para alterar o entendimento da Corte, como bem explica o professor Pedro Lenza citando a Rcl 2.617: “O Legislativo poderá, inclusive, editar nova lei em sentido contrário à decisão do STF em controle de constitucionalidade concentrado ou edição de súmula vinculante. Entendimento diversos significaria o inconcebível fenômeno da fossilização da Constituição”[4]. Nota-se que, conforme o art. 28, parágrafo único da Lei n. 9.868, “a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”, em nenhum momento é descrito que o efeito da decisão vincula ao poder legislativo, pois como bem ressaltou o professor Lenza, penalizaria o ordenamento jurídico com a “fossilização da Constituição”.

Tal situação exemplificada é apenas imaginária, pois seria de total desprezo e ofensa para com os ministros, se fosse feito uma afirmação como esta. Contudo, tal situação poderia vir a acontecer e não poderia ser feito muito para proteger o ordenamento jurídico desta prática, uma vez que, o STF não se submete ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em seguida aprofundaremos no tema, e entre outros que também merecem atenção, a exemplo, a possibilidade da intervenção das Forças Armadas com base no art. 142/CF, tema este, que “dividiu” a doutrina constitucional, e como retro citado, será melhor debatido em seguida.

 

2 Ditadura do Judiciário

            Como bem expressa um dos juristas mais renomados da história do direito brasileiro Rui Barbosa, “a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”. Como dito no início deste trabalho, o Supremo Tribunal Federal é a instância máxima do ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, contra suas decisões não existe possibilidade de recorrer a uma outra instância superior, como é feito nas decisões monocráticas de primeiro grau, pois esta não existe. A composição do STF se dá por 11 ministros, escolhidos pelo Presidente da República e sabatinado pelos membros do Senado Federal. Em diversos momentos, houve claramente uma escolha política para assunção de cadeira na Corte Suprema, como o caso Min. Luiz Fux, que assumiu ter pedido apoio de José Dirceu, investigado no processo conhecido como “mensalão” no STF, que era próximo do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e em seguida apoio do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo no governo de Dilma Rouseff, ambos presidentes da mesma ala política. O que se entendia, era que Fux iria absolver Dirceu no processo do “mensalão”. Além do exposto, tem-se o fato de que, dos atuais[5] 11 ministros, 7 foram escolhidos por Presidentes do mesmo partido político.

O que se entende baseado nessas informações, é que, seria de total coerência que, esses 7 ministros, maioria absoluta, se unissem para favorecer o partido que lhes deu o cargo na mais alta Corte do país, já que, teoricamente, e isso não deveria acontecer, mas apenas fazendo uma suposição, estes estão em dívida com o partido. É de se ressalvar que, não se faz aqui uma afirmação, apenas uma suposição totalmente imaginária a título de trabalhar com o tema “ditadura do judiciário”, já que uma afirmação ensejaria em total desrespeito aos méritos dos magistrados.

Em contra argumento ao ativismo judiciário, é fato que, muitas decisões da Suprema Corte em que se declama serem uma total amostra de tirania, na verdade não passam de um mero inconformismo, já que, a Constituição Federal é um texto que deve ser interpretado da melhor maneira possível à sociedade e ao seu avanço, e essa interpretação benéfica se presume dos ministros do Tribunal Supremo. Inclusive, tratando de interpretação, o juiz federal e doutor em direito Roberto Wanderley Nogueira em artigo publicado pela revista Consultor Jurídico (ConJur) disse que: “A hermenêutica pode operar milagres, quando arbitrariamente gerenciada, o mesmo que acontecia ao tempo dos Militares”[6].

Outro ponto interessante de se debater frente ao referido tema, é a não subordinação do STF ao Conselho Nacional de Justiça, que é o órgão externo do Poder Judiciário que controla, regula e fiscaliza a atuação de magistrados em todo o país, como assegura o art. 103-B, §4º/CF:

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§4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura”.

Em processo disciplinar contra o então Ministro do STF Joaquim Barbosa de autoria da Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso (FIEMT), o juiz auxiliar da presidência do CNJ, Pedro de Araújo Yung-Tay Neto, arquivou o pedido sem julgamento de mérito argumentando que a egrégia Corte não se submete ao controle do conselho. Em réplica, o advogado da FIEMT afirma que, “pelo contrário, conforme consta do artigo 103-B, parágrafo 4º da Constituição Federal, compete ao CNJ o controle dos cumprimentos funcionais dos membros da magistratura. Ou seja, não houve qualquer ressalva quanto os ministros do STF”[7].

Anteriormente ao referido caso, em 2006, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.367/DF, o Plenário do STF decidiu pela inexistência de competência do CNJ sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, pois na verdade, o conselho era quem estava sujeito a Corte.

Há duas vias de entendimento sobre o tema, o primeiro de não submissão, inclusive pelo fato de ser o Presidente do CNJ o simultaneamente Presidente do STF, em casos de processo disciplinar teríamos então um colega julgando outro, o que, dificilmente levaria a uma sentença “justa” e imparcial. A segunda via, é em consonância com o entendimento do advogado, visto que, realmente, em momento nenhum do art. 103-B, é expresso que não há essa submissão. Como solução poderia ocorrer então uma emenda à Constituição. Enquanto isso não acontece, é seguido o atual entendimento da Corte. O que houve aqui não foi um ato autoritário dos membros da Corte de se colocarem acima do órgão que fiscaliza, regula e controla a magistratura no Brasil e a violação a algum dispositivo legal, mas sim, uma “brecha” deixada pelo poder constituinte derivado reformador ao promulgar a Emenda Constitucional 45/2004 que foi a que criou o CNJ e o alocou no rol de órgãos do Poder Judiciário previsto no art. 92/CF. Inclusive no próprio texto ele se encontra abaixo do STF, a título de curiosidade.

Em resumo até o momento, temos a discussão sobre ser o STF a última instância do ordenamento jurídico, ou seja, não existe outro tribunal para recorrer de suas decisões; a “imparcialidade” dos ministros que foram indicados por uma mesma ala política; e a não subordinação ao CNJ. Três aspectos que já poderiam indicar uma possível autonomia exacerbada que facilmente se constataria como um Poder Tirano, mas ainda é possível encontrar um novo elemento, qual seja, o princípio da inércia da jurisdição, assim, o STF apenas pode se manifestar se provocado.

Em poucos momentos o STF pode agir de ofício, que também será tratado em seguida, assim, a “tirania da Corte” apenas pode acontecer se algum legitimado o provocar, daí vem o entendimento que, a declamação de “ditadura do STF”, em alguns momentos não passa de mero inconformismo com alguma decisão. Obvio que não são todas as decisões que geram um inconformismo, existem momentos em que a Corte decide de maneira flagrante em violação ao texto constitucional.

Tratando do Poder Judiciário em geral, o professor e doutor Gelson Amaro de Souza, relata alguns casos:

Não se conhece estatística alguma, mas pelo que se apresenta notório, é possível imaginar que o poder que mais viola a CR é o Poder Judiciário. Basta lembrar alguns poucos exemplos e, logo, é possível chegar a esta conclusão. Quem por anos e anos determinou a prisão de depositário judicial sem lei que cominasse pena, configurando prisão sem lei em afronta ao art. 5º XXXIX, da CF? Quem sempre determinou a retenção de dinheiro de incapaz sem o devido processo legal (sem lei expressa nesse sentido), em afronta ao art. 5º, LIV, da CF? Quem cerceia defesa em processo ou procedimento, negando o contraditório e a ampla defesa, em afronta o art. 5º, LV, da CF? (…)Apenas estes poucos exemplos já dão a extensão das inconstitucionalidades praticadas a autorizar a afirmativa acima[8].

Há de se desenvolver alguns tópicos extras no presente trabalho, contudo, torna-se notório que, com bem expresso no título deste artigo, o sistema de freios e contrapesos, que consiste na limitação de um poder sobre o outro, visando que este não exerça tirania sobre outro ou sobre a nação, não se aplica ao STF, pois este não se submete ao Conselho Nacional de Justiça, é a última instância do judiciário, assim, não cabendo recurso contra suas decisões para instâncias superiores, e ainda, o único meio para alterar decisão da Corte proferida em controle concentrado de constitucionalidade, é a alteração legislativa, que, como bem trabalhado pelo professor e doutor Pedro Lenza, já citado, e retomando o que já dito, “o Legislativo poderá, inclusive, editar nova lei em sentido contrário à decisão do STF em controle de constitucionalidade concentrado ou edição de súmula vinculante. Entendimento diversos significaria o inconcebível fenômeno da fossilização da Constituição”[9].

Óbvio que, tal teoria de não aplicação do sistema não é perfeito, há sim momentos em que o Poder Judiciário (STF) sofre uma limitação, como se vê o art. 52, II/CF, diz que, é competência exclusiva/privativa do Senado Federal, processar e julgar os ministros do Supremo Tribunal Federal nos casos de crimes de responsabilidade. Este, é um dos poucos momentos que vemos no texto constitucional, um poder exercendo força sobre o judiciário.

 

3 Desvio de finalidade nos casos Alexandre Ramagem e Lula

Faz-se mister, de início, explicar o conceito de desvio de finalidade. Este, se caracteriza, quando um ato, no caso uma nomeação para um cargo público de confiança do Presidente da República, é tomado não visando o intuito legitimo, mas sim visando burlar algo, ou ganhar vantagem sobre algo para si ou para terceiros em prejuízo ao interesse público. O desvio de finalidade pode se dar em face de violação do art. 37, caput/CF, que diz:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, (…)”

Tratando do primeiro caso, o Presidente da República (Jair Bolsonaro) nomeou Alexandre Ramagem para o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal, porém, em 24.04.2020, o ministro do STF, decidiu liminarmente que, havia ali, naquele ato, um desvio na finalidade, já que, entendeu-se que a nomeação não visava colocar uma pessoa qualificada frente a PF, mas sim, uma pessoa próxima para que este, o PR, pudesse ter acesso a relatório de investigações. Tal decisão deu-se em base da declaração do ex-Ministro da Justiça Sergio Moro que disse ter o Presidente lhe pedido informações sobre investigações da PF, além de o ter coagido para aceitar a nomeação de Ramagem em troca da indicação para a vaga no STF, que será aberta após a aposentadoria do Ministro Celso de Mello.

Segundo Moraes, as alegações foram confirmadas no mesmo dia por Bolsonaro que, em entrevista coletiva, afirmou que “por não possuir informações da Polícia Federal, precisaria todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas vinte e quatro horas[10].

Muito se discutiu que, o que houve no referido caso, foi uma intervenção totalmente inconstitucional da Suprema Corte no Poder Executivo, que o STF teria sido “tirano” em face do ato do Presidente da República, uma vez que, é de competência deste nomear e exonerar o Diretor-Geral da Policia Federal, conforme o disposto no art. 2º-C da Lei 9.266/1996 com redação dada pela Lei 13.047/2014, que diz:

Art. 2º-C.  O cargo de Diretor-Geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial”.

Contudo, é inegável que, sob fortes alegações de interferência política na PF, e por declaração do mesmo dizendo que precisava ter acesso a relatórios, faz-se cabível a decisão do Ministro Alexandre de Moraes, pois, constata-se, uma forte violação ao art. 37, caput/CF, no tocante a impessoalidade e a moralidade que trata o artigo. Como se percebe, a decisão tem base constitucional e se houve declarações dizendo ter sido o STF “arbitrário”, na verdade não passou de mero inconformismo, neste caso, o Supremo exerceu a força do sistema de freios e contrapesos sobre o Poder Executivo.

Tratando do caso, o ex-Advogado Geral da União, ex-Ministro da Justiça, e professor pela PUC-SP José Eduardo Cardozo disse que:

De acordo com a nossa Constituição, o Poder Judiciário pode e deve controlar a validade de atos administrativos, a partir de seus requisitos eminentemente jurídicos, mesmo reconhecida a liberdade de opção discricionária do administrador ao praticá-los[11].

O próximo caso, nomeação do ex-Presidente Lula ao cargo de Ministro da Casa Civil em 2016, trata do mesmo tema, desvio de finalidade de ato do Poder Executivo. “A tese era que o objetivo da nomeação seria para garantir foro privilegiado à Lula e obstruir investigações da Lava Jato. Isso seria reforçado pelo vazamento ilegal de um áudio, pelo então juiz Sergio Moro, no qual Dilma falava para Lula estar em posse do papel da nomeação imediatamente”[12], como reportou o site de notícias Exame. Neste caso, o Ministro Gilmar Mendes, barrou a nomeação usando o mesmo argumento de desvio de finalidade.

Novamente, tratou do caso o professor Cardozo ao dizer:

Naquele caso, tudo derivou de um áudio ilicitamente divulgado pelo então juiz federal Sergio Moro que, apesar de imprestável como prova, induziu o STF a considerar haver uma tentativa de obstrução de justiça, num clima midiático que inibiu o necessário choque de versões entre o que alguns pretendiam extrair do diálogo mantido e a própria explicação dada pela então chefe do Executivo. Isso eliminava, à época, ao nosso ver, a aparência da ilegalidade e a possibilidade daquela matéria ser discutida pela via do mandado de segurança[13].

Novamente, faz-se a ressalva de que, em ambos os casos, houve diversas manifestações, tanto na comunidade jurídica, quando na comunidade política, dizendo que o STF não poderia barrar este ato do PR, pois este, estaria nomeando uma pessoa para um cargo de confiança. Entretanto, nos dois casos se deu como “flagrante” a tentativa de obstruir o interesse público, assim o STF, em ambos os casos, exerceu o checks and balance sobre o Poder Executivo. E o que poderia ser feito para reverter essa decisão? Como ambos foram decididos liminarmente e monocraticamente, poderia haver a interposição de recurso ao Pleno, se mudaria a decisão? Jamais saberemos pois em nenhum dos dois casos houve o recurso.

Obviamente que apenas se provocado, mas imaginemos que ambos atos de nomeação fosse tomados em total legalidade, e alguém impetrasse o mandado de segurança, poderia assim, o Pleno da egrégia Corte decidir também pela suspensão das nomeações, isso sim seria uma decisão “tirana”. Mas o que poderia ser feito em face de tal ato imaginário? Não haveria a mais quem recorrer de uma decisão assim. Haveria uma enorme enxurrada de críticas da ala jurídica? Muito provavelmente pois estes gostam muito de debater, principalmente em face de ilegalidades. Talvez um julgamento perante o Senado Federal sob alegação de crime de responsabilidade, porém, como dito, se a decisão viesse do Pleno, todos os votantes favoráveis à suspensão das nomeações deveriam passar por este julgamento, seriam então pelo menos 6 (seis) ministros. O que então causaria mais insegurança jurídica, uma decisão tirana ou a destituição de 6 (seis) ou mais ministros da Corte?

 

4 Possibilidade de prisão após condenação em segunda instância

            Para entendermos o caso, em 2016, no julgamento do HC 126.292, o Pleno do STF, entendeu ser possível o início da execução da pena, mesmo que esta proferida em segundo grau de jurisdição com cabimento de recurso à instância superior. Juridicamente, entendeu-se que esta decisão violaria flagrantemente o art. 5º, LVII/CF, que diz:

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

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Conforme relata reportagem constada no site do Jornal Nacional, “os ministros entenderam que, nessa fase, como o mérito da condenação já foi julgado duas vezes, o princípio da presunção de inocência não foi ferido”[14].

De fato, o tramite até o transito em julgado, em muitos casos, faz com que os crimes prescrevam e traga assim uma sensação de impunidade à sociedade e aos criminosos. Entretanto, não é via decisão judicial que se pode alterar o texto constitucional, como bem citado já a fala do juiz federal Roberto Nogueira, “a hermenêutica pode operar milagres, quando arbitrariamente gerenciada, o mesmo que acontecia ao tempo dos Militares”[15]. O texto constitucional deve ser respeitado ao dizer que o indivíduo apenas será considerado culpado mediante o transito em julgado, e por consegue, a partir de então, dará início ao cumprimento de sua pena.

Assim, torna-se consistente a decisão proferida no julgamento conjunto das ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54 em 2019, que garantiu a constitucionalidade do art. 283/CPP que diz:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado”.

Como bem ressaltou o Presidente da Corte Suprema, Ministro Dias Toffoli, em seu voto, e como já dito aqui, a decisão não se vincula ao Poder Legislativo, que pode alterar tanto o texto constitucional como o art. 283/CPP para assegurar a possibilidade do início da execução da pena logo após a sentença condenatória proferida por tribunal de segundo grau de jurisdição.

Neste caso, houve uma interpretação da maioria dos membros da Corte em 2016 que, por mais que fosse o melhor remédio no combate a corrupção, flagrantemente violava o inciso LVII do art. 5º/CF, e posteriormente deu-se o novo entendimento conforme a Constituição. Perceba que, mesmo que, com uma decisão violadora da Carta Constitucional, nada se pode fazer quanto aos ministros da Corte, nem mesmo houve qualquer tipo de aplicação do checks and balance contra o STF, ou mesmo pedido de responsabilização destes em face de crimes de responsabilidade.

 

5 Inquérito das Fake News

            Dentre os casos mais discutidos e mais recentes em que se levantou o debate sobre o ativismo jurídico, temos o inquérito 4.871, que foi instaurado de ofício pelo Supremo Tribunal Federal, em face de notícias falsas e declarações de ofensas contra seus ministros. Com base nos termos do art. 43/RISTF, o Presidente da Corte, Ministro Dias Toffoli, via Portaria GP 69/2019, instaurou inquérito para apurar a participação de empresários e até políticos nos ataques a Corte pelas redes sociais. Entretanto, existe um intenso debate sobre a recepção ou não do referido artigo do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, uma vez que, este, datado do ano de 1980, ou seja, anterior a Carta de 1988, que atribui como competência privativa do Ministério Público, a promoção da ação penal pública, disposto no art. 129, I. Entretanto, por não ter sido discutido a inconstitucionalidade do art. 43/RISTF, presume-se sua constitucionalidade, assim sendo, é válido. Além de que, a CF, não diz respeito de ser privativo do MP a instauração de investigação prévia, uma vez que, finalizado o inquérito, se constatado que, não há réus com prerrogativa de foro, o autos serão remetidos às instâncias inferiores, e por consequência, passara a titularidade da ação penal ao Ministério Público.

O ponto mais crítico se dá em face de que, se houver réus com foro privilegiado, e tal nomenclatura é criticada pela doutrina sendo prerrogativa de foro a melhor expressão, teremos a seguinte situação, o investigador julgando o investigado, o que compromete a imparcialidade no processo, e daí surge a ressalva ao voto do Ministro Marco Aurélio no julgamento da ADPF 572, que buscava a análise do inquérito para decretá-lo como constitucional ou inconstitucional, disse o ministro:

Se o órgão que acusa é o mesmo que julga, não há garantia de imparcialidade e haverá a tendência em condenar o acusado”.

            Outro ponto importante, se dá na discussão de que, mesmo que constitucional, o art. 43 do regimento, não dá titularidade ao STF de instaurar o inquérito de ofício, pois, como diz o texto, deve ocorrer “infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal”, como os fatos apurados aconteceram via redes sociais, entende-se que, de qualquer forma, o STF não poderia o ter tomado tal ato. Entretanto, não se observam o disposto logo no parágrafo primeiro do referido artigo que dispõe do seguinte texto:

§1º Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente”.

Entende-se por “demais casos”, como sendo os casos ocorridos fora da sede ou dependência da Corte, mas que a afete diretamente, como no caso, de divulgação de fake news e ofensas aos ministros.

Não só dentro do meio jurídico, mas também do político e do social, muito se é discutido o referido inquérito, como dito, o único meio para tentar reverter a situação foi o ajuizamento da ADPF 572, que é um instrumento de controle concentrado de constitucionalidade, ou seja, não há a possibilidade de intervenção de outro poder sobre o STF para reverter a situação.

Finalizando com passagem de texto escrito em conjunto pelo pós-doutor e professor de direito Lenio Streck, o doutor e professor de direito Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e o também doutor e professor de direito Diogo Bacha e Silva, que dizem:

Se há dispositivos do Regimento Interno e do CPP incompatíveis com a Constituição, devem ser assim declarados. (…). No caso, há dispositivos vigentes (ainda) válidos que sustentam os atos do STF, utilizados em nítido estado de contempt of court, isto é, o ataque à Corte sofrida por essa praga contemporânea chamada fake news[16].

 

CONCLUSÃO

            Diante de todo o exposto, ressalto novamente o respeito a integridade da pessoa dos ministros da Corte Suprema e de suas decisões sejam elas monocráticas ou derivadas do Pleno, sendo que, o intuito principal do presente trabalho não foi o de defender uma tese, mas sim, de agregar conteúdo à um debate tão complicado. Constata-se que, com base nos argumentos aqui apresentados, de fato o Supremo Tribunal Federal é o poder mais autônomo dentre os três, já que não há muito o que se fazer contra suas decisões se não acatá-las e provocá-lo até que mude seu posicionamento, para o melhor entendimento possível.

Como bem dito também, em muitos casos o que se há é apenas um inconformismo com as decisões não só do Tribunal Supremo, mas também dos tribunais de inferior jurisdição. Pois, não deveria ser assim, mas é inegável que não seja, a justiça é feita apenas para uma das partes do processo, o que se faz cabível que a outra parte, injustiçada, declame sob um suposto autoritarismo do Poder Judiciário, principalmente ao tratarmos do STF, que julga diversos casos em que se envolvem políticos, e grande parte destes, são rodeados por uma legião de “fãs”.

 

REFERÊNCIAS

CARDOZO, José Eduardo. Nomeação de Ramagem no STF: o acerto jurídico da liminar. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-03/nomeacao-ramagem-stf-acerto-juridico-liminar. Acesso em: 28 de Jul. 2020.

 

Consultor Jurídico. Alexandre de Moraes suspende nomeação de Ramagem para chefia da PF. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-29/alexandre-suspende-nomeacao-ramagem-chefia-pf. Acesso em: 28 de Jul. 2020.

 

Consultor Jurídico. STF analisa de novo se CNJ pode julgar ministro da corte. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2008-mar-17/stf_analisa_cnj_julgar_ministro_corte. Acesso em: 28 de Jul. 2020.

 

Exame. Decisão do STF sobre Ramagem evoca nomeação de Lula por Dilma. Disponível em: https://exame.com/brasil/decisao-do-stf-sobre-ramagem-evoca-nomeacao-de-lula-por-dilma/. Acesso em: 28 de Jul. 2020.

 

Jornal Nacional. Em 2016, Supremo decide que pode haver prisão após segunda instância. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/04/em-2016-supremo-decide-que-pode-haver-prisao-apos-segunda-instancia.html. Acesso em: 28 de Jul. 2020.

 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 23º ed. São Paulo. Saraiva. 2019.

 

NOGUEIRA, Roberto Wanderley. O “AI-5” judiciário e a tentativa dos juízes de governar. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-06/ai-judiciario-roberto-wanderley-nogueira-roberto-wanderley-nogueira. Acesso em: 28 de Jul. 2020.

 

SOUZA, Gelson Amaro de. Ditadura do Judiciário. Lex Editora. Disponível em: http://www.lexeditora.com.br/doutrina_23412026_DITADURA_DO_JUDICIARIO.aspx. Acesso em: 28 de Jul. 2020.

 

STRECK, Lenio Luiz. DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni. BACHA E SILVA, Diogo. Inquérito judicial do STF: o MP como parte ou “juiz das garantias”?. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-28/opiniao-inquerito-stf-mp-parte-ou-juiz-garantias. Acesso em: 28 de Jul. 2020.

 

 

[1] Acadêmico de Direito na Universidade de Cuiabá (UNIC); [email protected]

[2] Professora de Direito Constitucional e Direito Internacional na Universidade de Cuiabá (UNIC); [email protected]

[3] Gelson Amaro de Souza, Ditadura do Judiciário, Lex Magister, data de publicação não informado.

[4] Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado 2019, 23. ed., p. 400.

[5] Ano 2020.

[6] Roberto Wanderley Nogueira, O “AI-5” judiciário e a tentativa dos juízes de governar, ConJur, 2020.

[7] ConJur, STF analisa de novo se CNJ pode julgar ministro da corte, 2008.

[8] Gelson Amaro de Souza, Ditadura do Judiciário, Lex Magister, data de publicação não informado.

[9] Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado 2019, 23. ed., p. 400.

[10] ConJur, Alexandre de Moraes suspende nomeação de Ramagem para chefia da PF, 2020.

[11] José Eduardo Cardozo, Nomeação de Ramagem no STF: o acerto jurídico da liminar, ConJur, 2020.

[12] Exame, Decisão do STF sobre Ramagem evoca nomeação de Lula por Dilma, 2020.

[13] José Eduardo Cardozo, Nomeação de Ramagem no STF: o acerto jurídico da liminar, ConJur, 2020.

[14] Jornal Nacional, Em 2016, Supremo decide que pode haver prisão após segunda instância, 2018.

[15] Roberto Wanderley Nogueira, O “AI-5” judiciário e a tentativa dos juízes de governar, ConJur, 2020.

[16] Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, Diogo Bacha e Silva. Inquérito judicial do STF: o MP como parte ou “juiz das garantias”?. ConJur. 2020.

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