Os direitos e garantias individuais como cláusulas pétreas a partir da CRFB/88 e a impossibilidade de redução da maioridade penal

Resumo: Este trabalho faz uma análise das cláusulas pétreas previstas na Constituição da República Federativa do Brasil, demonstrando ser inconstitucional a redução da maioridade penal, por se tratar de garantia individual (uma das cláusulas petrificadas). Como fundamento, traz-se a baila a explicação do efeito cliquet, comprovando a impossibilidade de retroceder nos direitos individuais, explicações sobre a insegurança jurídica que irá ocorrer com a supressão de uma cláusula pétrea e citação das obras de Hans Kelsen e Konrad Hesse que, em seus respectivos trabalhos, ratificaram a importância de uma Constituição. Explica-se ainda o porquê da idade mínima para imputabilidade ser a partir dos 18 anos e, por fim, é demonstrado que a solução do problema da violência por parte dos menores pode ser resolvida através de modificações na legislação infraconstitucional.

Palavras-chave: Cláusulas pétreas. Maioridade. Redução. Impossibilidade.

Abstract: This paper analyzes the immutable clauses in the Constitution of the Federative Republic of Brazil, proving to be unconstitutional the reduction of legal age, because it is individual security (one of petrified clauses). In support, it brings to the fore the explanation of cliquet effect, proving the impossibility of going back on individual rights, explanations of the legal uncertainty that will occur with the elimination of an ironclad clause and quote the works of Hans Kelsen and Konrad Hesse that, in their work, they ratified the importance of a Constitution. It further explains why the minimum age for liability be over 18 years and, finally, it is shown that the solution of the problem of violence by minors can be solved through changes in the legislation ordinary.

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Keywords: Immutable clauses. Age. Reduction. Impossibility.

Sumário: Introdução. 1. As cláusulas pétreas: conceito, origem e identificação. 2. Vedação ao retrocesso: o efeito cliquet. 3. Segurança jurídica. 4. Hans Kelsen e a norma fundamental. 5. Konrad Hesse e a vontade de Constituição. 6. Legislação infraconstitucional: ECA. 7. Teoria das janelas quebradas e a viabilidade de tratamento mais rigoroso para o menor infrator, ainda enquanto menor. Conclusão.

Introdução

Cada vez que um menor de 18 anos comete um crime bárbaro a sociedade se revolta e clama pela redução da maioridade penal. Mas, será que é possível mudar tal garantia, constitucionalmente prevista?  Será ainda que esta é uma solução eficaz?

Este artigo jurídico estuda a inimputabilidade do menor de 18 anos como garantia individual, petrificada na Constituição Federal.

Vale lembrar que, desde o ano de 1993, tramita no Congresso Nacional projeto de emenda à Constituição que pretende alterar a maioridade penal para 16 anos.

Não sendo o escopo deste texto uma análise deste projeto. O presente trabalho é mais amplo.

Será analisado aqui ser impossível a redução da maioridade penal sem ferir as atuais regras constitucionais.

Ao final, é apontada uma possibilidade da resolução do problema sem a necessidade de supressão de cláusula pétrea. 

1 – As cláusulas pétreas: conceito, origem e identificação

O Brasil adota uma Constituição rígida, isso significa que, se o legislador deseja fazer uma mudança na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), é necessário um quórum especial para tanto.

Enquanto os projetos de leis infraconstitucionais são aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em um só turno, sendo – em seguida – remetido ao Presidente da República para sanção ou promulgação, os projetos de emenda à Constituição, para aprovação, precisam ser discutidas e votadas em cada Casa, em dois turnos, considerando-se aprovadas apenas se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos membros.

Por se tratar da norma principal de um ordenamento jurídico, orientando as demais, ela não pode sofrer alterações com muita facilidade. Na verdade, a possibilidade de modificar a CRFB/88 é uma faculdade para adequar a Carta Magna ao tempo atual. Evitando que a cada mudança política ou cultural seja trocada a Constituição, como preceitua Gilmar Mendes e Paulo Gustavo G. Branco (2012, p. 137-138).

Ainda assim, há normas que são basilares de uma Constituição, elas “perfazem o núcleo essencial do projeto” e protegê-las vem, tão-somente, impedir modificações inconstitucionais. (MENDES e BRANCO, 2012, p. 138).  São as chamadas cláusulas pétreas, que – na vigência da atual Constituição – não podem ser suprimidas em hipótese alguma.  

No Brasil, conforme esclarece José Afonso da Silva (2012, p. 66-67), em todas as Constituições republicanas sempre houve um núcleo imutável, onde se preservava a Federação e a República.

Mas, foi a partir da Constituição de 1988 que o legislador ampliou o rol dessas cláusulas petrificadas, acrescentando aí: o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais.

Esta última cláusula pétrea é o cerne deste artigo.

O legislador foi categórico ao declarar que os direitos individuais não podem ser suprimidos. Não referindo-se aos direito fundamentais.

E existe alguma diferença entre eles? A resposta é sim.  É importante distinguir ambos, pois a cada mudança na concepção de direito fundamental não gera a mesma liberdade de alteração no direito individual.

Os direitos individuais referem-se a normas dirigidas diretamente ao cidadão. E, juntamente com os direitos sociais, fazem parte da grande gama do chamado diretos fundamentais. Enquanto os direitos individuais tratam de direitos fundamentais da primeira geração, os direitos sociais fazem parte da segunda geração, como leciona Ingo Wolfgang Sarlet (2011, p. 214-218).

A CRFB/88 em inúmeras passagens trata dos direitos individuais de forma implícita e explícita. Dentre elas encontra-se o art. 228 que declara expressamente que são inimputáveis os menores de 18 anos. Observe:

“Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

Ora, se o Brasil assegura a garantia individual de inimputabilidade até os 18 anos, como pode o poder reformador suprimir tal direito? A verdade é que não pode.

Há os que defendem a redução da maioridade penal alegando se tratar de uma mera adaptação. Mas, reduzir garantia é, sem dúvida, suprimir para parte da população que tem esse direito garantido.

O menor entre 16 e 17 anos – infrator ou não – dorme com a certeza que é inimputável num dia e, no dia seguinte, – mudando a CRFB/88 – acorda sendo imputável. É uma supressão de direito individual. Portanto, inconstitucional.

2 – Vedação ao retrocesso: o efeito cliquet

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O efeito cliquet é expressão do alpinismo cujo significado é que o movimento realizado pelo alpinista só permite que ele suba, não podendo voltar atrás. 

No direito, essa expressão é utilizada para explicar a impossibilidade de retroceder nos direitos conquistados. Uma vez que há avanços, consubstanciados na lei, não é possível diminuir direitos, não é possível retroceder. 

Ao se falar em vedação de supressão dos direitos individuais deve-se lembrar que tal dispositivo impede também que, ao modificar a CRFB/88, seja reduzida tal garantia. Logo, não há de se falar que a redução da maioridade penal trata-se de reinterpretação de norma.

Assim já dizia Canotilho sobre normas retroativas:

 “A mudança ou alteração frequente das leis (de normas jurídicas) pode perturbar a confiança das pessoas, sobretudo quando as mudanças implicam, efeitos negativos na esfera jurídica dessas mesmas pessoas.” (CANOTILHO, 2003, p. 259).

De fato o legislador permite que cláusulas pétreas sejam modificadas, todavia não é possível reduzi-las.

É o caso, por exemplo, da reinterpretação dada ao art. 226, § 3º da CRFB/88. Tal dispositivo prevê:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 

(omissis)

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

Sem fazer nenhuma alteração no texto constitucional, que trata de união entre homem e mulher, o Supremo Tribunal Federal entendeu e, em seguida, o Conselho Nacional de Justiça editou Resolução passando a permitir união de pessoas do mesmo sexo:

Resolução 175: "Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo”.

A Suprema Corte, neste tema, modificou direito individual, ampliando suas hipóteses.

Outro fato também famoso de reinterpretação da norma é a situação do depositário infiel.

É uma garantia individual expressamente prevista na CRFB/88 a vedação da prisão civil por dívida, tendo como exceções apenas duas situações: pensão alimentícia em atraso ou depositário infiel:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(omissis)

LXVII –  não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”

Novamente sem mexer no texto constitucional, tanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto o Supremo Tribunal Federal (STF) se posicionaram contra a prisão do depositário infiel, por conta da adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica.

Primeiramente o STJ sumulou que é incabível tal prisão:

Súmula 419 do STJ:Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel".

Em seguida, o STF cancelou súmula que tratava do trâmite desta prisão (Súmula 619 do STF), editando, em seu lugar, súmula vinculante declarando ser ilícita tal hipótese:

Súmula Vinculante 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”.

Bom, a partir do momento que as mais altas instâncias do judiciário brasileiro entenderam ser incabível a prisão por dívida do depositário infiel houve, então, ampliação de garantia individual.

Mais recentemente, foi aprovada a Emenda Constitucional de nº 88, conhecida como a “PEC da Bengala”, que majorou a idade da aposentadoria compulsória, passando o texto constitucional ter a seguinte redação:

“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo:

II – compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar;”

Ora, permitir que o servidor fique mais tempo em serviço nada mais é do que ampliar direito individual. 

Interpretação contrária se faz sobre a proposta que visa reduzir a maioridade penal. Não há de se falar, neste caso, em ampliação de um direito e sim de uma diminuição.

3 – Segurança jurídica

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Tão importante quanto analisar o princípio da vedação ao retrocesso dos direitos e garantias individuais, é analisar a segurança jurídica que se busca obter com as cláusulas pétreas.

Como foi explanado no início deste artigo, o legislador constituinte – ao estabelecer cláusulas petrificadas – teve o escopo de trazer segurança, estabilidade à Lei Maior.

Nas sábias palavras de Canotilho:

“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito. […] O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se no seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixados pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico”. (CANOTILHO, 2003, p. 257). Sic.

É mister lembrar ainda que Pedro Lenza traz esclarecimentos acerca da retroatividade mínima.

Segundo este jurista assim entende o Tribunal Excelso:  

“O STF vem se posicionado no sentido de que as normas constitucionais fruto da manifestação do poder constituinte originário têm, por regra geral, retroatividade mínima, ou seja, aplicam-se a fatos que venham a acontecer  após a sua promulgação, referentes a negócios passados”. (LENZA, 2012, p. 204).

Sobre tal retroatividade, o autor faz uma interpretação de que as mudanças constitucionais são para alterar interpretação da Constituição, mas não se pode  concluir que o STF permite retrocesso no direito e garantias individuais.

Vale ressaltar que a retroatividade mínima, a qual o constitucionalista se refere, em nada afeta a segurança jurídica, nem vai de encontro com as regras sobre o efeito cliquet, explanado no ponto anterior.

4 – Hans Kelsen e a norma fundamental

Em meio a toda essa polêmica de que a Constituição deve acompanhar as mudanças da sociedade, vale lembrar que Hans Kelsen, ainda no ano de 1934, publicou o aclamado livro Teoria Pura do Direito, onde já defendia que a ciência jurídica deve ter seu estudo voltado exclusivamente nas normas jurídicas. Não devendo tomar como norte a política, que tem caráter subjetivo, nem tampouco se embasar somente em institutos sociológicos, tratando-se aí de sociedade primitiva, hoje superada. Exemplifica:

“É o filho que, por terem matado seu pai, procura vingança contra o homicida e sua família, ou é o próprio credor que pode por as mãos no devedor moroso para ressarcir-se, talvez, pelo penhor. Estas são formas primitivas de pena e de execução […] Assim que ordenamento jurídico superou o primitivo estágio de completa descentralização, assim que se formaram, para a produção e execução das normas jurídicas, e, em especial, para a consumação de atos coercitivos, órgãos que desenvolvem funções de acordo com a divisão do trabalho, destaca-se, de maneira extrema, da massa de membros do Estado, isto é, dos sujeitos às normas, um grupo de indivíduos, qualificados de modo específico, como órgãos”. (KELSEN, 2002, p. 133 e 135).

A partir do desenvolvimento do Estado cria-se um núcleo específico para tratar das normas. É o surgimento do ordenamento jurídico. Este órgão específico é ramificado e escalonado, tratando a Constituição como norma fundamental e superior às demais. Declara o autor:

“O ordenamento jurídico não é, portanto, um sistema jurídico de normas igualmente ordenadas, colocadas lado a lado, mas um ordenamento escalonado de várias camadas de normas jurídicas […] o escalonamento (Stubenfau) do ordenamento jurídicoe com isso se pensa apenas no ordenamento jurídico estatal único – pode ser representado talvez esquematicamente da seguinte maneira: o pressuposto da norma fundamental – o sentido deste pressuposto já foi abordado anteriormente – coloca a Constituição na camada jurídico-positiva mais alta ­– tomando-se a Constituição no sentido material da palavra – , cuja função essencial consiste em regular os órgãos e o procedimento da produção jurídica geral, ou seja, da legislação”. (KELSEN, 2002, p. 103). Grifo nosso.

Ou seja, não é tão simples alterar normas constitucionais pura e simplesmente por conta de anseios sociais.

O teórico conclui ainda que “leis de determinado conteúdo podem ser coibidas pela Constituição” (2002, p. 104).  Portanto, não é a Constituição que precisa ser modificada no combate a violência, mas normas infraconstitucionais.

5 – Konrad Hesse e a vontade de Constituição

Corroborando o quanto dito, o jurista alemão Konrad Hesse, em 1959, publicou a obra A Força Normativa da Constituição. Resumidamente, tal estudo ratifica que as normas previstas numa Constituição devem se sobrepor às, momentâneas, vontades sociais.

A Constituição é norma que rege a sociedade. Se as circunstâncias não são favoráveis, não deve ser esta a sofrer alterações e sim outras leis ou políticas em vigor, pois a Constituição pode estabelecer tarefas. A isso o autor da o nome de vontade de Constituição.

“A força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa que se assente na natureza singular do presente (individualle Bescchaffenheit der Gnenwart). Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefa. A Constituição transforma-se em força ativa se estas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principias responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder (Wille zur Marcht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)”.  (HESSE, 1991, p. 19).

Ainda que haja mudanças sociais, alterando a forma de enxergar das pessoas, não é possível mudar a Constituição toda vez que isso ocorra. Isso geraria enorme insegurança jurídica.

Cada reforma constitucional expressa a idéia de que, efetiva ou aparentemente, atribui-se maior valor às exigências de índole fática do que a ordem normativa vigente. Os precedentes aqui são, por isso, particularmente preocupantes. A freqüência das reformas constitucionais abala a confiança na sua inquebrantabilidade, debilitando a sua força normativa”. (HESSE, 1991, p. 22). Sic.

Pois bem, se a violência só aumenta, juntamente com a sensação de impunidade por toda a população, então não é a garantia individual da maioridade penal – constitucionalmente petrificada – que deve ser modificada. A solução para o problema deve advir de mudanças em outras vertentes. 

6 – Legislação infraconstitucional: ECA

O legislador, ao deixar de fora o menor de 18 anos na responsabilidade por um crime, criou Estatuto próprio para tratar deste. Substituindo o Código de Menores, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei 8.069/90, dispõe de um Título inteiro tratando do menor que comete ato previsto no Código Penal.

Neste caso, há de se falar em ato infracional, ao invés de crime, e há de se falar em de medida socioeducativa, ao invés de pena, abarcando aqueles que já possuem 12 anos completos à data do fato delituoso.

Diante disso, fica clarividente que o menor de 18 anos não fica impune por seus atos lesivos.

Ele, o menor, responde a processo e, dentre outras sanções, pode vir até a ser privado de sua liberdade, inclusive se estiver em flagrante delito. Sendo a privação de liberdade a medida mais drástica prevista na lei especial, com duração máxima de três anos.

Outrossim, se o delito teve repercussão patrimonial, o menor infrator é obrigado a reparar o dano.

Bom, se o menor de 18 anos está submetido a um devido processo legal, cumprindo medida socioeducativa, por que o legislador constituinte originário então fez essa diferenciação da menor infrator – dos 12 aos 18 anos – dos maiores de 18 anos?

A escolha, como bem preleciona Bianca de Moraes e Helane Ramos (2009, p.750-751), foi por conta da idade em que ainda é possível recuperar este indivíduo.

Ainda nas palavras das autoras, a educação básica no Brasil se divide em ensino fundamental e ensino médio, sendo que este último encerra hodiernamente quando a pessoa está completando 18 anos. Da mesma forma que o legislador entende ser possível educar este menor em uma instituição de ensino, é possível que este mesmo jovem se reeduque em estabelecimento próprio para quem comete ato infracional.

As juristas apontam também estatística do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) sobre a enorme diferença dos índices de reincidência dos jovens submetidos à medida socioeducativa, comparada com os recolhidos em unidade prisional comum:

“Não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe o adolescente a mecanismos reprodutores de violência, como aumento das chances de reincidência , uma vez que as taxas nas penitenciárias ultrapassam 60% enquanto no sistema socioeducativo se situam abaixo de 20%.” (MORAES e RAMOS, 2009, p. 752).

É de se deduzir que a redução da maioridade penal, além de ferir uma cláusula pétrea, poderá interferir nos índices de reincidência, agravando ainda mais o quadro. 

7 – Teoria das janelas quebradas e a viabilidade de tratamento mais rigoroso para o menor infrator, ainda enquanto menor

Nos Estados Unidos, no ano de 1969, Philip Zimbardo realizou a seguinte experiência: abandonou dois carros em zonas bastante diferentes. A primeira no Bronx, zona periférica da cidade de Nova York, e a segunda em Palo Alto, área nobre da Califórnia.

Após uma semana, o carro que estava em Bronx encontrava-se todo destruído, já o carro deixado em Palo Alto continuava intacto.

Diante disso, o pesquisador quebrou uma janela do carro abandonado em Palo Alto. Pouco tempo depois o carro foi depredado também.

A conclusão que se chegou é que a sensação de impunidade faz nascer o desinteresse em obedecer regras básicas de convivência, assim explana Cleber Masson (2011, p. 553-554).

No âmbito da criminologia, esta pesquisa culminou no estudo da Teoria das Janelas Quebradas.

Desenvolvida por James Q. Wilson e Georg L. Kelling tal teoria defende que a violência e a criminalidade não encontram-se concentradas numa determinada região apenas por conta de sua pobreza. A violência está onde o Estado é ausente.

Por conseguinte, basta começar a punir os mais insignificantes delitos, que, assim, o Estado irá desestimular que a pessoa cometa delitos mais graves.

Então, tratar com mais rigor o menor infrator, ainda enquanto menor, já será suficiente para desestimular que o mesmo torne a cometer novos e –  possivelmente – mais graves delitos.

Não é por acaso que um dos principais argumentos dos que defendem a redução da maioridade penal é o pouco tempo da medida socioeducativa. Tão somente neste ponto o presente trabalho perfilha-se a tais críticas.

É indubitável que o menor que comete ato infracional deve responder pelo seu erro. E três anos – a depender do ato infracional – é pouco tempo.

Em virtude disso, há um projeto de lei, em trâmite no Congresso Nacional, que defende a ampliação do tempo de duração da medida socioeducativa.

Trata-se do projeto de lei nº 7.197/2002 que determina o aumento do tempo máximo de internação do menor infrator de três para oito anos. Caso o jovem cometa ato classificado como crime hediondo ou ações de quadrilha, bando ou do crime organizado a pena será ainda maior.

No texto consta também a possibilidade de aplicação de medidas socioeducativas a crianças, dependendo da gravidade da infração.

O projeto está atualmente no plenário da Câmara dos Deputados, onde foi requerido Comissão Especial para elaboração de parecer sobre a lei em análise.

Na prática, aumentar a pena do menor infrator e tratá-lo ainda como inimputável – mesmo que já tenha entre 16 e 18 anos incompletos – implica que o mesmo continuará em estabelecimento próprio para aplicação de medida socioeducativa, onde há maior chance de ressocialização e cujas medidas adotadas – com base em dados estatísticos, já mostrados aqui – implicam em reincidências ínfimas, ainda que já estejam maiores e sujeitos às normas penais.  

Destarte, em delitos menos graves, permanecerá a ficar retido por, no máximo, três anos previstos no ECA, não sendo julgado de acordo com as regras do Código Penal e as regras do Código de Processo Penal.

Por fim, vale lembrar que continuará tendo direito à remissão estabelecida pelo Estatuto, no caso dos atos infracionais menos grave.

Ou seja, é perfeitamente possível modificar regras legais no intuito de combater os índices de violência, sem precisar desrespeitar cláusulas pétreas.

Conclusão

Vê-se, portanto, que a inimputabilidade do menor de 18 anos é um direito individual expressamente previsto na CRFB/88 e, como tal, cláusula pétrea, impossível de ser abolida.

Outrossim, rebatendo a ideia de que a redução seria uma reinterpretação da norma, provou-se que diminuir direito individual é uma supressão parcial, um retrocesso, por  conseguinte, vedado também.

Vale salientar ainda que uma Constituição é a norma principal de um ordenamento jurídico e desobedecer suas regras sobre mutação traz instabilidade e insegurança jurídica.

Além de ser justificado aqui que é impossível reduzir a maioridade penal, na vigência da Constituição de 1988, aponta-se a viabilidade de diminuir os números da violência modificando normas infraconstitucionais, respeitando, assim, as regras constitucionais sobre cláusulas pétreas.

Referências
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BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, retirado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm, acesso em 11 de junho de 2015.
BRASIL, Projeto de Lei Complementar nº 7.197/2002, retirado de http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=68352, acesso em 10 de junho de 2015.
BRASIL, Resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça, retirado de http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/resolu%C3%A7%C3%A3o_n_175.pdf, acesso em 11 de junho de 2015.
BRASIL, Súmulas do Superior Tribunal de Justiça, In Vade Mecum, 19ª. ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2015, p. 1986.
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CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra, Editora Almedina, 2003, p. 257- 264.
HESSE, Konrad, A Força Normativa da Constituição, tradução: Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito: introdução à problemática científica do direito, tradução: J. Cretella Junior e Agnes Cretella,  2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002.
LENZA, Pedro, Direito Constitucional Esquematizado, 16ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2012, p. 183-206.
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MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Curso de Direito Constitucional, 7ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2012, p. 134-152.
MORAES, Bianca Mota de e RAMOS, Helane Vieira, A Prática de Ato Infracional,  In: MACIEL, Regina Ferreira Lobo Andrade (org.), Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos, 3ª ed., Rio de Janeiro, Editora  Lumen Juris, 2009, p. 747-839.
SARLET, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral do direito fundamental na perspectiva constitucional, 10ª ed., Porto Alegre,  Editora Livraria do Advogado, 2011, p. 214-218.
SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Positivo, 35ª ed., São Paulo, Editora Malheiros, 2012, p. 33-68.

Informações Sobre o Autor

Emília Bessonowa Rosa

Analista da Defensoria Pública do Estado da Bahia. Pós-graduada em Direito do Estado


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