Resumo: de tempos em tempos, a ciência humana empreende saltos. Vê-se, então, com clareza, o que em ocasiões anteriores não se vislumbrava de forma alguma. A gênese de tais mudanças bruscas advém dos mais variados motivos. Um dentre eles, pode-se citar, é a possível impropriedade de determinado mecanismo o qual não mais serve aos desígnios para os quais fora um dia concebido. Desta feita, a necessidade premente de melhores meios acabam, geralmente, eclodindo em uma variação de característica robusta, porquanto imprescindível. Foi exatamente assim que exsurgiu o projeto do novo Código de Processo Penal, prestes a nascer em nosso meio jurídico, consoante a redação final do Projeto de Lei do Senado nº 156, de 2009. Dessarte, o presente e sucinto escrito tende a tecer algumas pequenas observações, em um número fechado adrede pensado de exatos seis tópicos, sobre alguns daqueles polêmicos pontos os quais estão prestes a modificar o nosso sistemático mundo processual penal brasileiro.
Palavras-chave: Código de Processo Penal; Novo; Peculiaridades.
Sumário: Introdução; 1. Juiz das Garantias; 2. Inquérito Policial; 3. Sistema Acusatório; 4. Ação Penal Privada; 5. Zelo Especial às Vítimas; 6. Fiança; Considerações Finais.
A solução é voltar ao marco zero. Desaprender para aprender. Deletar para escrever em cima. (Martha Medeiros)
INTRODUÇÃO
O Senador Renato Casagrande viu o seu relatório acerca do projeto de reforma do Código de Processo Penal ser aprovado em sessão extraordinária no Senado Federal, após votação simbólica daquela Casa. Tramitando, agora, sem novas alterações na Câmara dos Deputados, caminhará serenamente para a sanção presidencial.
Após décadas de expectativa por uma legislação consoante as tendências e aspirações modernas do nosso direito adjetivo penal, o sonho, então, concretizar-se-á finalmente; mas isso não sem críticas, muito menos sem decepções, porquanto, ao lado dos naturais avanços que as novéis legislações nos trazem, os códigos, principalmente, conjunto vasto de artigos interligados que são, sempre exsurgem com detalhes os quais eram, obviamente, oportunos e ideais ao tempo do nascedouro das discussões acadêmicas em torno da novação, mas que, passado algum tempo, diante da célere mutação do sistema jurídico como um todo e do amadurecimento das idéias jurídicas de nossos doutos, já não mais abarcam a plenitude dos anseios da sociedade hodierna.
Bem assim, faremos uma pequeníssima análise de alguns pontos modificativos vindouros do nosso novo ordenamento processual penal, separando-os em capítulos distintos, sucintos e objetivos, tencionando-se, com isso, uma rápida e produtiva leitura aos estudiosos do tema.
1. JUIZ DAS GARANTIAS
Eis aquele ponto inovador que talvez seja o mais polêmico na reforma porvir. Esse personagem que avoca curiosidade atuará somente na fase de investigação do inquérito policial. Sua finalidade precípua será a de controlar a legalidade da ação da Polícia Judiciária e a de garantir os direitos do investigado[1].
Vale ressaltar que hoje, obviamente, já existe o controle judicial pleno das ações policiais. O que se pretende estabelecer com a implementação de uma nova sistemática é a vedação de que o ou os magistrados que atuariam em referida fase investigatória promovessem, eles mesmos, decisões durante o processo penal vindouro ou, como muito mais razão, a própria sentença na ocasião em que estivesse ultimado o trâmite da persecução penal[2].
Interessante é que a lógica preponderante de hoje exige justamente o contrário, forçando, pela prevenção, que o juiz o qual tomou conhecimento da investigação fique aderido ao processo até o seu final julgamento de primeira instância.
A crítica que se tece é a de que isso poderá vir a enfraquecer o Judiciário, vulgarizando-se a figura do Juiz de Direito, em decorrência da grande gama de novos juízes que teriam de advir ao sistema, por meio de concurso, para a concretização de tal anseio.
Deste modo, em comarcas que comportam hoje apenas um juiz, o que gira em torno de sessenta por cento das comarcas do País, elas, logicamente, teriam de, a partir do advento do novo CPP, absorver, no mínimo, dois magistrados. Dita pretensão, em princípio, parece destituída de senso e razão.
2. INQUÉRITO POLICIAL
O caderno administrativo de cunho informativo deverá, agora, ser, imediatamente à sua instauração, comunicado ao Ministério Público. A finalidade primordial de referido comando seria o acompanhamento mais íntimo do parquet relativo às investigações policiais, bem como a promoção de uma maior integração entre as duas instituições[3].
Não obstante, em verdade, o controle do labor policial já existe hoje por meio das inspeções regulares que o Ministério Público realizada nas delegacias de polícia, e a integração entre os referidos órgãos sempre pôde advir desse contato já ocorrente.
A comunicação instantânea da abertura de inquérito policial, ao que parece, só promoverá maior burocracia. Ademais, com o sistema cada vez mais crescente de informatização da investigação criminal, onde se vê, em um futuro próximo, a extinção do inquérito policial impresso, poderá o Ministério Público, naturalmente, por meio de mecanismos informáticos, promover controle em tempo real do que está sendo elaborado pela Polícia Judiciária.
3. SISTEMA ACUSATÓRIO
A busca da verdade real fica mitigada, ao menos no que tange à liberdade de iniciativa por parte do juiz. Fica proibida a substituição do Ministério Público na função de acusar e de levantar provas que corroborem aqueles fatos articulados na denúncia.
O juiz ficará de mãos amarradas, em prol da sua necessária imparcialidade, esperando que um possível juízo condenatório advenha exclusivamente do que o Ministério Público vier a lhe comprovar.
Por outro lado, a reforma reforça a liberdade, para não dizer função ordinária, que o Ministério Público sempre teve de investigar, o que outrora foi motivo de intensa e extensa discussão na mídia, nos tribunais e entre instituições.
Além disso, dentro de um sistema acusatório, quinhão de um regime democrático e de direito, fica terminantemente proibido o escárnio público dos acusados em geral, vedando-se a exposição das suas pessoas aos meios de comunicação.
Nada, pois, mais justo e correto onde, diariamente, percebem-se verdadeiros circos de mau gosto armados em programas de rádio e TV, oportunidade em que o nome e a imagem das pessoas investigadas são destruídos para todo sempre.
Lembre-se, ainda, que o cerne da questão não se atém ao fato de haver, ou não, culpa em sentido amplo por parte do indigitado autor, uma vez que, para isso, em sendo ela comprovada, o sistema legal comporta, para cada caso, penas autorizadas pelo sistema constitucional em vigor. Dentre elas, obviamente, frise-se, não se encontra o escárnio público, mormente o de aplicação sumária.
4. AÇÃO PENAL PRIVADA
Fica extirpada a ação penal privada no sistema processual penal pátrio. Nestes casos, a ação penal passa a ser pública condicionada à representação do ofendido e pode ser extinta caso haja a retratação da vítima até o oferecimento da denúncia. Todavia, permanece a figura da ação penal privada subsidiária da pública[4].
Nada mais justo, pois é o Estado quem deve caminhar no sentido de punir o indivíduo com previsão de pena privativa de liberdade. Não faz sentido algum deixar a persecução penal, relativa a certos tipos penais, ao encargo do particular. Ou há um crime e nesse caso o seu autor fica sujeito à pena privativa de liberdade cuja persecutio criminis compete ao Estado, ou se extirpa referida figura do direito substantivo de cunho penal. Sempre pareceu desarrazoado exigir do particular o encargo de fazer as vezes do Ministério Público.
Ainda há, por outro lado, o que é uma tendência mundial, a previsão de acordo entre vítima e autor nas infrações de menor gravidade. Aliás, isso já havia sido inaugurado em nosso ordenamento jurídico, não obstante de forma tímida, pela Lei que criou os Juizados Especiais Criminais na última década do século pretérito[5].
5. ZELO ESPECIAL ÀS VÍTIMAS
Há ainda outras previsões de aumento na carga burocrática do Estado e que merecem atenção, sendo que poderão elas virem a ser prejudiciais, caso não sejam levadas a efeito medidas concomitantes que possibilitem o cumprimento da Lei sem se onerar o Estado com diligências formais e excessivas, estas em prejuízo das atividades realmente essenciais, típicas e inadiáveis.
Assim, o projeto prevê a comunicação, a ser exarada pelas autoridades, a respeito da prisão ou da soltura do suposto autor do crime, bem como a respeito da conclusão do inquérito policial, do oferecimento da denúncia, do arquivamento da investigação e ainda a respeito da condenação ou absolvição do acusado.
Obviamente, isso deverá ser, em breve, efetivado por meio de comunicações eletrônicas, como também por meio da possibilidade de que o sujeito passivo da ilicitude venha a consultar os trâmite processuais por meio da rede mundial de computadores, com a disponibilização à sua pessoa de senha pessoal. Pensar-se em perfectibilizar os novéis comandos processuais por meio de comunicações impressas constituir-se-ia um disparate insustentável.
Além de tudo isso, a vítima também poderá, de acordo com o projeto, obter cópias e peças do inquérito e do processo penal, desde que não estejam sob sigilo. Cristalinamente, aqui, percebe-se, com maior ênfase, a necessidade de informatização de diligências tais, olvidando-se em definitivo a figura dos autos impressos.
Por fim, a vítima poderá manifestar suas opiniões. Sobre esse ponto, vê-se que a intenção do legislador foi a de valorizar e confortar a vítima, porquanto, juridicamente falando, a “opinião” separada de fundamentação lógica não comporta qualquer espécie de valoração, sobretudo na esfera processual penal.
6. FIANÇA
O novo codex adjetivo penal aumenta os valores da fiança. Assim, na hipótese, p. ex., de infrações penais cujo limite máximo de pena privativa de liberdade fixada seja igual ou superior a oito anos, o valor será de um a duzentos salários mínimos.
Mas o que deve mesmo chamar a atenção do leitor é a expressão “salários mínimos”. Eis, aqui, o que mais há de importante ao aplicador em potencial da fiança ao caso concreto. Com efeito, a expressão atual do Código de Processo Penal menciona “salários mínimos de referência”, o que sempre causou certa espécie aos aplicadores da fiança (delegados de polícia e juízes). Não obstante a solução do impasse já fosse tema de estudos, decisões e pareceres onde se entendia que a expressão “salários mínimos de referência” deveria ser entendida como “salários mínimos”, a supressão do complemento nominal “de referência” elide, agora, qualquer suspeita quanto à livre utilização do salário mínimo nacional como unidade de aferição do valor da fiança[6].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se viu francamente neste modesto redigido, há indubitáveis transformações no novo codex adjetivo penal porvir as quais se mostram eivadas de mecanismos inaugurais os quais impõem aos operadores da Lei radicais rupturas com o velho estilo de ver e agir.
Se, por um lado, há modificações óbvias as quais se configuram em ínfimos detalhes os quais comportam, tão-somente, o condão de atualização do velho diploma, outros vêm para expulsar paradigmas como um tsunami que arrasa pilares até então soberanos e intransponíveis.
Diante disso, a par de dispositivos que, juntamente com novidades úteis e necessárias, trouxeram ainda outras de ordem voluptuária e, em verdade, contraproducentes, é de se esperar que o Poder Judiciário, presentemente, com sua austeridade congênita e com o auxílio edificante da doutrina, consiga converter referidos e pequenos detalhes imperfeitos em pacífica e proveitosa jurisprudência.
Informações Sobre o Autor
Roger Spode Brutti
Delegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito (UMSA). Mestre em Integração Latino-Americana (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos (FADISMA)