É possível que o réu solicite judicialmente a revogação de uma medida protetiva decretada contra ele. Para isso, é necessário comprovar que cessaram os motivos que justificaram a medida ou que ela está sendo utilizada de forma abusiva. O pedido deve ser apresentado ao juiz responsável pelo processo, com argumentos técnicos e, preferencialmente, com provas que justifiquem a revogação. Neste artigo, explicaremos em detalhes como funciona esse pedido, os fundamentos legais, o papel do advogado, os prazos envolvidos, os critérios analisados pelo juiz, além de abordar situações práticas e responder às principais dúvidas sobre o tema.
O que são medidas protetivas
Medidas protetivas de urgência são instrumentos legais previstos na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e, em alguns casos, no Código de Processo Penal, com o objetivo de preservar a integridade física, psicológica, moral, sexual e patrimonial de pessoas em situação de vulnerabilidade, especialmente em contextos de violência doméstica e familiar. Essas medidas podem ser determinadas antes mesmo da instauração do processo criminal, como forma de prevenção e proteção imediata da vítima.
As medidas mais comuns são:
-
Afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima
-
Proibição de contato com a vítima por qualquer meio
-
Proibição de se aproximar da vítima, familiares e testemunhas
-
Suspensão do porte de armas
-
Restrição de frequência a determinados lugares
Essas medidas são determinadas pelo juiz a partir de um pedido feito pela vítima, pelo Ministério Público ou pela autoridade policial, com base em indícios de ameaça ou violência.
Quem pode pedir a revogação de uma medida protetiva
O pedido de revogação pode ser feito:
-
Pelo réu (pessoa contra quem foi deferida a medida)
-
Por seu advogado de defesa
-
Pelo Ministério Público (em caso de revisão do caso)
-
Excepcionalmente, pela própria vítima, quando entender que a medida não é mais necessária
Contudo, mesmo que a vítima peça a revogação, o juiz não é obrigado a concedê-la automaticamente. O magistrado sempre decidirá com base no princípio da proteção integral e da precaução, levando em consideração os riscos existentes.
Fundamentos legais para o pedido de revogação
A possibilidade de revogação encontra respaldo na própria Lei Maria da Penha, especialmente no artigo 19, §2º:
“As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a pedido do Ministério Público ou da ofendida, ou mediante requerimento da autoridade policial, e poderão ser revogadas a qualquer tempo, caso se verifique que não subsistem os motivos que as determinaram.”
Esse artigo deixa claro que, havendo mudança na situação fática ou ausência de risco atual à integridade da vítima, é possível pedir a revogação.
Também se aplica o artigo 282, §5º do Código de Processo Penal:
“As medidas cautelares serão revogadas quando não mais presentes os motivos que as determinaram, ou quando se revelarem inadequadas ou desnecessárias.”
Portanto, o juiz pode revogar a medida com base na cessação do risco, na reaproximação consensual do casal ou na constatação de que a medida está sendo usada como instrumento de retaliação, chantagem ou vingança.
Como é feito o pedido de revogação
O pedido deve ser feito por meio de petição formal ao juízo que concedeu a medida protetiva. O advogado do réu deve apresentar a peça fundamentada, indicando os dispositivos legais aplicáveis, os fatos que justificam o pedido e, se possível, provas ou documentos.
A petição pode conter:
-
Breve histórico do caso
-
Apontamento da atual situação das partes (ex: reconciliação, inexistência de novos conflitos, ausência de inquérito ou processo criminal em andamento)
-
Demonstração de que a medida se tornou desnecessária
-
Provas documentais (mensagens, prints, laudos, depoimentos)
-
Pedido específico de revogação e, alternativamente, de substituição por medida menos gravosa
Depois de protocolado o pedido, o juiz pode:
-
Indeferir de plano
-
Ouvir o Ministério Público
-
Ouvir a vítima
-
Designar audiência
-
Ou deferir diretamente a revogação
Não há necessidade de audiência em todos os casos, mas ela pode ser marcada se o juiz entender que é preciso apurar melhor os fatos.
O papel do advogado no processo de revogação
A atuação do advogado é essencial para que o pedido de revogação tenha chances reais de ser aceito. Ele deve avaliar cuidadosamente o processo, identificar a estratégia mais adequada e reunir elementos probatórios que reforcem a tese de que a medida não é mais necessária.
O advogado também pode sugerir a substituição da medida por outra menos invasiva, ou negociar com o Ministério Público e com a vítima uma composição que torne viável a revogação sem comprometer a segurança da parte ofendida.
Quando é possível pedir a revogação
Algumas situações em que é possível e legítimo apresentar o pedido:
-
Reconciliação entre as partes: se houve reatamento da relação afetiva e a vítima consente com a revogação, pode haver mudança de entendimento judicial
-
Tempo decorrido sem novas ocorrências: se já se passaram meses ou anos sem qualquer novo episódio de ameaça ou violência
-
Encerramento do inquérito policial: quando o inquérito não resulta em denúncia ou é arquivado por falta de provas
-
Inexistência de indícios mínimos de ameaça ou risco atual: por exemplo, se a medida foi concedida apenas com base em alegações verbais e não houve mais nada além disso
-
Uso abusivo da medida protetiva: casos em que a vítima usa a medida como forma de vingança, retaliação por separação ou para obter vantagens em processo de guarda, alimentos, entre outros
Quando a revogação é improvável
Por outro lado, o pedido de revogação tende a ser indeferido quando:
-
Ainda há risco real ou potencial à segurança da vítima
-
O réu descumpriu qualquer das medidas já impostas
-
Existe processo criminal em curso por violência doméstica
-
A vítima manifesta-se contrária à revogação e apresenta elementos de risco
-
O histórico de agressões é consistente e reiterado
Nesses casos, é provável que o juiz mantenha as medidas protetivas, podendo inclusive agravá-las, se entender necessário.
O juiz pode revogar a medida mesmo sem pedido?
Sim. A revogação também pode ser feita de ofício pelo juiz, caso, no curso do processo, entenda que não há mais necessidade de manter as restrições. Isso pode ocorrer, por exemplo, após audiência de instrução em que se demonstram inexistentes os fundamentos de risco que motivaram a concessão da medida.
Consequências da revogação da medida protetiva
Uma vez revogada a medida, o réu deixa de estar obrigado a cumprir as restrições anteriormente impostas. Contudo, isso não anula automaticamente o processo criminal, caso ele exista. A revogação da medida tem efeitos exclusivamente no âmbito da cautelaridade e da urgência.
Além disso, a revogação pode ser revertida: se, posteriormente, houver novos fatos que indiquem risco à vítima, o juiz poderá restabelecer as medidas ou determinar novas restrições.
Recurso contra decisão que indefere o pedido
Se o juiz negar a revogação, é possível interpor recurso em sentido estrito, previsto no artigo 581, inciso V, do Código de Processo Penal:
“Caberá recurso, no prazo de 5 (cinco) dias, […] das decisões que concederem, negarem, arbitrando, cassarem ou julgarem quebrada a fiança ou indeferirem o pedido de revogação das medidas cautelares.”
O recurso deve ser apresentado ao próprio juízo que proferiu a decisão, e, posteriormente, será encaminhado ao Tribunal de Justiça.
Exemplo prático de pedido de revogação
Imagine um caso em que um casal teve uma discussão acalorada e a mulher procurou a delegacia por se sentir ameaçada. O juiz determinou, de forma cautelar, o afastamento do lar e a proibição de contato. Com o passar do tempo, não houve outros episódios de violência, o inquérito foi arquivado e o casal voltou a se comunicar amigavelmente. O réu, com auxílio de advogado, pode apresentar um pedido de revogação da medida, anexando mensagens da vítima, prints de conversas e manifestação de que não há mais temor. O juiz poderá, após ouvir o Ministério Público e a própria vítima, revogar as medidas anteriormente fixadas.
Como evitar o uso abusivo das medidas protetivas
Embora as medidas protetivas sejam indispensáveis para a proteção de vítimas reais de violência, há casos em que o instrumento é desvirtuado. Algumas medidas que podem ser adotadas para prevenir e remediar abusos incluem:
-
Exigir que a vítima preste esclarecimentos detalhados e, se possível, apresente elementos de prova
-
Solicitar contraditório em casos menos urgentes, antes de conceder medidas amplas
-
Estimular o uso de audiências de justificação para apurar os fatos logo no início
-
Denunciar o uso abusivo de medidas protetivas nos autos, caso comprovado, inclusive com eventual pedido de responsabilização por denunciação caluniosa
Essas práticas ajudam a garantir o equilíbrio entre o direito de proteção da vítima e a presunção de inocência do réu.
Perguntas e respostas
O réu pode pedir a revogação da medida mesmo sem o consentimento da vítima?
Sim, o réu pode apresentar o pedido a qualquer tempo, independentemente da posição da vítima. No entanto, a manifestação da vítima pode ser considerada pelo juiz.
Quanto tempo demora para o juiz decidir sobre o pedido de revogação?
Não há prazo fixo, mas, por se tratar de medida cautelar, a resposta costuma ser mais célere. Pode variar de poucos dias a algumas semanas, a depender da vara judicial e da complexidade do caso.
É necessário apresentar provas para pedir a revogação?
Sim, é recomendável apresentar provas, ainda que mínimas, de que a situação que deu origem à medida mudou, cessou ou era infundada.
É possível substituir a medida por outra menos restritiva?
Sim, o réu pode pedir não apenas a revogação, mas a substituição por medidas menos invasivas, como comparecimento periódico em juízo ou monitoramento eletrônico, se o juiz entender cabível.
Se a vítima pedir a revogação, o juiz é obrigado a atender?
Não. A decisão cabe ao juiz, que deve avaliar o risco concreto à vítima, independentemente da vontade expressa por ela.
A revogação da medida encerra o processo criminal?
Não. A medida protetiva é um instrumento cautelar. O processo criminal, se instaurado, segue normalmente até sentença.
Se o juiz negar a revogação, o que fazer?
O advogado pode recorrer por meio de recurso em sentido estrito, previsto no artigo 581 do Código de Processo Penal.
Há jurisprudência favorável à revogação de medidas protetivas?
Sim. Tribunais têm reconhecido a possibilidade de revogação quando demonstrada a ausência de risco, reaproximação das partes ou reconciliação, desde que a medida tenha se tornado desnecessária.
O pedido de revogação pode piorar a situação do réu?
Se for mal formulado ou se houver elementos de risco não reconhecidos, o juiz pode entender que o pedido é precipitado. É essencial o acompanhamento de um advogado.
Conclusão
O pedido de revogação de medida protetiva é um direito legítimo do réu, previsto na legislação brasileira, especialmente quando os motivos que deram origem à medida não existem mais. No entanto, não é uma simples formalidade. O êxito do pedido depende da estratégia jurídica adotada, da análise cuidadosa dos fatos e da apresentação de provas convincentes de que a manutenção da medida não se justifica.
Por isso, a assistência jurídica especializada é fundamental. O equilíbrio entre a proteção da vítima e os direitos do acusado deve ser observado com responsabilidade, evitando tanto o risco de novas violências quanto o uso distorcido de um instrumento tão sério como a medida protetiva.