Primeiras notas acerca do procedimento para evitar recursos repetitivos no âmbito do STJ e a questão em matéria criminal

Resumo: Neste trabalho fez-se uma análise preliminar da repercussão da Lei 11. 672 de 08 de maio de 2008 que tem como escopo evitar o acesso de recursos idênticos para o Superior Tribunal de Justiça – STJ e a discussão no âmbito criminal. De igual forma, examinou-se a recente editada resolução de número 7 de 14 de julho de 2008 que regulamentou a aplicação da lei em comento.


Palavras-chave: recurso especial – teses idênticas  – repetição – legislação – doutrina.


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Em data recente o legislador brasileiro editou a Lei 11. 672 de 08 de maio de 2008 com a finalidade de evitar o acesso de recursos idênticos para o Superior Tribunal de Justiça – STJ, modificando o procedimento de recursos que apresentam teses idênticas. Tal novidade legislativo levou muitos a celebrar como “ conquista histórica do Judiciário brasileiro.”[1]


Ainda que não acredite que a imposição de medidas restritivas de acesso ao judiciário seja a solução para a morosidade do mesmo, vale destacar, de forma bem singela, que a mencionada lei irá funcionar como um filtro das ações que poderiam chegar ao STJ, seguindo, assim, a tendência atual de limitar ao máximo o seguimento de recursos para Tribunais Superiores, como já foi feito em relação ao recurso extraordinário com a exigência da repercussão geral, esta apontada também como o instrumento ideal de celeridade das decisões judiciais, tudo a trazer o discurso do eficientismo para o Poder Judiciário.


Consoante o próprio STJ[2] o procedimento,“Com a nova lei, o trâmite de recursos especiais passa a funcionar da seguinte maneira: verificada a grande quantidade de recursos sobre uma mesma matéria, o presidente do tribunal de origem (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal) poderá selecionar um ou mais processos referentes ao tema e encaminhá-los ao STJ. O julgamento dos demais feitos idênticos fica suspenso até a decisão final da Corte superior. Após a decisão do Superior Tribunal, os tribunais de origem deverão aplicar o entendimento de imediato. Subirão ao STJ apenas os processos em que a tese contrária à decisão da Corte seja mantida pelo tribunal de origem.”


Assim, o escopo específico do referido diploma legal em exame é evitar a chegada de novos e idênticos recursos ao STJ. Ocorre que a mencionada Lei, em seu artigo primeiro, diz expressaqmente que altera, melhor dizendo, que acesce ao Código de Processo Civil, o seguinte artigo: art. 543-C, dispondo que quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. Então, conclui-se que a norma em questão aplica-se tão só e exclusivamente aos recursos especiais em matéria cível, lato senso, vez que a alteração ocorreu especificamente no CPC.


Primeiro, cumpre registrar que se pretendesse o legislador aplicar tais disposições restritivas de recurso a todas as matérias em recursos especiais, com a possibilidade de retenção de recurso, bem como deixar ao critério do presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça, repitas em todas as matérias, inclusive criminal, ter-se-ia alterado a Lei 8.038 de 1990 que trata das condições gerais para interposição de recursos especiais e extraordinários e não somente o Código de Processo Civil como o fez.


Em segundo lugar, destaque-se, as alterações ocorridas no Código de rito Civil não poderão ser aplicadas no processo penal, isto porque a entendimento vigente no nosso ordenamento jurídico é que as modificações introduzidas no âmbito do Código de Processo Civil não repercutem na esfera do Processual Penal, vez que este tem normas específicas e distintas que tutelam interesses jurídicos completamente diversos, ainda que, vez por outra, tragam algumas e longínquas similitudes.


Tal entendimento, pela não aplicabilidade das alterações do Código de Processo Civil no processo penal, já foi objeto de súmula do STF. Eis é o teor do verbete sumular: “O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a lei 8038/1990, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da lei 8950/1994 ao código de processo civil.” (Súmula 699). Dessa forma, mantém-se, intacta e na sua a integralidade a legislação de regência do recurso especial (Lei 8.038/90) no que diz respeito ao recurso especial em matéria criminal.


De igual forma, em matéria criminal, não poderá o relator no âmbito do STJ, determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida e sobre as quais exista jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado. Isto porque em tema criminal, por mais similitude que existam entre os feitos, há sempre peculiaridades que apenas poderão ser discutidas em cada caso concreto.


Constata-se que, quase sempre, os erros, as omissões e o desatendimento ao rito estabelecido nas normas processuais penais, via de regra, repercutem nas garantias constitucionais e, em particular, no sistema acusatório encampado pela Lei Maior.


Entende-se que nenhuma aplicabilidade terá também, em matéria criminal, a autorização prevista no art. 543-C, § 4o  do CPC, para que o relator possa admitir amicus curiae nos processos em curso perante o STJ, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria.


 A própria relação jurídica que se firma no processo criminal, de per si, já ultrapassa os interesses das partes envolvidas, sendo de interesse de toda a sociedade uma decisão judicial justa, proporcional e necessária, ou seja, em matéria criminal tem sempre o Poder Judiciário o dever de prestar a melhor jurisdição, não se admitindo, no processo penal, a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, a não ser o caso de assistente previsto expressamente no Código de Processo Penal (art.271), pois esta, como bem afirmou Helio Tornaghi[3], “é a única hipótese de intervenção de terceiro no processo penal.


Outra hipótese prevista na lei em comento, que afasta definitivamente sua incidência em matéria criminal, diz respeito a possibilidade de serem novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça o que, em matéria criminal, seria um absurdo vez que traria situações distintas para réus que estão na mesma situação jurídica, como, em único exemplo, apenas recorrendo um dos réus e, diante do posicionamento do STJ em matéria idêntica, poder o tribunal de origem reexaminar, diante da nova orientação, rever todo o julgado de modo a aplicar a posição firmada pelo Tribunal Superior. Haveria, a nosso sentir, ofensa a diversos princípios, dentre eles a segurança jurídica, da proibição da reformatio in pejus, dente outros.


Assim, temos que para a legislação em debate possa estender seus efeitos aos recursos criminais, de forma a limitar o acesso de recursos repetitivos ao STJ na esfera criminal deverá, primeiramente, ocorrer a inexorável e necessária alteração do Código de Processo Penal vez que a lei em comento alterou, exclusivamente, o Código de Processo Civil, como dissemos. Registre-se, desde já, por oportuno, que as alterações na esfera processual civil não repercutem, necessariamente, no direito processual penal, como demonstramos acima, entendimento este do Supremo Tribunal Federal consubstanciado na referida Súmula 699.


Outro argumento, de caráter substancial, que afasta por completo a incidência da novel legis na seara criminal é extraído da própria relação jurídica processual penal. Esta é completamente diversa das outras áreas do direito, até mesmo pelo bem jurídico tutelado, envolvido na relação, e que, na maioria das vezes, foge da esfera de disponibilidade do titular do direito, repercutindo em toda coletividade. Ademais disso, é preciso a assegurar aos réus o direito de  levar às instâncias superiores os recursos criminais porque a imposição de pena ao semelhante foi e continua a ser instrumento de inquietação no espírito humano, ainda mais, como sabemos, que o nosso sistema prisional são verdadeiras “jaulas,” na expressão de Alberto Binder[4], com pessoas amontoadas, descumprindo o Estado, reiteradamente,  o disposto na Lei de Execução Criminal..


Desse modo, a aplicação de pena consoante as regras previamente estabelecidas no ordenamento jurídico, ou seja, obedecendo “as regras do jogo” no pensamento de Ferrajoli[5], é de interesse de toda sociedade, transcende, portanto, os interesses dos envolvidos na relação jurídica processual penal, porque a realização da justiça substancial é um anseio de toda sociedade. Dessa forma, constata-se que a própria natureza da relação jurídica penal, na sua essência, de per si, transcende os interesses envolvidos no processo, repercute em toda coletividade, não se admitindo, portanto, a imposição de outros requisitos que dificultem ou prolonguem a tutela da liberdade.


 Se o legislador assim o fizer, em matéria criminal, seguramente, tal norma será considerada inconstitucional. Ademais disso, nos ensina a moderna teoria constitucional do processo penal e os diplomas internacionais de proteção da dignidade do ser humano que se deve assegurar a ampla defesa de forma efetiva, sobretudo em matéria criminal, através dos instrumentos recursais, sem restrições de acesso, confira-se, em especial, o que dispõe a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em seu art. 7º. inciso 6, que afiança  (…) toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não poderá ser restringido nem abolido.(…)


Sendo assim, deve-se levar em conta, ainda, que, na esfera penal, há interesse da sociedade que a pena imposta a um de seus membros seja forma justa (legítima), através de procedimento prévio (garantia do procedimento adequado), integral, estabelecido na norma, além de atender às garantias insculpidas na Lei Maior (contraditório, ampla defesa, devido processo legal, dentre outros), sobretudo a observância do sistema constitucional acusatório. A injustiça causa temor, desconfiança e, além de tudo, desestabiliza a fé do cidadão nas instituições.


Em que pese o posicionamento firmado neste trabalho, em data recente, foi editada resolução de número 7 de 14 de julho de 2008[6] com a finalidade de regulamentar a aplicação da lei em comento. Porém, excedendo à autorização legislativa, determinou-se a incidência da Lei 11.672/2008 “tanto na jurisdição cível quanto na criminal” para apreciação de recursos repetitivos, inclusive com a possibilidade de serem novamente submetidos a apreciação, caso a decisão seja diversa da adotada pelo STJ. 


Conclui-se, assim, que a norma que alterou o CPC não poderá ser estendida aos recursos especial em matéria criminal porque o legislador quis expressamente alterar o Código de ritos cíveis, caso o mesmo pretendesse incluir todas as matérias possíveis na nova norma ter-se-ia alterado a Lei 8.038 de 1990 que trata das condições gerais para interposição de recursos especiais e extraordinários e não somente o CPC como o fez. Tal conclusão tem respaldo também na jurisprudência do STF consubstanciada no verbete sumular 699 que afirma não repercutir no Código de Processo Penal as alterações ocorridas no Código de Processo Civil.


Outro substancial argumento que afasta por completo a incidência da novel legis na seara criminal é extraído da própria relação jurídica processual penal. Esta é completamente diversa das outras áreas do direito, até mesmo pelo bem jurídico tutelado, envolvido na relação, e que, na maioria das vezes, foge da esfera de disponibilidade do titular do direito, repercutindo em toda coletividade, como demonstramos acima.


Por derradeiro, os diversos instrumento previstos na legislação em comento, tais como a seleção de julgados para serem levados ao STJ, a retenção de recursos no tribunal de origem, a figura do amicus curiae, além, do que mais grave, a possibilidade reexame de decisões proferidas pelo tribunal a quo de modo a adequar-se ao posicionamento firmado pelo STJ, são todas, em suma, contrárias aos princípios reitores do sistema processual penal acusatório estabelecidos na Lei Maior.


 


Notas:

[1] Fonte: Superior tribunal de Justiça – STJ, disponível em www.stj.gov.br/notícias, consultado em 02 de agosto de 2008.

[2]Idem.

[3]TORNAGHI. Helio, Curso de Processo Penal, vol.I,  Ed. Saraiva, 1989, 6ª. Edição p.498

[4] BINDER, , Alberto.Introdução ao direito processual penal. Tradução de Fernanda Zani. Editora Lumen Juris 2003

[5] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo. Ed Revista dos Tribunais 2002

[6] Fonte: Fonte: Superior tribunal de Justiça – STJ, disponível em www.stj.gov.br consultado em 02 de agosto de 2008.


Informações Sobre o Autor

Esdras dos Santos Carvalho

Defensor Público Federal de Categoria Especial, Titular do 30o. Ofício Superior – Tribunais Superiores – Especializado Criminal;
Professor de Prática Processual Penal, Direito Processual Penal Militar e Professor de Direito Processual Penal do UNICEUB – Brasília /DF
Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UNIFACS

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