Sim, é possível processar alguém que lhe transmitiu uma Doença Sexualmente Transmissível (DST), desde que fique comprovado que a pessoa sabia ou deveria saber que era portadora da infecção e, mesmo assim, manteve relações sexuais com você sem a devida proteção ou sem lhe informar previamente. Dependendo do caso, a transmissão de DST pode gerar consequências nas esferas cível e criminal, e a vítima pode pleitear indenização por danos morais e até a responsabilização penal do autor.
Neste artigo completo, vamos explicar todas as implicações legais da transmissão intencional ou negligente de DST, os requisitos para um processo judicial, o que a Justiça exige como prova, quais os direitos da vítima, como funcionam as ações judiciais e como se proteger legalmente em casos como esse.
O que é considerado uma Doença Sexualmente Transmissível (DST)
Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) são aquelas que se transmitem, prioritariamente, por meio do contato sexual sem preservativo, com uma pessoa que esteja infectada. Também são chamadas atualmente de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), pois muitas vezes não apresentam sintomas e, portanto, podem passar despercebidas.
Entre as DSTs mais conhecidas estão:
-
HIV (vírus da imunodeficiência humana)
-
Herpes genital
-
Gonorreia
-
Sífilis
-
Clamídia
-
HPV (Papilomavírus humano)
-
Hepatites virais
Essas infecções podem causar consequências sérias à saúde física e psicológica da pessoa infectada e, por isso, sua transmissão deliberada ou irresponsável pode ter implicações legais importantes.
Em que situações posso processar alguém que me transmitiu DST
Você pode processar alguém que lhe transmitiu uma DST se houver indícios de que a pessoa:
-
Sabia que era portadora da doença e não informou isso antes da relação sexual;
-
Manteve relações sem o uso de preservativo, mesmo tendo ciência da infecção;
-
Agiu com intenção de contaminar ou com descaso em relação à sua saúde;
-
Ocultou a condição de forma proposital, mesmo após a relação.
Além disso, o processo será mais viável se a vítima conseguir apresentar provas claras do vínculo sexual, da existência da DST, da data provável da contaminação e da conduta dolosa ou negligente do parceiro.
Por outro lado, se a pessoa não sabia que era portadora, ou se houve consentimento entre ambos para manter relação sem proteção, sem que houvesse qualquer indício de má-fé ou negligência, pode ser mais difícil sustentar a ação judicial.
Qual é o fundamento legal para o processo por transmissão de DST
A transmissão de DST pode ser tratada tanto na esfera civil, com pedido de indenização por danos morais e materiais, quanto na esfera penal, com responsabilização criminal em determinados casos.
Responsabilidade civil
Na esfera civil, o fundamento principal é a violação aos direitos da personalidade, especialmente a integridade física, a saúde e a dignidade da pessoa humana. A pessoa infectada pode entrar com ação de indenização por danos morais e materiais, com base nos seguintes princípios:
-
Violação do dever de lealdade e confiança;
-
Omissão de informação relevante;
-
Conduta dolosa ou culposa;
-
Dano à saúde, à imagem e à vida sexual e afetiva da vítima.
Responsabilidade penal
Na esfera criminal, a depender da conduta do agente e da doença transmitida, é possível enquadrar o ato em diferentes crimes do Código Penal, tais como:
-
Perigo de contágio de moléstia grave (art. 131): praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de provocar o contágio.
-
Lesão corporal (art. 129): se ficar provado que houve intenção ou negligência que causou lesão à saúde da vítima.
-
Tentativa de homicídio: em casos extremos, como a transmissão proposital do HIV, o Ministério Público pode entender que o agente agiu com dolo eventual ou intenção de matar.
Como funciona o processo por transmissão de DST
O processo pode ser civil, criminal ou ambos, dependendo da situação. Veja o que é necessário para cada tipo de ação:
Ação cível por danos morais e materiais
Nesta ação, a vítima busca indenização pelos danos sofridos. É necessário:
-
Relatar os fatos com clareza, mencionando datas, local e como se deu a relação;
-
Apresentar exames médicos comprovando a presença da doença;
-
Apresentar provas do relacionamento, como prints de conversas, mensagens, testemunhas, fotos ou qualquer outro meio que comprove o vínculo com o réu;
-
Indicar o nexo causal, ou seja, a relação entre o ato do réu e a doença contraída;
-
Demonstrar os prejuízos sofridos, como impacto emocional, tratamentos médicos, afastamento do trabalho, vergonha, ruptura de relacionamentos, etc.
O valor da indenização pode variar conforme a gravidade da doença, as condições em que a transmissão ocorreu e os danos causados. Há casos na jurisprudência em que os valores ultrapassaram R$ 50 mil, principalmente em infecções irreversíveis ou que geraram sofrimento prolongado.
Ação penal
Se a pessoa infectada quiser responsabilizar o parceiro criminalmente, deverá registrar um boletim de ocorrência e apresentar provas à autoridade policial. O Ministério Público pode oferecer denúncia se houver elementos para enquadramento penal, como:
-
Intenção comprovada de transmitir a doença;
-
Descaso com a saúde do outro;
-
Comportamento que demonstrou risco concreto de contaminação.
Nos casos em que a conduta foi dolosa (com intenção), a pena pode ser mais severa. Já nas situações culposas (sem intenção, mas com negligência), a responsabilização depende de análise criteriosa dos fatos.
A necessidade de provas no processo
Todo processo judicial exige provas. No caso de transmissão de DST, a prova é ainda mais essencial, já que se trata de um assunto íntimo, muitas vezes sem testemunhas diretas. Por isso, recomenda-se reunir:
-
Exames laboratoriais da vítima, com datas precisas;
-
Relatórios médicos que indiquem o tempo provável da infecção;
-
Prints de conversas em que o agressor tenha omitido ou mentido sobre sua condição de saúde;
-
Mensagens em que ele ou ela admita saber que estava doente;
-
Testemunhas que possam comprovar que o réu sabia da infecção antes da relação;
-
Histórico de relacionamentos anteriores em que o réu já tenha transmitido a mesma doença a outras pessoas.
Quanto mais provas, maiores as chances de sucesso na ação.
Quando não é possível processar
Nem todo caso de transmissão de DST gera direito a indenização ou responsabilização criminal. Algumas situações não configuram ato ilícito, como:
-
Quando a pessoa não sabia que era portadora da doença;
-
Quando houve consentimento das partes em manter relação desprotegida, sem haver sinais de má-fé;
-
Quando não é possível comprovar nexo entre o ato do parceiro e a infecção;
-
Quando o comportamento da vítima também foi negligente, como ignorar sintomas ou sinais de risco.
A Justiça analisa cada caso individualmente e exige boa-fé, provas e responsabilidade de ambas as partes.
Exemplos práticos e decisões judiciais
Em diversos tribunais brasileiros, já houve condenações por transmissão de DST. Alguns exemplos reais incluem:
-
HIV intencional: homem que manteve relação com diversas mulheres sem revelar ser portador do HIV foi condenado por tentativa de homicídio e teve que pagar indenizações acima de R$ 100 mil.
-
Sífilis não revelada: mulher infectada pelo parceiro processou o homem e ganhou indenização por danos morais e materiais, após comprovar que ele já havia tratado a doença e não a informou.
-
HPV ocultado: em casos de transmissão de HPV com sequelas, como câncer de colo de útero, o Judiciário tem reconhecido a responsabilidade civil do parceiro omisso.
Esses precedentes mostram que o Judiciário brasileiro considera a omissão ou o dolo em relação à transmissão de doenças um ato gravíssimo, passível de punição.
Reações da vítima: o que fazer após saber da infecção
Se você descobriu que foi infectado por uma DST e suspeita que o parceiro teve responsabilidade, siga os seguintes passos:
-
Procure atendimento médico imediatamente e realize todos os exames necessários;
-
Inicie o tratamento conforme orientação médica;
-
Registre boletim de ocorrência, se entender que houve má-fé ou omissão do parceiro;
-
Guarde todas as provas, incluindo exames, conversas e documentos;
-
Consulte um advogado, para avaliar as possibilidades jurídicas cabíveis;
-
Evite retaliações diretas, pois isso pode prejudicar sua própria ação e imagem.
A abordagem legal é sempre mais segura e eficaz para responsabilizar quem te causou um dano.
Seção de perguntas e respostas
Se a pessoa não sabia que estava com DST, ainda posso processar?
Em regra, não, pois a responsabilidade exige dolo (intenção) ou culpa (negligência). Se não houve conhecimento prévio, pode ser difícil provar má-fé. Mas ainda assim vale consultar um advogado, pois cada caso é único.
É possível pedir indenização mesmo sem processar criminalmente?
Sim. A ação cível por danos morais é independente da esfera penal. Você pode pedir indenização mesmo que o Ministério Público não ofereça denúncia criminal.
Como saber se fui infectado por essa pessoa e não por outra?
É preciso fazer exames e buscar orientação médica para estimar o período da infecção. Se você só teve relação com essa pessoa nesse intervalo, o nexo causal pode ser presumido.
O que fazer se ele disse que usou camisinha, mas furou de propósito?
Isso configura dolo e pode ser considerado crime. Guarde qualquer prova (mensagem, áudio) e procure a polícia e um advogado. É uma conduta grave.
Ele me xingou e disse que ‘bem feito’ eu pegar a doença. Isso ajuda no processo?
Sim. Esse tipo de mensagem comprova dolo e intenção de te prejudicar. Use esse conteúdo como prova no processo.
A Justiça pode obrigar ele a pagar meu tratamento?
Sim. Além dos danos morais, é possível pedir ressarcimento de todos os custos com exames, medicamentos, terapias e demais gastos relacionados à doença.
E se ele já infectou outras pessoas?
Isso reforça a tese de má-fé e pode ser utilizado no processo como prova de comportamento reiterado. Outras vítimas podem ser arroladas como testemunhas.
Posso conseguir medida protetiva se ele for agressivo?
Sim. Se ele te ameaçar ou agir com violência, você pode pedir medida protetiva, mesmo que a agressão seja psicológica.
Quanto tempo demora um processo desses?
Depende. Ações cíveis duram entre 1 e 3 anos, em média. Ações penais podem levar mais tempo, especialmente se forem complexas ou exigirem perícias.
Posso manter meu nome em sigilo no processo?
Sim. É possível pedir tramitação em segredo de justiça, o que é comum em casos que envolvem saúde e intimidade. Isso evita exposição pública.
Conclusão
É plenamente possível processar alguém que lhe transmitiu uma Doença Sexualmente Transmissível, desde que você consiga demonstrar que houve má-fé, negligência ou dolo na conduta do parceiro. A Justiça brasileira protege o direito à saúde, à dignidade e à integridade física e reconhece que a transmissão oculta e irresponsável de uma doença pode causar danos graves, tanto físicos quanto emocionais.
Se você foi vítima de uma situação assim, procure auxílio jurídico, reúna provas, cuide da sua saúde e não hesite em buscar seus direitos. O processo judicial pode não apagar o que aconteceu, mas é um caminho para responsabilizar quem agiu de forma injusta e obter reparação pelos prejuízos sofridos. Justiça, nesse caso, também é uma forma de proteção e valorização da sua vida e dignidade.