Princípio da Separação de Poderes em corrente tripartite

Sumário: Introdução. I. Separação de poderes. 1 Poder e Separação de Poder; 1.1 Poder; 1.2 Poder político; 1.3 Separação de Poderes; II. Corrente tripartite . 2 A Tripartição de poderes;  2.1 Tripartição segundo Aristóteles; 2.1.1 O poder deliberativo segundo Aristóteles; 2.1.2 O poder executivo segundo Aristóteles; 2.1.3 O poder Judiciário segundo Aristóteles; 2.2 Tripartição segundo Locke; 2.3 Tripartição segundo Montesquieu; 2.3.1 O Poder Legislativo Segundo Montesquieu; 2.3.1.1 Câmara Baixa; 2.3.1.2 Câmara Alta; 2.3.2 O Poder Executivo Segundo Montesquieu; 2.3.3 O Poder Judiciário Segundo Montesquieu; 2.3.4 Freios e Contrapesos em Montesquieu; 2.4 A Tripartição na Constituição Americana; 2.5 A Tripartição nas Constituições Brasileiras; III. Aplicação da separação de poderes no brasil; 3 A Tripartição no atual ordenamento Jurídico brasileiro; 3.1 Funções Estatais; 3.2 Funções Constitucionais e Constitucionalmente Instituídas; 3.2.1 Poder Legislativo; 3.2.2 Poder Executivo; 3.2.3 Poder Judiciário; 3.3 Objetivos; conclusão.


INTRODUÇÃO


Por se tratar de assunto de fundamental importância, o tema da separação de poderes tem sido objeto de considerações ao longo da história por grandes pensadores e jurisconsultos, dentre os quais podemos citar Platão, Aristóteles, Locke, Montesquieu, entre outros, que culminaram no modelo tripartite conhecido atualmente, inclusive como princípio constitucional no ordenamento jurídico brasileiro (artigo 2º), também utilizado na maioria das organizações de governo das democracias ocidentais, consagrado com a inserção do artigo 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, nos idos de 1789. O modelo tripartite atual consiste em atribuir a três órgãos independentes e harmônicos entre si as funções Legislativa, Executiva e Judiciária.


Essa teoria da separação de poderes em corrente tripartite, foi esboçado primeiramente por Aristóteles em sua obra “A Política”, em que admitia existir três órgãos separados a quem cabiam as decisões do Estado. Eram eles o poder Deliberativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Posteriormente, Locke em sua obra “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”, concebendo o Poder Legislativo como sendo superior aos demais, que inclusive estariam subordinados a ele, quais sejam, o Executivo com a incumbência de aplicar as leis e o Federativo que, muito embora, tivesse legitimidade não poderia ser desvinculado do Executivo, cabendo a este cuidar das relações internacionais do governo.


Todavia é nítido na doutrina um consenso em atribuir a Montesquieu a consagração da tripartição de poderes com as devidas repartições de atribuições no modelo mais aceito atualmente por todos, em sua obra “O Espírito das Leis”, com a inclusão do poder judiciário entre os poderes fundamentais do Estado. Haja vista, podemos até mesmo dividir a história desta teoria entre antes e depois de Montesquieu, tamanha foi a contribuição que este deixou, numa verdadeira obra de arte de legislação, própria daqueles que se predispõe sem reservas a defender os seus ideais.    


Porém, Aristóteles, Locke e Montesquieu, entre outros de sua época, não foram os criadores da presente doutrina e sim quem, com grande brilhantismo e sabedoria, as sistematizou em contornos específicos, baseando-se em teorias já existentes, como podemos verificar em relatos antigos deixados em obras clássicas de célebres autores, como Platão, por exemplo, em “A República”, onde podemos visualizar pontos que deixam clara a concepção de uma teoria que consistia em subdividir as funções do Estado de forma que esta não se concentrasse nas mãos de apenas uma pessoa, o que poderia dar ensejo a trágicos fins, uma vez que, como todos sabem, o homem se desvirtua ante a concentração e a não limitação de poder a ele outorgado.


Assim, para se aprofundar o questionamento sobre o real aparecimento da separação de poderes é necessário, não apenas, buscar na origem das idéias dos precursores desta teoria, tais como, Montesquieu, Locke, Aristóteles, Platão, como também, alcançar a fonte de suas inspirações.


Célebres autores, em clássicas obras, entre elas algumas anteriormente citadas, discorreram sobre a separação de poderes, contribuindo com aquele que é hoje um dos princípios basilares da ordem jurídica de vários Estados. Contemporaneamente, também, doutrinas balizadas de grandes mestres em Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado reconhecem a origem da divisão funcional de poder, mais conhecida como a separação de poderes, de formas distintas, todavia com alguns pontos em comum.


Para a análise deste princípio constitucional torna-se necessário subdividir os diferentes momentos em que foram objeto de estudo. Com isso, verifica-se primeiramente a forma primitiva da separação de poderes, o nascimento das idéias precursoras desta teoria, almejando encontrar uma razão de ser desta desconcentração de poder. Tocar-se-á, então, em um ponto extremamente delicado, uma vez que, diferentes doutrinadores concebem o surgimento da separação de poderes em épocas distintas e em suas mais variadas formas. No entanto, há de se conceber que uns se remetem a Aristóteles, outros chegam a ir mais longe, até Platão, para explicar a teoria da separação. Sabe-se, todavia, que ambos foram discípulos e sucessores de Sócrates que buscava a verdade plena e essencial das coisas no princípio das idéias, na verdade real. Afinal de contas, de acordo com o grande mestre Socrático, a verdade plena é aquela que não pode variar, se há uma verdade essencial para os homens esta deve valer para todas as pessoas. Diante disso, analisa-se, esta separação implícita e original.  


Num segundo momento, torna-se necessário o enfoque ao nascimento da clássica doutrina tripartite. Essa foi concebida tomando-se em conta que, não obstante ser evidente a existência de uma separação das funções do Estado, esta deve ser distribuída a três órgãos independentes que devem ser legitimados a exercer seus misteres com autonomia e igualdade, respeitando reciprocamente suas esfera de competência, contrabalanceando e limitando o exercício do poder Estatal. Os sistematizadores desta tripartição trabalharam cada qual com diferentes conceitos de atribuições determinados a cada esfera de poder, porém foi Montesquieu, em sua obra “O Espírito das Leis” quem deu os contornos específicos e determinados aos poderes do Estado, chegando à sua forma mais aceita na atualidade.


A contribuição que Montesquieu deu à história da separação de poderes foi imensa. Foi ele quem fundamentou a divisão dos poderes do Estado e deu contornos específicos a cada um deles. Foi também o grande mestre quem lançou as bases daquele que viria a ser um princípio constitucional da maior importância para as grandes democracias atuais.  


Após a verificação da concepção da separação de poderes e esta em corrente tripartite, resta o exame da aplicação desse principio no atual ordenamento jurídico brasileiro.


Os poderes executivo, Legislativo e Judiciário possuem atribuições próprias, que são aquelas específicas e determinadas a cada esfera de poder, a quem cabe exercê-las com exclusividade. Também possui atribuições constitucionalmente instituídas, que legitimam um determinado poder a exercer as funções próprias a outra esfera de poder.


Trata-se também de uma prescrição constitucional conhecida como o sistema de freios e contrapesos, que consiste na prática de delimitação de um poder por outro.


Isto posto, não se pretende esgotar o assunto em torno da separação de poderes, tamanha a complexidade do tema que se apresenta, mas tão somente acentuar a discussão em torno do surgimento deste princípio presente hoje na maioria das organizações de governo das democracias ocidentais, inclusive inserido no texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.


Pretende-se tão somente estudar a evolução da separação de poderes até uma corrente tripartite e esta até a sua aplicação prática no atual ordenamento jurídico brasileiro, contribuindo humildemente com a doutrina jurídica existente, discorrendo sobre os pensadores que a esboçaram, detalharam e consagraram ao longo da história com tamanho brilhantismo, assim como, seus posicionamentos e suas fundamentações, sempre almejando a verdade plena, ou pelo menos a que mais se aproxima dela.


I. SEPARAÇÃO DE PODERES


1. PODER E SEPARAÇÃO DE PODER


O tema da separação de poderes tem atravessado épocas, sendo objeto de considerações por grandes autores em clássicas obras no decorrer da história. É uma doutrina que surgiu com o objetivo fundamental de se limitar o poder do homem, impedindo que este o use indiscriminadamente, o que causaria uma grande desproporção e desigualdade em relação aos que o devem obediência.


Desde os primórdios de sua existência, o homem passou a viver em bandos, dependendo uns dos outros, movidos pelo sentimento de defesa e sobrevivência, quando estes lutavam entre si objetivando a conquista de alimentos e com a própria natureza à medida que estes se sentiam ameaçados pelos perigos que ela apresentava. Foi a partir de então, que eles passaram a constituir pequenas sociedades. Essas sociedades eram chefiadas por aqueles que conseguiam dirigir os grupos no embate contra os demais considerados inimigos, daí falar-se em uma ordem naturalmente adquirida através de um dom preestabelecido a determinados indivíduos com características singulares.


Com o estabelecimento de líderes desses grupos primitivos, surge a autoridade e a figura do poder entre os homens, na luta constante pela vida em sociedade, que vai se organizando e aperfeiçoando no decorrer da história da humanidade.


Dessa forma se fundamentam as sociedades, intimamente ligadas à função do poder, com os homens unindo-se em grupos, onde os mais fortes sempre prevaleciam contra os mais fracos, sendo assim sucessivamente substituídos por seus herdeiros, como mais tarde se estabeleceram as monarquias absolutas.


1.1. Poder


Para o homem, desde a origem da sociedade, o poder é algo tão natural e necessário que não se pode conceber uma sociedade sem que essa esteja firmada sobre as bases da obediência civil e do poder, daí podermos concluir que o poder político foi instituído pelos homens desde épocas remotas.


Podemos citar o autor contemporâneo, José Afonso da Silva, em sua definição sobre poder, como sendo:


“Um fenômeno sócio-cultural. Quer isso dizer que é fato da vida social. Pertencer a um grupo social é reconhecer que ele pode exigir certos atos, uma conduta conforme com os fins perseguidos; é admitir que pode nos impor certos esforços custosos, certos sacrifícios; que pode fixar, aos nossos desejos, certos limites e prescrever, às nossas atividades, certas formas. Tal é o poder inerente ao grupo, que se pode definir como uma energia capaz de coordenar e impor decisões visando à realização de determinados fins”.[1]


1.2. Poder político


O Estado é a institucionalização do poder político para a realização do bem comum. Portanto, o poder político – ou poder estatal – é uma exigência indispensável a organização do Estado, a quem cabe aplicá-las na sua estruturação e em relação aos particulares e administrados. 


O exercício do poder, só é possível dentro de uma organização social, logo o poder do Estado é o poder organizado pelo direito, através de sua eficácia de forma que o centro de todo o sistema jurídico é o equilíbrio do poder social. Manoel Gonçalves Ferreira Filho preleciona que “Não há, nem pode haver, Estado sem poder. Este é o princípio unificador da ordem jurídica e, como tal, evidentemente, é uno”. [2]


Não há a menor dúvida quanto a necessidade da existência do poder como braço coercitivo do Estado, que o leva a impor determinados atos ao conjunto social, todavia o que deve ser verificado é a forma de distribuição desse poder, se concentrado tão somente nas mãos de uma pessoa, o que parece um tanto quanto perigoso e temos um exemplo clássico quando na instituição da monarquia absoluta que comprovam esta afirmação; ou na distribuição de funções a determinados órgãos independentes e harmônicos entre si, numa verdadeira divisão funcional de poderes, em que um poder é limitado a todo tempo por outro poder, o que se afigura como sendo a alternativa mais coerente, uma vez que há um balanceamento controlado no exercício do poder.


1.3. Separação de poderes


Antigos pensadores já acentuavam a importância da limitação do poder político. Isto deveria ser realizado de forma que um poder fosse limitado por outro poder, evitando-se, assim, estabelecer uma autoridade demasiada poderosa, sem freios nem paliativos. Em Platão, já podemos visualizar esta intenção. Ele foi o primeiro a falar sobre separação das funções da cidade na instituição da cidade, quando este discorreu sobre a Pólis perfeita, afirmando que deveria haver uma distribuição de funções dos entes da comunidade, ou seja, cada pessoa deveria realizar a sua função junto ao grupo social, ficando mais clara essa idéia, inclusive, quando menciona os afazeres dos guerreiros que deveriam proteger a cidade, dos magistrados que deveriam governá-la e dos mercadores que deveriam produzir e comercializar os bens de consumo. Platão seria o primeiro autor a esboçar a idéia de uma desconcentração de poder, levantando uma corrente doutrinária baseada no equilíbrio, proporcionado por uma organização política formada por partes, defendendo inclusive uma teoria de que o todo precede as partes. Entendia a realização das funções de cada indivíduo de acordo com as suas atribuições, como sendo o princípio de uma ordem justa, equânime e harmônica.


O pensador sempre teve a constante preocupação de resguardar o indivíduo dos abusos daqueles que ocupam o poder político de uma sociedade. Isso fica bem evidenciado quando demonstra que o Estado e o poder devem estar atrelados à Justiça, que é, inclusive, um critério de verdade na condução da coisa pública. Para ele uma ordem política deve estar necessariamente baseada na justiça.


Platão, assim como seu mestre Sócrates, sempre buscou descobrir a verdade essencial das coisas, a verdade primeira, encontrada no fundamento das coisas, àquela que não abriria margens a questionamentos, exatamente porque ela não pode variar. Logo, esta verdade deve ser buscada além do físico, em algo superior que transcende a lógica real, o pensamento humano. Algo que estava acima de suas percepções, tamanha a sua frustração ao sentenciar que nada sabia, apesar de todas as suas convicções, suas habilidades dialéticas, sua experiência e sua arte de raciocínio. Sócrates reconheceu a existência de limitações que o impediam a responder determinados questionamentos. 


Numa concepção não materialista, seja ela teológica ou filosófica, ficará visível que a divisão de poderes é um anseio inconsciente e incondicional, uma imposição natural da vida, algo próprio da natureza das coisas, do âmago do ser, pelo qual, por mais que deseje o homem, dele nunca poderá se afastar, chegando à conclusão de que é algo necessariamente invariável, preexistente antes mesmo de seu aparecimento no Planeta.


Platão firmou uma teoria de que a divisão das funções estatais era algo imprescindível e necessário, embora não tenha dado contornos específicos a essa divisão. Apenas lançou as primeiras indagações, desenhando a cidade que mais demonstrava atender aos anseios da sociedade, ao bem comum, àquela que mais se aproximava com o modelo ideal.          


Foi, contudo, mais tarde Aristóteles, o mais renomado discípulo de Platão, quem deu contornos específicos a uma distribuição de funções, quando realizou uma verdadeira investigação à constituição do Estado no intuito de descobrir quais eram as formas de governo e as instituições capazes de assegurar a felicidade coletiva. 


II – CORRENTE TRIPARTITE


2. A TRIPARTIÇÃO DE PODERES


Não obstante ter ficado evidenciado que as funções estatais deveriam ser separadas evitando o excesso de poder nas mãos de apenas um indivíduo, precisava-se estabelecer como se daria esta separação, quais seriam e que atribuições teriam cada esfera de poder. Afinal, a que princípios esta divisão respeitaria? Como seria o relacionamento de um poder em relação ao outro? Seria um poder superior aos demais ou haveria uma independência harmônica entre eles?


Na sistematização dessa teoria e no intuito de responder a estes questionamentos, alguns pensadores posteriores a Platão dedicaram-se, em suas célebres obras, a buscar o modelo que mais se aproximasse do ideal igualitário pretendido, àquele que valeria não apenas para um Estado específico, mas como modelo para os demais.


Entre estes pensadores, podemos destacar Aristóteles, Locke e Montesquieu, conforme preleciona Alexandre de Moraes em seu livro Direito Constitucional:


“A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação de poderes”, que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgão autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na obra “Política”, detalhada posteriormente, por John Locke, no Segundo Tratado de Governo Civil, que também reconheceu três funções distintas, entre elas a executiva, consistente em aplicar a força pública no interno, para assegurar a ordem e o direito, e a federativa, consistente em manter relações com outros Estados, especialmente por meio de alianças. E, finalmente, consagrada na obra de Montesquieu O Espírito das Leis, a quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio fundamental da organização política liberal e transformando-se em dogma pelo art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e é prevista no art. 2º de nossa Constituição Federal”.[3]


Ou ainda, conforme acentua Manoel Gonçalves Ferreira Filho em seu Curso de Direito Constitucional, reconhecendo a origem da separação de poderes:


“… Esse compromisso foi teorizado por Locke, no segundo tratado do Governo Civil, que o justificou a partir da hipótese do estado de natureza. Ganhou ele, porém, repercussão estrondosa na obra de Montesquieu, O espírito das leis, que o transformou numa das célebres doutrinas políticas de todos os tempos”. [4]


Para mais à frente discorrer sobre a classificação das funções do Estado;


“A “Separação de Poderes”, como se indicou acima, pressupõe a tripartição das funções do Estado, ou seja, a distinção da funções legislativa, administrativa (ou executiva) e jurisdicional.


Essa classificação que é devida a Montesquieu encontra, porém, antecedentes na obra de Aristóteles e Locke”.[5]


Todos estes grandes pensadores destacados, assim como outros em menor parcela, contribuíram para aquele que é hoje um dos princípios fundamentais da maioria das organizações políticas e sociais.


2.1. Tripartição segundo Aristóteles


O surgimento da doutrina da separação de poderes em corrente tripartite fica evidenciada originalmente na antiguidade grega, em seu notável filósofo Aristóteles, quando investigou a constituição do Estado, no intuito de descobrir quais eram as formas de governo capazes de assegurar a felicidade coletiva, na sua obra A Política. Nesta podemos perceber nitidamente uma concepção da tripartição das funções do Estado, que são segundo Aristóteles, as três partes constitutivas do Estado, designadas pelo nome de corpos deliberativos, dos magistrados e dos juízes.


Aristóteles, assim como seu mestre Platão, também considerava injusto e perigoso atribuir a apenas um individuo o exercício do poder pleno. Em sua concepção tripartite, considerava a divisão do governo do Estado como sendo, a Deliberativa, ou seja, aquela que deliberava sobre os negócios do Estado; a Executiva, como sendo aquela que consistia, basicamente, na aplicação, por parte dos magistrados, dessas decisões e, finalmente a que abrange os cargos de jurisdição, ou judiciária.


Todavia, o que Aristóteles não fez ao cuidar do tema em questão, foi sugerir a atribuição de cada um desses poderes a órgão independentes e especializados.


 2.1.1. O poder deliberativo segundo Aristóteles


Para Aristóteles, o primeiro poder é o deliberativo, ou seja, aquele que delibera sobre os negócios do Estado, aos quais cabiam determinadas funções específicas a serem exercidas pela assembléia dos cidadãos, entre elas, decidir sobre a paz e a guerra, contrair alianças ou rompê-las, fazer as leis e suprimi-Ias, decretar a pena de morte, de banimento e de confisco, assim como prestar contas aos magistrados.


As deliberações exercidas nas assembléias deveriam contar com a participação de todos os cidadãos, de diversas maneiras. Elas diferenciavam-se de acordo com a natureza dos Estados. Na democracia para se conseguirem boas deliberações, era necessário que as Assembléias fossem ordenadas e regulamentadas como os tribunais das oligarquias. Segundo Aristóteles também seria bom que os membros da Assembléia fossem escolhidos de igual forma, ou por eleição ou por sorteio, nas diversas classes do Estado, podendo-se ainda admitir a todos na Assembléia, mas só conceder voz deliberativa aos magistrados.


O corpo deliberativo, para o estagirista, deveria ser o verdadeiro soberano do Estado.


2.1.2. O poder executivo segundo Aristóteles


Após a concepção das assembléias, Aristóteles discorre acerca das magistraturas governamentais, que exerciam as deliberações acerca dos negócios do Estado, isto é, os poderes constituídos de que o Estado precisa para agir.


Considerava difícil a tarefa de escolha daqueles que deveriam chamar-se magistrados. Deveria ser levada em consideração a sua origem, de onde tirá-los, por quem e como deveriam ser escolhidos, de quantas maneiras isto poderia ser feito e qual a que mais convinha a cada forma de governo.


Para ele era preferível, no tocante ao seu exercício, que as mesmas pessoas tornassem a aparecer freqüentemente, ou que não assumam duas vezes o cargo, mas apenas uma. Quanto ao período de assunção, este não deveria ser nem perpétuo nem tão curto e sim moderado.


Tratou Aristóteles sobre a escolha dos magistrados, das funções essenciais exercidas pelas magistraturas e de suas diversas formas de concepção.


2.1.3. O poder judiciário segundo Aristóteles


O terceiro órgão da constituição do governo a ser estudado por Aristóteles foi a ordem judiciária. Nela, discorre sobre sua forma de escolha dos juízes, que poderiam ser realizadas por sorteio ou por eleição e da divisão dos tribunais.


Ainda sobre a ordem judiciária discorre Aristóteles


“O bem político é a justiça, da qual é inseparável o interesse comum, e muitos concordam em considerar a justiça, como dissemos em nossa Ética, como uma espécie de igualdade. Se há, dizem os filósofos, algo de justo entre os homens é a igualdade de tratamento entre as pessoas iguais”. [6]


2.2. Tripartição segundo Locke


John Locke (1632 – 1704), notável pensador Inglês, considerado o fundador do empirismo – doutrina pela qual considera que todo o conhecimento deriva da experiência sensível e da reflexão – também discorreu em sua obra “O Segundo Tratado do Governo Civil” sobre a tripartição dos poderes.


Nesta obra, Locke define a condição natural do homem, ou seja, a existência de um Estado em que todos sejam livres, em absoluto, para decidir sobre suas ações, dispor de seus bens e de suas pessoas como bem entender, dentro dos limites do direito natural. Defende que o direito natural, ao reger a liberdade humana, assegura e impõe a cada ser humano um juízo de valor a causa própria, pois todos são iguais perante o Criador Supremo, sendo obras de suas mãos, devendo ser seus direitos resguardados, não podendo, pois, serem lesados por ninguém.


No Capítulo XII, Locke propôs a divisão das funções do Estado como sendo a Legislativa, a Executiva e a Federativa.


Para Locke o Poder Legislativo é supremo em toda a comunidade civil, ao qual tudo o mais deve se subordinado é a ele quem cabe definir o modo com que a comunidade deverá utilizar a força para a sua defesa e a de seus membros. Impõe, por conseguinte algumas limitações ao Legislativo, entre os quais, o que as leis devem ser estabelecidas para todos de forma equiparada, não devendo ser modificadas em benefício próprio; o de que as leis devem ter como finalidade o bem do povo; de que não deve haver imposição sobre a propriedade do povo sem que este expresse o seu consentimento, seja individualmente ou através de representantes e a de que a competência para legislar não pode ser delegada para aqueles a quem o povo não confiou.


Locke concebe o poder executivo, cuja existência é perene, como sendo o responsável pela execução das leis internas.


Discorre ainda sobre um terceiro poder, que apesar de distinto, não pode ser separado do executivo, que denomina federativo, que é o responsável pela administração da comunidade, o relacionamento com os estrangeiros, compreendendo ainda a formação de alianças e decisões sobre guerra e paz.


Muito embora, Locke não discorra expressamente sobre o poder judiciário, refere-se a este como atividade meio do poder legislativo.


Locke também discorreu sobre a função prerrogativa, esta por ser também exercida pelo rei, como a função executiva, não pode ser considerada como um “quarto poder” uma vez que, só é cabível em casos de exceção constitucional como em casos extraordinários, como por exemplo, guerras e estados de emergência.  


2.3. Tripartição segundo Montesquieu


É, contudo, Montesquieu, dando prosseguimento às idéias de Locke, o responsável pela inclusão do poder de julgar entre os poderes fundamentais do Estado quando construiu a tese da desconcentração do poder centralizado, na figura da tripartição dos poderes.


O Barão de Brède e de Montesquieu foi nascido em Bordéus em 1689, estudou Direito em sua terra natal, onde também exerceu a Magistratura por cerca de doze anos. Foi católico praticante, muito conhecedor dos preceitos Bíblicos. Faleceu em 1755, aos sessenta e seis anos de idade.


Tratou Montesquieu da teoria tripartite, que consiste em atribuir ao Estado três esferas de poder, ou seja, o Legislativo, segundo o qual se fazem as leis para sempre ou para determinada época, bem como se aperfeiçoam ou revogam as que já se acham feitas; o Executivo, que se ocupa o príncipe ou magistrado da paz e da guerra, envia e recebe embaixadores, estabelece a segurança e previne as invasões; e finalmente o Judiciário, que dá ao príncipe ou ao magistrado a faculdade de punir os crimes ou julgar os dissídios da ordem civil. Nesta tese, Montesquieu pensa em não deixar nas mesmas mãos, as tarefas de legislar, administrar e julgar em observância às normas legais vigentes, pois, segundo o grande mestre, a experiência eterna mostra que todo o homem que tem o poder é levado a abusar dele, indo até onde possa encontrar limites.


Segundo tradução de Pedro Vieira Mota:


“Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar as os crimes ou as demandas dos particulares”. [7]


Montesquieu discorre sobre o grande perigo à liberdade em se reunir a função legislativa e executiva na mesma pessoa ou em um conjunto de pessoas, pois estes poderiam, não obstante legislar tiranicamente, também, executar essas leis de forma tirânica.


Da mesma forma, também seria uma afronta à liberdade se o poder de julgar não estivesse separado do poder de legislar, pois tendo o juiz o poder de legislar e ao mesmo tempo o de aplicar as leis aos casos concretos, resultaria em verdadeira arbitrariedade. Por outro lado, estando o poder de julgar junto ao de executar, teria o juiz a força de um opressor.


Por isso, para que não possam abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder. A desconcentração do poder é um remédio constitucional que procura estabelecer uma relação de equidade, onde nenhum poder faça de si mesmo condição de absoluto poder dentro das relações entre os membros da sociedade.


2.3.1. O poder legislativo segundo montesquieu


Para Montesquieu para que o homem seja considerado livre, este deve ser por si mesmo governado. Montesquieu estabelece então, o caráter dúplice do poder legislativo, através da câmara alta, confiada aos nobres e da câmara baixa, constituída pelos representantes escolhidos para representar o povo.


2.3.1.1. Câmara baixa


O poder legislativo é o verdadeiro representante do povo. Em virtude disso é necessário que o povo, em seu todo possua o poder legislativo. Todavia, como isso é impossível nos grandes Estados e que, mesmo nos pequenos, isto traga muitos inconvenientes, é preciso que o povo, composto por todos os cidadãos, eleja representantes a fim de que faça, por estes, tudo aquilo que por si não podem fazer. A esta representação dada ao povo pelo povo, constituem-se a Câmara Baixa.


2.3.1.2. Câmara alta


Em toda a sua doutrina, Montesquieu mostra uma preocupação constante com a limitação proporcional de poder. Não foi diferente quando este instituiu a Câmara Alta, formada pelos nobres, com o intuito de frear as iniciativas da Câmara Baixa, formada de representantes do povo e de também por estes serem freados.


2.3.2. O poder executivo segundo Montesquieu


O poder executivo deve ser exercido por um monarca, visto que, é melhor administra-lo por uma pessoa legitimada por que por várias.


2.3.3. O poder judiciário segundo Montesquieu


O poder judiciário foi bem caracterizado por Montesquieu que é uma das manifestações de soberania do Estado, que por sua importância não pode ser atribuído ao Executivo, tampouco ao Legislativo. Para ele, a jurisdição, não deve ser entregue a um grupo permanente de pessoas, mas por pessoas tiradas do seio do povo, em certas épocas do ano, para a formação de um tribunal que permanecerá ativo somente até a exigência de sua necessidade.


Contudo o poder de julgar não está intimamente ligado ao Estado, uma vez que, o juiz é apenas aquele que aplica as leis elaboradas pelo Executivo e Legislativo, sem qualquer participação em um outro, daí falar-se a um poder nulo e invisível. Respeitam-se as magistraturas, não aos magistrados.


2.3.4. Freios e contrapesos em Montesquieu


O que podemos extrair da tese de Montesquieu é o que o mesmo pretende resguardar a esfera de individualização de todas as arbitrariedades do poder público. Antes de Montesquieu, não havia um consenso quanto a separação de poderes, de forma que o que se observava era uma verdadeira confusão. Após ele, os Estados, um após outro adotaram sua doutrina tripartite, que hoje, com raríssimas exceções, é utilizada por todos os países.


Montesquieu, em toda a sua obra, sempre demonstrou preocupação com esferas de delimitação de competências. Não atribuir demasiados poderes a órgãos individuas de forma que um poder se sobressaia sobre outro de maneira sobremodo elevada sempre foram suas diretrizes doutrinárias. Daí poder-se atribuir a Montesquieu a Teoria dos Freios e Contrapesos, conforme vemos em citação do desembargador Pedro Vieira Mota:


“Estaria tudo perdido se em um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares”. [8]


O que Montesquieu nos deixou foram verdadeiras diretrizes a serem seguidas, desenvolvidas, observadas e aprimoradas, dada a importância extraída de seus textos minuciosamente trabalhados. Foi, sem a menor sombra de dúvidas, um dos maiores doutrinadores de todos os tempos.


2.4. A tripartição na constituição americana


Os americanos, temendo a acentuada preponderância do poder Legislativo em relação aos demais poderes, até então presentes nos tempos de Locke e Montesquieu, traçaram um modelo de tripartição em que conferia um equilíbrio à relação entre os poderes, com o objetivo de afastar o modelo europeu predominante até então.


Com isso, em 17 de setembro de 1787, os Estados Unidos da América prescreveram em sua Constituição as funções inerentes a cada esfera de poder, inaugurando o princípio, a nível constitucional, de tripartição de poderes.


Dois anos após, em 1789, este princípio se transformou em verdadeiro dogma, restando consagrado com a inclusão, no artigo 16, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, inaugurando a transição definitiva para o Estado Democrático de Direito.


2.5. A tripartição nas constituições brasileiras


O princípio da separação de poderes sempre foi um princípio fundamental do ordenamento jurídico brasileiro, haja vista, até mesmo a Carta Imperial de 1824, já previa o instituto unificador, em seu Título 3º:


“Dos poderes, e Representação Nacional.


Art. 9. A Divisão, e harmonia dos Poderes Políticos é o princípio conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer effectivas as garantias, que a Constituição offerece.


Art. 10. Os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial.”


Nota-se, porém, entre os clássicos poderes tripartites, a inclusão do poder moderador, tido por alguns doutrinadores como um quarto poder. Todavia, tanto o poder executivo quanto o poder moderador ficava acumulado nas mãos do imperador, sob o argumento de que o exercia para resguardar a independência, harmonia e equilíbrio dos demais poderes políticos, conforme texto inscrito no artigo 98 e seguinte da Carta imperial de 1824. Com isso, o que se via era exatamente o contrário, ou seja, um total desequilíbrio na relação dos poderes, com poder acentuadamente elevado nas mãos do Imperador. Esse período perdurou por 65 anos quando então, entrou em vigor a 1ª Constituição da República.


A “Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil”, de 1891, por sua vez, fez menção a clássica tripartição de poderes, deixando de lado a monarquia e estabelecendo o modelo americano de constituição, quando dispôs: “Art. 15. São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si”.


A segunda Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi promulgada em 1934 e acompanhou a anterior no tocante aos órgãos da soberania nacional, onde predispõe: “Art. 3º São órgãos da soberania nacional, dentro dos limites constitucionais, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e coordenados entre si”.


Já a Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, sob a égide ditatorial, simplesmente não faz menção às divisões das funções do Estado, estabelecendo somente suas respectivas competências.


Com a retomada da democracia no Brasil, o país obtém importantes avanços, dentre eles a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, onde descreve claramente em seu artigo 36;


“São Podêres da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si.


§ 1º O cidadão investido na função de um deles não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.


§ 2º É vedado a qualquer dos Podêres delegar atribuições”.


  O texto da Constituição do Brasil de 1967 também é bem semelhante, apenas invertendo a ordem das palavras, à de 1946, quando descreve em seu artigo 6º;


 “São Podêres da União, independentes e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.


Parágrafo único. Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; o cidadão investido na função de um deles não poderá exercer a de outro”.


  Da mesma forma, a Emenda Constitucional Nº 1, de 1969, não se afastou muito do enunciado anterior, quando apenas substitui a palavra cidadão por qualquer pessoa que for investido na função de um dos Poderes, também no artigo 6º, determina;


“São Poderes da União, independentes e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.


Parágrafo único. Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; quem fôr investido na função de um deles não poderá exercer a de outro”.


Dessa forma, vemos que a evolução do princípio da Separação dos Poderes no Brasil acompanhou a teoria Tripartite até os dias atuais, atravessando épocas, passando por regimes autoritários, ditatoriais, mas, todavia sem perder a sua essência, sua razão de ser, qual seja delegar atribuições a órgãos distintos, desconcentrando o poder demasiado e sem limites.    


Todas as constituições acima precederam àquela que viria a ser considerada a mais democrática de todas, a chamada Constituição Cidadã, que veio a fortalecer este princípio unificador da ordem política e social.


III. APLICAÇÃO DA SEPARAÇÃO DE PODERES NO BRASIL


3. A TRIPARTIÇÃO NO ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO


A Constituição da República Federativa do Brasil predispõe, em seu artigo 2º, que são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Essa classificação, conforme discorremos anteriormente, não foi realizada por obra exclusiva de apenas uma pessoa, mas objeto de anos de desenvolvimento teórico e prático realizados por mentes brilhantes, em diferentes momentos da história, que culminaram nesta obra prima de legislação aplicada hoje na maioria das democracias do mundo conhecido como o princípio da Separação de Poderes, este em Corrente Tripartite.


Trata-se de um princípio fundamental do ordenamento jurídico brasileiro que o legislador constituinte originário consagrou, na Carta Política de 1988, expressamente como cláusula pétrea no artigo 60, § 4º, III, que estabelece: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: […] a separação de poderes”.


A consagração da separação de poderes como cláusula pétrea, nos deixa evidenciada o tamanho da importância e do cuidado que o legislador constituinte originário teve ao estabelecer os fundamentos deste princípio na constituição da República Federativo do Brasil de 1988.  


3.1. Funções estatais


O Estado constitucional de Direito assenta-se na idéia de unidade, uma vez que, o poder estatal é uno e indivisível, havendo órgãos estatais, cujos agentes políticos têm a missão precípua de exercerem atos de soberania.


Assim, a Constituição Federal de 1988 atribuiu as funções estatais de soberania aos três tradicionais Poderes do Estado, a saber, Legislativo, Executivo e Judiciário. A estes órgãos, a Constituição Federal brindou com autoridade soberana do Estado, garantido-lhes autonomia e independência, dentro de uma visão harmônica.


Com respeito à independência dos poderes consagrados pela Constituição Federal Brasileira, discorreu com grande autoridade José Afonso da Silva sobre o seu significado,


“A independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a permanência das pessoas num órgão do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros; (b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais; assim é que cabe ao Presidente da República prover e extinguir cargos públicos da Administração federal, bem como exonerar ou demitir seus ocupantes, enquanto é da competência do Congresso Nacional ou dos Tribunais prover os cargos dos respectivos serviços administrativos, exonerar ou demitir seus ocupantes; às Câmaras do Congresso e aos Tribunais compete elaborar os respectivos regimentos internos, em que se consubstanciam as regras de seu funcionamento, sua organização, direção e polícia, ao passo que o Chefe do Executivo incumbe a organização da Administração Pública, estabelecer seus regimentos e regulamentos. Agora, a independência e autonomia do Poder Judiciário se tornaram ainda mais pronunciadas, pois passou para a sua competência também a nomeação dos juízes e tomar outras providências referentes à sua estrutura e funcionamento, inclusive em matéria orçamentária (arts. 95, 96, e 99)”.[9]


Mais à frente, o grande mestre também discorreu sobre a harmonia entre os poderes:


“A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem a sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o demando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados”.[10]         


Com a análise do texto constitucional podemos verificar que, apesar de os poderes do Estado ser independentes e autônomos devem também ser harmônicos entre si. Portanto não há que se falar em supremacia de um Poder em relação a outro Poder Estatal.


3.2. Funções constitucionais e constitucionalmente instituídas


Os poderes, reunidos em órgãos, possuem funções estabelecidas pelo legislador constituinte originário, que as distribuiu de forma que cada um dos poderes tivesse características predominantes concernentes à sua esfera de atuação, sem, contudo, estabelecer exclusividade absoluta no exercício desses misteres. Prova disso, que a todo o momento, um Poder interpenetra-se na esfera de atribuição de outro por essa expressa determinação constitucional, a fim de que se aplique o mecanismo de freios e contrapesos, desenvolvido por Montesquieu, como o verdadeiro caracterizador da harmonia entre os poderes.


Sobre o tema discorre Alexandre de Moraes em sua obra Direito Constitucional:


“Os órgãos exercentes das funções estatais, para serem independentes, conseguindo frear uns aos outros, com verdadeiros controles recíprocos, necessitavam de certas garantias e prerrogativas constitucionais. E tais garantias são invioláveis e impostergáveis, sob pena de ocorrer desequilíbrio entre eles e desestabilização do governo. E, quando o desequilíbrio agiganta o Executivo, instala-se o despotismo, a ditadura, desaguando no próprio arbítrio, como afirmava Montesquieu ao analisar a necessidade da existência de imunidades e prerrogativas para o bom exercício das funções do Estado”. [11]


Dessa forma, haverá um mínimo e um máximo de independência de cada órgão de poder do Estado, sob pena de se comprometer o princípio da separação. Também deverá haver uma delimitação mínima e máxima de instrumentos que favoreçam o exercício harmônico dos poderes, sob pena de, inexistindo limites, um poder se sobrepor a outro.


As Constituições anteriores estabeleciam expressamente a vedação a qualquer dos poderes em delegar atribuições, e aqueles que fossem investidos em um deles não poderiam exercer a de outro, exceto se de acordo com as exceções nelas previstas. Hoje, estas especificações são desnecessárias, pois a Constituição estabelece incompatibilidades relativamente ao exercício das funções dos poderes, por exemplo, no artigo 54 da CF/88, em relação aos Deputados e Senadores. Assim sendo, não há afronta ao princípio da separação dos poderes quando o chefe do poder executivo federal elabora decretos autônomos, pois há uma previsão no texto constitucional, no artigo 84, IV.[12]


Com relação à interpenetração de Poderes[13] do Estado, podemos citar como exemplo a nomeação pelo Presidente da República dos juízes de instâncias superiores, bem como a atividade legislativa exercida através do instituto das Medidas Provisórias. Também vemos as atribuições judiciais do Poder Legislativo, quando este, julga o Presidente da República em crimes de responsabilidade, além das funções legislativas do Poder Judiciário, ao elaborar os regimentos internos de seus Tribunais e ao preencher as lacunas na Lei.


Por outro lado, só será admissível a interferência de um poder na esfera de atribuição de outro, em tese, quando para impedir abusos de poder, seja para propiciar a real harmonia entre os poderes ou ainda para garantir as liberdades e assegurar o pleno exercício das funções específicas. Não será, todavia, admitida, em hipótese alguma, a interferência de um poder diretamente sobre o outro. Por exemplo, o Presidente da República não pode interferir nos trabalhos legislativos para obter aprovação rápida de projetos de sua iniciativa, mas lhe é facultado solicitar urgência para a sua apreciação, conforme dispõe o art. 64 § 1º, sob pena de obstruir a pauta das votações das respectivas Casas Legislativas de acordo com o § 2º do mesmo artigo ambos da CF/88.


Passaremos a discorrer individualmente sobre a relação entre os poderes, no exercício de suas atribuições constitucionais ou típicas[14] e suas atribuições constitucionalmente instituídas ou atípicas[15] de acordo com as normas da Constituição Federal de 88.


3.2.1. Poder legislativo


Ao Poder Legislativo cabe legislar e fiscalizar, sendo ambas igualmente importantes. Exerce também alguns controles que, segundo Alexandre de Moraes, pode ser o político-administrativo e o financeiro-orçamentário. Pelo primeiro controle, cabe a análise do gerenciamento do Estado, podendo, inclusive, questionar atos do Poder Executivo. Ainda como atribuição constitucional temos tutelada no artigo 58 § 3º a previsão de criação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), pela Câmara de Deputados e do Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais e daqueles previstos nos respectivos regimentos internos das Casas Legislativas.


Em relação ao segundo controle, financeiro-orçamentário, previsto dos artigos 70 a 75 da Constituição Federal, será exercida pelo Congresso Nacional com abrangência pública e privada, de acordo com o parágrafo único do artigo 70, incluído pela Emenda Constitucional nº 19/98, onde estabelece que preste conta qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelo qual a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigação de natureza pecuniária.    


Por outro lado, não raras vezes são atribuídas ao Poder Legislativo, funções administrativas, quando esta dispõe sobre sua organização e funcionamento interno, exercendo o provimento de cargos aos seus servidores, assim como, seu plano de carreira; também exerce a função de julgar, quando este, por exemplo, exerce o julgamento do Presidente da República nos crimes de responsabilidade, de acordo com o artigo 52, I e II da CF/88. 


3.2.2. Poder executivo


O Poder Executivo no Brasil é exercido pelo Presidente da República juntamente com os Ministros que por ele são indicados. É a ele que competem os atos de chefia de Estado, quando exerce a titularidade das relações internacionais e de governo, quando assume as relações políticas e econômicas assumidas no plano interno, típico do sistema presidencialista adotado no Brasil.


Dada a função precípua inerente ao poder Executivo, qual seja administrar o Estado, através da observação das regras emanadas do poder Legislativo, não raras vezes excursiona nos campos de atuação de outra esfera de poder. 


Dessa forma, temos o Executivo exercendo, por exemplo, a possibilidade de adoção do instituto das Medidas Provisórias, com força de Lei, conforme determina o artigo 62 da Magna Carta de 1988:


“Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar Medidas Provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”.


Podemos também citar, como atribuição atípica, o julgamento de seus servidores no contencioso administrativos.


3.2.3. Poder judiciário


Ao Poder Judiciário cabe a função jurisdicional, que consiste na aplicação da lei a um caso concreto, que lhe é apresentado como resultado de um conflito de interesses.


Por outro lado, também possuem o Poder Judiciário, atribuições atípicas de natureza administrativa e legislativa.


Dessa forma que, exerce a administração de atos relativos a seus servidores, por exemplo, licenças e férias de seus membros de acordo com o artigo 96, I, f da CF e o provimento de cargos de acordo com o artigo 96, I, c, também da CF.


Como atribuição legislativa tem a edição de normas regimentais, tutelada no artigo 96, I, a da CF, onde fica estabelecida a competência do Poder Judiciário a elaboração de seus regimentos internos, observando as normas processuais e as garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento de seus órgãos jurisdicionados e administrativos.


3.4. Objetivos


Para que o princípio da separação de poderes continue a perseguir o ideal para o qual fora criado, de dividir o poder estatal em forma equânime e harmônica, é necessário que sejam observadas as delimitações de atribuições de cada esfera de poder, observando o princípio da igualdade de direitos, em virtude de seu valor e de seu caráter principiológico, tendo em vista que, a ampliação desmesurada e inconseqüente dessas atribuições torna cada vez mais tênue a linha que separa os poderes, esvaindo o seu conteúdo, gerando uma confusão de poderes, longe daquele que foi tão perfeitamente desenvolvido pelos seus idealizadores.


CONCLUSÃO


Desde o momento em que os homens começaram a reunir-se em sociedades e ficar evidenciado a prevalência dos mais fortes sobre os menos favorecidos sem que houvesse limites predeterminados e definidos, é que surgiu a figura do poder entre os homens. Poder esse estabelecido por uma ordem naturalmente adquirida a certos indivíduos de características ímpares.


Dessa forma é que se fundamentaram as sociedades, intimamente ligadas à função do poder, dando origem a um ordenamento social chamado Estado, daí falar-se em poder estatal ou poder político. Portanto não é possível conceber um Estado sem que este esteja firmado sobre as bases do poder, afinal ele é algo tão necessário e fundamental como a existência do próprio Estado.


Quanto à necessidade da existência do poder como braço forte do Estado não resta a menor dúvida, pois não se pode conceber um Estado sem poder. O que na verdade se busca verificar é a forma de distribuição e limitação desse poder, da qual se conclui ao longo da história como sendo a mais eficaz e coerente àquela distribuída em funções com suas respectivas esferas de competência e atribuições individuais.


Na constante busca sobre a melhor forma de distribuir funções e também de limitar o poder demasiado, debruçaram-se vários pensadores que discorreram desde épocas remotas de forma bastante acentuada sobre o tema.


Platão foi o primeiro a deixar relatos sobre a necessidade de se estabelecer uma distribuição de funções aos entes da sociedade. Encontramos em Platão elementos suficientemente necessários, mais especificamente em sua obra “A República”, para definir como o marco inicial da fundamentação da teoria da separação de poderes. Seja ao discorrer sobre distribuição de funções dos entes pertencentes à comunidade, ou defendendo uma organização política formada por partes, da qual o todo é o objetivo final a ser beneficiado, pois é exatamente devido isso que o todo deve preceder às partes.


Platão, o mais famoso discípulo de Sócrates, muito embora tenha discorrido sobre o tema e lançado a pedra fundamental no arcabouço doutrinário inicial sobre o presente instituto, não criou propriamente dito o poder separado, apenas descobriu o caminho das águas. Na verdade o poder em si deve ser separado devido a um anseio inconsciente e incondicional do ser humano, algo que é próprio da natureza das coisas, do âmago do ser, daquele que não pode se desviar porque, por mais que se tente afastar, nunca se livrará.


Assim estabeleceu-se e fundamentou-se a idéia de que o poder, muito embora seja uno, deveria ser distribuído entre os membros da sociedade estatal, onde as partes deveriam se unir para alcançar um todo, afinal de contas, esse todo é o objetivo a ser alcançado e deve sempre sobrepor-se às partes.


Sabendo-se que a separação de poderes era um anseio inconsciente e incondicional do gênero humano e um modelo a ser perseguido e trabalhado pelos defensores de um ideal igualitário, partimos em busca de como deveria se dar esta separação propriamente dita, em uma corrente tripartite, ou seja, três esferas de poder que somados formassem, em harmonia, uma unidade, um todo.


Então, passamos a discorrer sobre os principais sistematizadores desta teoria tripartite, partindo de Aristóteles, passando por John Locke até chegar em Montesquieu que realmente revolucionou o presente instituto a ponto de ser considerado um repartidor de águas, afinal fala-se em separação de poderes antes e separação de poderes depois de Montesquieu, quando em sua obra, O Espírito das Leis, detalhou cada um dos poderes da República, com tamanho brilhantismo e sabedoria, que suas idéias são estudadas até os dias atuais, tamanha foi a contribuição que esse tremendo filósofo nos deixou.


Aristóteles, sempre manteve clara a sua preocupação com a busca da felicidade coletiva. Por isso, quando escreveu sobre a divisão de poderes, o fez por que sabia que o poder não poderia ser determinado indistintamente a apenas uma pessoa. Ele sabia que a não delimitação do poder nos levaria a um verdadeiro caos social, afinal, deixar o poder ao alvedrio de apenas um seria injusto e muito perigoso.


Muito embora, Aristóteles, não ter sugerido atribuições individuais a órgãos independentes de cada esfera de poder, discorreu sobre como este deveria ser distribuído. Assim, o primeiro poder seria o deliberativo, que como o próprio nome já diz, deliberaria sobre os negócios do Estado, sendo inclusive, o corpo deliberativo, formado pela assembléia dos cidadãos, que seriam o soberano do Estado. O segundo poder seria o executivo, responsável por exercer as deliberações emanadas do poder deliberativo. O terceiro poder, por sua vez, seria o poder judiciário.


Mais tarde, John Locke, um notável pensador inglês, também considerado o fundador do empirismo, também tratou da divisão dos poderes do Estado e este em uma corrente tripartite.


Na concepção de Locke, o Estado deveria considerar a esfera de liberdade de cada cidadão. O Estado ideal para Locke seria àquele em que fosse resguardada a liberdade, em absoluto, a todo homem de decidir sobre suas ações da forma que melhor entendessem.


Locke concebeu como poderes do Estado o Legislativo, o Executivo e o Federativo. O primeiro, seria um poder supremo na comunidade civil, embora com certas limitações. Ao segundo cabiam a execução das leis internas, sendo sua existência perene. O terceiro, chamado Federativo, embora fosse distinto, não poderia ser concebido separado do segundo.


Muito embora Locke não tenha discorrido expressamente sobre o poder Judiciário como um poder autônomo, este o discrimina como sendo uma atividade meio do poder Legislativo. Também faz menção sobre a função prerrogativa, exercida pelo rei da mesma forma que a Executiva, e somente cabível em caso de exceção constitucional como em casos de guerra e estado de emergência. Por isso, não podemos nos referir a este como sendo um “quarto poder” e sim uma derivação do poder Executivo. Nesse diapasão, não discorreu Locke sobre quatro poderes e sim três poderes com atribuições bem mais divididas e determinadas.


Contudo, conforme mencionamos em várias oportunidades anteriores, foi Montesquieu, dando prosseguimento às idéias de Locke quem realmente deu contornos específicos à Tripartição de Poderes. Foi ele o responsável pela inclusão do poder de julgar entre os poderes fundamentais do Estado. Ao Legislativo cabiam as funções de legislação, as quais eram exercidas, em caráter dúplice, através da câmara alta, confiada aos nobres e da câmara baixa, constituída pelos representantes escolhidos para representar o povo; ao Executivo, na pessoa do magistrado ou dos príncipes, entre outras, estabelecer a segurança e prevenir invasões e ao Judiciário, também como legitimados, os magistrados e os príncipes, a faculdade de punir os crimes ou julgar os dissídios de natureza civil. Tudo isto, com o devido cuidado de não deixar nas mesmas mãos a tarefa de legislar, administrar e julgar, pois este sempre foi uma observação preponderante na doutrina de Montesquieu, qual seja, a delimitação de poder, o poder freando a todo o tempo o poder, deixando sempre bem claro e latente que os homens não conhecem limites e diante do poder se tornam verdadeiros predadores de seus semelhantes, tornando-os como presas fáceis ante aos seus algozes.


Foram, todavia, os americanos quem, no ano de 1787, inauguraram o modelo constitucional tripartite, atribuindo a cada poder individualmente todas as suas esferas de atribuições, inclusive equilibrando os três poderes, uma vez que, até então, muito embora, Locke tivesse traçado as diretrizes à separação e Montesquieu sobre os freios e contrapesos, prevalecia ainda o poder legislativo sobre os demais poderes do Estado. Dois anos mais tarde, esse princípio constitucional lançado pelos americanos em respeito às diretrizes traçadas ao longo da história pelos citados pensadores, veio a tornar-se um verdadeiro dogma, sendo incluído na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, inaugurando a transição para um Estado democrático de direito.


No Brasil, desde sua formação, o princípio da separação de poderes em corrente tripartite sempre foi previsto em nossas constituições, tanto no período do império quanto na república. No período imperial, citou-se entre os três poderes fundamentais – Legislativo, Executivo e Judiciário – àquele que viria a ser considerado por alguns como um “quarto poder”, o chamado moderador, que não se fundamenta, pois, na verdade, o moderador seria apenas uma faculdade que o imperador teria a seu dispor, sob o argumento de que o exercia apenas para resguardar a harmonia e independência entre os poderes unificados. O que se viu na verdade, foi um verdadeiro desequilíbrio entre os poderes que perdurou por 65 anos, até a entrada em vigor da 1ª Constituição da República. A lição que nos restou deste período foi a de que toda vez que se procura interferir na corrente tripartite, esta se desordena, pois como já dissemos em outras oportunidades na presente é que ela é verdadeiramente um anseio incondicional da natureza humana, da qual o homem, por mais que tente, jamais conseguirá se desviar.


Conforme demonstramos, em 1891, o Brasil faz expressamente sua declaração tripartite fundamentando-se no modelo da constituição americana, seguida da mesma forma pela de 1934.


Em 1936, da era Vargas, em regime ditatorial, o que se vê são apenas as atribuições e competências dos três poderes, corrigida somente em 1946, incluindo expressamente em seu texto também os nomes dos três poderes, com a retomada da democracia. Semelhantemente à constituição de 1946 são a de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, não se afastando de seu enunciado.


Hoje, sob a égide da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a chamada constituição cidadã, referência esta feita por ser considerada a mais democrática de todas que a precederam, temos bem fundamentado este princípio da separação de poderes em corrente tripartite, inclusive como sendo fundamental resguardado pelo legislador constituinte originário com cláusula de barreira, impedindo assim, qualquer desavisado legislador derivado de tocar em suas determinações, que encontram razões históricas de existência, que não se fundamentaram da noite para o dia, como determinados instrumentos legislativos na atualidade, lançados ao alvedrio de quem quer que seja.


Falou-se das funções Estatais individualmente, de sua autonomia e independência, assim como, das imbricações entre funções constitucionais e funções constitucionalmente instituídas. Estas, a todo instante precisam enveredar nos campos de atuações das demais, num verdadeiro sistema de controle recíproco, chamado por Montesquieu de sistema de freios e contrapesos. Assim é que se garante o controle mútuo entre os poderes do Estado, com atribuições constitucionais individuais, porém jamais de uma forma soberana, permitindo por prévia previsão constitucional a interpenetração dos poderes.


A corrente tripartite segue assim cumprindo o seu papel unificador da ordem jurídica e constitucional, delimitando e ao mesmo tempo expandindo as esferas de competência dos poderes do Estado.


Não se pode, nem se deve ficar avesso a esta matéria de cunho histórico e fundamental. Todos aqueles que se referem ao fim dos poderes do Estado, simplesmente porque existe uma prévia previsão constitucional permissionária de que um poder atue na área de atuação de outro poder, deve primeiramente conhecer sua razão de existir, as barreiras enfrentadas até que se chegasse ao modelo atual difundido e aplicado na maioria das organizações políticas e democráticas internacionais e, só assim, respeitar e fazer cumprir, àquele que foi e que ainda é, uma das mais belas obras de legislação de todos os tempos. Também retirar de suas entrelinhas o modelo ideal de como se deve legislar, a receita que tem como ingredientes fundamentais, a harmonia, a independência e uma dose do mais puro respeito pelo Estado Democrático de Direito.


 


Referências bibliográficas:

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FERNANDEZ, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário Brasileiro Globo.45 ed. São Paulo: Globo, 1996.

LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. Trad. Alex Marins, São Paulo. Martin Claret: 2003.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis. Introdução, trad. e notas de Pedro Vieira Mota. 7ª ed. São Paulo. Saraiva: 2000.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

PLATÃO. A República. Trad. Enrico Corvisieri, São Paulo: Nova Cultural, 2004.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

 

Notas:

[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 106.

[2] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 33 Ed. Ver. e at. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 133.

[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 385

[4] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. Cit., p. 135.

[5] Ibidem. p. 135.

[6] ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 146.

[7] MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis. Introdução, trad. e notas de Pedro Vieira Mota. 7ª ed. São Paulo. Saraiva: 2000.

[8] Ibidem. p. 168.

[9] SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 110 

[10] Ibidem. p. 110.

[11] MORAES, Alexandre de. Op. Cit., p. 388.

[12] SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 111.

[13] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. Cit., p. 137.

[14] MORAES, Alexandre de. Op. Cit., p. 391.

[15] Ibidem. p. 391.


Informações Sobre o Autor

Julio Cezar da Silveira Couceiro

Advogado e Professor no Rio de Janeiro, pós graduando em Direito Processual Civil pela UCAM-CPGP.


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