Prioridade à obtenção de títulos de direitos minerários e o prazo decadencial do direito de anulá-los

Resumo : Este artigo refere-se aos erros de consideração cometidos pela Administração ao atribuir o direito de prioridade ao requerente não prioritário de título de direitos minerários objetivando determinada área. Neste caso, o respectivo título outorgado é anulável, se a sua nulidade for pleiteada, por qualquer interessado, até um ano após a data da sua publicidade no Diário Oficial da União – D.O.U., prazo decadencial do direito de fazê-lo.

Palavras-chave : direito de prioridade. Erros de consideração. Nulidade do título. Decadência da nulidade.

Sumário : 1. Introdução. 2. Erros de consideração sobre a prioridade, admitidos na Lei. 3. Decadência do direito de anular o título minerário e implementar a condição resolutiva da titulação. 4. Conclusões. 5. Referências

1. Introdução

O art. 11, caput e alínea “a”, do Código de Mineração1, em redação dada pela Lei 6.403/19762, assim dispõe sobre o direito de prioridade à obtenção de título de direitos minerários (grifos do autor) :

“Art. 11 – Serão respeitados na aplicação dos regimes de Autorização, Licenciamento e Concessão:

a) o direito de prioridade à obtenção da autorização de pesquisa ou do registro de licença, atribuído ao interessado cujo requerimento tenha por objeto área considerada livre, para a finalidade pretendida, à data da protocolização do pedido no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atendidos os demais requisitos cabíveis, estabelecidos neste Código;”

Essa regra refere-se aos regimes de Autorização, Licenciamento e Concessão, mas, a ela estão também sujeitos os regimes de Permissão de Lavra Garimpeira e de Registro de Extração, criados após a edição da Lei 6.403/19762, que lhe deu redação. Se assim não fosse, uma área poderia ter múltipla oneração, se requerida sob diferentes regimes de aproveitamento de substâncias minerais, tornando impossível o controle de áreas oneradas pelo DNPM.

A regra, todavia, não se aplica ao regime de Licenciamento, na situação a que se refere o inciso III do art. 18 do Código de Mineração1.  Neste caso, o direito de prioridade será garantido ao requerente de registro de licença a partir da data da expedição da respectiva licença municipal, desde que o requerimento do seu registro seja protocolizado no DNPM dentro do prazo de 30 dias contados a partir desta data. Se protocolizado após a mesma, o requerimento ficará sujeito à regra geral do direito de prioridade estabelecida no supracitado art. 11 do Código de Mineração1..

2. Erros de consideração sobre a prioridade, admitidos na Lei

Viu-se que o direito de prioridade à obtenção do título de direitos minerários é atribuído àquele que requerer área considerada livre na data da protocolização do requerimento no DNPM. Esta regra admite, tacitamente, o cometimento de erros na atribuição do direito de prioridade, já que área “considerada” livre envolve subjetividade e pode não corresponder, objetivamente, a área livre. Contudo, tratando-se de determinação da Lei, é válido o título de direitos minerários outorgado pela Administração eivado de erros de consideração sobre a situação da área requerida, embora a sua vigência fique sujeita à condição resolutiva da anulação do título, dentro de prazo fixado na Lei.

Esses erros podem advir da incorreta localização da área requerida, quando do controle de áreas oneradas realizado pelo DNPM, ou da indevida consideração sobre a ordem cronológica dos requerimentos de títulos de direitos minerários que pleiteiam uma mesma área, ou parte dela, e consequente atribuição do direito de prioridade àquele cujo requerimento foi protocolizado posteriormente a outro(s), resultando no indeferimento deste(s) embora prioritário(s) em relação àquele..

Mesmo que a outorga do título de direitos minerários decorra de erro do administrador sobre a localização de respectiva área requerida, ou sobre a ordem cronológica de protocolização do requerimento que o pleiteou, o título prevalecerá vigente, caso a sua nulidade não for declarada oportunamente, administrativa ou judicialmente.

Vale observar que a nulidade de títulos de direitos minerários outorgados com infringência de dispositivos do Código de Mineração1 é determinada no caput do art. 66 deste Código1. O § 1º, alínea “a”, do citado artigo anuncia que a anulação será promovida ex officio nos casos de imprecisão intencional da definição de áreas de pesquisa ou lavra, e o § 2º, que “Nos demais casos, e sempre que possível, o DNPM procurará sanar a deficiência por via de atos de retificação”. Todavia, a outorga de cada um destes títulos é ato administrativo de interesse tanto da Administração quanto do respectivo titular e, por isto, a sua anulação deve ser decidida no devido processo legal, conforme declarado no acórdão proferido no RE nº 158543-9, valendo citar a seguinte pare da sua ementa :   

“Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. Presunção de legitimidade do ato administrativo praticado, que não pode ser afastada unilateralmente, porque é comum à Administração e ao particular.”

A respeito da anulação ou modificação do alvará de autorização de pesquisa especificamente, assim está declarado na ementa do acórdão proferido, pela Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no processo MAS 2002.34.00.003264-2/DF :

“2. De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, ‘o Alvará de Autorização de Pesquisa confere direitos e obrigações ao seu titular, assumindo o caráter de ato vinculado, pelo que não pode ser cancelado ou modificado, por ato unilateral da Administração, sem a observância do devido processo legal, com a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa (Constituição Federal, art. 5°, inciso LIV)’” (AC 2001.34.00.014469-0/DF, Rel. Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Sexta Turma, e- DJF1 de 28/10/2008).

Desse modo, ainda que a outorga do título de direitos minerários decorra de imprecisão intencional da definição de áreas, situação mencionada no § 1º, alínea “a”, do art. 66 do Código de Mineração1 e que caracteriza má-fé do agente do DNPM na localização de área titulada, sua anulação deverá ser objeto de decisão no devido processo legal, mesmo porque a má-fé não pode ser presumida, devendo ser provada. .

Evidentemente, esse procedimento não é exigido em situações nulas de pleno direito, a exemplo daquela referente a título outorgado com erros que o descaracterizam, tais como o nome do titular e/ou da área titulada diferentes do nome do requerente e/ou da área objetivada no respectivo requerimento, ou daqueloutra pertinente a título outorgado em área já titulada, que não pode prevalecer em detrimento do outro preexistente.

3. Decadência do direito de anular o título minerário e implementar a condição resolutiva da titulação.

A anulação do título de direitos minerários deverá, portanto, ser objeto de decisão no devido processo legal, com a garantia constitucional do contraditório e ampla defesa ao(s) interessados(s).  Mas, a anulação deverá ser pleiteada dentro de um ano, contado a partir da publicidade da outorga do título no D.O.U., prazo decadencial do direito de fazê-lo, nos termos do art. 66, caput e § 3º. do Código de Mineração1, quais sejam (grifos do autor) :  

“Art. 66 – São anuláveis os Alvarás de Pesquisa ou Decreto de Lavra quando outorgados com infringência de dispositivos deste Código.  […]

§ 3º – A nulidade poderá ser pleiteada judicialmente em ação proposta por qualquer interessado, no prazo de 1 (hum) ano, a contar da publicação do Decreto de Lavra no Diário Oficial da União.”

A referência exclusiva da Lei ao Decreto de Lavra (hoje, Portaria de Lavra), com omissão do Alvará de Pesquisa, deve ser debitada a descuido do legislador, já que ambos os títulos são mencionados no caput do supracitado art. 66, que anuncia a sua matéria. Demais disso, o art. 103, caput e § 3º, do Regulamento do Código de Mineração – RCM3 repete o art. 66, caput e § 3º, do Código1 regulamentado, acrescentando-lhe as Autorizações de Pesquisa omitidas e substituindo a referência ao Decreto de Lavra por menção a Concessões de Lavra. De resto, considerando que todos os títulos de direitos minerários têm natureza jurídica de concessão de direito real de uso de propriedade pública, instituto de que trata o art. 7º do Decreto-Lei 271/19674, em redação dada pela Lei 11.481/20075, a regra da decadência, anunciada no art. 66, caput e § 3º, do Código de Mineração1 e complementada no art. 103, caput e § 3º, do seu Regulamento3, atingirá todos.

Assim, a decadência do direito da Administração de anular títulos de direitos minerários não é de cinco anos, prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/19996, pois, em face de matéria minerária, esta Lei tem caráter geral, prevalecendo, no caso, o prazo decadencial de um ano, contado a partir da publicidade da outorga do título no D.O.U., fixado no § 3º do art. 66 do Código de Mineração1, lei especial da matéria (lex especialis derrogat legi generali). O dispositivo, repita-se, decreta a impossibilidade do Poder Judiciário declarar a nulidade dos citados títulos após decorrido este prazo decadencial.

A Administração Pública também deve respeito a esse prazo, ou seja, após o seu decurso são inconstitucionais as decisões administrativas de anular títulos de direitos minerários que geraram direitos e obrigações aos seus respectivos titulares. Vale lembrar que o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal7 proclama que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e, desse modo, estando o Poder Judiciário impedido de declarar a nulidade do título de direitos minerários, após um ano contado a partir da publicação da sua outorga no D.O.U., quando decai o direito de pleitear a sua nulidade em juízo, a Administração, a fortiori, também estará impedida de fazê-lo. Caso contrário, estaria dotada de poderes de julgamento legalmente excluídos da alçada do próprio Poder Judiciário.

A esse respeito, o PARECER/PROGE Nº 233/20018 declara :

“[…] o art. 66 do Código de Mineração encontra-se harmonizado com o espírito das leis de direito mineral que, reconhecendo a importância da mineração para o desenvolvimento sócio econômico nacional, cuidou de garantir a estabilidade do minerador para exercer suas atividades […]”

“[…] anteriormente à publicação da lei 9784, a AGU, em analisando processo a respeito de direito minerário, firmou entendimento de que o prazo prescricional ora debatido era de 01 ano – PARECER 04/93.”

A Doutrina é concordante a respeito da revisão de decisões administrativas, a exemplo do entendimento do insigne Celso Antônio Bandeira de Mello9 que, em seu brilhante “Curso de Direito Administrativo”, assim se refere à revisão de decisão da Administração :

“Nas hipóteses em que se trate de rever uma anterior decisão sua, haver-se-á de entender, caso não haja outro prazo estabelecido, que o prazo decadencial jamais excederá àquele correspondente ao da prescrição da ação judicial de que disporia. Pois é óbvio que o termo prescritivo da ação destina-se precisamente a proporcionar a estabilização das situações jurídicas.”

Também a douta Maria Sylvia Zanella Di Prieto10, na sua magistral obra “Direito administrativo” esclarece :

“Desse modo, prescrita a ação na esfera judicial, não pode mais a Administração rever os próprios atos, quer por iniciativa própria, quer mediante provocação, sob pena de infringência ao interesse público na estabilidade das relações jurídicas.”

4. Conclusões

Caso o título de direitos minerários tenha sido outorgado com erro(s) de consideração sobre a situação da área requerida, ou sobre a ordem cronológica da protocolização de requerimentos de títulos destes direitos objetivando uma mesma área, ou parte dela, sua vigência ficará sujeita à condição resolutiva da nulidade do título outorgado. Tal nulidade poderá ser pleiteada, por qualquer interessado dentro do prazo de um ano, contado a partir da publicidade da outorga do título no D.O.U., nos termos do art. 66, § 3º, do Código de Mineração1, complementado pelo art. 103, § 3º, do seu Regulamento3, prazo decadencial do direito do fazê-lo.

O pleito da nulidade deverá ser objeto da ação judicial a que se refere o art. 66, § 3º, do Código de Mineração1, ou declarada em decisão exarada no processo administrativo de que trata o art. 68 deste Código1, instaurado ex officio ou mediante denúncia comprovada, desde que a sua instauração seja publicada no D.O.U. antes do vencimento do supracitado prazo decadencial..

Por conseguinte, aquele que se julgar prejudicado em face de errônea consideração sobre a localização de área pleiteada em requerimento de título de direitos minerários, ou da ordem cronológica de protocolização de requerimentos destes títulos envolvendo tal área, deverá pleitear a anulação do título eventualmente outorgado na mesma, mediante a interposição da ação judicial e/ou do recurso administrativo cabíveis. Deverá fazê-lo com presteza, pois, o direito não protege negligentes (dormientibus non succurrit jus)

É oportuno observar que, se o requerimento de título de direitos minerários for indeferido ou a área nele pleiteada for reduzida, a área requerida e/ou a parte que lhe foi retirada, em face desta redução, poderá(ão) ficar livre(s), ser(em) requerida(s) por um terceiro e a este ser outorgado título de direitos minerários contemplando a(s) mesma(s). Neste caso, este título cristalizar-se-á como direito adquirido deste titular, se a sua nulidade não for oportunamente pleiteada e formalmente declarada.

Se anulação do título de direitos minerários for pedida na via administrativa, o peticionário deverá ficar atento ao decurso do prazo decadencial do direito de pleiteá-la e, diante da proximidade do seu vencimento sem a adoção da medida administrativa que garanta a decisão do pedido, que é a publicidade no D.O.U. da instauração do processo administrativo de nulidade do título, ao qual se refere o art. 68 do Código de Mineração1, deverá propor, para garanti-la, a ação de que trata o art. 66, § 3º, do citado Código1.

Referências
1BRASIL. Decreto-Lei nº 227, de 28/02/1967 – Código de Mineração – Dá nova redação ao Decreto-Lei nº 1.985 (Código de Minas) de 29/01/1940. Disponível em www4.planalto.gov.br/legislacao/decretos-leis.
2BRASIL. Lei nº 6.403, de 15/12/1976. Modifica dispositivos do Decreto-Lei nº 227, de 28/02/1967 (Código de Mineração).  Disponível em www4.planalto.gov.br/legislaçao/ leis-ordinárias.
3BRASIL. Decreto nº 62.934, de 02/07/1968 – Regulamento do Código de Mineração. Disponível em www.dnpm.gov.br/legislacao/decretos.
4BRASIL. Decreto-Lei nº 271, de 28/02/1967 – Dispõe sobre loteamento urbano, responsabilidade do Ioteador concessão de uso e espaço aéreo e dá outras providências. Disponível em www.planalto.gov.br/legislaçao/ decretos-leis.
5BRASIL Lei nº 11.481, de 31/05/2007 – Dá nova redação a dispositivos das Leis nos 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.666, de 21 de junho de 1993, 11.124, de 16 de junho de 2005, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, 9.514, de 20 de novembro de 1997, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987; prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União; e dá outras providências.. Disponível em www.planalto.gov.br/legislaçao/ leis ordinarias
6BRASIL. Lei nº 9.784, de 29/01/1999 – Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal – Disponível em www.planalto.gov.br/legislaçao/ leis-ordinárias.
7BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: www.planalto.;gov.br/constituicao
8BRASIL. PARECER/PROGE Nº 233/2001. Disponível em www.dnpm.gov.br/acesso-a-informacao/legislacao/pareceres.
9BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, São Paulo, 11ª ed., Malheiros editores, 1999, pp. 96.
10DI PRIETO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, São Paulo, 8ª ed, Ed. Atlas, 1997, pp. 487.

Informações Sobre o Autor

Carlos Luiz Ribeiro

Geólogo. Advogado


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