Resumo: O fenômeno da coisa julgada material está diretamente relacionado ao princípio da segurança jurídica, consagrado no artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal de 1988, sendo indispensável ao Estado Democrático de Direito, e, por se tratar de um direito fundamental, não é passível de modificação nem mesmo por meio de emenda constitucional, de acordo com o disposto no artigo 60, inciso IV da Constituição Federal de 1988.
Abstract: The phenomenon of thing judged material is directly related to the principle of legal security, enshrined in Article 5, XXXVI of the Federal Constitution of 1988 and is indispensable to the democratic rule of law, and it is a fundamental right, it does not change even through constitutional amendment, in accordance with Article 60, item IV of the Constitution of 1988.
Sumário: 1. A garantia constitucional da coisa julgada material 2. Princípio da moralidade e da legalidade 3. O princípio da segurança jurídica e a justiça 4. Princípio da dignidade da pessoa humana 5. O princípio da proporcionalidade e razoabilidade
A expressão coisa julgada deriva da expressão latina res iudicata, que significa bem julgado. A doutrina clássica costumava identificar a coisa julgada com o efeito declaratório produzido pela sentença, que a tornava indiscutível e imodificável.
Posteriormente, ao contrário da doutrina então majoritária Liebman observou que a coisa julgada não se identificava como um efeito, mas sim como uma qualidade que se acrescenta aos efeitos da sentença, tornando imutável tanto o seu conteúdo, como os seus efeitos.
No Código de Processo Civil, a coisa julgada material é definida como “a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. (artigo 467)
Apesar do artigo 467 do Código de Processo Civil ter se limitado a definir a coisa julgada material, para haver coisa julgada material, há obrigatoriamente de se ter a coisa julgada formal. A relação processual somente se encerra quando se dá a coisa julgada formal, ou seja, quando a sentença se torna irrecorrível
A coisa julgada se destina a estender ou projetar os efeitos da sentença indefinidamente para o futuro, ela não é um efeito da sentença, mas uma qualidade que se agrega aos efeitos da sentença, representada pela imutabilidade do julgado e de seus efeitos, ou seja, é o efeito do fato da sentença haver transitado em julgado.
Ao lado da garantia constitucional da coisa julgada, existem outros princípios, outros dispositivos constitucionais que precisam ser analisados.
1. A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA COISA JULGADA MATERIAL
A Coisa julgada é um princípio norteador do Estado Democrático de Direito e está inserida no artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso XXXVI, que dispõe, in verbis: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Segundo a Carta Magna, a coisa julgada é um direito fundamental e uma garantia constitucional, não podendo ser alterada pela lei, nem pelo Juiz, e, por se tratar de um direito fundamental, não é passível de modificação nem mesmo por meio de emenda constitucional, de acordo com o disposto no artigo 60, inciso IV da Constituição Federal de 1988.
Seu fundamento é não permitir que se volte a decidir acerca das questões já decididas pelo Poder Judiciário, a fim de se conferir segurança às relações jurídicas, e paz na convivência social, evitando a perpetuação, e a eternização dos conflitos.
2. PRINCÍPIO DA MORALIDADE E DA LEGALIDADE
O princípio da moralidade dá legitimidade para a atuação do Estado, estando, portanto, ligado ao princípio da legalidade. Ambos estão inseridos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, que dispõe:
“Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte.”
O princípio da moralidade “exige condutas sérias, leais, motivadas e esclarecedoras, mesmo que não previstas na lei”. Ele deve estar implícito em todas as normas legais e em todas as manifestações do Poder Público, de forma que, “a conduta adotada sem parâmetros objetivos e baseada na vontade individual do agente e o ato praticado sem a consideração da expectativa criada pela Administração” [1], constituem sua violação.
Logo, “os atos cometidos contra a moralidade não podem ser considerados como atos, não gerando nem direitos nem obrigações, tanto para a esfera pública como para privada” [2], ou seja, a sentença prolatada pelo Poder Judiciário deve exprimir segurança, confiança, prática da lealdade, de boa-fé, e especialmente configuração da moralidade, sendo que, quando os atos são cometidos contra estes princípios, não geram efeitos.
O princípio da legalidade além de estar inserido no artigo 37 da Constituição Federal, é explicitado no artigo 5º, II da Carta Magna que diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Desses dois dispositivos, o primeiro, no âmbito do Direito Público, limita os atos do administrador público, só permitindo que esse faça o que a lei lhe permite; e, o segundo, relacionado ao Direito Privado, garante aos particulares que tudo que não for proibido por lei, é permitido. Ambos se interligam de modo a não permitir que alguém faça, ou deixe de fazer, alguma coisa, de modo contrário à lei.
No que diz respeito a esse princípio, em favor da relativização da coisa julgada, argumenta-se que, “como o poder do Estado deve ser exercido nos limites da lei, não é possível pretender conferir a proteção da coisa julgada a uma sentença totalmente alheia ao direito positivo”.[3]
3. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E A JUSTIÇA
O princípio da segurança jurídica é inerente ao Estado Democrático de Direito, sendo essencial ao mesmo, possuindo relação direta com os direitos e garantias fundamentais, dentre os quais se insere o instituto da coisa julgada, sendo que são esses direitos e garantias que lhe dão maior efetividade.
Ele “estabelece um ideal de previsibilidade da atuação estatal, mensurabilidade das obrigações, continuidade das relações entre o Poder Público e o cidadão”.[4]
As sentenças prolatadas pelo Poder Judiciário devem exprimir segurança, confiança, como garantia de estabilidade das relações jurídicas:
“O direito brasileiro considera o princípio da segurança jurídica como basilar para nosso ordenamento jurídico, uma vez que este instaura a “paz” e a estabilidade no mundo jurídico, que é um pressuposto básico que gera um clima de confiança em seu conteúdo”.[5]
No entanto, o princípio da segurança jurídica deve conviver com o valor da Justiça, fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 3º, I da Constituição Federal), constitucionalmente protegido no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, mediante a garantia do acesso ao Judiciário:
“Artigo 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[…]
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”;
4. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana é encontrado no artigo 1º da Constituição Federal, que dispõe:
“Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […]
III – a dignidade da pessoa humana”;
As disposições constitucionais sobre a dignidade da pessoa humana estão dispersas ao longo do texto constitucional, como se pode notar, dentre outros, pelos seguintes artigos:
“Artigo 170. Ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna;
Artigo 226, § 7º. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar […]”;
A noção de dignidade da pessoa humana é formada por vários conteúdos, dentre os quais estão inseridos os direitos individuais, políticos, sociais, culturais e econômicos, ou seja:
“Em todos os níveis da vida social, do público ao privado, na atuação do Estado em geral, na economia e na vida familiar, a dignidade da pessoa humana repete-se como valor fundamental, e concretiza-se dentre outros aspectos, ao se assegurar o exercício dos direitos individuais e sociais”.[6]
A importância desse princípio é notada no direito de família, especialmente nas ações de paternidade.
No entanto, apesar da importância das normas relacionadas com o princípio da dignidade da pessoa humana, “no momento do confronto, elas acabam sendo subjugadas por outras, cujos efeitos foram previamente identificados”.[7]
5. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE
O princípio da proporcionalidade é fundamental para a aplicação dos demais princípios, pois dá ao Juiz, a possibilidade de decidir a forma mais adequada ao caso concreto, nas situações em que há um conflito aparente de normas constitucionais. Assim, ainda que não previsto expressamente na Constituição, esse princípio é incluído entre os princípios fundamentais que a regem, na medida em que, coordenando os demais princípios a coibir os excessos, soluciona os conflitos segundo os valores constitucionais, tornando concreta a atuação dos direitos fundamentais.
O Juiz, utilizando-se do princípio da proporcionalidade, ao analisar o conflito de interesses em jogo, procede à adequada avaliação ou ponderação, para dar prevalência aos valores maiores consagrados no sistema jurídico.
“A proporcionalidade somente é aplicável nos casos em que exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim.
A razoabilidade somente é aplicável em situações em que se manifeste um conflito entre o geral e o individual, entre a norma e a realidade por ela regulada, entre um critério e uma medida”.[8]
Aqui, o argumento favorável à relativização da coisa julgada, em relação ao princípio da proporcionalidade, é o de que “a coisa julgada, por ser apenas um dos valores protegidos constitucionalmente, não pode prevalecer sobre outros valores que têm o mesmo grau hierárquico”.[9]
Informações Sobre o Autor
Paulo Pereira Ramos
Acadêmico de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Papiloscopista Policial pela polícia civil do Estado de São Paulo