Sim, é possível voltar a trabalhar na mesma empresa que você processou, mas essa é uma decisão que exige análise cuidadosa sob diversos aspectos legais, profissionais e até emocionais. O retorno ao ambiente anterior de trabalho após uma disputa judicial pode envolver desafios, tanto para o trabalhador quanto para a empresa. Este artigo explica em detalhes se você pode ser recontratado pela empresa que processou, o que diz a legislação, quais são os direitos de ambas as partes, e como esse retorno pode ser gerenciado de forma legal e ética.
O que a legislação diz sobre recontratação após processo judicial
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não proíbe a recontratação de um ex-empregado, mesmo que ele tenha processado a empresa anteriormente. O vínculo trabalhista pode ser restabelecido normalmente desde que:
Seja uma nova admissão, com novo contrato de trabalho
Não haja decisão judicial que impeça esse retorno (por exemplo, decisão de reintegração em que o trabalhador se recusa a voltar)
A empresa não imponha restrições ilegais ou discriminatórias
Em outras palavras, não há impedimento legal objetivo para que uma empresa readmita um ex-funcionário que tenha ajuizado ação trabalhista contra ela. Entretanto, essa recontratação pode envolver implicações práticas e subjetivas que devem ser consideradas.
Entendimento da Justiça do Trabalho sobre o tema
Os tribunais trabalhistas têm entendimento pacífico no sentido de que o ajuizamento de ação judicial não pode ser usado como justificativa para impedir a recontratação do trabalhador, pois isso violaria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do direito ao trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já decidiu que a empresa que recusa recontratar um ex-empregado exclusivamente porque ele ingressou com ação trabalhista está cometendo ato discriminatório passível de reparação.
Por exemplo:
“É discriminatória a conduta de empresa que recusa a recontratação de ex-empregado por ter ajuizado reclamação trabalhista, ofendendo o princípio da não discriminação.” (TST, RR-xxxxxx)
Isso significa que a empresa não pode usar a ação judicial como critério para excluir o trabalhador de futuras seleções ou admissões.
Recontratação após acordo ou sentença judicial
É importante destacar que o trabalhador pode ser recontratado mesmo após:
Ter obtido vitória total ou parcial na ação
Ter firmado acordo judicial homologado
Ter perdido a ação ou parte dela
Em nenhuma dessas hipóteses o ajuizamento de ação impede o retorno ao trabalho. Contudo, o histórico da ação pode influenciar o relacionamento profissional, o clima organizacional e a confiança entre as partes.
Diferença entre reintegração e nova contratação
É fundamental distinguir dois conceitos:
Reintegração
Ocorre por determinação judicial
Exige que a empresa reincorpore o empregado ao mesmo cargo
É comum em casos de estabilidade provisória (ex: gestantes, acidentados)
Não depende de nova seleção ou vontade da empresa
Nova contratação
Depende do interesse da empresa em admitir o trabalhador novamente
O contrato anterior não tem mais validade
O vínculo é totalmente novo, com novos termos, salário e condições
Neste artigo, o foco é a nova contratação voluntária, não a reintegração judicial.
Aspectos que a empresa deve considerar antes de recontratar
Embora legalmente permitida, a recontratação de um ex-funcionário que processou a empresa exige cautela e análise das seguintes questões:
O processo deixou mágoas ou tensão com a equipe?
Há possibilidade de retaliação direta ou velada?
O colaborador se mostra disposto a uma nova relação de trabalho saudável?
A função será a mesma, com as mesmas lideranças envolvidas?
O processo anterior foi encerrado de forma pacífica?
Se a resposta for positiva para essas perguntas, a recontratação pode ser benéfica para ambas as partes, especialmente se o trabalhador já demonstrou competência e afinidade com a cultura organizacional.
Aspectos que o trabalhador deve considerar antes de voltar
Do ponto de vista do trabalhador, também é essencial refletir sobre:
Como você se sentirá em um ambiente onde houve conflito jurídico?
A empresa demonstra respeito pela sua trajetória?
Você será tratado com igualdade e sem discriminação?
A função oferecida é compatível com sua qualificação e expectativas?
Há possibilidade de perseguição ou retaliação?
Voltar para a mesma empresa pode ser uma oportunidade ou uma armadilha, dependendo do histórico e da forma como o novo vínculo será conduzido.
Recontratação e estabilidade
Se o trabalhador retornar e for dispensado sem justa causa pouco tempo depois, pode-se discutir possível fraude ou retaliação, especialmente se a demissão for rápida e sem justificativa razoável.
Isso pode gerar:
Ações por discriminação
Requisição de danos morais
Pedido de nulidade da dispensa
É importante que ambas as partes estejam dispostas a construir uma nova relação profissional, sem resquícios do passado.
A empresa pode colocar cláusula impedindo futura ação?
Não. Cláusulas contratuais que proíbam o empregado de mover futuras ações contra a empresa são nulas de pleno direito. Da mesma forma, cláusulas que condicionem a contratação à desistência de ações anteriores também são ilegais.
O trabalhador pode mover ação futura mesmo após recontratação, desde que respeitado o prazo prescricional (até dois anos após o fim do contrato anterior, e para fatos ocorridos nos cinco anos anteriores ao fim do contrato).
Existe obrigação de informar que processou a empresa?
Não há obrigação legal de que o trabalhador revele, no momento da nova admissão, que moveu ação anterior contra a empresa. Contudo, se esse fato for de conhecimento da direção, o ideal é que a questão seja tratada com maturidade, ética e respeito mútuo.
A ocultação dessa informação não caracteriza má-fé, tampouco anula o contrato.
Exemplo prático
Carlos trabalhou por cinco anos em uma indústria e, ao ser demitido, ajuizou reclamação trabalhista pedindo horas extras e verbas não pagas. Após dois anos, a ação foi encerrada com acordo. Meses depois, a empresa abriu vagas e Carlos se candidatou. Apesar de o RH lembrar da ação, ele foi recontratado com base em seu desempenho anterior e habilidades técnicas.
Esse é um exemplo de recontratação sem mágoas e com foco na competência profissional, o que é plenamente possível quando há maturidade entre as partes.
Casos em que a recusa pode ser considerada discriminatória
Se a empresa nega a recontratação exclusivamente por ter sido processada, isso pode configurar ato discriminatório, violando:
Princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição)
Direito ao trabalho (art. 6º da Constituição)
Princípio da não discriminação (convenções internacionais da OIT)
Se comprovado que esse foi o único motivo da recusa, a empresa poderá ser condenada a:
Pagar indenização por danos morais
Reintegrar o trabalhador
Multas administrativas por prática discriminatória
Como a recontratação pode ser formalizada
O processo de recontratação deve seguir os mesmos trâmites de qualquer nova admissão:
Registro em carteira de trabalho
Assinatura de novo contrato
Admissão no sistema de folha
Exames admissionais
Registro no eSocial
Mesmo que o trabalhador tenha trabalhado antes, o vínculo anterior não deve ser reaproveitado.
O que diz a jurisprudência sobre recontratação pós-processo
A jurisprudência brasileira é unânime em reconhecer a legalidade da recontratação mesmo após ação judicial. Veja alguns entendimentos:
“Não configura má-fé ou impedimento legal o fato de o trabalhador ter processado a empresa em vínculo anterior. Sua readmissão depende de critérios objetivos, e não de retaliação.” (TRT-4)
“A empresa que recusa contratação com base em processo judicial anterior age com abuso de direito.” (TST)
Esses posicionamentos reforçam que os direitos legais não podem ser utilizados como justificativa para impedir o livre exercício profissional.
Perguntas e respostas
Posso ser readmitido pela empresa mesmo tendo processado ela?
Sim. A legislação não impede a recontratação após ação judicial anterior.
A empresa pode recusar minha recontratação por eu ter movido ação?
Não pode. Se esse for o único motivo, pode ser considerada conduta discriminatória.
Sou obrigado a informar que já processei a empresa?
Não. Não há obrigação legal de informar. Isso é um dado do passado que não interfere na nova relação jurídica.
A empresa pode me tratar de forma diferente após o retorno?
Não. Qualquer diferenciação, perseguição ou retaliação pode gerar indenização por danos morais.
Posso processar a empresa novamente se ela me recontratar?
Sim. Você tem direito de pleitear direitos da nova relação de trabalho, bem como aqueles ainda não prescritos do contrato anterior.
A recontratação zera meu tempo de trabalho?
Sim. Cada contrato é considerado isoladamente, salvo se a demissão anterior e a recontratação forem feitas em fraude para burlar direitos.
Posso pedir danos morais se a empresa divulgar meu processo internamente?
Sim. Se houver exposição pública ou constrangimento por esse motivo, é possível pleitear indenização.
Conclusão
A recontratação de um trabalhador que moveu ação judicial contra a empresa é legal, possível e não deve ser vista como algo negativo por si só. O exercício de direitos não pode ser usado contra o trabalhador em futuras oportunidades. Para que o retorno ocorra de forma saudável, é necessário que ambas as partes atuem com maturidade, respeito e boa-fé. Caso a empresa utilize o histórico judicial como motivo exclusivo para recusa, poderá estar cometendo ato discriminatório. Já o trabalhador deve avaliar se o novo vínculo será benéfico em termos profissionais e emocionais. Acima de tudo, deve prevalecer o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o direito ao trabalho digno, livre de retaliações ou perseguições.