Princípios constitucionais com força normativa e a atuação do Supremo Tribunal Federal

Resumo: O presente artigo demonstrará inicialmente como o fênomeno Constitucionalismo se desenvolveu e tomou a forma atual,  no âmbito Europeu e brasileiro. Seguir-se-á um estudo acerca do papel das constituições no decorrer da Idade Contemporânea. Nesse norte, pretende-se analisar o papel normativo dos princípios fundamentais positivados pela lei fundamental, bem como a eficácia dessas garantias no corpo social de um Estado Democrático de direito. O paper apresentará então algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, mormente na aplicação e interpretação constitucionais em alguns casos concretos. Propor-se-á a atuação exclusiva do STF como Corte Constitucional, deixando a cúpula do poder Judiciário aos demais Tribunais Superiores (STJ, TST e TSE). Este paper, enfim, pretende-se didático, sem profundas elocubrações teóricas, mas sim de forma a facilitar a compreensão do tema.[1]

Palavras-chave: Evolução do Constitucionalismo a Neoconstitucionalismo; Princípios Constitucionais; Atuação do Supremo Tribunal Federal; Normatividade dos princípios.

Abstract: The present paper is due to demonstrate, at first, how the Constitutionalism developed until taking the nowadays fashion. Thereafter proceeds with a study of the role of the Constitutions across the Contemporary Age.  Thereby, must be analyzed the normative key role of the fundamental principles put by the Magna Charta of a State in the Juridical Positivism System, as well as the effectiveness of these guarantees in the social body of a Democratic State based on the Rule of Law . The paper then will present some decisions of the Brazilian Supreme Court, mainly on Constitutional interpretation and application in some practical cases. The proposal is to set the acting of the STF (Portuguese initials for Federal Supreme Court of Brazil) Exclusively as Constitutional Court, letting the lead of the Judiciary Branch's to other chambers (Superior Justice Court, STJ; Superior Labor Court, TST and TSE, the Superior Electoral Court).

Keywords: Evolution from Constitutionalism to “Neoconstitutionalism”; Fundamental Principles; Brazilian Supreme Federal Court’s (STF) role; Normativity of the Principles.  

Sumário: Introdução. 1. Constitucionalismo ao Neoconstitucionalismo. 2. Constituição Como Documento Político-jurídico. 3 Atuação do Supremo Tribunal Federal. Considerações Finais.

Introdução

O objetivo do presente trabalho é mostrar a evolução do fenômeno constitucionalismo à sua mudança no pós 2ª Guerra, mais especificamente no Brasil a partir da elaboração da Constituição de 1988. Decorrente disso pretende-se analisar o papel normativo dos princípios fundamentais positivados pela lei fundamental, bem como a eficácia dessas garantias no corpo social de um Estado Democrático de direito.

Para tanto, serão apresentadas algumas discussões da  suprema corte acerca de sua atuação enquanto corte constitucional, no que tange a aplicação e interpretação constitucionais nos mais diversos casos concretos.

 Pretende-se tratar de assuntos um tanto polêmicos, em especial aqueles de grande efervescência midiática e na sociedade em geral. Uma discussão que mexe com tabus sociais, econômicos e religiosos, bem como o “senso comum jurídico”, fomentando opiniões das mais diversas. Portanto, longe da pretensão insalubre de trazer a verdade, mas sim de mostrar pontos de vista.

1. Do Constitucionalismo ao Neoconstitucionalismo.

Situe-se brevemente o campo de atuação por meio das explicações histórica, política e sociológica.

Um ponto de partida possível para uma conceituação do Constitucionalismo se deu com a Revolução Francesa, quando, com o advento do terceiro Estado (eminentemente a burguesia), foi elaborada uma constituição, que continha a separação e a limitação dos poderes, além da instituição de garantias comuns a todos os cidadãos.

Nota-se, desde logo, a supervalorização de direitos como a liberdade e a propriedade, claramente pleiteados por burgueses então. Nessa seara, cumpre lembrar, ainda a proeminência do poder legislativo, em detrimento do enfraquecimento do judiciário, tido como mera “boca da lei”. A razão para essa supremacia era explicada pelo fato do legislativo enunciar a vontade geral, opinião compartilhada aparentemente ainda hoje pelo eminente ministro Ricardo Lewandowski[2].

Ora, impensável que em nome da soberania popular (da maioria), torna-se muito fácil manobrar a vontade das pessoas para fazer cumprir ações, arbitrariedades próprias de uma minoria ou que claramente contrariam a vontade verdadeiramente geral.

Para o sociólogo Lassale, mais do que o fundamento de um ordenamento jurídico, uma constituição é força, e o direito, por conseqüência, concebido por aqueles que detêm o poder. Então, infere-se que uma constituição que não seja fruto da força dominante em um país não passaria de um pedaço de papel. Este argumento sedutor nos parece por extremo verossímil quando confrontamos nosso artigo 5º (caput e diversos incisos) com o que observamos cotidianamente.

Kelsen aparece como o germe de uma constituição enquanto documento jurídico, que funda o ordenamento, e a qual todas as demais leis são submetidas, em contraponto à ideia de mero documento político, conforme supracitado.

Contudo, para o Mestre de Viena, o direito prescindia de conteúdo, e confundia-se com aquilo que é posto por uma autoridade competente no âmbito do Estado como um simples instrumento legislativo, formalidade. A substância cabia, a seu ver, a outros campos do saber (filosofia, sociologia, psicologia, etc.). Tal concepção serviu como instrumento de poder, de um Estado máximo, num subseqüente momento histórico, malgrado não ser este, obviamente, o sentido dos Estudos de Kelsen.

 Após as conseqüências atrozes da segunda guerra mundial, iniciou-se na Europa um movimento que culminou no surgimento de constituições que protegessem os indivíduos em face do Estado, conferindo-lhes garantias fundamentais.

 Surgia então um Estado Social Democrático de Direito, o qual visava positivar princípios jurídicos em sua lei maior[3] . O movimento surgido foi chamado Neoconstitucionalismo.

Tal movimento visa dar ampla eficácia às garantias constitucionais, colocando a constituição no cerne das decisões jurídicas.

No Brasil o fenômeno iniciou-se com o advento da Constituição Federal de 1988, cujo objetivo maior é, inclusive na atualidade, ditar um novo rumo de justiça social, igualdade, dignidade da pessoa humana. Em suma, instituir o Estado Social Democrático de Direito em sua essência.

 O Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião constitucional, recebeu esse status pela edição da Lei Maior de 1988 (com a sua importância muito aumentada pela Emenda Constitucional 45, diga-se); anteriormente, sob outros nomes, exercia competências de suprema corte em nosso país[4] . Atualmente, a função principal dessa casa é de fato  guardar a supremacia de nossa carta magna[5].

2. Constituição Como Documento Político-Jurídico.

A partir do implemento da iniciativa dos Estados de elevarem a Constituição ao Centro do Ordenamento Jurídico, concedeu-se à Carta Magna, além da função de organizar (limitar) os poderes e sua competente administração, derivou-se uma positivação de princípios que visavam conferir-lhe verdadeira eficácia dentro da realidade social.

Wolkmer aponta como uma causa para a instauração do Estado de bem-estar Social a crise do modelo liberal de Estado em fins do século XIX e início do XX e, conseguintemente, a demanda de intervenção do Estado na economia, saúde, educação, etc.[6] . A decadência do antigo paradigma se deu devido à incapacidade de tal modelo em transpor os princípios fundamentais da lei para uma grande parcela da sociedade, de forma cristalina; foi exigida, assim a intervenção estatal para mudar os rumos.

A proposta do “Welfare State” engloba a definição de constituição como documento político-jurídico, pois o Estado, por meio de positivação de princípios e tentativa de eficácia desses, institui os direitos fundamentais sociais, que são tão importantes como aqueles relativos às garantias individuais (de defesa), pois um soldo digno, uma condição de saúde, educação e lazer mínimos são condições primordiais à própria liberdade e sobrevivência do indivíduo.

Konrad Hesse elaborou uma resposta a Lassale denominada  Força Normativa da Constituição.

O autor, desejoso por mostrar o papel de norma que as constituições continham, ampliando a visão sociológica (pedaço de papel desprezível, por vezes, perante a realidade social) e política (de mero instrumento de poder de grupos dominantes), ponderou:

“A pretensão de eficácia das normas constitucionais apresenta-se como elemento autônomo no campo de forças do qual resulta a realidade do Estado. A Constituição adquire força normativa na medida em que logra idealizar essa pretensão de eficácia.[7]

  Visando encontrar um caminho explicativo para a carta como projeto de sociedade, Hesse habilmente argumenta, contrapondo os que crêem ser a lei maior um documento utópico, sem relação com a realidade:

 “Se não quiser permanecer ‘eternamente estéril’, a Constituição não deve procurar construir o Estado de forma abstrata e teórica. Ela não logra produzir nada que já não esteja assente na natureza singular do presente”[8].

O autor propõe que “A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação”.

A partir da realização do pensamento supra referido, estar-se-ia fugindo de concepções utópicas impraticáveis e conferindo verdadeira substância às normas.

Para ele, a constituição está de fato vinculada à realidade histórica de seu tempo, mas não se condiciona somente a essa realidade. Caso haja a ocorrência de algum conflito, a lei fundamental deve tomar relevância como legítimo vértice do Sistema (o que de fato se propõe a ser) e intervir.

Assim, resta comprovada a força normativa exercida e intrínseca á Constituição da República Federativa do Brasil. Nessa senda, toma relevo, também, a discussão acerca dos princípios constitucionais enquanto normas quando considerado o fenômeno de constitucionalização dos direitos, notadamente o Civil como base da atuação do Direito Privado, que historicamente se viu diferenciado da esfera pública, e penal.

Tal fenômeno revela a Constituição como norteadora das relações jurídicas em todos os campos do Direito, conferindo, por exemplo, a instituição da chamada função social ao contrato e a intervenção direta da Constituição nos princípios relativos ao Direito Penal (diversos incisos do art. 5).

Há de se ter, em conta, uma diferenciação entre princípios e regras jurídicas: Os princípios são as normas jurídicas de natureza lógica anterior e superior às regras e que servem de base para sua criação, aplicação e interpretação do direito[9].

 Claro está que a centralização do ordenamento em um pacto instituído democrática e diretamente é muito salutar ao desenvolvimento do País.

Não se pode deixar de atentar, contudo, que a Carta Magna é, de fato, senão um projeto no que tange alguns de seus pilares, sendo necessário, portanto, um conhecimento e uma luta pelo direito pretendido com o fito de instrumentalizá-la por toda a Nação.

3. Atuação do Supremo Tribunal Federal

Conforme posto alhures, para tornar certa a eficácia das garantias fundamentais e conseqüente supremacia da Constituição, fez-se necessária a criação de um órgão que exercesse controle e servisse de guarda ao correto entendimento das normas e princípios constitucionais.

Tal instituição é o Supremo Tribunal Federal.

Ele não atua exclusivamente como corte constitucional  mas, também, como último grau de jurisdição na resolução de conflitos no ordenamento jurídico. Fato que inclusive suscitou das mais diversas críticas.

A censura ao duplo papel dessa corte dava-se sob o argumento de que  isso sobrecarregaria seus componentes com discussões menos importantes que matérias efetivamente constitucionais; ao passo que uma atenção exclusiva a assuntos constitucionais seria, além de mais funcional, mais salutar às instituições democráticas, devido ao fenômeno de “judicialização de políticas públicas”[10] .

No que tange seu enorme poder como regulador de conflitos constitucionais, questões importantíssimas de Estado e discussões polêmicas, há quem comente que o papel do STF revela-se como uma verdadeira afronta ao Estado Democrático de Direito vez que, ao exercer o papel de legislador em suas decisões, estar-se-ia contrariando o principio da separação dos poderes.

 Entretanto, atualmente, ante à letargia e os escândalos de corrupção que brotam no Legislativo e no Executivo, o Judiciário, especialmente o STF, enquanto guardião da Constituição, e mais, órgão instrumentalizador de seus princípios, deve, sim, manifestar-se, seja por meio da atuação em casos concretos ; seja por meio  de sua incumbência como corte constitucional, quando lhe couber discussões dessa natureza.

Vale lembrar que a atuação do STF, nos moldes em que se dá, é garantida pela constituição.

Observe-se algumas discussões do Tribunal federal concernentes à efetivação de princípios e regras constitucionais em casos concretos[11].

 No ARE 639.337-AgR, decidiu-se, por unanimidade, negar o agravo,  obrigando o município a matricular crianças em creche perto da escola; nesse sentido, o min. Relator Celso de Mello invocou a dignidade da pessoa humana, o mínimo existencial, a reserva do possível e a vedação do retrocesso social para fundamentar seu voto.

Ou seja, na ausência de políticas públicas favorecedoras das garantias constitucionais por parte dos dois outros poderes, o STF interveio de forma a garantir o direito à educação básica de crianças.

Questão muito polêmica devido à grande relevância social e jurídica, o reconhecimento da união homoafetiva pelo STF se deu pelas  ADI 4.277 e ADPF 132. Posteriormente, no RE 477.554-AgR, o Min. Rel. Celso de Mello argüiu,de maneira perspicaz, no sentido de efetivar princípios em prol de direitos humanos líquidos: “O STF – apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) – reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em consequência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares”[12].

A Corte máxima decidiu na ADI 3.510, pela constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias, por entenderem que os estudos não são contrários ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana, conforme lideranças religiosas sustentaram. Opostamente, tais pesquisas de fato promovem estas garantias

A casa Julgou improcedente a ADI 2.649, que pedia a inconstitucionalidade do passe livre a pessoas portadoras de deficiência, por violar os princípios da ordem econômica, isonomia, livre iniciativa e direito de propriedade. A eminente Min. Cármem Lúcia entendeu que a garantia

“é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados”[13] (grifamos).

As decisões acima colacionadas demonstram o frequente conflito entre Princípios Constitucionais, e nos quais a Suprema Corte deve decidir casos de acordo com o projeto de país proposto pela Constituição, o que, de fato ocorreu, por exemplo, nessa última ação: ora, se a base do Ordenamento Jurídico é a dignidade da pessoa humana e a justiça social, a melhor decisão foi tomada conforme os ditames insculpidos na Carta.

Considerações Finais

 A superação do paradigma sociológico, liberal e simplesmente político da Constituição se deu pelo fenômeno do Neoconstitucionalismo.

Tal fenômeno formalmente criado como uma proposta positiva para o alcance da sociedade almejada, conferindo poder de norma aos princípios e regras Constitucionais e permitindo que eles norteassem todos os demais fenômenos jurídicos.

 A atuação, via de regra louvável, do STF como Corte Constitucional revela essa força substancialmente se manifestando. Nessa liça tem-se como entendimento justo, ao Estado posto atualmente, que o Supremo deva funcionar, única e exclusivamente como Corte Constitucional, o que conduzirá as demais cortes superiores (STJ, TSE, TST) a tornarem-se a cúpula do Poder Judiciário, o último grau de jurisdição. Isso conferirá celeridade processual, foco da Suprema corte em matérias constitucionais, maior controle normativo à casa.

 

Referências
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3ª Ed. Editora Saraiva.
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. 1ª Ed. SafE.
LASSALE, Ferdinand. Essência da Constituição. 8ª Ed. Lumen Juris Editora.
QUEIROZ, Paulo. Direito Penal – Parte Geral.4ª Ed. Lumen Juris Editora
TEPEDINO, Gustavo. DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional. 1ª Ed. Editora Atlas.
WOLKMER, Antônio Carlos; perspectivas contemporâneas na fundamentação dos Direitos Humanos. Artigo.
 
Notas:
 
[1] Trabalho orientado por Ágata Rodrigues Machado

[5] Conforme Exposto no sítio do STF:” O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição Federal.”; em:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfConhecaStfInstitucional

[6] Wolkmer, Antônio Carlos; perspectivas contemporâneas na fundamentação dos Direitos Humanos; Pg.18

[7] Hesse, Konrad; A Forca Normativa da Constituição; pg.15

[8] (ibidem, pg 16)

[12] (ibidem)

[13] (ibidem)


Informações Sobre o Autor

João Matheus de Sousa Andrade

Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina


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