A resposta direta é: não é possível apresentar recurso administrativo contra multa de trânsito após o fim do prazo previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). No entanto, existem algumas exceções, como falhas na notificação, ausência de ciência do autuado, ou mesmo medidas judiciais que podem ser tomadas, a depender do caso concreto. Por isso, se você perdeu o prazo para recorrer de uma multa, ainda há formas de buscar o cancelamento ou discutir a legalidade da penalidade, embora isso se torne mais difícil.
Neste artigo, vamos explicar em detalhes o que diz a lei, quais são os prazos para defesa e recurso, o que fazer se você perdeu o prazo, quais exceções podem ser aplicadas e se existe possibilidade de judicialização. Também vamos esclarecer dúvidas comuns em uma seção de perguntas e respostas e finalizar com uma conclusão prática e direta.
O que diz o Código de Trânsito Brasileiro sobre prazos para recurso
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) determina que toda autuação de trânsito deve seguir um procedimento que garante o contraditório e a ampla defesa, conforme o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal.
O processo administrativo de aplicação de penalidades de trânsito segue as seguintes etapas, cada uma com prazo específico:
Notificação da autuação: enviada ao proprietário do veículo para ciência da infração.
Defesa prévia: pode ser apresentada em até 30 dias contados da data da notificação da autuação.
Notificação de penalidade: caso a defesa prévia seja indeferida ou não apresentada, é emitida a penalidade de multa.
Recurso à JARI (1ª instância): pode ser apresentado em até 30 dias contados da notificação da penalidade.
Recurso ao CETRAN (2ª instância): se o recurso à JARI for negado, há novo prazo de 30 dias para recorrer.
Se qualquer um desses prazos for perdido, o recurso correspondente será considerado intempestivo, ou seja, fora do prazo, e será rejeitado automaticamente pela autoridade de trânsito. Isso significa que, via de regra, não é possível recorrer da multa administrativamente depois do prazo.
Por que os prazos são tão importantes no processo administrativo de trânsito
O processo administrativo de trânsito é regido pelo princípio da legalidade estrita e pela segurança jurídica. Isso significa que os prazos estabelecidos pelo CTB e pelas resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) são rígidos e devem ser observados por todas as partes, inclusive pelos órgãos autuadores.
A observância do prazo é essencial para dar celeridade ao processo e garantir que as decisões tenham estabilidade. Permitir recursos fora do prazo causaria incerteza, insegurança e atrasaria a efetivação das penalidades ou a concessão de absolvições.
Assim como o cidadão tem o direito de ser notificado no tempo certo, ele também tem o dever de respeitar os prazos para se manifestar. Quando esse dever é descumprido, perde-se o direito de recorrer pela via administrativa.
Exceções em que é possível questionar uma multa mesmo após o prazo
Embora o recurso fora do prazo seja inadmissível pelas vias administrativas comuns, há situações excepcionais em que é possível discutir a validade da multa, mesmo após os prazos:
Notificação não recebida
Se o cidadão nunca foi notificado da autuação ou da penalidade, não se pode exigir dele o cumprimento de prazos dos quais ele não teve ciência. Isso é chamado de nulidade por ausência de notificação, e pode ser alegado mesmo depois do prazo de recurso, inclusive por meio de medida judicial.
Exemplo: uma pessoa se muda e não atualiza o endereço no DETRAN. A notificação vai para o antigo endereço, é devolvida e o órgão segue com o processo. Nesse caso, a culpa é do condutor, que não atualizou os dados, e o processo é válido.
Mas se o endereço estiver atualizado e a notificação não for entregue por erro dos Correios ou da administração, o processo pode ser anulado.
Notificação emitida fora do prazo legal
A notificação da autuação deve ser expedida em até 30 dias após a data da infração, conforme o artigo 281, parágrafo único, inciso II do CTB. Se esse prazo não for respeitado, o auto de infração deve ser arquivado, e a multa cancelada.
Essa irregularidade pode ser alegada mesmo após o prazo recursal, pois trata-se de um vício formal grave que compromete a legalidade do processo.
Inexistência de fato gerador
Se a infração nunca aconteceu, ou se foi aplicada a outro veículo por erro de leitura de placa, é possível entrar com uma ação judicial para anular a penalidade. Nesse caso, o argumento será que a penalidade é ilegítima, e não apenas que houve perda de prazo.
Multa aplicada a veículo vendido ou furtado
Em casos em que o veículo já havia sido vendido ou furtado na data da infração, o proprietário que perdeu o prazo para recorrer pode buscar a anulação judicial da multa, desde que comprove a transferência de propriedade ou o boletim de ocorrência.
Medidas judiciais cabíveis após o fim do prazo administrativo
Se todos os prazos administrativos já foram ultrapassados, a única forma de continuar discutindo a multa é por via judicial. As principais ações judiciais utilizadas nesses casos são:
Mandado de segurança
Utilizado quando há violação clara de direito líquido e certo, como no caso de ausência de notificação. Deve ser proposto em até 120 dias a partir da ciência do ato violador.
Ação anulatória
Serve para discutir a legalidade da multa e de todo o processo administrativo. É possível alegar irregularidades formais ou inexistência do fato gerador. Tem prazo de cinco anos, mas quanto antes for ajuizada, maiores são as chances de êxito.
Exemplo: uma multa por excesso de velocidade com radar não homologado, ou multa emitida sem qualquer prova.
Ação declaratória de inexistência de débito
Usada quando a penalidade já está sendo cobrada judicialmente ou consta no nome do cidadão no sistema de dívidas, impedindo licenciamento ou causando negativação. A ação busca reconhecer que a dívida é inexistente.
Essas ações exigem a atuação de um advogado e envolvem custos processuais, mas podem ser a única alternativa para reverter uma situação injusta.
O que não funciona: justificativas genéricas para o atraso
Muitas pessoas alegam, informalmente, que “esqueceram”, “não sabiam do prazo”, “não viram a notificação”, “viajaram” ou “estavam doentes”. No entanto, essas justificativas não são aceitas pelas autoridades de trânsito para reabrir prazo ou aceitar recurso fora do prazo.
Somente causas realmente excepcionais e comprovadas — como ausência de notificação ou falha do órgão de trânsito — podem justificar algum tipo de intervenção judicial ou revisão do caso.
Como evitar a perda de prazos para recorrer de multas
Perder o prazo de recurso é um erro que pode ser evitado com medidas simples:
Atualize seu endereço no DETRAN sempre que se mudar. A responsabilidade por manter os dados atualizados é do proprietário do veículo.
Acompanhe o portal de multas do seu estado ou município. Muitos DETRANs e prefeituras oferecem consulta online a infrações e notificações.
Habilite e-mails e mensagens automáticas de notificação nos aplicativos oficiais, como o app Carteira Digital de Trânsito (CDT).
Contrate um despachante ou advogado para auxiliar no controle de prazos, especialmente se você tem muitos veículos ou infrações em análise.
Quais são os riscos de deixar a multa sem recorrer
Quando a multa de trânsito não é impugnada dentro do prazo, e se torna definitiva, ela traz consequências:
Acúmulo de pontos na CNH, podendo levar à suspensão da habilitação.
Impedimento de licenciamento do veículo até o pagamento da multa.
Cobrança judicial dos valores não pagos, com risco de penhora.
Negativação do CPF em algumas situações, quando os débitos são transferidos para dívida ativa.
Por isso, mesmo quando a multa parece pequena ou irrelevante, vale a pena avaliá-la com atenção e, se for o caso, apresentar defesa dentro do prazo.
Diferença entre defesa prévia e recurso de multa
Muitas pessoas confundem as etapas do processo administrativo de trânsito. Entenda a diferença:
Defesa prévia: é apresentada logo após a notificação de autuação. Serve para contestar a lavratura do auto de infração, antes que a penalidade seja aplicada.
Recurso à JARI: é o recurso contra a penalidade de multa, após a notificação de imposição da penalidade.
Recurso ao CETRAN: é o último recurso, quando a JARI mantém a multa.
Cada etapa tem um prazo distinto e o não cumprimento de qualquer um dos prazos impede a continuidade da discussão.
Exemplos práticos
Exemplo 1: José recebeu uma notificação de autuação no dia 01/02. Ele tinha até 03/03 para apresentar a defesa prévia, mas esqueceu. Em 10/03, recebeu a notificação de penalidade. A partir daí, teria até 09/04 para recorrer à JARI. Ele ignorou. Em 20/05, tentou recorrer. O recurso foi indeferido por intempestividade.
Exemplo 2: Mariana descobriu, ao tentar licenciar o carro, que tinha uma multa de fevereiro do ano anterior. Nunca recebeu notificação e seu endereço estava atualizado. Consultou um advogado, que entrou com mandado de segurança e conseguiu anular a multa por falta de notificação válida.
Seção de perguntas e respostas
É possível recorrer de uma multa de trânsito depois do prazo?
Não pelas vias administrativas. Após o fim do prazo, o recurso é considerado intempestivo e será automaticamente rejeitado. Apenas por meio judicial é possível tentar discutir a multa.
E se eu não recebi a notificação? Posso recorrer mesmo depois do prazo?
Sim. A ausência de notificação válida é uma das poucas exceções que permitem questionar a multa mesmo após o prazo. É necessário comprovar que não houve ciência do ato.
Fiquei doente e não consegui recorrer. Posso justificar?
Apenas se houver comprovação de que a doença impediu totalmente sua manifestação no prazo. Mesmo assim, dificilmente o recurso administrativo será aceito fora do prazo. Pode-se tentar via judicial.
Perdi o prazo para recorrer. Preciso pagar a multa?
Sim, se não houver mais meios de contestar a multa, ela se torna definitiva e precisa ser paga para evitar restrições.
Existe alguma ação judicial para reverter multa após o prazo?
Sim. Dependendo do caso, pode-se usar mandado de segurança, ação anulatória ou ação declaratória. Todas exigem advogado.
A multa caduca com o tempo?
Sim. A multa prescreve em cinco anos, mas nesse período ela pode ser cobrada judicialmente, gerar bloqueio de licenciamento e negativação.
Conclusão
Embora o Código de Trânsito Brasileiro assegure o direito de defesa e recurso contra penalidades, esse direito está condicionado ao cumprimento de prazos rigorosos. Perder esses prazos significa abrir mão da possibilidade de revisão administrativa da multa.
Contudo, em situações excepcionais, como ausência de notificação ou ilegalidade no processo, ainda é possível buscar a anulação da multa por meio judicial. Cada caso deve ser analisado individualmente por um advogado especializado, que poderá avaliar a viabilidade de medidas alternativas.
A melhor atitude é sempre agir preventivamente: manter os dados atualizados, acompanhar notificações e exercer seu direito de defesa dentro do prazo. Isso evita prejuízos, cobranças indevidas e restrições à sua habilitação e ao seu veículo.