Penhora on-line: instrumento de efetividade processual

Sumário: 1 Introdução. 2 Histórico. 3 Sistema Bacen Jud. 4 Convênio Bacen/TST. 5 Penhora on-line. 5.1 Definição. 5.1.1 Excesso de Execução. 5.1.2 Competência Territorial. 5.3 Natureza Jurídica. 5.4 Funcionamento. 6 Conclusão. Referências


Resumo: O presente trabalho se propõe a estudar o instituto da penhora on-line, sua constitucionalidade e fundamentos legais, inclusive a Lei n.º 11.382/2006, discutindo alguns aspectos polêmicos.


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1 Introdução


A efetividade processual é almejada por todos que labutam no Direito. Para os credores trabalhistas, é uma meta ainda mais importante, haja vista o caráter alimentar das verbas que aguardam receber.


Quando o executado se cala diante da citação, os credores e o Estado-Juiz contam com uma importante ferramenta. Criado pelo Banco Central do Brasil, o sistema Bacen Jud auxilia na localização e penhora de valores em contas bancárias dos executados, realizando, finalmente, a entrega da prestação jurisdicional.


Entretanto, o Bacen Jud pode ser tão agressivo na busca de ativos financeiros, que, na ânsia de se realizar justiça, pode-se afetar valores destinados ao pagamento de salários, ou mesmo condenar a empresa ao fracasso, haja vista a impossibilidade, para o sistema, de distinguir entre o capital de giro e valores realmente disponíveis.


Este artigo buscará demonstrar que a penhora on-line é instrumento indispensável à efetividade processual, e que é possível o seu convívio harmônico com o princípio da função social da empresa.


2 Histórico.


Segundo o ultrapassado e burocrático procedimento tradicional, na fase de execução, diante da inércia do devedor – que não paga, nem nomeia bens idôneos à penhora – inicia-se a árdua tarefa de localizar bens de sua propriedade, para que sejam penhorados.


Nesse caso, é comum que o juiz, através de expediente epistolar, requeira ao Banco Central do Brasil que lhe informe sobre a existência de contas bancárias ou aplicações financeiras em nome do executado. Em recebendo resposta positiva, o juiz deveria, então, enviar mandado judicial por carta ou através de oficial de justiça, determinando ao banco que proceda ao bloqueio dos ativos financeiros do devedor.


Apesar da cooperação do Banco Central do Brasil, velocidade não é o ponto forte do procedimento acima indicado. Além do tempo de deslocamento da carta, era necessário aguardar os procedimentos administrativos do Banco Central do Brasil e das agências bancárias, que precisavam destacar funcionários especificamente para realizar a determinação judicial.


Todo esse lapso temporal aumentava as chances de o devedor sacar todo o seu depósito, frustrando a execução.


Nesse contexto, o Banco Central do Brasil desenvolveu um sistema eletrônico que localiza ativos financeiros do devedor e distribui, automaticamente, as ordens judiciais para os bancos onde esses valores estão depositados. Dessa forma, o Banco Central do Brasil eliminou um problema grave, que era a quantidade quase incontrolável de ordens judiciais em papel, recebidas diariamente e que prejudicavam o desenvolvimento de suas atividades, porque tomavam considerável tempo de seus funcionários. Assim nasceu a primeira versão do sistema BacenJud.


Para uso do sistema, em 2001, o Banco Central do Brasil firmou convênio com o STJ e com o Conselho da Justiça Federal e, em 2002, com o TST, quando a penhora on-line passou a ser possível na Justiça do Trabalho.


O impacto foi importante, e a reação não custou a chegar. Duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram propostas, suscitando diversas questões, dentre elas a quebra de sigilo bancário.


O fato é que desembaraçou-se grande parte do procedimento. Munido de uma senha de acesso, o Magistrado enviava uma ordem através da Internet, que era recebida e cumprida diretamente por um funcionário do banco detentor dos depósitos do devedor.


Diminuindo-se a quantidade de pessoas envolvidas no cumprimento da ordem, as chances de resistência do devedor também diminuem. Menos pessoas poderiam informar-lhe da existência de uma ordem de constrição de dinheiro. Além disso, ficou mais fácil, inclusive, apurar a responsabilidade por eventual descumprimento da ordem.


Superada a necessidade de interferência humana no âmbito do Banco Central do Brasil, restou eliminá-la também no âmbito das agências bancárias. Isso foi feito com a segunda versão do sistema, denominada BacenJud 2.0. Assim, o processo se tornou totalmente automatizado. É como se o Juiz tivesse acesso direto ao sistema dos bancos: expede-se a ordem e, num período de quarenta e oito horas, tem-se a resposta, que pode ser o bloqueio, desbloqueio, transferência de valor para uma conta judicial de valor previamente bloqueado, etc.


Apesar de a penhora on-line também ser utilizada nas Justiças Federal e Estadual, que, gradativamente, aderem ao sistema, a Justiça do Trabalho é o maior usuário do Bacen Jud, sendo responsável, atualmente, por aproximadamente 60% das solicitações, de acordo com dados estatísticos do Banco Central.


Recentemente, a Lei n.º 11.382, de 6 de dezembro de 2006, alterou dispositivos do Código de Processo Civil, de forma a conferir maior celeridade à execução judicial. Não se pode dizer que o legislador regulamentou a penhora on-line, mas percebe-se que ele, finalmente, abriu os olhos para o avanço tecnológico. Aliás, essa vem sendo sua inclinação, tendo em vista a inclusão, em fevereiro de 2005, do art. 185-A[1] no Código Tributário Nacional, que versa também sobre indisponibilidade eletrônica de recursos dos devedores tributários.


A Lei n.º 11.382/2006 inseriu no CPC dispositivos que anunciam expressamente o uso de meio eletrônico para fins de constrição de dinheiro. Verbis:


Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução. (grifou-se)


Ademais, o artigo 655 foi alterado, colocando-se em segundo lugar na ordem de preferência da penhora veículos de via terrestre.[2]


Demonstra-se, portanto, que o legislador está reconhecendo a penhora on-line como grande aliado à celeridade processual. E mais, deixando possibilidades abertas para que novos avanços tecnológicos sejam acolhidos, em prol da efetividade do processo.


3 Sistema Bacen Jud.


Sistema Bacen Jud é o conjunto de elementos de informática, que fornece um veículo de comunicação entre os juízes e os bancos, através da Internet, e que possibilita a realização da penhora on-line de ativos financeiros.


Ao contrário do que se diz largamente[3], a penhora não é a única funcionalidade do Sistema Bacen Jud. Também é possível realizar mero bloqueio de valor, bloqueio total da conta, solicitação de saldos, extratos bancários e endereço de clientes do Sistema Financeiro Nacional. Também está prevista a possibilidade de se comunicar e extinguir falência.


No Sistema Bacen Jud, a penhora é efetuada em duas etapas. Na primeira, ocorre o simples bloqueio do valor, que gera apenas a impossibilidade de movimentação do montante afetado. O numerário permanece na conta bloqueada. Na segunda etapa, o valor é transferido para uma conta judicial em banco oficial, conforme o artigo 32 da Lei n.º 6830/80 (Lei de Execução Fiscal)[4]. Nesse momento, o valor fica à disposição do juízo e passa a sofrer atualizações monetárias.


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É oportuna a discussão de Cláudia Campas Braga Patah, segundo a qual “existe uma diferença conceitual entre bloqueio e penhora”.[5] Citando Marco Aurélio Aguiar Barreto, ela explica que


no bloqueio, o dinheiro permanece na mesma conta onde depositado, mas impossibilitado de ser utilizado. Já na penhora on line, há a retirada do bem da esfera patrimonial do devedor, passando para conta judicial, vinculada a determinado processo e à disposição do juízo.[6]


4 Penhora on-line

4.1 Definição.
  


A penhora on-line é a penhora tradicional realizada por meio diverso, o eletrônico. A maioria dos autores concorda com essa afirmação, dentre eles, Demócrito Reinaldo Filho[7] e Odete Grasselli[8]. Entretanto, é possível se discordar desse posicionamento, tendo em vista que a penhora on-line possui relevantes peculiaridades quando comparada à tradicional penhora.


Veja-se o que diz Gabriel Silva Fragoso Machado:


No procedimento normal de penhora, o Estado-Juiz “determina” que o Órgão Auxiliar da Justiça, qual seja, o Oficial de Justiça, cumpra, através de mandado de penhora, por exemplo, uma penhora na “boca do caixa”. Quando falamos que o Juiz “determina” a penhora na “boca do caixa”, esta determinação não é cumprida pelo próprio Juiz e sim pelo Órgão Auxiliar de Justiça, investido em tal competência de acordo com o que dispõe o art. 143 do CPC. Destarte, nesta penhora é o Juiz que determina e quem cumpre é o Oficial de Justiça.


Se formos analisar bem o sistema do “Bacen Jud”, quem determina e cumpre com essa penhora, não é o Órgão Auxiliar da Justiça e sim o próprio Juiz.[9]


Dessa forma, conforme o entendimento acima, a penhora on-line de ativos financeiros se afasta da penhora tradicional, tendo em vista que dispensa a participação do oficial de justiça. Situação semelhante ocorre apenas no tradicional bloqueio de saldo de conta bancária, quando é determinado via expediente epistolar, entregue pelo oficial de justiça ou pelo correio tradicional. Note-se que, nesse caso, o oficial de justiça apenas entrega a ordem ao gerente do banco, que fica responsável por cumpri-la no prazo determinado.


Para os estudiosos mais atentos da matéria, fica óbvio que o termo “on-line” não se presta a identificar fielmente a constrição eletrônica de dinheiro.


Gabriel Silva Fragoso Machado chama a atenção para o fato de que o termo “on-line” dá idéia de computadores interligados para troca de informações. “Poderíamos imaginar que a intenção dos juristas em mencionar a palavra (sic) on line, seria em vista de ser cumprida tal penhora através da internet, por meio eletrônico, ou seja, on line […]”[10]


Ele arremata, dizendo que esse argumento não é dos mais pertinentes, tendo em vista que bloqueios de ativos financeiros são sempre feitos de forma eletrônica, mesmo os realizados através do procedimento tradicional, em que o oficial de justiça entrega o mandado de bloqueio e penhora ao gerente da instituição bancária. Isso é verdade, porque todas as operações bancárias, nos tempos atuais, são realizadas através de sistemas informatizados. Por isso, o gerente do banco, ao cumprir a ordem do juiz, certamente fará uso de computadores interligados, ou seja, realizará uma penhora on-line.


Arion Sayão Romita, citado por Rodrigues Pinto, acrescenta:


O jargão forense, por vezes, consagra o uso de expressões impróprias. Basta lembrar a expressão “audiência inaugural”, como se houvesse mais de um tipo de audiência. Se a audiência é uma não faz sentido falar de audiência inaugural.


Da mesma natureza é a expressão “penhora eletrônica”, de uso freqüente, a despeito de sua inadequação. Manifestamente imprópria é tal expressão, pois o que ela exprime não tem reflexo na realidade do ato processual enfocado.


A penhora nunca é nem pode ser “eletrônica”. As pessoas que utilizam tal expressão, na verdade, pretendem veicular noção diversa daquela que as palavras indicam.[11]


Além de dispensar o oficial de justiça, a penhora on-line de numerário não exige a formalização através do auto de penhora, avaliação e depósito, assim como a penhora tradicional de dinheiro. Essa é a lição de Rodrigues Pinto:


A nosso juízo, o bloqueio de saldo de conta bancária elimina a necessidade de formalização da penhora por meio do auto de penhora, avaliação e depósito, a uma porque a constrição se consuma sem intermediações entre o juízo e o devedor; a duas porque a moeda, sendo ela mesma o parâmetro do valor, tira o sentido de ser avaliada, e a três porque já está depositada na instituição que lhe tem a guarda. Portanto, a única providência a tomar, em garantia do direito de ampla defesa do devedor, é sua intimação para oferecer impugnação e/ou embargos, pela forma e prazo do artigo 884 caput da CLT.[12]


Saliente-se que a penhora tradicional de dinheiro, isto é, determinada sem uso do Bacen Jud, não é realizada pelo oficial de justiça. O comum é que o oficial de justiça, nesses casos, seja apenas um mensageiro. Ele deve entregar o mandado ao gerente do banco, que assumirá a responsabilidade de cumpri-lo.


Mais um argumento em favor da informalidade da penhora eletrônica de dinheiro é o entendimento da 6ª Turma do TRT da 3ª Região, segundo a qual o bloqueio de valores através do Bacen Jud não necessita ser convolada em penhora, conforme se expõe:


Penhora – Bacen-Jud – Intimação – Advogado – Embargos – Prazo – O bloqueio de numerário realizado pelo sistema Bacen-Jud equivale à penhora, não havendo necessidade, pois, que seja ele convolado em penhora. Em face do que dispõe o § 1º, do art. 475-J, do C.P.C., válida é a intimação do bloqueio (ou da penhora) feita ao advogado da parte, não se exigindo, assim, intimação pessoal do devedor. O prazo para a oposição de embargos à execução conta-se a partir da intimação da parte ou de seu advogado da realização do bloqueio realizado pelo Sistema Bacen-Jud.[13]


Note-se que a ementa acima traz, ainda, outra questão relevante: se o bloqueio de numerário efetuado via Bacen Jud é equivalente à penhora, significa que a penhora on-line, em verdade, não é penhora.


Rodrigues Pinto acompanha esse entendimento e diz o seguinte:


[…] trata-se evidentemente de uma nova forma de constrição patrimonial, materializada na indisponibilidade eletrônica do ativo pecuniário, constituído por depósitos bancários ou aplicações financeiras do devedor judicial. Em vista disso, a idéia que ela mesma nos dá de sua natureza é a de um meio eletrônico de constrição direta, que rompe francamente com o formalismo burocrático da penhora.[14]


Entretanto, não é o posicionamento da maioria da doutrina, como dito anteriormente. A opinião dominante é a de que o Bacen Jud não instituiu um novo modelo de penhora, mas apenas um novo meio, um veículo mais dinâmico para decretá-la. Mesmo porque, se fosse entendido de outra forma, a penhora on-line seria inconstitucional, conforme sublinha José Ronemberg Travassos Silva:


Por outro lado, se considerarmos que a penhora possa ser on line, virtual ou eletrônica, aí sim estaríamos criando um novo instituto de constrição judicial ou, como pensam alguns outros estudiosos da matéria, um novo procedimento em matéria processual; o que, diga-se de passagem, não poderia ocorrer por via de um mero ato de disposição normativa havido entre o Banco Central e os tribunais, como é o caso do Bacen Jud.


É que, como sabido, o procedimento em matéria processual é tema que somente a União, os Estados e o próprio Distrito Federal têm competência para legislar, a teor do art. 24, n. IX, da Constituição da República.


Logo, acaso levássemos em conta que a penhora poderia ser on line, virtual ou eletrônica, estaríamos, induvidosamente, diante de uma manifesta inconstitucionalidade do sistema; o que não é certo.


Na verdade, eletrônica não é a penhora. Eletrônico é, tão-somente, o meio de comunicação que é utilizado pelo Juiz para fins de obter informações a respeito da existência de eventual saldo bancário em nome de algum devedor sobre o qual recairá a penhora.[15]


Para Rodrigues Pinto, o que se chama de penhora on-line é, na verdade, uma constrição eletrônica direta, ou meio eletrônico de constrição direta. Isto porque, enquanto ato formal, a penhora é dispensada pelo Bacen Jud,


[…] já que a constrição se consuma sem a intermediação entre o devedor e o juízo pelo oficial de Justiça, dispensando o ritual de processo que a caracteriza como um dos momentos de maior formalismo do sistema processual […]


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Em vista disso, a melhor denominação para corresponder ao seu conteúdo não é nenhuma das que lhe estão sendo emprestadas (penhora on line, penhora eletrônica ou penhora virtual), e sim a de constrição eletrônica direta.[16]


Para Gabriel da Silva Fragoso Machado, deve-se chamar de “penhora em juízo”[17]. Isto porque, como explicado alguns parágrafos atrás, qualquer penhora de ativos financeiros custodiados por instituição financeira será efetuada em sistema eletrônico, ou seja,”on line”. Entretanto a marca diferencial da constrição efetuada pelo Bacen Jud é a realização de todo o procedimento pelo próprio juiz, sem delegação de atividades ao oficial de justiça, isto é, em juízo.


4.1.1. Excesso de Execução


A ordem emitida via Bacen Jud tem uma característica curiosa, que é a de ser enviada, simultaneamente, para várias instituições, sendo todas obrigadas a bloquear integralmente o valor estipulado, se estiver disponível. Os destinatários só são determinados após o envio da ordem. Essa singularidade ocasiona, talvez, o maior questionamento ao Bacen Jud, que é o bloqueio de quantias que ultrapassam o valor do crédito do exeqüente. Como as ordens são cumpridas quase que simultaneamente, e não pode haver comunicação entre os bancos (no sentido de informar saldos e movimentações financeiras de clientes) em virtude da preservação do sigilo bancário, é muito provável que bancos acabem fazendo bloqueios desnecessários, tendo em vista que o juízo já estava garantido por força de outro bloqueio efetuado em outra instituição, alguns segundos antes.


Essa crítica, das mais contundentes, tem perdido a força, em virtude do aprimoramento do sistema, que permite o desbloqueio do excesso em até 48 horas, e também permite que as empresas cadastrem, previamente, uma conta sobre a qual devem recair os bloqueios emanados do Bacen Jud. Dessa forma, desde que elas mantenham a conta indicada com recursos suficientes para eventuais bloqueios, não serão enviadas ordens simultâneas, mas apenas uma ordem direcionada à conta especificada.


4.1.2. Competência Territorial


Outra característica, que parece ser exclusiva à penhora on-line, é a aceitação da chamada jurisdição virtual.


O Código de Processo Civil reza que: “Se o devedor não tiver bens no foro da causa, far-se-á a execução por carta, penhorando-se, avaliando-se e alienando-se os bens no foro da situação (art. 747).”.[18]


Todavia, não é o que acontece na penhora on-line. Os juízes estão autorizados a efetuarem a penhora de valores situados em comarcas situadas fora de sua competência territorial.


É o que se depreende da leitura da seguinte ementa:


RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. PENHORA. LEGITIMIDADE DO BLOQUEIO DE CONTA PELO BANCO CENTRAL. A ordem dada ao Banco Central para o bloqueio de contas de sócios da executada emana de juízo trabalhista competente e, pois, não viola diretamente a literalidade do artigo 5º, LIV, da Constituição Federal. Não obstante tratar-se de matéria de lege ferenda, a situação apresenta analogia com a da incipiente penhora on-line, no sentido de que, mediante ordem de rastreamento de contas e bloqueio preventivo pelo órgão federal tecnicamente aparelhado para executá-lo, o Juízo culmina por inserir-se em jurisdição virtual, que não admite fronteiras. Além do mais, há o privilégio desbravador do crédito trabalhista, assegurado na legislação (Lei nº. 6.830/80 e art. 186 do Código Tributário Nacional) e particularmente pelo art. 449 da CLT. Incidência do art. 896, § 2º, da CLT.[19] (grifo nosso).


Alguns tentam levantar a bandeira da incompetência do juiz nesses casos. Mas note-se que, com o advento do Bacen Jud 2.0, é o próprio juiz que, com um comando de computador, efetua a penhora. Ele não delega o ato para outra pessoa. Representaria verdadeiro ato de insanidade a exigência de que o magistrado enviasse uma carta precatória para que o juiz titular da comarca onde se localiza o dinheiro efetuasse o mesmo comando eletrônico.


Além disso, Antônio Álvares da Silva lembra que


[…] o contrato de depósito se faz com o banco e não com as agências, que são seus departamentos. O depósito em outra agência, que não aquela que se situa na jurisdição da Vara, pode e deve também ser considerado sob a sua jurisdição.[20]


4.2 Conceito.


Como demonstrado, apesar de todas as peculiaridades da penhora on-line, o Bacen Jud não cria novo tipo de penhora, mas apenas oferece um novo meio para realizá-la.


Barbosa Moreira, citado por Alexandre Freitas Câmara, ensina que penhora é “o ato pelo qual se apreendem bens para empregá-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do crédito exeqüendo”[21].


Por isso, utilizando-se a definição de Barbosa Moreira, pode-se dizer que a penhora on-line é o ato realizado por meio eletrônico, através do qual se apreendem bens para empregá-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do crédito exeqüendo.


4.3 Natureza Jurídica.


Quando a conta bancária objeto de penhora on-line é de uma pessoa física, não há dúvidas de que se trata de penhora de dinheiro, tratada no art. 655, inciso I do CPC[22].


A polêmica existe quando a conta bancária é de pessoa jurídica. Muitos sustentam que, ao invés da simples penhora de dinheiro, trata-se de penhora de estabelecimento, sendo autorizada apenas em casos excepcionais.


Sobre o tema, é relevante o conceito de Fábio Ulhoa Coelho:


Estabelecimento empresarial é o conjunto de bens que o empresário reúne para exploração de sua atividade econômica. Compreende os bens indispensáveis ou úteis ao desenvolvimento da empresa, como as mercadorias em estoque, máquinas, veículos, marca e outros sinais distintivos, tecnologia, etc. […] A proteção jurídica do estabelecimento empresarial visa à preservação do investimento realizado na organização da empresa.[23]


O Bacen Jud pode ser tão agressivo na busca de ativos financeiros, que, na ânsia de se realizar justiça, pode-se afetar valores destinados ao pagamento de salários, ou mesmo condenar a empresa ao fracasso, visto que é impossível, para o sistema, distinguir entre o capital de giro e valores realmente disponíveis.


A penhora de provisões para o pagamento de tributos, fornecedores e salários de funcionários significa a penhora do próprio estabelecimento comercial, tendo em vista que são valores indispensáveis à manutenção da atividade da empresa. Esse é o entendimento da doutrina e da jurisprudência, representados pela Ministra Eliana Calmon:


PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA SOBRE SALDOS


DE CONTAS-CORRENTE – EXCEPCIONALIDADE.


1. A penhora em saldo bancário do devedor equivale à penhora sobre o estabelecimento comercial.


2. Somente em situações excepcionais e devidamente fundamentadas, é que se admite a especial forma de constrição.


3. Hipótese de excepcionalidade abstraída pelo acórdão recorrido no sentido de que, inexistentes bens na comarca da residência do executado, é possível que recaia a penhora em saldo da conta do exequente.


4. Recurso especial improvido.[24]


Essas intervenções têm sido tão graves que algumas empresas, sentindo-se ameaçadas, têm preferido propor acordos, para evitar o risco da penhora imediata do valor integral do débito.


As discussões sobre a natureza jurídica deverão se acentuar com o advento da Lei n.º 11.382, de dezembro de 2006, que, finalmente, acabou com o silêncio do Código de Processo Civil a respeito da penhora on-line.


A referida lei, dentro do processo de mini-reformas no Código Instrumental Civil, alterou a forma de execução processual, objetivando valorizar a celeridade de resolução do processo. Dentre as alterações, pode-se citar a inclusão do art. 655-A, além do parágrafo 6º do art. 659[25], que autoriza expressamente o uso do meio eletrônico para penhora de numerário. No que concerne ao executado pessoa jurídica, a lei fala de penhora de percentual de faturamento, mas não se manifesta a respeito de penhora de estabelecimento.


4.4 Funcionamento.

O convênio que inaugurou o uso do sistema BacenJud no âmbito da Justiça do Trabalho foi firmado em 2002, mas o convênio atualmente em vigor foi assinado em 22 de setembro de 2005, referente ao BacenJud 2.0.


A partir de então, para que o juiz de primeiro grau tenha acesso ao sistema, o tribunal ao qual está subordinado deve ser signatário de um termo de adesão ao convênio. O presidente do tribunal deverá indicar, pelo menos, duas pessoas para exercerem as funções de Gerente Setorial de Segurança da Informação ou Master.  Essas pessoas serão cadastradas no SISBACEN – Sistema e Informações do Banco Central, e ficarão responsáveis por cadastrar e fornecer senhas aos servidores e juízes. De posse das senhas, servidores e magistrados poderão inserir no sistema as ordens judiciais. Mas apenas os magistrados podem enviá-las para o Bacen.


Como dito anteriormente, o sistema Bacen Jud possui diversas funções. Neste estudo, entretanto, será analisada apenas a constrição de ativos financeiros, ou seja, a penhora on-line de dinheiro. No Bacen Jud, a penhora pode afetar qualquer valor depositado em conta corrente, ou conta de investimentos. Nesse ponto, é indispensável chamar atenção para o fato de que a Lei n.º 11.382/2006 tornou impenhorável a quantia de até quarenta salários mínimos depositada em caderneta de poupança[26].


Conclusão


Com este estudo, pode-se concluir que a penhora on-line de valores, apesar de suas peculiaridades, não é uma nova forma de constrição, mas apenas um novo meio para realização da penhora tradicional.


Além disso, a penhora on-line não pode seguir as normas comuns de competência territorial, tendo em vista que o juiz se insere numa jurisdição virtual.


Viu-se também que os conceitos de bloqueio on-line, penhora on-line, sistema Bacen Jud e Convênio Bacen/TST não se confundem, embora sejam conexos.


Por fim, provou-se que a penhora on-line de valores constitui importantíssimo instrumento em favor da efetividade processual, e que seu papel ganha ainda mais relevo na Justiça do Trabalho, onde se busca a satisfação de créditos de natureza alimentar.  Apesar disso, é necessário o uso responsável – e não tímido – do sistema, de forma a evitar injustiças, como a penhora de valores indispensáveis à manutenção da empresa executada.


 


Referências

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 40. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 1.

 

Notas:

[1] Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

[2] Essa alteração, provavelmente, é uma preparação para o próximo passo da penhora on-line, que nada tem a ver com o sistema Bacen Jud: é a penhora on-line de veículos, que está em vias de ser instituída e sofre seus últimos ajustes pelo Denatran.

[3] Por todos, SILVA, José Ronemberg Travassos da. A penhora realizada através do BacenJud: breves apontamentos. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8751> Acesso em: 27 mar. 07.

[4] Art. 32 – Os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente feitos: I – na Caixa Econômica Federal, de acordo com o Decreto-lei nº 1.737, de 20 de dezembro de 1979, quando relacionados com a execução fiscal proposta pela União ou suas autarquias; II – na Caixa Econômica ou no banco oficial da unidade federativa ou, à sua falta, na Caixa Econômica Federal, quando relacionados com execução fiscal proposta pelo Estado, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias.

[5] PATAH, Claudia Campas Braga. Os princípios constitucionais à luz da celeridade processual e a penhora on line. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6428> Acesso em: 7 fev. 2007.

[6] BARRETO, Marco Aurélio Aguiar. Penhora ou bloqueio on line: questões de ordem prática – necesidade de aprimoramento. In: Revista LTr 68-09/1093/1094, setembro de 2004 apud PATAH, Claudia Campas Braga. Os princípios constitucionais à luz da celeridade processual e a penhora on line. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6428> Acesso em: 7 fev. 2007.

[7] REINALDO FILHO, Demócrito. A penhora on line: a utilização do sistema BacenJud para constrição judicial de contas bancárias e sua legalidade. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8459> Acesso em: 5 fev. 2007.

[8] GRASSELLI, Odete. Penhora Trabalhista On-line. São Paulo: LTr, 2006.

[9] MACHADO, Gabriel Silva Fragoso. Penhora on line: credibilidade e agilidade na execução trabalhista. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5540> Aceso em: 24 mar 2007.

[10] Ibid.

[11] ROMITA, Arion Sayão. Penhora eletrônica, in Repertório de Jurisprudência, n. 17/2002, caderno 2 apud PINTO, José Augusto Rodrigues. Execução trabalhista: estática, dinâmica, prática. 11. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 206.

[12] PINTO, José Augusto Rodrigues. Execução trabalhista: estática, dinâmica, prática. 11. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 205, grifo do autor.

[13] MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. Agravo de Petição. Processo n. 01970-2005-134-03-00-4. Relator: Desembargador Antônio Fernando Guimarães.14 dez. 2006. Disponível em: <http://www.mg.trt.gov.br> Acesso em: 21 mar. 2007, grifou-se.

[14] Op. Cit. p. 206, grifo do autor.

[15] SILVA, José Ronemberg Travassos da. A penhora realizada através do BacenJud. Breves apontamentos. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/imprimir.asp?id=8751> Acesso em: 5 fev. 2007.

[16] PINTO, José Augusto Rodrigues. Execução trabalhista : estática, dinâmica, prática. 11. ed. São Paulo : LTr, 2006, p. 207, grifo do autor.

[17] MACHADO, Gabriel Silva Fragoso. Penhora on line: credibilidade e agilidade na execução trabalhista. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5540> Aceso em: 24 mar 2007.

[18] BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em <http://www.presidencia.gov.br/legislacao> Acesso em: 25 mar. 07.

[19] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 60822-2002-900-02-00. Recorrente: Eduardo Badra. Recorridos: Carlos Henrique Rodrigues e Badra S/A. Relatora: Juíza convocada Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva. Brasília, 7 mai 2003. Disponível em: <http://www.tst.gov.br> Acesso em 26 mar 2007.

[20] SILVA, Antônio Álvares da. Penhora on line. Belo Horizonte: RTM, 2001.

[21] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997 apud CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, v. 2.

[22] Art. 655.  A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

[23] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 96-97.

[24] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 578.824. Relatora: Ministra Eliana Calmon. 21 jun. 2005. Disponível em: <http://www.tst.gov.br/> Acesso em: 28 mar 2007.

[25] Art. 659, § 6o  Obedecidas as normas de segurança que forem instituídas, sob critérios uniformes, pelos Tribunais, a penhora de numerário e as averbações de penhoras de bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meios eletrônicos.

[26] Código de Processo Civil, art. 649. São absolutamente impenhoráveis: X – até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança. 


Informações Sobre o Autor

Hugo César Azevedo Santana

Bacharel em Direito. Servidor do Tribunal de Justiça da Bahia


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