Requerimento para votação em regime de urgência do PL, que muda a arbitragem na solução de conflitos empresariais, está na pauta da Câmara sem que tenha havido qualquer debate público, apesar de haver pedido de realização de audiência pública
São Paulo, 29 de agosto de 2022 – Pela segunda vez consecutiva em menos de um mês, a Câmara dos Deputados faz nova tentativa para votação em regime de urgência a tramitação do Projeto de Lei nº 3.293/2021, que tem por objetivo alterar a Lei de Arbitragem, cujas mudanças sugeridas contém uma série de itens que estão em descompasso com o sistema jurídico arbitral praticado na maior parte do globo, além de representar prejuízos à economia brasileira e, em especial, ao agronegócio, caso seja aprovado, segundo o Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr. O pedido de urgência prevê a votação para esta segunda-feira, dia 29 de agosto.
O Projeto de Lei 3.293/2021, de autoria da deputada federal Margarete Coelho (PP/PI) e relatoria da deputada federal Bia Kicis (PSL/DF), altera a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 que regulamentou a arbitragem de conflitos entre partes privadas de um mesmo contrato. O novo texto prevê seis mudanças relevantes nas regras: limita o número de arbitragens por árbitro, veda a participação de um árbitro em mais de um tribunal arbitral, obriga os árbitros a revelarem a quantidade de arbitragens que atuam, impede os integrantes da diretoria executiva e da secretaria de câmaras de arbitragem de atuarem como árbitros, exige a publicidade das ações anulatórias e exige a publicidade indiscriminada da composição do tribunal arbitral, do valor envolvido e a sentença final de cada processo arbitrado.
A CCJ já aprovou requerimento para a audiência pública, o que reforça a necessidade de debate. E nesta semana ainda outros convidados estão sendo relacionados pelos deputados para debater o projeto de lei com a participação das comunidades jurídica, empresarial e entidades da indústria e comércio.
Das seis alterações na lei de arbitragem, cinco não existem em quaisquer países membros da OCDE. A legislação de cinco países prevê como possibilidade, para exceções ou mediante acordo entre as partes, o item de publicidade indiscriminada; por outro lado, oito membro do grupo consideram o sigilo do processo de arbitragem obrigatório por lei.
Segundo André de Albuquerque Cavalcanti Abbud, presidente do CBAr, o disparate jurídico é evidente. “Os países da OCDE, como membros do grupo, precisam ter um arcabouço legal que promova relações éticas entre todos os agentes, como governos, empresas e pessoas físicas, e incentive um ambiente de negócios ativo. E faz parte disso a não-interferência governamental nos conflitos que surgem entre partes privadas signatárias de um contrato. As alterações previstas no projeto de lei em análise pela CCJC vão no caminho contrário”, explica Abbud.
Agronegócio comprometido
Um dos segmentos econômicos mais afetados caso as mudanças sejam aprovadas é o agronegócio, cujo uso da arbitragem já consolidado desde a promulgação da Lei nº 13.986/2020 (“Nova Lei do Agro”) vem possibilitando, por exemplo, que títulos recebíveis do agronegócio possam ser atrelados a outras moedas, atraindo o ingresso de capital estrangeiro no Brasil. Nesses casos, o investidor estrangeiro exige que a cláusula de resolução de disputas se dê por arbitragem, o que constitui, na maioria das vezes, condição para a realização do negócio.
O presidente do CBAr, André Abbud, afirma que a arbitragem surgiu como remédio promissor no campo de resolução de disputas no setor do agronegócio como compra e venda de commodities agrícolas, especialmente soja e cana de açúcar; contratos de arrendamento; financiamento rural; compra e venda de insumos (sementes, defensivos agrícolas), além de contratos de fornecimento e de integração vertical; contratos imobiliários de compra e venda de imóveis; disputas no âmbito de relações societárias decorrentes de estatutos, contratos sociais e acordos de acionistas ou joint-ventures, entre outros.
As mudanças sugeridas pelo PL nº 3.293/2021 colocam em risco os negócios do setor agropecuário e causam um efeito perverso no mercado agroindustrial, devido às restrições à liberdade das partes, a insegurança jurídica ao ambiente de negócios, “dúvida mínima” sobre imparcialidade e a limitação da quantidade de processos em que um mesmo profissional poderá atuar, entre outros malefícios.
Para o CBAr, as propostas, se implementadas, provocarão queda de investimentos estrangeiros, em razão da perda da arbitragem como método de resolução extrajudicial de disputas, redução de casos, migração das arbitragens brasileiras para outros países e a eliminação do país como possível sede de arbitragens internacionais.
O presidente do CBAr, acrescenta que as sugestões propostas, se implementadas, caso o PL seja aprovado, causará severos prejuízos à economia brasileira, em especial, ao agronegócio, conhecido por sua necessidade de se manter estável, e importância à economia brasileira.