Por Júlia Granado, advogada do Franco Advogados
Os supostos contatos informais entre a força-tarefa da Lava Jato e as autoridades internacionais de países como a Suíça e Mônaco chamaram a atenção de todos os operadores do direito, em especial dos atuantes na área criminal. Essa informação é muito mais relevante, em termos de possíveis invalidações, que as discussões relativas às teses da ordem de argumentação de defesa – se antes ou depois da manifestação de delatores – ou da prisão em segunda instância.[1]
A probabilidade de ter ocorrido a obtenção de provas ilícitas visando prender os principais suspeitos dos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e formação de organização criminosa contamina a operação, gerando nulidade, uma vez que a técnica de condução das investigações e apuração das evidências deve seguir o devido processo legal.
Em todas as sociedades com sistemas jurídicos minimamente organizados e confiáveis, a confirmação da ocorrência de erros nos procedimentos do inquérito – como a obtenção de provas por meios ilegais – torna admissível – para não se afirmar obrigatória – a anulação da sentença proferida. Decisões judiciais não podem ser baseadas em atos administrativos nulos.
Alguns dos mais relevantes juristas têm expressado – há muitos anos – que os procedimentos de agentes públicos são pautados pela estrita legalidade dos atos da administração. Como explica Aury Lopes Jr. na obra Investigação Preliminar no Processo Penal existe uma responsabilidade ética do Estado pela condução de uma investigação e posterior julgamento, que deve ser fiel às normas legais vigentes em um país e conforme a Constituição.
Assim, tem-se informação que os procuradores da força-tarefa tiveram acesso a provas obtidas possivelmente de formal ilegal sobre vários delatores da operação, como os então diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Renato Duque; o então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, além de executivos da Odebrecht, entre eles, o ex-presidente da empresa, Marcelo Odebrecht.
Além disso, há a suspeita de ter ocorrido outras práticas ilegais, como o acesso ao sistema Drousys, usado pelo setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, para controlar pagamentos de propina a autoridades e políticos.
Formalmente, provas obtidas no exterior devem seguir diretrizes detratados de cooperação internacional.
A Cooperação Jurídica Internacional é o instrumento por meio da qual um Estado, para fins de procedimento no âmbito da sua jurisdição, solicita a outro as medidas administrativas ou judiciais que tenham caráter judicial em pelo menos um desses Estados. Assim sendo, quando o Estado brasileiro solicita cooperação de um país estrangeiro diz-se que a cooperação é ativa.
As medidas solicitadas por cooperação abrangem desde a troca de informações sobre a legislação dos países, citações, intimações, obtenção de provas, tomada de depoimentos ou declarações (inclusive por meio de teleconferência ou videoconferência) até o bloqueio e a recuperação de ativos.
Portanto, as informações obtidas por fora do canal oficial estabelecido em acordos de cooperação internacional de investigação constituem provas ilegais, podendo levar à anulação de processos.
O que se escreveu que ocorreu na lava-jato? Os procuradores recebiam, informalmente, documentos e informações de autoridades estrangeiras e então estudavam modos de legalizar aquelas evidências perante os tribunais brasileiros, como ocorreu com o acesso as informações sobre a contabilidade paralela realizada pela Odebrecht, na qual os procuradores receberam a informação quase um ano antes de a Lava Jato estar apta para usar formalmente os dados entregues.
Caso isso seja confirmado, temos a figura da prova ilícita, disposta no art. 157 do CPP, que disciplina “provas ilícitas são as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, ou seja, são aquelas que violam as regras de direito material, seja constitucional ou legal, no momento da sua obtenção”.
A consequência jurídica desse ato é a inadmissibilidade da prova. Configurando-se ilícita, deve ser excluída desde logo dos autos do processo. Portanto, todo processo que contenha uma prova ilícita deve ser anulado, total ou parcialmente.
Aos que têm a intenção de argumentar de que as evidências colhidas mostram a verdade dos fatos, devem se atentar a teoria da prova ilícita por derivação. Nestes casos, a prova lícita quando produzida a partir de uma prova ilícita, está contaminada, devendo também ser considerada ilícita.[2]
Portanto, quando aqueles que têm função de resguardar a ordem processual, elemento central para garantir o devido processo legal, descumprem preceitos legais, devem responder pelos seus atos e esclarecer a razão de terem agido de tal maneira, seja por culpa, seja por dolo.
[1] O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, ontem (02.10.2019), pela aprovação de uma tese sobre a extensão da decisão que reconhece o direito de delatados a falar por último em processos criminais.
[2] O STF segue o princípio da “Fruits of the poisonous tree”, esse princípio corresponde à teoria americana do fruto da árvore envenenada, cuja doutrina defende que todas as provas decorrentes de prova ilícita são contaminadas por este vício.