Os 10 mandamentos tributários para o Governo combater a crise do desemprego no país

Por Halley Henares Neto, presidente da ABAT (Associação Brasileira da Advocacia Tributária)

Enquanto 1,4 milhões de trabalhadores perdem seus postos de trabalho em apenas uma semana, o desemprego atinge o número recorde de 15 milhões de pessoas sem ocupação (Fonte: PNAD/IBGE) e o número de desempregados no país ultrapassa o de empregados entre os brasileiros em idade para trabalhar, o Estado parece não estar devidamente focado na busca de caminhos e alternativas igualmente eficazes na solução desse monumental problema social e econômico. Dr. Halley Henares Neto

Esse cenário requer a adoção de medidas céleres e objetivas, mas também estruturantes e sistematizadoras para outras medidas futuras, por meio de processos perenes e paulatinamente coerentes com o sistema tributário atual, que possam desembarcar as relações de trabalho em terreno seguro, com o consequente restabelecimento da empregabilidade, com melhoria para empregadores e empregados. São elas:

  1. Reforma simplificadora e predominantemente infraconstitucional da legislação tributária previdenciária (custeio). Deve haver reforma tributária estrutural sobre a folha de salários, porém, simples e célere, com ajustes em alguns poucos dispositivos da Constituição e mudanças e aprimoramentos importantes apenas na legislação infraconstitucional (sobretudo no art. 28, I e parágrafo 9º. da Lei 8.212/91), o que requererá um rito mais simples e menos moroso para a sua aprovação. O movimento do “Simplifica Já”, encabeçado por membros do próprio Fisco, juristas, advogados, economistas e entidades de classe, parece ter percebido essa necessidade de reduzir a amplitude de alterações em nível Constitucional e intensificar a qualidade e a agilidade das respostas que o Sistema Tributário e a economia precisam no nível infraconstitucional.
  2. Racionalização e ampliação da base tributável combinada com desoneração parcial da folha, por meio da criação de sistema seletivo de alíquotas reduzidas. É necessário aprimorar, e não destruir, a tributação da folha e das relações de trabalho mais amplamente. Deve-se  simplificar e ampliar a base tributável (inclusive para relações de trabalho que não sejam retributivas e formais), garantido que não haja perda de arrecadação e que haja significativa redução de litígio, a qual, por sua vez, também gera aumento de arrecadação). Adicionalmente, é mister desonerar a tributação de forma parcial, por meio de alíquotas seletivas menores, baseadas em critérios objetivos que promovam (ou impeçam a redução de)  empregabilidade e formalidade de vínculos a curto e médio prazo, tais como o número de empregos concedidos por dada empresa e a média salarial paga aos empregados.
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Essa situação beneficiará as empresas que estão no  Simples Nacional, o setor de serviços (que emprega 2/3 da mão de obra formal no país, inclusive transporte e construção civil) e, também, a indústria e o comércio, posto que também terão alíquotas menores à medida em que empregar mais e pagar melhor (média salarial) os seus empregados. Trata-se de um sistema justo e racional, por meio do qual o Estado premia e estimula condutas em prol  da mitigação de demissões e da proliferação exagerada de vínculos informais de trabalho, os quais, ao menos atualmente, não geram arrecadação para a Seguridade Social.

  1. Afastar-se de uma nova espécie de CPMF que venha a taxar  meios financeiros digitais e o comércio eletrônico. A adoção de soluções casuísticas e disruptivas, por meio de tributo cobrado em cascata, de forma cumulativa, regressiva e em conjunto com outros tributos (ICMS e ISS) que já ocupam o campo de incidência das mesmas  operações econômicas – e, ainda, sem critérios sistêmicos – atinentes ao  comércio (Amazon, Magalu, Ifood, Uber, etc), como se pretende com a “CPMF de meios digitais”,  está em desarmonia com a regras estabelecidas pela própria OCDE, a qual traça diretrizes para que os países busquem captar a efetiva riqueza tributável dessas potências econômicas, expressadas na Receita ou no Lucro Bruto de suas atividades, e não em sua assintomática movimentação financeira, desvinculada de signo econômico material.

Aliás, em sentido diametralmente oposto, a mesma OCDE e o “Grupo dos 20” primam, atualmente, por formas eficazes de tributação da folha para financiar as suas respectivas seguridades sociais. Quase não há exemplos, no mundo, de tributação sobre meios de pagamento para esse fim (e para nenhum outro!), podendo-se destacar, dentre eles, a Venezuela. É esse mesmo o caminho que queremos seguir?

  1. Manter a Seguridade Social forte, com o devido equilíbrio financeiro e atuarial. A Seguridade Social é Direito Social relevante e conquista da sociedade civil de uma nação. Ela não deve jamais ser enfraquecida para que as relações de trabalho sejam desoneradas. Esse é o preço que o Governo parece querer pagar com a apresentação de proposta de eventual retorno da CPMF sobre operações financeiras digitais.

Com efeito, a desoneração da folha, deveras importante no  momento atual, deve vir presidida pela melhora do sistema de seguridade social, e não pela sua ruptura, que é o que acontecerá se uma nova CPMF passar a fazer com que ele dependa de dinheiro do orçamento da União. Sem falar que, nesse caso, apenas o Estado e do empregado seriam agentes financiadores diretos da seguridade social doravante, excluindo-se o empregador.

Esse mesmo movimento, no passado, foi o que conduziu ao rombo das contas públicas que, depois, viria a demandar a premente necessidade, que vimos há poucos meses, da aprovação urgente da reforma da previdência. Ora, não se poder dar com uma mão o conforto de ter obtido êxito nessa reforma e, agora, incoerentemente, retirar com a outra, fazendo com que o Governo e os empregados tenham que financiar sozinhos a Seguridade Social. Isso é tão mais sério se observarmos que agora esse sistema atual de seguridade deveria é ser reforçado, para fazer frente às necessidades de saúde, previdência e assistência que se avolumaram em momento de crise sanitária e de saúde.

Levar o dinheiro diretamente aos cofres do Governo Federal, através de uma “CPMF digital”, e retirá-lo da autonomia financeira e atuarial da Seguridade Social, não é apenas enfraquecer o seu equilíbrio, mas também exterminar conquistas importantes para a sua manutenção e funcionamento harmônico e equânime entre os agentes responsáveis pelo seu financiamento, tais como: diversidade de base tributável, referibilidade entre valores pagos pelo empregador e a sua contribuição na parcela da aposentadoria do empregado; aplicação aos princípios da solidariedade e da universalidade, com a responsabilidade quadripartite no financiamento da seguridade.

Ao contrário do que sustenta o Ministro da Economia, podemos dizer que não precisamos “nem do feio, nem do cruel”, mas sim do ótimo. Simplesmente porque é possível, e necessário que assim seja.

  1. Evitar “paliativos tributários”. Em artigo publicado na semana passada, a propósito do veto da prorrogação do que hoje conhecemos por CPRB (contribuição sobre a receita bruta das empresas, utilizada no lugar da folha de salários por alguns setores como base tributável para financiar a seguridade social), frisamos que o Brasil não pode mais viver de concessões de paliativos tributários, consubstanciados em benefícios casuísticos, em “reformas em tiras” do Sistema Tributário ou em sucessivos planos de recuperação fiscal para contribuintes que não conseguem suportar a elevada carga tributária (Refis). Não é correto o restabelecimento de “benefícios” pontuais como a desoneração da folha e sua troca pela CPRB (Receita Bruta) para alguns setores da economia, se isso for provisório, pontual e em desarmonia com a própria norma Constitucional, que não autoriza, sem a reforma prévia de seu texto, um tributo dessa natureza. Ela deve vir, mas por outros caminhos.
  2. Olhar mais para o trabalho e menos para o emprego – a migração das relações formais como conhecemos para as relações informais de trabalho não pode mais ser ignorada. A pessoa desempregada passa a atuar cada vez mais por meio de relações informais de trabalho, para aplicativos, market place e e-commerce. Nesse sentido, passa a ser importante, com visão de presente e de futuro, captar essas relações e a riqueza delas advindas (internamente)  em termos de tributação. Aqui sim, uma CPRB sobre a receita das empresas que faturam com esses aplicativos para os quais  esses trabalhadores atuam, sem vínculo formal, passa a fazer todo o sentido, pois capta a riqueza (signo econômico) de forma adequada e a leva à seguridade social, a qual, a seu turno, incrementará a sua arrecadação e terá, assim, condições de fazer frente a novas desonerações, parciais, adequadas, racionais e sistêmicas da folha de salários.
  3. Manter o nível de arrecadação tributária. A desoneração não pode diminuir a arrecadação, não há espaço para isso! A ampliação de base tributável, a redução do nível de informalidade e a CPRB disruptiva sobre market place podem, em conjunto com a calibração do sistema de alíquotas seletivas, pode garantir menor tributação sem perda de arrecadação. O próprio Ministério da Economia, através da Receita Federal, tem os números para simular situações com essas variáveis.
  4. A pessoa física e o empregado não podem ser mais sacrificados do que já são. Se isso acontecer, equivalerá a matar-se a galinha dos ovos de ouro e acirrar a crise do emprego. Com efeito, não se pode conceber onerar mais as relações formais de trabalho e muito menos  a renda do trabalhador empregado, que, no geral, mal consegue fazer frente aos seus compromissos pessoais e familiares. Não é viável qualquer proposta de desoneração da folha, como tem sido ventilada, que seja compensada com aumento da carga tributária do empregado pessoa física, sobretudo por meio de oneração do IRPF. Convém lembrar que a “pessoa física” já é o “mártir” da tributação nesse país, seja em termos de Imposto sobre a Renda, seja em termos de tributos em geral.
  5. Não insistir em velhas soluções para novos problemas. O país precisa de discussões produtivas e soluções rápidas. O Executivo deve iniciar as discussões com o Congresso através de tema de convergência e não por meio de assuntos polêmicos, como a renovação da antiga CPMF ou a criação de um tributo sobre transações digitais, o que poderá, de antemão, matar a discussão da reforma tributária entre os Poderes antes mesmo que ela nasça.
  6. Colher primeiro as frutas que estão mais embaixo. Isso consiste em adotar medidas alternativas paralelas aos trabalhos de reforma, que já podem surtir efeitos positivos para as relações de trabalho e o emprego.

As coisas não mudarão da noite para o dia por causa da reforma tributária e ela, sozinha, não resolverá todos os problemas. É preciso a adoção de breves e inteligentes medidas urgentes em paralelo, tais como  ajustes nos gastos públicos, eficácia urgente à (ótima) legislação de transação  tributária que permite a negociação de passivos do contribuinte e o não aumento da tributação sobre o PLR (programa de participação nos lucros e resultados), pois isso representaria um desestímulo ao melhor pagamento dos empregados.

Se essas medidas não forem adotadas agora, o que teremos, logo mais, serão famílias mais endividadas e com poucas opções de empregos. Também teremos um quadro nefasto de empregadores que ainda estarão pagando dívidas atualmente postergadas, mas cujas contas chegarão e os encontrarão altamente alavancados e comprometidos em seu fluxo de caixa, com pouca ou quase nenhuma capacidade de preservar a renda e o emprego de seus empregados.

Cabe, então, aos três Poderes do Estado adotar medidas efetivas, estruturantes e sistematizadoras para outras medidas futuras. O Poder Judiciário, por exemplo, tem uma oportunidade ímpar de atuar nesse processo, dando eficácia imediata e efetiva às suas próprias decisões em sede de Repercussão Geral, sobretudo no âmbito da folha de salários. O STF acabou de pautar quatro casos importantes para o mês de agosto de exame de constitucionalidade de contribuições previdenciárias sobre a folha de salários (salário maternidade, 1/3 de férias, adicional de 10% do FGTS e contribuições ao “Sistema S” – Sebrae, Sesi, Senai, etc).

Apenas um Estado eficiente e harmônico na atuação de seus três poderes será capaz de mitigar e agir ativamente sobre os males que hoje assolam o emprego e os trabalhadores dessa ainda poderosa Nação brasileira.

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