1.
Partidos Políticos: natureza e características
Os Partidos Políticos somente se
organizaram e ganharam força com a universalização do sufrágio. Antes, como
anota Maurice Duverger, em clássica
obra[1], originaram-se da criação de grupos de
parlamentares; depois da aparição dos comitês eleitorais e em seguida da
conjugação desses dois fatos.
Não se quer afirmar, contudo, que
esse seja o momento histórico do surgimento dos partidos políticos, porquanto,
antes mesmo das situações narradas, poderíamos encontrar grupos, facções, em
favor de uma determinada idéia, situação ou força política, como bem registra José Afonso da Silva[2].
Seriam partidos em sentido amplo, para utilizar a terminologia da Vamireh Chacon[3].
É de reconhecer, no entanto, que, em
tese, a história sempre registrou a existência de organizações que representam
o sentir de parte do todo social[4].
Daí a nomenclatura utilizada: partido;
no sentido de parcela, parte, fatia de uma totalidade. O pensamento humano, por
conseguinte, jamais apontou para uma única e determinada direção. A compreensão
do mundo não foi, nem será unívoca. São várias as visões do universo e as
concepções do homem. Como conseqüência imediata, também no plano político
percebe-se a disparidade do pensar,
refletindo ideologias diversas visando a compreensão do poder do Estado.
Abstraindo dessa visão
teórico-filosófica, é de se reconhecer que no plano formal nem sempre existiram
partidos políticos. Talvez tenha sido no séc. XIX que se observa o
estabelecimento de partidos regulares (Inglaterra). Antes, como anota Celso Ribeiro Bastos[5],
atuavam como associações inorgânicas formadas com base no interesse de grupos,
inclusive no Brasil.
Muitas definições foram elaboradas para buscar o
significado de partidos políticos.
Todavia, todas, de uma forma ou de outra, apresentam pontos de
identificação.
Benjamin
Constant define o partido político
como sendo uma reunião de homens que professam a mesma doutrina política.
Hans
Kelsen, jurista contemporâneo,
escreve que os partidos políticos são organizações que congregam homens de
semelhante opinião para afiançar-lhes verdadeira influência na realização dos
negócios públicos.
Sem embargo do peso doutrinário dos
conceitos que nos socorremos, preferimos uma definição mais real, que reflete a
sociedade em que vivemos. Valemo-nos do magistério de Paulo Bonavides[6]
para, com ele, afirmar que o partido
político é uma organização de pessoas inspiradas por idéias ou movidas por
interesses, buscam tomar o poder,
normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para realização
dos fins propugnados.
Caracterizariam-se, assim, na linha
do pensamento do Mestre cearense, como:
a) Um grupo social;
b) Um princípio de
organização;
c) Um acervo de idéias e
princípios, que inspiram a ação do partido;
d) Um interesse básico
em vista: a tomada do poder; e
e) Um sentimento de
conservação desde mesmo poder ou de domínio do aparelho governativo quando este
lhes chega às mãos.
O objetivo do partido político,
independente da ideologia que vise professar, será sempre o mesmo: a busca do poder.
O partido político enquanto
realidade jurídica é fato contemporâneo. A Constituição Americana e as
Constituições francesas do séc. XIX não tratavam, em nenhum dos seus
dispositivos, de partidos políticos.
Nesse período os partidos eram
vistos tão somente como um fenômeno sociológico.
O avanço dos partidos políticos
iremos observar com o surgimento do chamado Estado Social, da “democracia das
massas”[7].
Nesse momento atingem importância e reconhecimento jurídico.
No Brasil, não se verificam, nas duas
primeiras Constituições, referências a Partidos Políticos. Com o advento da
década de trinta já se observa uma preocupação com a matéria partidária,
inclusive pelo fato de que, em 1932, foi instituída a Justiça Eleitoral.
Entretanto, foi com a Constituição de 1946 que o sistema jurídico deu início a
institucionalização jurídica dos partidos políticos.
Hoje, como se sabe, os partidos
políticos possuem um importante disciplinamento na Constituição Federal,
integrando o Título dos Direitos Fundamentais. A Lei Maior assegura ampla
liberdade de criação de partidos políticos, como corolário do princípio
fundamental “pluralismo político”, veiculado no seu art. 1º, V. O princípio da
liberdade de criação é limitado pelo respeito à soberania nacional, ao regime democrático
e aos direitos fundamentais da pessoa humana. Sem embargo de indispensáveis ao
regime representativo brasileiro, visto que todas e quaisquer candidaturas aos
cargos públicos eletivos terão que estar vinculadas, necessariamente, aos
partidos políticos (art. 14, V – CF), deverão ser constituídos como pessoas
jurídicas de direito privado (art. 17, § 2º – CF).
Oportuno, ainda, asseverar que na
atual ordem constitucional, os partidos políticos possuem legitimidade ativa
para impetrar mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX – CF) e propor ação
direta de inconstitucionalidade (art. 103, VIII – CF). O único requisito
imposto pela Lei Mãe é que tenham representação no Congresso Nacional.
A base principiológica constitucional foi desenvolvida pela legislação
infraconstitucional, notadamente pela da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de
1995 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos). Nesse diploma legal, o art. 1º
preceitua que o partido político, pessoa
jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime
democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos
fundamentais definidos na Constituição Federal.
A Lei Orgânica dos Partidos assegura
à agremiação política autonomia para
definir sua estrutura interna, organização e funcionamento (art. 3º).
No nosso país, lamentavelmente,
desde as suas origens, não se vislumbra uma identidade própria dos partidos
políticos. Revelaram-se frágeis, incapazes de, a longo prazo, sedimentar uma
ideologia individualizada. Como, de forma extremamente lúcida, registrou José
Anderson Nascimento em artigo publicado no Jornal
da Cidade (Aracaju-SE), edição de 30 de junho a 1º de julho de 2002, “a cada golpe dos vários que vitimaram nossa
democracia, os partidos políticos também eram levados de roldão. Formaram-se partidos no Brasil sempre de
cima para baixo”. Transformaram-se ora em partidos meramente estaduais,
representando oligarquias regionais, ora em agremiações partidárias gravitando
em torno de seus principais líderes (partidos de uma só pessoa, personalistas).
Esse o quadro.
Não se quer afirmar, de forma
amplamente generalizada que, no Brasil, inexistem partidos definidos
ideologicamente. Não é isso. Entretanto, a prática vem demonstrando que a
história se repete e os partidos passaram a ser utilizados como meras legendas
asseguradoras de candidaturas. Todas as vezes que alguém não tem espaço,
momentaneamente, num determinado partido, rompe-se e cria-se outro. Foi assim e
vem sendo assim: um mero veículo de concretização de aspirações pessoais ou,
quando muito, de um grupo dominante. Vigorou e ainda vigora a máxima de que se o partido não é digno de mim, saio e vou criar outro partido.
Hoje convivemos com 30 (trinta)
partidos, com registro definitivo no Tribunal Superior Eleitoral. Doze deles
com registro provisório da década de 90. Partidos desconhecidos do nosso povo,
inclusive o mais esclarecido, tomando por exemplo a comunidade universitária.
Alguém já ouviu falar do PCO – Partido da Causa Operária ? Ou do PHS – Partido
Humanista da Solidariedade ? Ou, ainda, do PRTB – Partido Renovador Trabalhista
Brasileiro ? Muito poucos.
A Democracia autêntica exige
partidos igualmente autênticos.
Como bem diz Manoel Gonçalves Ferreira Filho[8],
os partidos brasileiros “não passam de
conglomerados decorrentes de exigências eleitorais, sem programa definido e, o
que é muito pior, sem vida própria”. Diz mais: “a autenticidade dos partidos é outra das condições da democracia pelos
partidos. No Brasil, essa autenticidade parece ser em face da experiência do
passado e do presente um sonho remoto, utópico. Traço inegável do caráter
nacional brasileiro é a falta de inclinação para a vida cívica e associativa”.
Somente para demonstrar a falta de
autenticidade dos nossos partidos, vejamos alguns exemplos:
1º) O atual PTC (Partido Trabalhista
Cristão), inicialmente chamava-se PJ (Partido da Juventude) e depois PRN
(Partido da Reconstrução Nacional);
2º) O atual PPB (Partido
Progressista Brasileiro) assim nasceu: O PDS (Partido Democrata Social)
fundiu-se ao PDC (Partido Democrata Cristão) dando origem ao PPR (Partido
Progressista Reformador). O PST (Partido Social Trabalhista incorporou-se ao
PTR (Partido Trabalhista Reformador), nascendo o PP (Partido Progressista).
Após tudo isso o PPR aglutina-se ao PP, surgindo o PPB. Posteriormente, o PST
foi criado mais uma vez.
No que pertine à fidelidade
partidária, as deformações também se apresentam de forma incontestável. Na
edição do dia 29 de julho de 2002 do Jornal da Globo (Rede Globo de Televisão),
foi noticiado que é prática comum no legislativo federal brasileiro as
constantes mudanças de partido. Há registros, conforme veiculado pelo
telejornal, que pelo menos dois parlamentares (deputados federais) trocaram de
partido, somente na atual legislatura, cinco a seis vezes. Constatou-se, ainda,
que, no mesmo período, houve duzentas e
sessenta e cinco mudanças de filiação partidária entre os parlamentares. É
dizer: os parlamentares elegem-se por determinado partido e, num curto espaço
de tempo, atendendo interesses puramente pessoais, abandonam-no e buscam outro
partido, permanecendo no mandato, mas em partido diverso daquele pelo qual foi
eleito. Importante asseverar que a mesma fonte informou que dos quinhentos e
treze deputados federais, apenas vinte e oito elegeram-se com os próprios
votos. Quatrocentos e oitenta e cinco, em face do quociente eleitoral,
necessitaram da legenda. Usam a legenda exclusivamente para pleitear uma
candidatura e sagrar-se vitorioso na eleição. Não há nenhum identidade
programática com o partido. Filiam-se ao partido por conveniência e não por
afinidade ideológica. Transformam os partidos em meras siglas de aluguel.
A Constituição da República
Federativa do Brasil determina que é um dever do partido político estabelecer
normas de fidelidade partidária. A prática demonstra que o mandamento
constitucional transformou-se em letra morta.
Talvez a solução fosse a declaração
da perda do mandado, como sanção, quando da troca de partido. A hipótese vem
sendo discutida, com mais intensidade, nos últimos anos.
Um outro aspecto a ser considerado
diz respeito à representatividade dos
partidos políticos brasileiros. Pelas mazelas antes declinadas, observa-se uma
grande pulverização partidária, sem uma linha ideológica definida. O pluralismo
político e pluripartidarismo são princípios constitucionais. É verdade.
Entretanto, critérios devem ser definidos, objetivando a concretização da
vontade constitucional, porquanto os partidos devem prestar um serviço à
democracia e funcionar, efetivamente, como veículos a serviço do Estado
Democrático de Direito e da cidadania.
Averbe-se, consoante dados
armazenados no site do Tribunal
Superior Eleitoral[9], que desses
trinta partidos, apenas nove (PMDB,
PTB, PDT, PT, PFL, PSB, PSDB, PPS e PPB) têm
bancada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e somente oito ( PL, PC do B, PSC, PV, PST, PHS,
PTN e PSL) têm representação
exclusivamente na Câmara dos Deputados. Treze não têm nenhuma representação
no Congresso Nacional (PTC, PSD, PMN, PRONA, PRP, PT do B, PSTU, PCB, PRTB,
PSDC, PCO, PAN e PGT).
2.
A verticalização das coligações
Desde há muito que o processo
eleitoral convive com o sistema de coligações entre os partidos. É uma prática
de aglutinação de forças políticas, objetivando a hegemonia no poder. Outros
afirmam, com propriedade, que as coligações servem como instrumentos legítimos
de sobrevivência das minorias[10].
Há que considerar também, invocando
o magistério de Odyr Porto e Roberto Porto[11],
que as coligações teriam por fim ampliar o tempo de propaganda gratuita no
rádio e televisão nas eleições majoritárias sem a participação dos partidos
políticos menos expressivos, uma vez que, via de regra, os candidatos aos
cargos majoritários são escolhidos pelos chamados “partidos grandes”.
Assim, a depender do enfoque, poderão favorecer ou
prejudicar os partidos pequenos.
A possibilidade da existência de
coligações encontra amparo e autorização no art. 6º da Lei nº 9.504, de 30 de
setembro de 1997 (estabelece normas para as eleições):
“Art. 6º. É facultado aos
partidos políticos, dentro da mesma circunscrição,
celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas,
podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coligação par a eleição
proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleito
majoritário” (destacamos).
Consoante prevê o indigitado diploma
legal, a coligação terá denominação
própria, funcionando como uma espécie de partido temporário[12],
sendo a ela atribuídas as prerrogativas e
obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, e
devendo funcionar como um só partido
no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses
interpartidários (§ 1º do art. 6º).
Considerando a previsão legal e a
autonomia partidária, dispõe o partido de toda a liberdade de buscar
coligações, respeitando os limites legais, inclusive prazos (art. 8º).
No dia 26 de fevereiro de 2002, o
Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução
nº 20.993[13]. Tal
Resolução, consoante registro da respectiva ementa, tinha como objetivo dispor
sobre a escolha e registro dos candidatos nas eleições de 2002.
Em face do objeto do presente
estudo, é de se destacar o conteúdo do § 1º do seu art. 4º:
“Os
partidos políticos que lançarem, isoladamente ou em coligação, candidato à
eleição de presidente da República não
poderão formar coligações para eleição de governador/a de Estado ou do
Distrito Federal senador/a, deputado/a federal e deputado/a estadual ou
distrital com partido que tenha, isoladamente ou em aliança diversa, lançado
candidato/a à eleição presidencial (Lei nº 9.504/97, art. 6º; Consulta nº 715,
de 26.2.02)”.
A destacada norma instituiu no
direito eleitoral brasileiro a figura da verticalização
das coligações. Caso um partido político, em convenção nacional, optasse
por uma coligação para eleição de presidente da república, eventual coligação a
ser feita no plano estadual ou distrital estaria obrigatoriamente vinculada
àquela formalizada no plano federal.
O TSE fundamentou a expedição da
polêmica disposição nas autorizações legislativas constantes do art. 105 da Lei
nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 e no art. 23, IX, do Código Eleitoral. Os
dispositivos invocados concedem atribuição ao órgão de cúpula da Justiça
Eleitoral para a expedição de instruções, visando a execução das mencionadas
leis.
Justificou ainda o TSE a exigência
da verticalização, na interpretação
dada ao termo circunscrição constante do art. 6º da Lei nº 9.504/97, considerando, ainda, o caráter nacional dos partidos políticos
por exigência do art. 17, I, da Lei das leis.
Quer nos parecer que laborou em
equívoco o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, pelas razões adiante aduzidas:
1º) O poder regulamentar conferido
ao TSE é semelhante àquele previsto no art. 84, IV da Carta Magna para o
Presidente da República. Aqui, autoriza-se o Chefe do Executivo Federal a
expedir regulamentos para a fiel execução
das leis, não dispondo de competência para inovar na ordem jurídica de
forma abstrata, criando situações não previstas em lei ou mesmo de forma
diversa da preceituada no texto legal. Isso, especificamente, pelo fato de que
a matéria eleitoral necessariamente deverá
ser veiculada em lei formal, conforme determina o art. 16 da Carta
Constitucional vigente, observando-se, ainda, a anualidade[14].
2º) Não dispondo de poder normativo
geral, o Tribunal Superior Eleitoral somente agirá sub lege quando da expedição de instruções
para a execução das respectivas leis eleitorais.
3º) O termo circunscrição encontra-se
devidamente explicitado no Código Eleitoral (art. 86), em interpretação autêntica.
A circunscrição
variará de acordo com a modalidade de eleição. Diz o texto: “Nas eleições presidenciais a circunscrição
será o País; nas eleições federais e estaduais, o Estado; e, nas municipais, o
respectivo município”. No próximo
dia 06 de outubro de 2002 realizar-se-ão cinco eleições: para Presidente da
República, para Senador, para Governador, para Deputado Federal e para Deputado
Estadual. Três, segundo o sistema eleitoral majoritário (Presidente, Senador e
Governador) e duas, obedecendo ao sistema eleitoral proporcional (Deputado
Federal e Deputado Estadual), com inclusive, quocientes eleitorais e
partidários diferenciados. Concreta e juridicamente são eleições diferenciadas
em circunscrições diversas.
4º) Quanto a justificativa da
necessidade de que os partidos políticos tenham caráter nacional, em face do princípio constitucional veiculado no
art. 17, I, não foi essa, data maxima
venia, a vontade do legislador constituinte, nem muito menos constituído
(legislador ordinário) na forma interpretada. Como assevera José Afonso da Silva[15],
pretendeu o legislador evitar a criação de partidos de vocação estadual ou
local, como já registrou a nossa
história (Primeira República).
A linha jurídica hoje consagrada já
vem sendo praticada há mais de cinqüenta anos. Desde 1945, com a Lei Nº 7.586,
de 28 de maio, que os partidos somente poderão ser criados de âmbito nacional, como anota Paulo Bonavides[16].
Arremata o autor que, desta forma, o direito brasileiro “pusera termo assim às agremiações de cunho meramente local, que
embaraçavam a unidade de ação política das representações parlamentares, presas
a um regionalismo estéril e deplorável”.
O caráter nacional, como conclui Luiz Viana Queirós [17], citando Torquato
Jardim , deve ser interpretado no seguinte sentido: “adquirida a personalidade jurídica, tem o partido que buscar o
apoiamento mínimo de eleitores, para assim obter caráter nacional: meio por
cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não
computados os votos brancos e os nulos, distribuídos por um por um terço, ou
mais, de estados, com um mínimo de um
décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles”. A
afirmação encontra lastro no disposição consubstanciada no § 1º, do art. 7º,
combinado com o art. 8º, § 3º, ambas as normas integrantes da Lei nº 9.096, de
19 de setembro de 1995.
O fato de a ação do partido ter caráter
nacional, nos termos do art.
5º, da Lei nº 9.096/95, não autoriza,
no nosso modo de pensar, a se chegar à conclusão levada a efeito pela Justiça
Eleitoral, até porque, no passado, a mesma Justiça Eleitoral, interpretando as
mencionadas regras legais, não encontrou idêntica exegese.
Indaga-se: se a lei é a mesma,
mudaram os fatos ou a situação política ?
Após a interpretação conferida ao
tema pelo Tribunal Superior Eleitoral, o Partido Comunista do Brasil – PC do B,
juntamente com o Partido Liberal – PL, com o Partido dos Trabalhadores – PT,
com o Partido Socialista Brasileiro – PSB e com o Partido da Frente Liberal –
PFL ajuizaram duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI-2626 e ADI 2628)
contra o § 1º do art. 4º da Resolução nº 20.993/2002 no Supremo Tribunal
Federal. Entendeu a Suprema Corte (decisão em 18 de abril de 2002 – Informativo STF 264) que se tratava de ato normativo secundário e, conforme a
sedimentada jurisprudência do STF, o exercício do poder regulamentar do TSE,
cristalizado no dispositivo impugnado, não
se revelava em inconstitucionalidade e sim em eventual ilegalidade frente à lei
ordinária regulamentada. Como conclusão, considerando a hipótese de ofensa reflexa ou indireta à
Constituição, a análise seria incabível em de sede de controle abstrato. A
decisão foi tomada por maioria. Os Ministros vencidos votaram pelo conhecimento
das ações e pela violação do princípio da anualidade e por invasão da
competência legislativa do Congresso Nacional.
Curiosamente o Partido da Social
Democracia Brasileira – PSDB e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro –
PMDB, coligados para o pleito eleitoral de 06 de outubro de 2002 (candidatura
de José Serra para Presidente da República) não subscreveram as ADIn’s.
Procurando encontrar uma outra
solução que pudesse tornar sem efeito a deliberação do TSE, pretendeu o
Congresso Nacional fazer uso da sua competência exclusiva prevista no art. 49,
V da Lex Mater para sustar o ato
normativo da Justiça Eleitoral. Mesmo que fosse levado a termo, a espécie
normativa manejada estaria eivada de inconstitucionalidade, visto que a
atribuição conferida constitucionalmente diz respeito aos atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação
legislativa. Não foi o caso. Uma
simples interpretação literal conduzirá o exegeta à singela conclusão de a
hipótese não se adequar à situação posta.
Assim, permaneceu e será
efetivamente praticada a verticalização
das coligações, apesar de, pelos argumentos trazidos à colação, entendermos
que fere o sistema jurídico pátrio.
3.
Conclusões
Aproximam-se as eleições gerais de
06 de outubro. Os 115.271.778 (cento e quinze milhões, duzentos e setenta e um
mil e setecentos e setenta e oito) eleitores (dados constantes do site do TSE) escolherão os seus
representantes para o Executivo Federal, para a Câmara dos Deputados e para o
Senado Federal (dois de três), além dos Governadores dos Estados, do Distrito
Federal e dos Deputados Estaduais e Distritais. Serão 06 (seis) candidatos à
Presidência da República, 207 (duzentos e sete) candidatos ao Governo dos
Estados; 330 (trezentos e trinta) ao Senado Federal; 4.676 (quatro mil e seiscentos
e setenta e seis) candidatos à Deputado Federal; 12.295 (doze mil e duzentos e
noventa e cinco) à Deputado Estadual e 640 (seiscentos e quarenta e nove)
candidatos à Deputado Distrital.
Não se desconhece a importância dos
partidos políticos para a Democracia. É fato incontestável. Contudo, um dado merece reflexão, já
detectado na década de 80 por Henry
Maksoud em estudo publicado na Revista
Visão, edição de 02 de abril de 1984, sob o título Um Legislativo Sem Partidarismo[18]:
“em todos os países de sistema político
representativo, nos quais se admite, portanto, o pluralismo na manifestação do
pensamento sob a forma de organização da sociedade, o maior partido é o partido dos ‘sem-partido’” . O Brasil não é
exceção a essa regra. Não se pretende, com tal argumento, propagar a idéia de
abolição dos partidos. Não é isso. Busca-se, tão somente, uma reflexão no
sentido de questionar, como fez o autor citado, “o monopólio, pelos partidos, da representação popular, seja para fins
de controle do poder executivo, seja para fins de elaboração legislativa”.
Alguns países já admitem candidaturas desvinculadas dos partidos políticos.
Evidentemente que, a se adotar um novo modelo, necessariamente teríamos que
repensar o sistema eleitoral praticado. É comum ouvirmos comentários no sentido
de que muitos não votam em partidos e sim em pessoas. A idéia merece ser
desenvolvida e amadurecida.
No atual momento, a eleição de
Presidente da República atrai a atenção do país. Pesquisas são veiculadas quase
que diariamente. Estima-se que o Brasil terá a eleição com um custo de 3 (três)
bilhões de reais. Somente a eleição do candidato José Serra atingirá a cifra de
70 (setenta) milhões de reais[19].
Na eleição de 1998, conforme dados
publicados na revista semanal já referida, os 10 (dez) maiores contribuintes
(pessoas jurídicas) amealharam para as campanhas eleitorais quase 33 (trinta e
três) milhões de reais (bancos, empreiteiras e outros). Será que por espírito
cívico ou por compromisso ideológico ?
O Brasil é um país pobre. Dispõe de
uma legião de miseráveis, milhões que sobrevivem com menos de 1 (um) dólar por
dia. São quase 20 (vinte) milhões de brasileiros.
O nosso país ocupa o “honroso” 4º
(quarto) lugar no ranking de
concentração de renda. Perde apenas para Serra Leoa, Rep. Centro-Africana e
Suazilândia. Na América Latina, em situação mais confortável que o Brasil em
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado pela ONU (Organização das
Nações Unidas) no dia 23 de julho de 2002, estão a Argentina (34º), Chile
(38º), Uruguai (40º), México (54º), Cuba (55º), Colômbia (68º) e Venezuela
(69º). O nossa pátria amada ocupa o septuagésimo terceiro lugar (73º)[20].
Que os nossos políticos, em especial
os candidatos à Presidência da República, se sensibilizem com esses dados e
transformem a ganância do poder pela ganância da concretização do maior dos
princípios constitucionais: assegurar a todos dignidade. Precisamos virar a
página dessa história. O Brasil é um país grande e grandes devem ser os nossos
ideais.
Os ocupantes dos cargos públicos
eletivos devem estar a serviço do povo e da construção de uma Humanidade Nova.
É chegada a hora de os governantes usarem a autoridade como serviço, pois
servidores públicos. O fim é sempre o bem da coletividade.
Concluindo, uma curiosidade e um
conselho a quem interessar possa:
Lembra-nos Roberto Pompeu de Toledo[21] que Presidente e presídio são palavras de
origem comum. Presidente vem do latim praesidere,
formado por prae (antes) e sidere (sentar-se, estabelecer-se). Praesidere por sua vez originou praesidiu, a força
encarregada de proteger uma fortaleza. Mais adiante praesidiu passou a designar a própria fortaleza e, por extensão,
cárcere. Que um candidato, ao almejar a primeira das palavras de raiz comum,
não venha a acabar merecedor da segunda.
Que os órgãos de controle da
Administração Pública permaneçam atentos. A democracia exige e o povo
brasileiro merece administradores públicos comprometidos com a probidade.
Notas:
[1] Les Partis Politiques, 1951, pp. 02 e ss.
[2] Curso de Direito Constitucional Positivo, São
Paulo: Malheiros, 2001, p. 398.
[3] História dos Partidos Políticos do Brasil,
1981, p. 11.
[4] Ver nesse
sentido José Carlos Graças Wagner, Partidos
Políticos no Brasil, 1985, p. 22.
[5] Curso de Direito Constitucional. São
Paulo, Saraiva: 2002, p. 277.
[6] Ciência Política. Rio de Janeiro:
Forense, 1986, p. 429.
[7] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 439.
[8] Curso de Direito Constitucional, São
Paulo, Saraiva: 1996, p. 108.
[9] www.tse.gov.br/partidos/partido/historico/html,
página atualizada em 26 de abril de 2002, acesso em 29 de julho de 2002.
[10]
Ver artigo As coligações partidárias e a
Lei nº 9.504/97 – Apontamentos, de Osman
Rodrigues Sales in JUS NAVIGANDI, www1.jus.com.br/doutrina,
acesso em 25 de julho de 2002, citando o pensamento do Dep. João Almeida.
[11] Apontamentos à Lei Eleitoral, 1998,
citado por Osman Rodrigues Sales, Ob. Cit..
[12] Expressão
utilizada por Torquato Jardim.
[13] Instrução nº 55 – Classe 12ª – Distrito
Federal/ Brasília – Rel. Min. Fernando Neves.
[14] Art. 16. A
lei que alterar o processo eleitoral
entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua
vigência.
[15] Ob. Cit., p. 408.
[16] Ob. Cit., p. 493.
[17](Verticalização de coligações: TSE viola a
constituição e as lei in JUS NAVIGANDI – www1.jus.com.br/doutrina, acesso
em 25 de julho de 2002.
[18] Citado
por José Carlos Graças Wagner, Ob. Cit., pp. 01 e 02.
[19] Dados da Revista Época, edição de 17 de junho de
2002.
[20] Dados extraídos
da Revista Isto É nº 1713, edição de
31 de julho de 2002, p. 38.
[21] Revista
Veja, edição de 19 de junho de 2002 – Guia
de boa conduta dos candidatos, p. 134.
Informações Sobre o Autor
Carlos Augusto Alcântara Machado
Promotor de Justiça em Sergipe, Mestre em Direito Constitucional, Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Sergipe, da Universidade Tiradentes e da Escola Superior da Magistratura do Estado de Sergipe. Autor do livro Mandado de Injunção – Um Instrumento de Efetividade da Constituição, Editora Atlas.