Resumo: Este estudo aborda a perícia médica. O objetivo principal é analisar a perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social com base na doutrina e jurisprudência disponível sobre o tema. Para tanto, foi realizada uma revisão de literatura sobre a perícia médica no Brasil. Concluiu-se que o laudo pericial realizado pelo perito médico do Instituto Nacional do Seguro Social serve como meio de prova, sendo demonstrado na jurisprudência pátria sua utilização para a decisão sobre o pagamento de benefícios previdenciários.[1]
Palavras-chave: Perícia Médica; Direito previdenciário; Jurisprudência.
Abstract: This study addresses to medical examination. The main objective is to analyze to medical examination of the National Social Security Institute based in doctrine and case law available on the subject. Therefore, a literature review conducted on to medical examination in Brazil. It concluded that the expert report carried out by the medical expert of the National Social Security Institute serves as evidence, demonstrated in the jurisprudence country use for the decision on the payment of social security benefits.
Keywords: Medical examination; Social security law; Jurisprudence.
Constitui-se tema deste estudo uma análise da perícia médica à luz do Direito Previdenciário brasileiro.
A perícia médica realizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) objetiva a emissão de laudos/pareceres conclusivos na avalição da incapacidade laboral, seja para o recebimento dos benefícios previdenciários ou assistenciais por incapacidade.
Esse tipo de perícia é realizado por profissional perito médico, pertencente ao quadro profissional do INSS, que deve ser habilitado para exercer suas funções. A perícia médica também pode ser realizada por médicos autorizados, credenciados ou de convênios.
A escolha do tema se justifica por se tratar de um assunto importante para o debate acadêmico e no âmbito do direito, uma vez que é por meio da perícia médica que o perito médico indicará a existência ou não de incapacidade laborativa para fins de pagamento de benefícios previdenciários.
A pergunta norteadora deste estudo foi no sentido de investigar: o laudo pericial previdenciário, realizado pelo perito médico do INSS, serve como meio de prova judicial?
As conclusões do perito médico, bem como a revisão dessas conclusões, são de cunho privativo do INSS. No entanto, podem ser utilizadas como meio de prova da incapacidade laboral nas decisões judiciais. Para confirmar ou refutar essa assertiva, o objetivo deste estudo é analisar a perícia médica do INSS com base na doutrina e jurisprudência disponível sobre o tema.
Quanto à metodologia foi realizada uma pesquisa exploratória, de natureza qualitativa, em que se empregou a técnica de pesquisa documental e bibliográfica.
No âmbito da pesquisa documental foi analisada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que abordam o tema. A pesquisa bibliográfica teve como ênfase uma abordagem recente das teorias sobre perícia médica baseada em autores como: Wowk e Mansur Neto (2010); Opitz e Bepu (2011); Gouveia (2014), entre outros.
Para facilitar a compreensão deste estudo, o texto foi dividido em quatro tópicos principais: o primeiro é a introdução, indicativa deste conteúdo; o segundo aborda a perícia médica e suas características; o terceiro tópico comenta a jurisprudência do STJ; e o quarto tópico contém as conclusões do estudo.
O termo perícia pode ser compreendido como a medida que apresenta o fato quando não existe meio de prova documental para sua confirmação, ou ainda, quando se quer esclarecer circunstâncias sobre um fato (OPITZ; BEPU, 2011).
Segundo Bueno Neto (1995, p. 44), a perícia é “toda operação ordenada pela autoridade judiciária ou policial, que se destina a ministrar esclarecimentos à Justiça”.
A perícia deve ser realizada por profissionais técnicos (peritos) em suas áreas, com conhecimento da matéria. Existem casos em que a prova pericial é essencial para esclarecimento da lide.
Sobre o conceito de perícia médica, Opitz e Bepu (2011, p. 13) afirmam que:
“A perícia médica é o conjunto de procedimentos técnicos que tem por finalidade a emissão de laudo sobre questões médicas, mediante exame, vistoria, indagação, investigação, arbitramento, avaliação ou certificação. A perícia médica judicial ou extrajudicial é de competência exclusiva do médico regularmente inscrito no Conselho Regional de Medicina, denominado de perito médico.”
O perito médico é o profissional que possui a formação e conhecimento técnico científico necessário para esclarecer todas as questões que envolvem a área médica e que venham a ser de interesse legal. De acordo com Opitz e Bepu (2011), o objetivo da perícia médica é auxiliar o Juízo e as partes.
O perito médico é um profissional que integra o quadro permanente do INSS e é qualificado para o pronunciamento conclusivo sobre as condições de saúde e capacidade laborativa do examinado, para fins de enquadramento em situação legal pertinente. Segundo Gouveia (2014, p. 194), o perito médico:
Deve ter sólida formação clínica, amplo domínio da legislação de previdência social, conhecimento de profissiografia, disciplina técnica e administrativa e alguns atributos de personalidade e caráter, destacando-se a integridade independência de atitudes, além da facilidade de comunicação e de relacionamento.
Teixeira Filho (2009, p. 133), definiu a atividade como: “no meio pelo qual, no processo, pessoas entendidas e sob compromisso verificam fatos interessantes à causa, transmitindo ao Juiz o respectivo parecer”. Portanto, o conhecimento técnico da causa é fator imprescindível para que seja realizada a nomeação do perito.
O juiz precisa solicitar a perícia que se tratar de situação técnica, pois como afirmou Negrão (2008, p. 543), “não pode o magistrado valer-se de conhecimentos pessoais de natureza técnica para dispensar a perícia (RT 606/199)”.
Para atuar como perito médico, é preciso manter nível de competência profissional técnico-científico atualizado com os avanços da literatura médica, técnicas médicas, sobretudo, as aplicáveis à Perícia Médica e legislação inerente à sua atuação. Essa atualização deve ser realizada por intermédio de programas de capacitação, treinamento, educação continuada e outros meios existentes, que permitem a realização do trabalho com observância da equidade (OPITZ; BEPU, 2011).
Segundo Bueno Neto (1995, p. 44), o perito médico deve ter:
“Conhecimento técnico, matéria básica de conhecimento médico; espírito jurídico, com propósito de sempre servir a Justiça, classe e orgulho profissional; juízo crítico, agindo com fidelidade, clareza e simplicidade na descrição dos fatos e afirmar o que demonstrar cientificamente”.
O perito médico deve comprovar sua habilitação por meio da apresentação de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina (CRM), além de suas especialidades e /ou especializações (OPITZ; BEPU, 2011).
Quando o perito médico reconhecer que não possui as capacitações técnicas adequadas para a realização de uma perícia, ele deve recusar esse serviço, encaminhando o examinado para o devido especialista (OPITZ; BEPU, 2011).
2.3 Atribuições da perícia médica
A perícia médica do INSS inclui exames periciais específicos que devem ser realizados nos segurados e dependentes. Segundo Barros Júnior (2010, p. 60-62), esses exames são:
“- Exames ordinários para concessão de diversos tipos de benefícios previdenciários por incapacidade laborativa;
– Na situação de comprovação de dependência de filho maior inválido para provimento de pensão;
– Exame de pedido de reconsideração (PR);
– Exame de apoio ao processo das Juntas de Recursos (JR);
– Revisão de aposentadoria por invalidez;
– Em trânsito;
– Avaliação de prorrogação de licença maternidade;
– Análise para concessão da aposentadoria especial; dentre outras.”
A figura 1 apresenta uma descrição das funções do setor de perícias médicas da Autarquia Previdenciária.
2.4 Conceito de incapacidade e de invalidez pela perícia médica do INSS
A incapacidade laborativa constitui a impossibilidade de desempenho das funções específicas de uma atividade ou ocupação, devido a alterações morfopsicofisiológicas provocadas por doença ou acidente (GOUVEIA, 2014).
O risco de morte para o segurado ou para terceiros, ou de agravamento, que a permanência em atividade possa acarretar, deve ser implicitamente incluído no conceito de incapacidade, desde que seja palpável e indiscutível (WOWK; MANSUR NETO, 2010; GOUVEIA, 2014).
O conceito de incapacidade compreende o grau, a duração e a profissão desempenhada, conforme descrito na figura 2.
Segundo Gouveia (2014, p. 198), a partir dos conceitos apresentados no quadro 2, é possível concluir que:
“Auxílio doença: se operará quando o segurado estiver total ou temporariamente incapaz para o labor que lhe garanta a subsistência.
Aposentadoria por invalidez: ocorrerá quando o segurado estiver total e permanentemente incapaz para o labor que lhe garanta a subsistência.
Auxílio acidente: será devido quando o segurado estiver parcial ou permanentemente incapaz de exercer o seu labor atual ou novo labor sem esforço maior que o que realizaria um ser humano médio/comum.”
No que se refere à profissão, quando o segurado for enquadrado nas situações de incapacidade Uniprofissional ou Pauciprofissional, ele ainda terá direito aos benefícios por incapacidade, pois pode ser que a atividade que ele exerça se encontre dentro do escopo, permitindo que ele receba o benefício mesmo que ainda possa exercer outras profissões.
Quanto ao exame pericial médico, a sua finalidade é avaliar a capacidade laboral do segurado, com o objetivo de enquadramento na situação legal pertinente. O motivo mais frequente é a habilitação do benefício por incapacidade (OPITZ; BEPU, 2011).
Segundo Gouveia (2014, p. 199), sobre o exame pericial médico:
“Os dados obtidos nesse devem ser registrados no Laudo Médico Pericial (LPM), que é a peça médico-legal básica do processo, quanto à sua parte técnica. O servidor da área médico-pericial do INSS, ao preencher um laudo de perícia médica, terá sempre em mente que este é um documento decisivo para o interessado e para o INSS, destinado a produzir um efeito, podendo transitar na via recursal da previdência ou mesmo em juízo, com caráter de documento médico legal. Não basta examinar bem e nem chegar a uma conclusão correta. É preciso registrar, no Laudo de Perícia Médica, com clareza e exatidão, todos os dados fundamentais e os pormenores importantes de forma a permitir à autoridade competente que deva manuseá-lo, inteirar-se dos dados do exame e conferir a conclusão emitida.”
Portanto, o laudo pericial é um documento escrito em que o perito médico expõe, de forma circunstanciada, as observações e os estudos que fizeram e consignam as conclusões fundamentais da perícia. O perito médico tem a responsabilidade de preparação e de redação do laudo médico, que de apresentar conclusões claras e objetivas, com a síntese do objeto da perícia, e os critérios adotados.
3 JURISPRUDÊNCIA SOBRE PERÍCIA MÉDICA PREVIDENCIÁRIA
O Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (2014) levou em conta uma perícia médica, em que a autora foi considerada incapaz em decorrência de câncer desde maio de 2005, quando ainda não havia completado 21 anos, e decidiu que a autoria deveria receber a pensão por morte de sua genitora, conforme demonstra a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), transcrita a seguir:
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE INSTITUÍDA POR SERVIDOR PÚBLICO. ART. 217, II, a DA LEI 8.112/90. INVALIDEZ, DECORRENTE DE CÂNCER, ESTABELECIDA ANTES DOS 21 ANOS DA BENEFICIÁRIA. REVALORAÇÃO DAS PROVAS QUE NÃO ESBARRA NA VEDAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. MANUTENÇÃO DA CONDIÇÃO DE DEPENDENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA DE MÉRITO E DETERMINAR O PAGAMENTO DA PENSÃO POR MORTE À RECORRENTE, ENQUANTO PERDURAR A INVALIDEZ.
1. A análise do momento em que se desenvolveu a incapacidade da requerente não esbarra no óbice imposto pela Súmula 07 deste Tribunal Superior, pois o reexame vedado na via especial cinge-se à existência, ou não, dos fatos demarcados na sentença ou no acórdão recorrido; assim, é perfeitamente possível a esta Corte Superior, no julgamento do Recurso Especial, valorar corretamente o acervo probatório delimitado nas instâncias ordinárias.
2. O Juízo singular destacou que em perícia médica, realizada por especialista nomeada, ficou comprovado ser a autora incapaz, em decorrência de câncer, desde de maio de 2005, quando ainda não havia completado 21 anos.
3. O art. 217, II, a da Lei 8.112/91 estabelece que são beneficiários da pensão por morte os filhos, ou enteados até 21 anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez.
4. No caso dos autos, nos termos da lei de regência à época da morte da genitora, a autora fazia jus à pensão temporária por morte, primeiro em virtude da idade e, após, passou a ter direito devido à invalidez, haja vista que a incapacidade foi estabelecida antes de que completasse 21 anos, enquanto ostentava a condição de dependente previdenciária, sem que se verificasse a ruptura do vínculo de dependência.
5. Recurso Especial provido para reformar o acórdão recorrido e restabelecer os efeitos da sentença, determinando o pagamento da pensão por morte à recorrente, enquanto perdurar a invalidez.” (REsp 1405107/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 20/08/2014).
Em outra jurisprudência, o Ministro Adilson Vieira Macabu (2011), conforme transcrito abaixo, que a perícia médica não deve considerar os interesses da pessoa jurídica empregadora, mas, sim, os interesses do segurado garantindo que sua real situação clínica seja identificada para fins de pagamentos de benefícios previdenciários, podendo essa perícia ser utilizada como meio de prova em Juízo.
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DA COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL – CSN PARA COMPELIR A ENTIDADE AUTÁRQUICA A REALIZAR PERÍCIA MÉDICA EM BENEFICIÁRIO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUSÊNCIA. AUTONOMIA ENTRE A RELAÇÃO PREVIDENCIÁRIA E A TRABALHISTA.
1. A lide previdenciária existente entre a entidade autárquica e o respectivo beneficiário não repercute, necessariamente, no âmbito dos interesses da pessoa jurídica empregadora, a ponto de garantir-lhe a legitimidade ad causam indispensável para a obtenção da tutela jurisdicional, no caso concreto. (REsp 1081119 / RJ, 6ª Turma, Rel. Ministro OG FERNANDES, DJe 04/05/2009) 2. Agravo regimental a que se dá provimento”. (AgRg no REsp 1007881/RJ, Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU – DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 14/04/2011, DJe 18/05/2011).
De acordo com a jurisprudência supracitada a perícia médica realizada por perito médico do INSS serve como meio de prova em Juízo, além disso, os interesses da empregadora não são considerados pelo perito, com o objetivo de garantir ad causam indispensável para obtenção da tutela jurisdicional.
Apesar da importância da perícia médica, conforme destacado pela literatura jurídica pesquisada e pela jurisprudência do STJ, Cunha (2008) afirmou que esse instituto não evoluiu na mesma proporção que a previdência social brasileira.
Para Cunha (2008), o curto espaço de tempo em que as perícias médicas do INSS são realizadas pode implicar em conclusões disparatadas. Outro pronto importante é a necessidade de um sistema que opere de forma transparente e eficiente. Essa necessidade se deve ao fato de os sistemas não se comunicarem, e muitas informações do histórico de saúde do segurado se perderem em prontuários médicos de hospitais, pronto-socorro, clínicas, entre outros, prejudicando um conhecimento amplo da situação clínica do segurado pelo perito médico.
Uma vez que a perícia médica do INSS serve como meio de prova em Juízo, é importante que os fatores destacados por Cunha (2008) sejam revistos e aprimorados com o intuito de que os resultados das perícias médicas sejam transparentes e revisados no período adequado, a fim de que os segurados recebam devidamente seus benefícios previdenciários, sem prejuízos para o INSS e para o interesse público.
A perícia médica do INSS tem como premissa confirmar as condições de saúde do segurado para fins de pagamento de benefícios previdenciários (auxílio doença; auxílio acidente; aposentadoria por invalidez).
O perito médico geralmente é um profissional que integra o quadro funcional permanente do INSS, contudo, a perícia médica também pode ser realizada por médico autorizado ou conveniado.
Em resposta ao problema de pesquisa apresentado na introdução deste estudo (o laudo pericial previdenciário, realizado pelo perito médico do INSS, serve como meio de prova judicial?), concluiu-se que o laudo pericial realizado pelo perito médico do Instituto Nacional do Seguro Social serve como meio de prova, sendo demonstrado na jurisprudência pátria sua utilização para a decisão sobre o pagamento de benefícios previdenciários.
A elaboração deste estudo foi importante para a formação de uma opinião crítica sobre o tema, demonstrando a importância da perícia médica do INSS no âmbito do Direito Previdenciário.
Informações Sobre o Autor
Lucimara Rosa Santiago Kawabata
Advogada