Os consórcios empresariais e a lei anticorrupção 12.846/2013: solidariedade e possíveis repercussões no Processo Administrativo de Responsabilização – PAR

Resumo: O objetivo deste artigo é debater a aplicação das regras de solidariedade aos consórcios empresariais, especialmente aqueles que contratam com a Administração Pública, tendo como base a Lei Anticorrupção – de nº. 12.846/2013, e as Leis nº. 6.404/76 e nº. 8.666/1993. A partir desse exame, discutir a responsabilidade administrativa das empresas que integram o consórcio e a necessidade de serem intimadas para integrar o pólo passivo de um Processo Administrativo de Responsabilização – PAR, especialmente na hipótese de não terem tido conhecido, praticado ou participado de um ato supostamente lesivo que esteja sob investigação nos termos da Lei Anticorrupção – LAC. [1]

Palavras-chave: Consórcio. Solidariedade. Lei Anticorrupção. Processo Administrativo de Responsabilização.

Abstract: The scope of this article is discuss the application of the rules of solidarity to the business consortia, especially those that contract with the Public Administration, based on the Anti-Corruption Law – nº. 12.846/2013, and Laws nº. 6.404 / 76 and nº. 8.666/1993. Based on this examination, discuss the administrative responsibility of the companies that make up the consortium and the need to be summoned to join the passive center of an Administrative Process of Accountability – PAR, especially in the hypothesis of not having known, practiced or participated of an allegedly harmful act that is under investigation under the Anti-Corruption Law.

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Keywords: Consortium. Solidarity. Anti-Corruption Law. Administrative Process of Accountability.

Sumário: 1. Introdução – 2. O consórcio empresarial – 3. Das responsabilidades objetiva e solidária previstas na Lei 12.846/2013 e na Lei 8.666/93 – 4. Repercussões da solidariedade dos consórcios no processo administrativo de responsabilização – 5. Conclusão – 6. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

No campo do direito societário, as sociedades podem se relacionar de várias formas. São comuns as denominadas (1) operações societárias, nas quais as sociedades podem se transformar, fundir, incorporar ou transferir parcela de seu patrimônio a outras.

Além dessas quatro operações, outras são comumente realizadas em função da possibilidade de que os sócios de algumas sociedades também sejam sociedades, ou seja, empresas podem ter como sócias, outras pessoas jurídicas. Nesse caso, surgem as (2) coligações entre sociedades, disciplinadas pelos artigos 243 e seguintes da Lei 6.404/76 – no caso das sociedades anônimas – e artigos 1097 a 1101 do Código Civil – para as demais.

Pode haver também a formação de (3) grupos societários entre sociedades controladoras e controladas, constituídos mediante convenção, nos termos dos artigos 265 a 277 da Lei 6.404/76, além da constituição de um (4) consórcio para execução de empreendimentos específicos, em que cada consorciada mantém sua personalidade jurídica autônoma.

A questão que se pretende discutir refere-se especificamente ao consórcio empresarial. Questiona-se se, considerando as regras de solidariedade previstas nas Leis 6.404/76, 8.666/1993 e 12.846/2013, todas as sociedades que integram um determinado consórcio devem necessariamente ser intimadas para integrar o pólo passivo de um Processo Administrativo de Responsabilização – PAR, ainda que não tenham cometido ou participado de um ato supostamente lesivo sob investigação.

Na busca por uma proposta de solução para esse problema, tem-se como primordial tratarmos do consórcio empresarial, em especial o que contrata com a Administração Pública, dos temas envolvendo as responsabilidades objetiva e solidária, e dos reflexos das diferenças estabelecidas em cada um dos citados atos normativos nas matérias sob debate.

2. O Consórcio EMPRESARIAL

O conceito de consórcio encontra-se previsto no artigo 2º da Lei 11.795/2008, que trata do sistema de consórcios. Senão vejamos:

“Consórcio é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento”.

Já consorciado é a pessoa natural ou jurídica que integra o grupo e assume a obrigação de contribuir para o cumprimento integral de seus objetivos (Lei 11.795/2008, art. 4º).

Nos termos do artigo 278 da Lei 6.404/76 – Lei das Sociedades Anônimas, o consórcio empresarial consiste na associação ou união temporária de companhias ou qualquer outra sociedade, sob o mesmo controle ou não, para obter finalidade comum ou executar determinado empreendimento, geralmente de grande vulto ou de custo muito elevado, exigindo para sua execução conhecimento técnico especializado e instrumental técnico de alto padrão. É administrado pela empresa designada líder e não se confunde com grupos de sociedades.

Apesar da previsão da constituição do consórcio estar contida na Lei 6.404/76, quaisquer outras sociedades – as limitadas, por exemplo – podem se associar e formar consórcios, conforme destaque da própria norma.

Ao caracterizar o consórcio previsto na Lei das Sociedades Anônimas, Marçal Justen Filho destaca sua transitoriedade e a circunstância de que os consorciados mantêm sua autonomia jurídica e respondem em nome próprio pelos atos a si imputáveis, já que não há solidariedade para essa união[2]. Depois de executada a atividade que resultou na associação, as sociedades se desligam.

Nos termos da Lei 6.404/76, as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.

O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do ativo permanente, que deverá conter a definição das obrigações e responsabilidades de cada sociedade consorciada, das prestações específicas, das normas sobre administração do consórcio, dentre outros.

Por ser primordialmente contratual, um dos maiores desafios do consórcio é a elaboração desse contrato, com cláusulas que tratem da divisão das tarefas, receitas, custos e despesas, divisão de resultados – lucros e, ou prejuízos – e as condições para realização de negócios em comum.

A empresa consorciada nomeada líder normalmente é eleita para comandar os assuntos de interesse do grupo e representar o consórcio.

O consórcio não tem personalidade jurídica própria, ou seja, ele não será uma empresa, vez que se constitui a partir de um contrato. Não envolve a constituição de uma pessoa jurídica distinta dos consorciados. Nada obstante, é importante destacar que os consórcios constituídos na forma dos artigos 278 e 279 da Lei 6.404/1976 são obrigados a inscrever-se no CNPJ, especialmente para fins fiscais.

Os principais tipos são constituídos para a execução de grandes obras de engenharia, atuação no mercado de capitais, acordos exploratórios de serviços de transporte, exploração de atividades minerais, atividades de pesquisa ou uso comum de tecnologia e participação em licitações e concessões públicas.

Trata-se de negócios em que a união das empresas se torna vantajosa, sem a necessidade de constituição de uma nova pessoa jurídica.

Já no âmbito do direito administrativo, a situação do consórcio é tratada de um modo um pouco diverso, em razão de princípios próprios que regem o regime jurídico de direito público a que está submetido esse ramo do direito.

Nesse caso, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que se trata de uma “associação de empresas que conjugam recursos humanos, técnicos e materiais para a execução do objeto a ser licitado. Tem lugar quando o vulto, complexidade ou custo do empreendimento supera ou seria dificultoso para as pessoas isoladamente consideradas”[3].

No consórcio constituído para os fins da Lei 8.666/93, há apenas um contrato com a Administração, cabendo a esta decidir em juízo de conveniência, sobre a participação de consórcio no procedimento licitatório.

Entretanto, é importante ressaltar que a opção pela vedação à participação de consórcios, por representar potencial restrição à competitividade do certame, deve ser fundamentada e documentada no processo licitatório.

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Em regra, consoante destaca Justen Filho, a formação do consórcio não é incentivada pelo ordenamento jurídico porque, sendo uma forma de atuação empresarial, pode conduzir a resultados indesejáveis, como a dominação de mercados e a consequente eliminação da concorrência, já que reduz o universo das empresas em disputa.

No entanto, o mesmo autor pondera ser salutar a formação do consórcio para o fim de garantir a participação em uma licitação pública quando, por exemplo, as circunstâncias do mercado e, ou a complexidade do objeto a ser executado dificultam a competição em razão da falta de condições de uma gama considerável de empresas não possuir, isoladamente, condições para executar a atividade demandada pela Administração Pública[4]. Nesses casos, justifica-se a constituição do consórcio, seja homogêneo – empresas com objeto similar – ou heterogêneo – empresas que atuam em determinado segmento de atividade e que possuem qualificações diferentes e que não se confundem.

Por meio dos Acórdãos nº. 2.813/2004 – 1ª Câmara, nº. 1.405/2006, nº. 1.782/2009, nº.1.453/2009 – Plenário, e n° 1.102/2009 – 1ª Câmara, todos do Tribunal de Contas da União, firmou-se o entendimento de que a formação de um consórcio pode tanto fomentar, quanto reduzir a concorrência no âmbito de um procedimento licitatório. O primeiro caso – incremento da concorrência – dar-se-ia, por exemplo, no caso de consórcio de empresas menores que, de outra forma, não poderiam ser admitidas à licitação para a execução de empreendimentos de grande vulto.

Há ainda, a situação em que a eventual impossibilidade de constituição de um consórcio para a execução de grandes empreendimentos, inviabilizaria a concessão do serviço público e, portanto, sua própria execução.

Ainda assim, aponta-se uma preocupação do administrador público com a restrição ao caráter competitivo da licitação no caso de admissão de empresas em consórcio. Além da análise de viabilidade dessa participação ser fundamental para garantir que não haja redução da concorrência e vícios no procedimento, o controle realizado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE sobre a formação desse tipo de associação por empresas interessadas em participar de licitações e contratações administrativas torna-se imprescindível, conforme dispõem os artigos 53 e seguintes da Lei 12.529/2011.

Em vista disso, algumas regras devem ser observadas quando da admissão de consórcios em licitações e contratações públicas, a exemplo da comprovação do compromisso público ou particular de constituição de consórcio, subscrito pelos consorciados, indicação da empresa responsável pelo consórcio que deverá atender às condições de liderança e a solidariedade dos integrantes do consórcio pelos atos praticados, tema tratado a seguir.

3. DAS RESPONSABILIDADES OBJETIVA E SOLIDÁRIA PREVISTAS NAS LEIS nº. 12.846/2013 e nº. 8.666/93

3.1. Da responsabilidade objetiva com base na Lei nº. 12.846/2013

A Lei nº. 12.846/2013 estabelece a responsabilidade objetiva para pessoas jurídicas e subjetiva para pessoas físicas – dirigentes ou administradores, autores, coautores ou partícipes em eventual prática ilícita. Interessa-nos aqui o exame da responsabilidade administrativa dos entes privados.

Tanto a Lei Anticorrupção quanto o Decreto 8.420/2015 que a regulamentou, dispõem, respectivamente, em seus artigos 1º e 2º, sobre a responsabilidade objetiva, administrativa e civil, das pessoas jurídicas que praticarem atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.

A Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº. 3678, de 30/11/2000, ao tratar da responsabilidade das pessoas jurídicas em seu artigo 2º, dispôs que “cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento das responsabilidades de pessoas jurídicas pela corrupção de funcionário público estrangeiro, de acordo com seus princípios jurídicos”.

Na sequência, em seu artigo 3º estabeleceu que se a responsabilidade criminal não se aplicar a pessoas jurídicas, a Parte deverá assegurar que as empresas estejam sujeitas a “sanções não-criminais efetivas, proporcionais e dissuasivas contra a corrupção de funcionário público estrangeiro, inclusive sanções financeiras”.

O Brasil atendeu ao compromisso firmado na Convenção quando estabeleceu na Lei Anticorrupção, a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas e a cominação de sanções administrativas às empresas que praticarem quaisquer dos atos lesivos estabelecidos na Lei 12.846/2013.

Também o Bribery Act 2010 do Reino Unido estabelece claramente a possibilidade de responsabilização objetiva das pessoas jurídicas no caso de ocorrerem falhas das organizações na prevenção do suborno. Cita a norma que uma empresa será responsabilizada por uma infração nos termos do Bribery Act 2010 se um funcionário de uma empresa, por exemplo, suborna uma pessoa para obter ou reter negócios para a organização.

Para a maioria da doutrina civilista brasileira, os pressupostos para a responsabilização objetiva são três, a saber: conduta praticada por um agente, nexo de causalidade entre a conduta e o ato lesivo e o dano. Assim, a responsabilidade objetiva é aquela que se define independentemente da existência de culpa ou dolo, ou seja, não está atrelada à vontade do transgressor da norma.

Corroborando essa ideia, Rafael Munhoz de Mello afirma o seguinte:

[…] Ao contrário das pessoas físicas, as pessoas jurídicas não constituem um organismo fisiopsíquico, um ser dotado de consciência e vontade própria. Não têm as pessoas jurídicas vida psíquica ou anímica próprias, que, estas, só os seres biológicos podem possuí-las utilizando as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello. Se não tem vontade e consciência próprias, não se aplicam às pessoas jurídicas, os conceitos de dolo e culpa[5].

Ocorre que a responsabilidade objetiva disciplinada na Lei 12.846/2013 possui características próprias que não se confundem com as regras tradicionais da responsabilidade objetiva estabelecida no Código Civil, aproximando-se mais das normas de direito público que regem a responsabilização objetiva do Estado[6].

A legislação civil dispõe que a responsabilidade objetiva depende da demonstração da ação ou omissão, do dano potencial ou concreto e do nexo de causalidade que deve existir entre a conduta (ação ou omissão) e o dano.

Para a Lei 12.846/2013, o dano é dispensável para se configurar eventual responsabilidade da pessoa jurídica, pois considera-se sua ocorrência efetiva como “mero exaurimento da infração administrativa, componente esse que deve ser avaliado quando da dosimetria da pena, nos termos dos incisos II a IV do art. 7º da Lei 12.846/2013”[7]; após, portanto, a identificação de uma determinada prática lesiva.

Desta forma, a pessoa jurídica infratora responderá pelos delitos a ela atribuídos sem que precise se comprovar a culpa ou dolo das pessoas físicas que agiram por meio dela, bastando a com­provação do nexo de causalidade entre o fato ocorrido e o resultado obtido.

Assim, no caso de responsabilidade objetiva, aquele representante da empresa que se manifesta em nome da pessoa jurídica para cometer qualquer dos atos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção, estará atribuindo essa conduta diretamente ao ente privado, como se ele próprio agisse, independentemente da vontade – dolo ou culpa.

Por outro lado, importante destacar, se uma vantagem ilícita tiver sido oferecida por alguém que não é representante da pessoa jurídica, mas que apesar de não sê-lo, se disse autorizado a agir como seu preposto quando da prática da conduta, a empresa não poderia a princípio, ser responsabilizada com base na Lei 12.846/2013, vez que não autorizara a prática do ato; nesse caso, o infrator pessoa física que se utilizou de forma fraudulenta do nome da empresa poderá responder individualmente pelo dano porventura causado a terceiros e à própria empresa.

Além de estabelecer a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas, conforme exposto supra, o art. 2º da LAC prescreve ainda como condição para essa forma de responsabilização dos entes privados a comprovação de que os atos lesivos à Administração Pública tenham sido praticados no interesse ou benefício da empresa, exclusivo ou não.

Tal comando afasta a possibilidade de imputação auto­mática de responsabilidade ao ente privado pelo simples fato de figurar em uma relação, seja de cunho contratual como não contratual com a Administração Pú­blica, uma vez que deve se comprovar que o ato lesivo teve como fim beneficiar a pessoa jurídica, ainda que concretamente esse benefício não tenha se materializado.

No mesmo sentido pontua Márcio Aguiar, para quem “A responsabilidade objetiva não significa, de forma alguma, a imputação arbitrária de sanção administrativa a uma pessoa jurídica que em nenhuma medida se encontra vinculada à ocorrência da infração administrativa”[8].

Para que uma pessoa jurídica possa ser responsabilizada no âmbito da Lei nº 12.846/2013, é necessário comprovar, considerando o devido processo legal, o cometimento de um – ou mais – dos atos lesivos previstos em seu art. 5º e a compro­vação de que a prática de tal ato lesivo pela pessoa jurídica foi em seu interesse ou benefício, ainda que não exclusivo.

Caberá à Administração Pública demonstrar, por meio do processo administrativo de responsabilização – PAR, com a observância do contraditório e ampla defesa, a prática das infrações previstas na Lei Anticorrupção, bem como o nexo de causalidade entre o ilícito e a atuação direta ou indireta da pessoa jurídica. Terá que demonstrar que o ato lesivo não ocorreu ou que não se deu em proveito ou benefício da empresa.

Não se trata de aceitar a responsabilidade objetiva em toda e qualquer circunstância, devendo a Administração, por meio da Comissão responsável pelo PAR, examinar de maneira razoável e proporcional, a possibilidade de imputar fatos e sanções à pessoa jurídica. De acordo com Márcio, o contrário poderia resultar no “receito de que a pessoa jurídica se transforme numa espécie de seguradora universal da moralidade administrativa”.

Como resultado dessa responsabilidade administrativa objetiva, tem-se a possibilidade que os efeitos das sanções porventura impostas a uma pessoa, possam ser transmitidos a outros sujeitos que não aquele que cometeu o ato ilícito, o que faz surgir a figura do responsável[9].

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Diante dessa possibilidade de se transmitir os efeitos de uma pena aplicada em função da responsabilidade objetiva, com outros sujeitos podendo sofrer os efeitos dessas sanções, surgem as figuras dos responsáveis subsidiário e solidário.

Interessa-nos aqui tecer alguns apontamentos sobre a responsabilidade solidária antes de adentrarmos na questão principal que se pretende responder com este artigo.

3.2. Da responsabilidade solidária

3.2.1. Solidariedade com base na Lei 12.846/2013

O desenvolvimento da atividade econômica no mundo atual, em que a complexidade dos negócios e operações é evidente, a Lei 12.846/2013 estabeleceu a responsabilidade solidária de consorciadas que eventualmente venham a praticar quaisquer das infrações previstas na citada Lei, permitindo a extensão dos efeitos dessa responsabilidade a outra pessoa jurídica que não aquela diretamente ligada à consumação da infração administrativa.

Preliminarmente, convém destacar que não havendo solidariedade entre as consorciadas nos termos da Lei 6.404/76, conclui-se que a norma estabelecida no art. 278, § 1º, da Lei 6.404/76 não se aplica para os fins da Lei nº. 12.846/2013, vez que aquela dispõe que as empresas consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, mas sem presunção de solidariedade, o que não ocorre com a Lei Anticorrupção.

Dito isso, tem-se que a solidariedade no cumprimento de determinada obrigação não se presume, mas resulta de lei ou da vontade das partes, conforme estabelece o artigo 266 do Código Civil, de modo que podemos afirmar que a solidariedade prevista na Lei Anticorrupção se enquadraria nessa hipótese.

A questão que se coloca é se em decorrência da responsabilidade solidária estabelecida pela LAC, quando da apuração de responsabilidade administrativa em caso de irregularidades praticadas por somente uma consorciada no âmbito de um contrato firmado pelo consórcio com a Administração, as demais empresas integrantes do grupo deverão ser chamadas a responder no âmbito do PAR ou somente a que praticou o ato ilícito.

É defensável juridicamente a tese da solidariedade para fins sancionatórios? Posso transmitir uma pena administrativa a uma ou mais pessoas jurídicas pelo simples fato de ela (s) integrar (em) o consórcio que se beneficiou – ainda que de forma exclusiva – de um ato ilícito praticado por outra consorciada – e ainda que não tenha havido o conhecimento por parte das demais?

De acordo com o art. 4º, § 2º, da Lei Anticorrupção, “[…] no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado”. [grifei]

Portanto, para os consórcios que contratarem com a Administração, essa responsabilidade ficou restrita pela novel legislação à obrigação de pagamento da multa eventualmente aplicada, e à reparação integral do dano causado. Além disso, a possibilidade de responsabilização solidária está ainda mais restrita ao âmbito de determinado contrato e, assim, vinculada à execução do empreendimento para o qual foi constituído.

A Lei Anticorrupção foi clara ao afirmar que a responsabilidade solidária existe para fins de reparação de dano e pagamento da multa; frise-se, pagamento. Trata-se, portanto, de mera execução da pena de multa eventualmente aplicada no âmbito do PAR.

Considerando que a pessoa jurídica possui responsabilidade por um ato lesivo praticado em seu interesse ou benefício, situação que deverá ser demonstrada no bojo de um processo administrativo contraditório, não se pode imputar a um integrante de um consórcio, a responsabilidade pela prática de um ato lesivo perpetrado por outro componente do grupo.

Somente poderá haver responsabilidade de uma, mais de uma ou de todas as empresas integrantes de um consórcio pela prática de um ato lesivo, se houver prova do conhecimento do fato ou da participação na infração por parte de cada uma delas individualmente considerada, ainda que o ato ilícito tenha sido praticado no interesse exclusivo do consórcio. Ou seja, as consorciadas somente poderão ser sancionadas com penas administrativas se tiverem ligadas à prática da infração administrativa, seja de forma direta ou indireta.

Se não existir prova de que uma ou mais consorciadas tenha tido conhecimento ou participado da prática de ato lesivo levado a efeito por outra em benefício do consórcio, considera-se que somente esta última poderá ser sancionada pela prática da conduta lesiva nos termos da Lei 12.846/2013.

A solidariedade prevista na Lei Anticorrupção ocorre somente para garantir o ressarcimento do dano e o pagamento da multa quando da execução da pena pecuniária e na hipótese de a (s) pessoa (s) jurídica (s) condenada (s) não o fizer (em) de forma espontânea. A Lei 12.846/2013 foi expressa nesse sentido. Os consórcios seriam garantidores do cumprimento do dever de integridade do ente privado que dele faça parte, de modo que são responsáveis solidários pelos efeitos patrimoniais da sanção.

Não pode haver a responsabilização de uma consorciada por um ato ilícito praticado por outra quando ela não tiver conhecimento ou não tiver participado dele. Não poderá haver responsabilidade solidária para fins sancionatórios.

3.2.2. Solidariedade com base na Lei 8.666/93

Diferentemente da Lei nº. 6404/76, também a Lei de Licitações prevê a responsabilidade solidária entre as consorciadas em seu artigo 33, inciso V, principal item que diferencia o regime jurídico existente em cada caso.

Como medida protetiva a mais para a Administração, a Lei de Licitações afirma categoricamente a existência de responsabilidade solidária dos integrantes do consórcio pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato.

Para Marçal Justen Filho[10], a Lei 8.666/93 fez surgir uma “espécie de sociedade de fato, em que todos os atos praticados individualmente se comunicam aos demais consorciados”. Isso decorreria da necessidade de o consórcio comparecer perante a Administração como unidade – união de esforços, bens e recursos financeiros. Daí se afirmar que o consórcio que contrata com a Administração Pública não tem a mesma configuração que teria aquele de direito privado.

Segundo o mesmo autor, “[…] a Administração Pública considera, para contratar, o conjunto dos recursos (em acepção ampla) dos diversos consorciados. Produz-se uma soma […] – a Administração não toma em vista cada consorciado individualmente. […] os consorciados devem manter essa unidade, relativamente aos atos que possam gerar sua responsabilidade”. Nessa situação, há um único contrato firmado entre a Administração e o consórcio.

A lei licitatória definiu a responsabilidade solidária para os atos praticados em consórcio na licitação ou durante a execução do contrato, mesmo no caso de um ato ilícito praticado pela empresa líder – que representa o consórcio.

Corroborando esse entendimento, Alexandre Wagner Nester destaca que a atuação da empresa líder como representante do consórcio não resulta na exclusão das demais consorciadas pelos atos praticados em nome do consórcio:

“[…] por meio do instrumento de constituição, as consorciadas, além de estabelecerem as regras que pautam a associação de esforços, ao mesmo tempo outorgam à empresa líder os poderes necessários para atuar em seu nome (em nome do consórcio) perante a Administração – do que não se segue, evidentemente, a exclusão da responsabilidade solidária entre todas as consorciadas pelos atos praticados em nome do consórcio”[11]. [grifei]

A Lei de Licitações constitui uma lei especial em relação à lei das sociedades anônimas quando tratou da participação dos consórcios em licitações públicas, disciplinando de forma diversa, a responsabilidade das consorciadas. Assim, como a lei geral é derrogada pela lei especial, no caso específico de consórcio para fins de participar de licitação, sempre haverá solidariedade. Senão vejamos:

“Lei 8.666/93. Art. 33. Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas: […]

V – responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato.”

Com isso, importa-nos verificar se a mesma interpretação dada pela Lei Anticorrupção no caso da solidariedade entre os integrantes de um consórcio que contrata com a Administração Pública também deve ser aplicada no caso da Lei 8.666/93. A princípio, a situação aqui é um pouco mais complexa.

A redação do inciso V da Lei 8.666/93 pode gerar dúvidas acerca dos limites da responsabilidade solidária dessas empresas; se pelo ato lesivo e, nesse caso, independentemente de terem sido parte dele ou de terem praticado a conduta supostamente ilícita, ou se o limite da responsabilidade das consorciadas estaria adstrito apenas ao pagamento da pena de multa e ressarcimento de dano como ocorre na Lei 12.846/2013, que expressamente limitou a solidariedade a essas duas hipóteses.

A Lei 8.666/93 estabeleceu a responsabilidade solidária pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato. Vê-se, assim, que a Lei de Licitações não limitou a responsabilidade solidária ao pagamento da multa e ressarcimento do dano de forma expressa.

Com isso, é viável juridicamente defender a tese da solidariedade para fins sancionatórios no caso de fatos tipificados tanto na Lei 12.846/2013 quanto na Lei 8.666/93, com pena prevista somente na Lei 8.666/93 – como a declaração de inidoneidade, por exemplo, já que a norma licitatória tratou explicitamente e sem restrição, de “atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato”?

Ou seja, a pena de declaração de inidoneidade aplicada a uma consorciada por um ato ilícito praticado somente por ela – sem o conhecimento ou a participação de qualquer outra – poderá ser estendida às demais integrantes do consórcio?

Nos termos do artigo 12 do Decreto 8.420/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção, quando um ato lesivo estiver tipificado em ambas as leis, deverá ser apurado e julgado conjuntamente no mesmo PAR, aplicando-se o rito previsto no referido regulamento.

Mas como compatibilizar as duas normas no caso da solidariedade, já que a redação dos dispositivos que tratam do tema parece ser diversa e, no caso da Lei 8.666/93, essa responsabilidade não ficou expressamente restrita ao pagamento da multa e reparação do dano?

Parece-nos que a resposta a esses questionamentos decorre de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico.

Trazendo à baila princípios constitucionais em matéria penal e processual penal, vez que o direito administrativo sancionador se aproxima muito desses ramos jurídicos, o que justifica sua aplicação subsidiária para o fim que se pretende, considera-se ser possível propor uma solução para o problema.

De acordo com Sebastião José Lessa, “O direito disciplinar não é infenso à analogia penal. Antes, ao que ensina Themistocles B. Cavalcanti no caso das penas puramente administrativas, os mesmos princípios podem também ser aplicados por analogia[12]”. No mesmo sentido considera Hely Lopes Meirelles, para quem, nos procedimentos administrativos punitivos, são adotáveis, subsidiariamente, os preceitos do processo penal comum quando não houver conflitos com as normas administrativas pertinentes[13].

A Constituição Federal foi cristalina ao dispor em seu artigo 5º, XLV, que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.

Trata-se do princípio da responsabilidade pessoal, pessoalidade ou intranscendência da pena, conforme tratado pelo direito penal, que impede a aplicação de uma pena a uma pessoa diferente daquela que foi condenada. Excepciona a Carta Magna somente a obrigação de reparação de dano que poderá ser executada contra os sucessores do punido até o limite do valor do patrimônio transferido àqueles.

No caso de um ente coletivo constituído por várias pessoas, muitas delas alheias à prática do fato criminoso, considera-se não ser possível estender de forma automática, uma pena de declaração de inidoneidade, por exemplo, a todas as empresas integrantes de um consórcio quando houver provas de que apenas uma delas praticou o ato lesivo.

Considera-se que não sendo aplicada no âmbito penal, essa responsabilidade solidária para fins sancionatórios também não pode ser aplicada ao direito administrativo sancionador, que dele muito se aproxima.

De acordo com Rogério Greco, “[…] já foi o tempo em que não só o autor do fato respondia pelo delito cometido, como também pessoas ligadas ao seu grupo familiar ou social. […] Qualquer que seja a natureza da penalidade aplicada – privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa, somente o condenado é que deverá cumpri-la”[14].

Para o professor Rogério Greco, em caso de falecimento do condenado, mesmo a penalidade de multa não poderá ser estendida a ninguém em razão de seu caráter personalíssimo; somente o autor do delito poderá se submeter às sanções penais a ele aplicadas; no caso de responsabilidade não penal – obrigação de reparação de dano e pagamento de multa, após a morte do condenado, os seus sucessores somente poderão responder até o limite do patrimônio eventualmente transferido.

O entendimento defendido neste artigo restringe a responsabilidade solidária à obrigação de reparação integral do dano e pagamento da multa – execução da sanção pecuniária, tanto para os fins da Lei 12.846/2013 quanto para a Lei 8.666/93. Para que seja possível a responsabilização administrativa pelo ato ilícito de qualquer das integrantes de um consórcio, deve-se haver prova do conhecimento, da prática ou da participação no ato ilícito, de cada consorciada individualmente considerada.

Nessa situação, aplicar-se-ia a mesma interpretação dada ao tema no caso da Lei Anticorrupção, ou seja, a solidariedade estaria restrita apenas à execução da pena de multa eventualmente imposta a uma consorciada, não se aplicando no caso das demais sanções, até porque compete à Administração executar as demais penas – declarar a inidoneidade da empresa ou suspender o seu direito de licitar e contratar com o poder público.

O mesmo não se pode afirmar em relação à pena pecuniária, cujo cumprimento depende do efetivo pagamento da multa pela pessoa jurídica sancionada.

Luiz Flávio Gomes tratou em seu livro acerca das diferenças entre a multa (enquanto sanção penal – que denominou de lado intrínseco) e do valor que ela exprime (lado extrínseco). Senão vejamos:

“[…] esse valor possui agora natureza civil, razão pela qual não nos parece correto falar em pretensão executória 'penal' (no que lhe concerne). Urge bem distinguir a multa penal (lado intrínseco) do valor que ela exprime (lado extrínseco). A multa, enquanto objeto de um provimento judicial condenatório, tem sempre natureza penal (punitiva, retributiva). Distinta, agora, é a natureza da dívida que ela cria.”[15]

Adotando a intepretação dada pelo jurista, segundo a qual existe uma diferença conceitual entre a sanção pecuniária e a expressão do seu valor, considera-se que a solidariedade havida entre as consorciadas se limita ao pagamento da multa administrativa, ou seja, à execução da pena pecuniária, que se exaure com a sua liquidação.

Desse modo, e tendo em conta, ainda, o princípio constitucional da pessoalidade, considera-se não haver solidariedade para fins sancionatórios. As demais consorciadas poderão responder solidariamente com seu patrimônio somente no caso de a condenada não efetuar o pagamento da multa eventualmente aplicada.

Se, porventura, a sanção imposta for a declaração de inidoneidade ou suspensão do direito de licitar ou contratar, cada consorciada deverá responder perante a Administração pelos atos que praticar no âmbito da licitação ou do contrato.

Tendo em conta que o consórcio não possui personalidade jurídica, não pode a Administração, por exemplo, declarar um consórcio inidôneo por um ato ilícito praticado pela empresa líder ou por outra de suas integrantes sem o conhecimento das demais. Do mesmo modo, as consorciadas não devem ser responsabilizadas por ato ilícito cometido por outra integrante do grupo, ainda que em benefício exclusivo do consórcio.

Assim, haverá responsabilidade solidária para fins patrimoniais – reparação de dano e pagamento de multa, não se estendendo às consorciadas que não tenham tido conhecimento ou participação no ato ilícito, as demais sanções previstas na Lei 8.666/93 e na Lei 12.846/2013. Para que haja responsabilização e aplicação de pena, deve haver prova da prática de conduta ilícita por parte de cada consorciada.

4. Repercussões da solidariedade dos consórcios no processo administrativo de responsabilização

Levando em consideração o entendimento de que não se pode imputar uma prática ilícita a pessoas que não tiveram conhecimento ou participação no ato, considera-se que somente a (s) empresa (s) consorciada (s) suspeita (s) de perpetrar a conduta que teria beneficiado o consorcio do qual faz (em) parte deve (m) ser intimada (s) a integrar o pólo passivo do PAR instaurado para apurar eventuais as responsabilidades administrativas decorrentes.

Não há como dar início a uma investigação em sede de PAR contra uma pessoa jurídica por um ato não imputável a ela, ainda que de forma preliminar. Por óbvio, não existirá razão para a apresentação de provas, tampouco acusação e defesa, já que não há um fato a ser investigado em relação ao qual possa recair a responsabilização da empresa. Faltará materialidade e justa causa para o processamento do ente privado. Não haverá razão, portanto, para se instaurar um PAR, tampouco para se intimar essa pessoa a integrar o pólo passivo de um processo acusatório.

O processo de responsabilização de uma pessoa jurídica encontra-se previsto na Lei 12.846/2013, tendo sido regulamentado pelo Decreto 8.420/2015.

Trata-se de processo contraditório em que deverá ser assegurada à empresa, a possibilidade de contraditar fatos e provas, defendendo-se da forma mais ampla possível.

O artigo 5º da Lei Anticorrupção dispõe que no ato de instauração do PAR, a autoridade designará comissão que intimará a pessoa jurídica para apresentar defesa escrita e especificar eventuais provas que pretende produzir. Busca-se, com isso, garantir à pessoa investigada a mais ampla defesa pelo ato supostamente praticado, com todos os meios de prova existentes, pois, tratando-se de processo sancionador, o resultado deste poderá resultar em sanções graves à pessoa jurídica, como multas de valor bastante elevado.

No caso dos consórcios, em que um grupo de empresas se une para a realização de empreendimento específico, pode ocorrer de uma delas praticar um ato lesivo à administração pública que, mesmo sem o conhecimento das demais, tenha sido realizado em nome do consórcio e beneficiado as demais integrantes do grupo.

Nessa situação, instaurado o PAR contra uma consorciada, a Comissão processante poderá concluir pela responsabilidade administrativa da pessoa jurídica e propor a aplicação de uma penalidade de multa, por exemplo.

Corroborando com a proposta do Colegiado, a autoridade julgadora poderá aplicar a penalidade de multa à pessoa jurídica e, na hipótese de esta não a recolher integralmente no prazo de 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado da decisão condenatória, o crédito apurado deverá ser inscrito em dívida ativa da fazenda pública ou, caso a entidade não possua dívida ativa, o valor deverá ser cobrado independente de inscrição prévia, nos termos do parágrafo único do artigo 13 da Lei 12.846/2013, c/c art. 25 do Decreto 8.420/2015.

Tendo em vista o que foi dito sobre a responsabilidade para fins de pagamento da multa, o crédito inscrito em dívida ativa poderá ser cobrado de qualquer uma das integrantes do consórcio, individual ou coletivamente, posto que solidárias. Essa circunstância decorre diretamente da lei.

Caso a empresa investigada seja punida com a sanção de multa e não cumpra a pena, as demais pessoas jurídicas que integram o consórcio, enquanto responsáveis solidárias pelo pagamento, poderão ser chamadas a garantir a execução da sanção aplicada àquela que não a cumpriu.

Esse entendimento está consagrado nos artigos 26 e 27 do Decreto 8.420/2015 que regulamentou a Lei Anticorrupção. O referido dispositivo estabelece que a medida judicial, no País ou no exterior, como a cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, será solicitada ao órgão de representação judicial ou equivalente dos órgãos ou entidades lesadas.

No caso da administração pública federal direta, a atuação judicial para o fim da cobrança administrativa da multa aplicada no PAR será promovida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, enquanto que no âmbito das autarquias e fundações públicas federais, pela Procuradoria-Geral Federal.

Portanto, mesmo na hipótese de não terem integrado o pólo passivo quando da instauração do PAR em virtude de não terem participação ou conhecimento do ato lesivo causado à Administração Pública, as empresas que integrarem o consórcio poderão ser acionadas via judicial para pagarem a multa. Se discordarem da condenação ou mesmo dos valores da pena impostos pela Administração à empresa condenada, poderão discutir o título constituído via PAR pela via judicial, nos termos da Lei 6.830/80 – Execução Fiscal e do Código de Processo Civil.

5. CONCLUSÃO

Como pretendeu-se demonstrar, o legislador não almejou imputar responsabilidades por um ato lesivo previsto nas Leis 12.846/2013 e 8.666/1993 a todas as empresas que integram um grupo econômico simplesmente pelo fato de integrarem esse grupo.

A solidariedade estabelecida nessas leis deve se restringir à reparação do dano e ao pagamento da multa já na fase de execução da penalidade aplicada após um processo administrativo de responsabilização em que tenha sido observado o devido processo legal, o contraditório e a mais ampla defesa para aquela pessoa jurídica acusada da prática de um ato lesivo contra a Administração Pública. Trata-se de responsabilidade solidária para fins patrimoniais, e não para fins sancionatórios.

Somente poderá haver responsabilidade de uma, mais de uma ou de todas as empresas integrantes de um consórcio pela prática de um ato lesivo, se houver prova do conhecimento do fato ou da participação na infração por parte de cada uma delas individualmente considerada, ainda que o ato ilícito tenha sido praticado no interesse exclusivo do consórcio.

Com isso, pode-se concluir que somente a consorciada ligada direta ou indiretamente à prática da infração administrativa prevista na Lei 12.846/2013 deverá ser intimada para integrar o pólo passivo do PAR e eventualmente ser responsabilizada administrativamente pelo ato cometido.

Em virtude da previsão legal de responsabilidade solidária, as demais empresas que integrarem o consórcio do qual a consorciada punida faça parte, poderão – pela via da execução fiscal – ser chamadas a pagar o valor de eventual pena pecuniária estabelecido pela autoridade julgadora em sede do PAR no caso de não pagamento por parte da empresa punida.

 

Referências
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Notas
[1] As discussões que resultaram na conclusão deste trabalho contaram a participação da equipe da Coordenação – Geral de Responsabilização de Entes Privados do Ministério da Transparência e Controladoria – Geral da União – CGU.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. Ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 495.

[3] MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 541-542.

[4] Idem, p. 495-496.

[5] MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador: as sanções administrativas à luz da CF/88. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 208.

[6] DALL POZZO, Antônio Araldo Ferraz et a. Lei Anticorrupção: apontamentos sobre a Lei 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 25.

[7] RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização Administrativa das Pessoas Jurídicas à Luz da Lei Anticorrupção Empresarial. 1ª edição. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2017, p. 52.

[8] RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização Administrativa das Pessoas Jurídicas à Luz da Lei Anticorrupção Empresarial. 1ª edição. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2017, p. 52.

[9] Idem, p. 49.

[10] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª edição. São Paulo: Dialética, 2005, p.152.

[11] NESTER, Alexandre Wagner. A participação de consórcios em licitações e as atribuições da empresa líder. Junho/2007 – Edição nº 4. Disponível em: http://www.justen.com.br//informativo.php?&informativo=8&artigo=758&l=pt.

[12] LESSA, Sebastião José. Do Processo Administrativo Disciplinar e da Sindicância. 4.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006, p. 129.

[13] MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 653.

[14] GRECO. Rogerio. Curso de Direito Penal – Volume 1., 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015, p. 129.

[15] GOMES, Luiz Flávio. Estudos de direito penal e processo penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 241.


Informações Sobre o Autor

Aline Cavalcante dos Reis Silva

Coordenadora-Geral de Responsabilização de Entes Privados da CGU. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB e em Farmácia Clínica pela Universidade de Brasília – UnB. Especialista em Direito Público. Auditora Federal de Finanças e Controle da Controladoria – Geral da União – CGU. Corregedora Setorial da CGU (2006-2016)


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