Quando um plano de saúde nega a internação de um paciente, mesmo diante de recomendação médica, o consumidor pode estar diante de uma prática abusiva. A negativa de cobertura para internação é, em muitos casos, ilegal e pode ser revertida por meio de medidas urgentes, como pedido judicial com liminar, reclamação na ANS e até indenização por danos morais e materiais. O paciente não pode ficar desamparado quando há risco à vida ou à saúde. Neste artigo, explicamos detalhadamente o que fazer em caso de negativa, os direitos garantidos pela legislação, os tipos de internação que o plano é obrigado a cobrir, decisões judiciais sobre o tema, e orientações práticas para agir com rapidez e segurança.
Internação negada pelo plano de saúde: é legal?
Na maioria das situações, não. A negativa de internação recomendada por médico assistente, seja em caso de urgência, emergência ou continuidade de tratamento, costuma ser considerada abusiva. O artigo 35-C da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98) garante a cobertura de internações hospitalares sempre que o plano contratado incluir esse tipo de atendimento, e a recomendação for feita por um profissional habilitado.
Mesmo nos planos com segmentação assistencial específica (como ambulatorial, hospitalar ou referência), quando a cobertura inclui internação, a operadora não pode negar o procedimento sem justificativa médica ou legal válida.
Quais tipos de internação o plano de saúde é obrigado a cobrir
A depender do tipo de plano contratado, as operadoras são obrigadas a cobrir diferentes modalidades de internação, desde que estejam previstas na cobertura. Os principais tipos são:
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Internação de urgência e emergência: inclui acidentes, crises graves de saúde, infarto, AVC, convulsões, entre outros.
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Internação eletiva: planejada com antecedência, como cirurgias programadas ou tratamentos intensivos.
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Internação psiquiátrica: cobertura mínima de 30 dias por ano de contrato, podendo ser maior em certos planos.
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Internação para parto: deve ser coberta conforme a carência estabelecida, que é de no máximo 300 dias.
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Internação domiciliar (home care): pode ser coberta caso substitua o atendimento hospitalar e esteja prevista no plano ou determinada judicialmente.
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Internação por tempo indeterminado: nos casos clínicos que exigem observação ou tratamento contínuo, especialmente em quadros graves.
Todas essas internações devem ser cobertas, desde que o plano contemple a modalidade hospitalar ou referência.
Razões alegadas pelos planos para negar internação
As operadoras de planos de saúde frequentemente alegam algumas justificativas para negar a internação. Entre as mais comuns estão:
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Carência contratual ainda vigente
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Internação em hospital fora da rede credenciada
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Ausência de cobertura para o procedimento ou doença
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Falta de indicação médica do profissional credenciado
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Descredenciamento recente do hospital ou médico
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Internação não autorizada previamente
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Questionamento da necessidade do procedimento
Entretanto, muitas dessas alegações não se sustentam legalmente, especialmente quando envolvem urgência, risco à vida ou recomendação médica fundamentada. Por isso, é fundamental avaliar cada situação à luz da legislação e das decisões judiciais.
O que fazer imediatamente após a negativa
Ao receber a notícia da recusa da internação pelo plano de saúde, é fundamental agir de forma rápida e organizada. Veja o passo a passo recomendado:
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Solicite a negativa por escrito: o plano é obrigado, por determinação da ANS, a fornecer a justificativa da negativa por escrito e em linguagem clara, no prazo de até 24 horas.
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Peça relatório médico detalhado: o profissional que indicou a internação deve emitir um relatório informando a urgência, os riscos, a necessidade clínica e os motivos para a internação.
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Guarde todos os documentos: protocolos de atendimento, mensagens, emails e laudos médicos.
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Registre uma reclamação na ANS: a denúncia pode ser feita pelo telefone 0800 701 9656 ou pelo aplicativo da ANS. Em muitos casos, a ANS consegue forçar o plano a autorizar a internação rapidamente.
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Consulte um advogado ou defensor público: em casos urgentes, um advogado pode entrar com ação judicial com pedido de liminar e obrigar o plano a autorizar a internação imediatamente.
Pedido de liminar na Justiça: como funciona
O instrumento jurídico mais eficaz para reverter a negativa de internação é o pedido de tutela de urgência (liminar). Com base na urgência do caso e na recomendação médica, o juiz pode obrigar a operadora a autorizar a internação em poucas horas, sob pena de multa diária.
A liminar pode ser pedida:
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Em caráter de urgência, inclusive fora do horário do expediente
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Em plantões judiciais (nos fins de semana ou feriados)
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Por meio da Defensoria Pública, caso o paciente não tenha condições de pagar advogado
A documentação básica exigida inclui:
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Laudo médico justificando a internação
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Comprovante de negativa do plano
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Comprovante de vínculo contratual com o plano de saúde
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Documentos pessoais do paciente
Juízes de todo o Brasil têm concedido liminares rapidamente nesses casos, considerando que a vida e a saúde estão acima das cláusulas contratuais.
A negativa de internação pode gerar indenização?
Sim. Quando a operadora do plano de saúde nega injustamente uma internação e isso causa agravamento do estado de saúde, sofrimento, atraso no tratamento ou risco de morte, o paciente pode ingressar com ação judicial para receber indenização por danos morais e materiais.
Os danos morais costumam ser reconhecidos quando:
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O paciente precisou recorrer à Justiça para obter atendimento de urgência
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Sofreu angústia ou piora do quadro de saúde devido à recusa
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Foi submetido a constrangimento, dor ou humilhação
Já os danos materiais envolvem:
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Gastos com internação particular
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Exames realizados por conta própria
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Deslocamento para hospitais alternativos
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Medicamentos comprados com recursos próprios
A jurisprudência brasileira é fortemente favorável ao consumidor nesses casos, e há decisões que condenam planos a pagar valores superiores a R$ 20 mil em danos morais.
Exceções legais e situações em que o plano pode recusar a internação
Apesar das proteções legais, há situações em que a negativa do plano pode ser considerada lícita:
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Quando a carência contratual ainda está em curso (salvo urgência e emergência)
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Quando a internação é solicitada em modalidade não contratada (ex: plano ambulatorial pedindo internação)
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Quando o procedimento não está previsto no rol da ANS e não há respaldo médico-científico
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Internação em instituição sem credenciamento e sem justificativa de urgência
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Quando o paciente não apresenta cobertura vigente ou está inadimplente há mais de 60 dias
Mesmo nesses casos, a recusa deve ser fundamentada por escrito, e o consumidor pode contestar judicialmente se houver indícios de abusividade.
Internação de urgência durante carência: o que diz a lei
Segundo o artigo 12 da Lei 9.656/98, o plano de saúde deve cobrir internações por urgência e emergência mesmo durante a carência contratual, após o prazo de 24 horas da assinatura do contrato. Isso inclui:
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Acidentes pessoais
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Complicações no processo gestacional
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Situações de risco à vida
A operadora não pode recusar a internação nesses casos com base na carência. Se recusar, estará sujeita a multas, ações judiciais e indenizações.
Internação em hospital fora da rede credenciada
A operadora pode alegar que a internação foi solicitada em hospital fora da rede credenciada. No entanto, em situações de urgência, ausência de vagas ou falta de profissionais capacitados, o plano é obrigado a autorizar o procedimento mesmo em hospital particular, arcando com todos os custos.
Isso também se aplica quando:
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O hospital mais próximo é fora da rede
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Não há hospital da rede na cidade do paciente
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O hospital conveniado está sem estrutura para o caso
Essa obrigação é chamada de reembolso ou cobertura por falta de rede prestadora, conforme determina a ANS.
Internação psiquiátrica negada: o que fazer
Muitos planos negam internação psiquiátrica com base em limitações de tempo. Entretanto, a ANS estabelece que:
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Os planos contratados a partir de 2 de abril de 2020 devem garantir internação psiquiátrica ilimitada, conforme a Lei 13.955/19
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Planos anteriores a essa data devem garantir ao menos 30 dias por ano
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A limitação não pode ser aplicada em casos de risco de suicídio, surtos psicóticos ou internações compulsórias
A recusa com base apenas na superação do tempo de internação pode ser considerada abusiva. O paciente ou familiar deve buscar a Justiça ou a ANS para garantir o tratamento.
O que diz a ANS sobre a negativa de internação
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é o órgão responsável pela regulação dos planos de saúde no Brasil. Segundo a ANS:
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Toda negativa deve ser informada por escrito, com o motivo e a norma aplicada
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O consumidor pode registrar reclamação imediatamente, pelo telefone 0800 701 9656 ou pelo aplicativo “ANS Digital”
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O plano pode ser multado em até R$ 80 mil por negativa indevida de cobertura
A atuação da ANS é administrativa, mas pode ser decisiva para resolver o impasse rapidamente.
Exemplos reais de decisões judiciais favoráveis ao consumidor
TJSP – Apelação Cível 1020846-58.2022.8.26.0001
Plano de saúde negou internação de idosa com pneumonia. Justiça concedeu liminar em 4 horas. A operadora foi condenada a pagar R$ 15 mil por danos morais.
TJMG – Processo 0012345-12.2023.8.13.0000
Paciente com esquizofrenia teve internação psiquiátrica negada. Liminar concedida em plantão judiciário. Operadora foi condenada por negativa abusiva.
Esses casos demonstram o entendimento sólido dos tribunais de que a saúde e a vida se sobrepõem a cláusulas contratuais ou regras internas dos planos.
Como evitar problemas com internação no plano de saúde
Para evitar negativas de cobertura ou minimizar os riscos, o consumidor pode:
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Ler atentamente o contrato do plano de saúde
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Saber qual a segmentação contratada (ambulatorial, hospitalar, referência)
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Conhecer os hospitais credenciados
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Ter acesso a um advogado de confiança em caso de emergência
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Guardar todos os documentos médicos e de atendimento
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Utilizar o registro na ANS como canal de pressão junto ao plano
A informação é a melhor forma de defesa contra abusos.
Perguntas e respostas sobre negativa de internação
O plano pode negar internação mesmo com laudo médico?
Na maioria das vezes, não. Se o médico assistente indicar a necessidade da internação, a negativa pode ser considerada abusiva.
Preciso pagar o hospital particular se o plano negar?
Em caso de urgência ou ausência de vagas na rede, o plano deve reembolsar integralmente os valores pagos, desde que haja comprovação da necessidade.
E se o plano disser que o hospital está fora da rede?
Em emergências, essa justificativa não se sustenta. O plano é obrigado a cobrir.
A internação foi negada, posso ir direto à Justiça?
Sim. A recusa da cobertura permite o ingresso de ação judicial com pedido de liminar para garantir o atendimento imediato.
Existe limite de tempo para internação psiquiátrica?
Para planos novos, não há limite. Para antigos, o mínimo é 30 dias por ano. A negativa nesses casos pode ser combatida.
Tive que pagar a internação, posso ser reembolsado?
Sim. Se houve negativa abusiva, você tem direito ao reembolso integral e ainda pode pleitear indenização por danos morais.
Conclusão
A negativa de internação por plano de saúde, especialmente quando há laudo médico que justifica o procedimento, é frequentemente ilegal e pode ser combatida com firmeza por meio de medidas administrativas e judiciais. O paciente não pode ser colocado em risco por cláusulas contratuais abusivas ou interpretações restritivas da cobertura.
Conhecer seus direitos, agir com rapidez, guardar a documentação e procurar auxílio jurídico são passos essenciais para garantir o tratamento necessário. Além disso, a jurisprudência brasileira tem se mostrado amplamente favorável ao consumidor, reconhecendo que a proteção à vida e à saúde deve prevalecer sobre os interesses econômicos das operadoras.
Se você ou alguém próximo teve a internação negada pelo plano de saúde, não aceite passivamente: denuncie, procure apoio e, se necessário, acione a Justiça. O direito à saúde é constitucional e deve ser plenamente respeitado.