Posicionamento do STF em relação à aplicação do princípio da proporcionalidade no julgamento da inconstitucionalidade da multa de ofício

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Em março do corrente ano, o julgamento virtual no plenário do Supremo Tribunal Federal (“STF”) deu fim à discussão acerca da constitucionalidade da incidência de multa de ofício de 50% (cinquenta por cento) nos casos de não homologação de pedido de compensação tributária pela Receita Federal.

Trata-se dos Recurso Extraordinário (RE) 796939, contra com repercussão geral (Tema 736), interposto pela União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4905, proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

A multa objeto da discussão está prevista no parágrafo 17 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, com redação dada pela Lei nº 13.097/2015, sendo certo que essa nova redação mudou a base de cálculo da multa, antes sobre o crédito e agora sobre o débito declarado e não compensado.

Nos mesmos termos, a Instrução Normativa nº 2.055/2021, no artigo 74, determina a incidência de multa de ofício de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito, nos casos de declaração de compensação não homologada.

Basicamente, a legislação permite que o sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.

As referidas restituições e compensações são realizadas mediante entrega, pelos detentores do direito creditório, de declaração na qual constarão as informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados, sendo certo que a compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação, no prazo de 5 (cinco) anos.

É neste contexto que a legislação prevê a aplicação de multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo[1].

Ao analisar a constitucionalidade do parágrafo 17 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, o STF estabeleceu a importante premissa de que o julgamento não tem por objeto avaliar a aplicação da multa em caso de declaração comprovadamente falsa, uma vez que o dispositivo questionado não discrimina o motivo que ensejou a não homologação, mas exclui, de forma explícita, a hipótese de falsidade da declaração.

Trata-se de situação conceituada pela doutrina como ocorrida pelo abuso do direito que, conforme define Roberto Codorniz Leite Pereira, ocorre “quando o contribuinte, sabendo não possuir crédito líquido e certo em face do Fisco, se utiliza da compensação com a finalidade exclusiva de postergar o pagamento de tributos devidos.”[2]

Com efeito, conforme conclui Pereira, “não é abusivo o exercício do direito à compensação nas hipóteses em que a existência do crédito líquido e certo do contribuinte perante o Fisco é uma questão controvertida”. Sendo clara, portanto, a motivação da ponderação inicial do julgamento ora analisado.

No mérito, cumpre destacar o posicionamento do STF em relação à violação ao princípio da proporcionalidade. Trata-se de princípio que, juntamente com a razoabilidade, viabilizam a observância do devido processo legal substantivo de forma a garantir o Estado Democrático de Direito e preservar os Direitos e Garantias Fundamentais. Em outras palavras, o princípio da proporcionalidade advém do próprio Estado Democrático de Direito, que preza pela ideia da prevalência de direitos e garantias fundamentais dos administrados e o afastamento de disposições arbitrárias e unilaterais que caracterizam um Estado Absoluto[3].

Nesse sentido, conforme afirma Humberto Ávila, o postulado da proporcionalidade tem sido aplicado pelo Supremo Tribunal Federal como decorrência dos princípios do Estado de Direito e do devido processo legal (artigo 1º e artigo 5º, LIV, CF/1988).”[4]:

Cumpre destacar que, para Ávila, não se trata de princípio e sim um postulado que se aplica nas hipóteses em que há relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação, o da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito .

Neste sentido, ao avaliar a constitucionalidade da multa de ofício prevista no art. 74, § 17, da Lei 9.430/1996, o STF apreciou a aplicabilidade dos três testes ou subprincípios da proporcionalidade: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

No que se refere ao princípio da adequação, ou seja, aquele que exige que as medidas interventivas adotadas se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos, sua aplicabilidade foi afastada uma vez que a penalidade pode atingir, principalmente, contribuintes de boa-fé que tenham sua declaração não homologada por erro ou falha formal, e não aqueles contribuintes de má-fé que tenham agido com fraude ou falsidade, por expressa previsão legal, encontrar-se-ão sujeitos a outras penalidades.

O princípio da necessidade também foi afastado com base no entendimento de que existem mecanismos menos gravosos ao contribuinte de boa-fé para a proteção dos interesses do Fisco. Isso porque, há um arsenal de multas à disposição da Receita Federal do Brasil para sancionar condutas indevidas do sujeito passivo atinentes à declaração de compensação, tais como, as previstas para o caso de falsidade, sonegação, fraude ou conluio.

Ademais, a extinção do crédito tributário está sujeita à condição resolutória, no prazo de cinco anos, sendo certo que o tributo objeto de compensação não homologada será exigido com os respectivos acréscimos legais dos juros no período e a multa moratória.

Deve-se considerar, também, que, além do fato de a declaração de compensação constituir “confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados”, nas hipóteses de compensação considerada não declarada, previstas em lei, esta será considerada inexistente, não produzindo o efeito de extinção do crédito tributário e não se aplicando o prazo de homologação de cinco anos, o que não acarreta nenhum prejuízo ao Fisco.

Por fim, resta confirmada a violação do direito de petição sob o argumento de que a punição automática pelo exercício do pedido de compensação constituir-se-ia lamentável arbítrio, na medida em que a norma peca por presumir a má-fé do contribuinte.

De fato, conforme firmado anteriormente, a norma atingirá, principalmente, o contribuinte de boa-fé, uma vez que as situações de falsidade ou fraude estão contempladas por outras normas sancionatórias. Em última instância, trata-se de multa que inibe o sujeito passivo de requerer à administração tributária a compensação de tributos.

Assim, uma vez afastados os três testes ou subprincípios da proporcionalidade, o STF declarou por unanimidade a inconstitucionalidade do § 17 do art. 74 da Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996.

Trata-se de precedente de grande relevância para os contribuintes, impedindo, assim, que o Estado imponha carga tributária excessivamente onerosa, capaz de comprometer o direito à propriedade e as liberdades econômicas, como a livre iniciativa, sob o manto de operacionalizar suas atividades.

Acertado, portanto, o entendimento do STF ao declarar a inconstitucionalidade da multa de ofício, constituindo medida essencial e ajustada com os princípios do Estado Democrático de Direito, posicionamento este que deveria se aplicar não somente à multa de ofício, mas às demais multas flagrantemente confiscatórias atualmente vigentes na legislação tributária.

 

Autora: Cristina Mancebo Camara

Advogada graduada em Direito na Universidade Cândido Mendes. Especialista em Direito tributário. Mestranda em Direito Tributário na Universidade Cândido Mendes. Sócia do escritório SiqueiraCastro. Membro da Comissão Tributária da Câmara de Comércio França-Brasil e da Comissão Tributária da Associação Brasileira de Advogados – ABA.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[1] Importante ressaltar que a No caso de apresentação de manifestação de inconformidade contra a não homologação da compensação, fica suspensa a exigibilidade da referida multa de ofício, ainda que não impugnada essa exigência, enquadrando-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional que determina que as reclamações e os recursos, suspende a exigibilidade do crédito tributário.

[2] Pereira, R. C. L. . (2020). COMPENSAÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO, PROPORCIONALIDADE E SEGURANÇA JURÍDICA. Revista Direito Tributário Atual, (46), 401–437. Recuperado de https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/1115

[3] VILHENA, Leonardo Carneiro. Os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade e o direito tributário. Brasília, 2011. 51f. –Monografia (Especialização). Instituto Brasiliense de Direito Público

[4] Ávila, H. (2011). Proporcionalidade e Direito Tributário. Revista Direito Tributário Atual, (25), 83–103. Recuperado de https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/1578