Política de drogas e política criminal: Lei 11.343/06 – aspectos controvertidos

Resumo: O presente estudo visa o questionamento acerca dos aspectos mais controvertidos da Lei de Drogas, criada como mecanismo de política criminal mais repressiva às condutas que envolvessem entorpecentes, diante de um aumento considerável dos crimes envolvendo o comércio ilegal de drogas, bem como a associação entre crimes e aumento do uso de entorpecentes. Analisa as principais divergências encontradas na letra da lei e os impasses para a efetivação da repressão almejada quando aliada a fragilidade de medidas corretivas das condutas menos lesivas.

Palavras- chave: Lei de Drogas. Controvérsias. Repressão

Abstract: This study aims to questioning about the more controversial aspects of the Drugs Act, created as criminal policy engine more repressive to pipelines involving narcotics , facing a considerable increase in crimes involving the illegal drug trade , as well as the association between crimes and increased use of drugs. Analyzes the main differences found in the letter of the law and the impasses for the realization of the desired repression when combined with the weakness of corrective measures less harmful conduct.Keywords: Drugs Act. Controversies.RepressionSumário: Introdução. 1.As controvérsias mais evidentes. 2 Outros pontos polêmicos já discutidos pelos Tribunais Superiores. Conclusão

Introdução

A Lei  Penal de Drogas,  instituída no ordenamento brasileiro em 2006, apresentou uma proposta político-criminal bifronte no entender de muitos doutrinadores. Isto, em função da disparidade de tratamentos dados ao traficante – total repressão, e ao usuário – tratamento e integração social, sem possibilidade de aplicação de pena privativa de liberdade.

Tal proposta possui raízes na Política de Redução de Danos incorporada em muitos países e iniciada no Brasil em meados da década de 70, originando mais tarde uma Política Pública de Saúde e Redução de Danos, com o objetivo de coibir o uso indiscriminado de drogas e advertir sobre a íntima relação do uso de entorpecentes e os danos sociais à saúde. A política pública culminou com a edição de uma portaria nº1028 GM e a concessão de subsídios aos estados para implantarem políticas de saúde de redução de danos e riscos. Nesse contexto nasce a Lei 11.343/06, firmando expressamente a adoção da Política de Redução de Danos e Riscos em seus artigos 19 e 20. “Art. 20. Constituem atividades de atenção ao usuário e dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem à melhoria da qualidade de vida e à redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas.”

Ocorre que, partindo desse entendimento a Lei de Drogas criou inúmeros pontos controvertidos em seu texto no que se refere a descrição dos tipos e penas aplicadas, bem como na falta de regulamentação clara de outras condutas advindas do uso de entorpecentes, deixando margem a inúmeras interferências dos tribunais superiores e da doutrina para esclarecimento de questões duvidosas.

1. As controvérsias mais evidentes

O primeiro ponto controvertido surge já  no artigo 28 da Lei que descreve o porte de drogas, mais tarde reconhecido pelo STF, como crime de perigo abstrato contra a saúde pública; aqui, o legislador adotou uma benevolente tentativa de correção do indivíduo que é encontrado portando a droga – que seria destinada a consumo pessoal – por meio das penas de advertência ,prestação de serviços e medida educativa; no entanto, ao contrário do que estabelece o Código Penal as penas podem ser substituídas umas pelas outras a qualquer tempo e o descumprimento da pena restritiva jamais importará na conversão em pena de prisão, devendo ser impostas a admoestação verbal e uma multa, tornando a repressão ao ato ineficaz, na medida em que deixa a critério do indivíduo o cumprimento da sanção imposta, por não prever nenhum tipo de prejuízo considerável a quem descumpra as penas cominadas.

Por outro lado, ao criminalizar o tráfico de drogas, cria um tipo penal misto alternativo com inúmeras condutas, no sentido de dar total repressão ao porte da droga com intuito mercantil. Para tanto estabelece uma pena privativa de liberdade considerável e equipara o crime em comento à crime hediondo. Ocorre que por não deixar claro na Lei a distinção entre o porte para uso e o tráfico, acabou-se por estabelecer critérios legais de distinção entre os delitos, a serem avaliados pelos operadores do direito, viabilizando a possível ocorrência de muitos equívocos e aplicação de penas bastante díspares.

2.Outros pontos polêmicos já discutidos pelos Tribunais Superiores

Outros aspectos controvertidos também merecem ser discutidos, alguns já confirmados pelos tribunais pátrios e outros ainda “em aberto”. Tem-se como exemplo o fato de a associação para o tráfico, tipificada no artigo 35 da Lei, em que pese ser crime de reprovabilidade maior que o tráfico somente, em razão do perigo de desenvolvimento de um comércio organizado da droga, não ser considerado crime equiparado a hediondo. É bem verdade que é feita a distinção entre a associação para o tráfico – duas ou mais pessoas, de forma reiterada ou não – e o crime de quadrilha – quatro pessoas , organizadas para a prática de crimes, de forma estável e permanente; no entanto, neste último quesito o Supremo Tribunal Federal já reconheceu necessário também que a associação para o tráfico se dê de forma estável e permanente, não deixando dúvidas acerca da periculosidade de uma organização para o comércio de drogas se estabelecer  em determinado da conduta de apenas um traficante ou de traficantes que atuem isoladamente.

Outra polêmica está associada ao financiamento para o tráfico no artigo 36, crime com pena mais grave na Lei de Drogas. Trata-se da ambiguidade conceitual prevista entre esse delito e o tipificado pelo artigo 40, inciso VII, como causa de aumento para o crime de tráfico. Estabeleceram-se duas posições doutrinárias a respeito do tema, a primeira afirmando que o financiamento habitual seria crime autônomo do artigo 36 da lei e o financiamento eventual seria a causa de aumento de pena para o tráfico; De outra forma, entendeu-se que se o sujeito só financia a conduta, pratica o crime autônomo, mas, se pratica tráfico e financia, responde por tráfico com causa de aumento de pena.

Perduraram ainda durante alguns anos após a edição da referida lei as polêmicas quanto a proibição de liberdade provisória e de conversão da pena em restritiva de direitos para os crimes do artigo 33, 33 §1º e 34 à 37, proibições que o Supremo Tribunal Federal invalidou, contrariando o objetivo inicial de repressão total ao tráfico, julgando tais vedações inconstitucionais.

3. Conclusão

Percebe-se da discussão ora estabelecida nesse estudo que, o confronto entre a Política Pública de Redução de Danos e a intenção de reprimir de forma mais ostensiva condutas consideradas mais lesivas à sociedade, acabou por implementar uma Lei com inúmeras “brechas” e mal delineada quanto as condutas que pretende criminalizar, bem como quanto a efetividade das penas impostas para cada delito, como meio de coibir a disseminação da droga na sociedade.

.Extrai-se ainda que o Direito Penal deve ser interpretado à luz da Constituição, de forma que a criminalização de condutas também deve seguir a regra, sob o risco de criar um Direito Penal totalitário, que abarca inúmeras situações que poderiam ser resolvidas longe da figura da criminalização e dos impasses e consequências danosas de um processo penal na vida dos indivíduos.

Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASILEIRO, Renato de Lima. Legislação Criminal Especial Comentada. 2.ed, rev. amp. e atualizada. v.único. São Paulo: Jus Podivm, 2014.
DELMANTO, Roberto; Roberto Jr; Fábio Machado de Almeida. Leis Penais Especiais Comentadas. 2.ed. Saraiva, 2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

Informações Sobre o Autor

Verena Nery Palma

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz UESC-BA. Pós graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá UNESA-RJ


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